segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Discografias Comentadas: King Crimson - Parte II



King Crimson reunido em 1980: Tony Levin, Bill Bruford, Adrian Belew e Robert Fripp

Por Micael Machado

Após o primeiro encerramento de atividades do King Crimson, Robert Fripp foi trabalhar com Brian Eno, David Bowie, Peter Gabriel (ex-Genesis) e Debbie Harry (ex-Blondie). Influenciado pela então iniciante New Wave, Fripp começou a pensar na ideia de montar um novo grupo, e chamou Bill Bruford novamente para a bateria (sendo que o antigo colaborador andava fascinado com as baterias eletrônicas da época, trazendo esta sonoridade para a nova banda). Para o baixo veio Tony Levin, parceiro de Fripp na banda de Peter Gabriel, e para os vocais e segunda guitarra, Fripp convidou Adrian Belew, ex-Bowie e Frank Zappa, e que estava tocando com o Talking Heads. O novo grupo inicialmente se chamaria “Discipline”, mas Belew sugeriu que adotassem o antigo nome, e, com isso, o Rei Escarlate ressurgiu, depois de seis anos, com um novo ânimo e uma sonoridade renovada.


Discipline [1981]

Discipline foi o primeiro lançamento do renascido King Crimson. Com uma sonoridade bastante diferente daquela apresentada na década de 70, com muitas influências da New Wave, o disco pode soar estranho aos velhos fãs, mas tem muitas qualidades. O lado A é bem mais pop (para um disco do Rei Escarlate, bem entendido), e canções como “Elephant Talk”, “Frame By Frame” e “Matte Kudasai” demonstram bem a direção que Fripp queria dar à sua então nova banda. “The Sheltering Sky” e “Discipline”, as duas faixas instrumentais de encerramento, são as que musicalmente mais lembram o antigo Crimson, mas mesmo assim soam bastante diferenciadas da sonoridade daquele grupo. Este é o primeiro disco da “trilogia das cores”, e, para mim, o melhor deles.


Beat [1982]

Beat, o segundo disco da trilogia, é bem mais pop do que o anterior. Claro que não é um pop descartável de FM, mas suas canções são bem mais acessíveis que o catálogo antigo do grupo, levando-me a dar-lhes essa denominação. “Neil and Jack and Me” (com título e letra baseados no clássico livro “On The Road”, de Jack Kerouac), “Heartbeat” e “Waiting Man” são exemplos disso. A sonoridade mais experimental do velho Crimson, ainda que bastante influenciada pelos ritmos e timbres da época, aparece em “The Howler” (cujo título deriva do poema “The Howl”, de Allen Ginsberg), “Requiem” e na minha favorita do disco, a instrumental “Sartori in Tangier”. De toda a discografia do Rei Escarlate, este para mim é o álbum mais fraco, mas ainda assim possui muitos bons momentos.


Three of a Perfect Pair [1984]

Three of a Perfect Pair encerra a “trilogia das cores”. Seu estranho título talvez tenha relação com as divisões dos lados do LP. Se o lado A é mais acessível (assim como Beat), o lado B é mais experimental (como acontecia no lado B de Discipline). Assim, cada lado seria um terceiro lado de um dos discos anteriores, justificando o nome (algumas versões indicam que o nome seria baseado na teoria de que toda história possui três lados, o “meu”, o “seu” e a “verdade”, conceito bastante empregado no mundo das artes). No lado “pop”, destacam-se a faixa título, “Sleepless” e “Man With an Open Heart”. Já no lado B, o maior destaque é a terceira parte de “Larks’ Tongues In Aspic”, cujas duas primeiras aparições estavam no disco de mesmo nome, além de conter “Industry”, uma faixa que eu sempre achei quase inaudível em seus mais de sete minutos, e que, para minha surpresa, foi executada ao vivo pelo Stick Men Trio no show que assisti em Porto Alegre. A reedição em CD de 2001 trouxe várias faixas bônus, que adicionaram um “terceiro lado” para o disco, perdendo um pouco o sentido das divisões que explanei antes. Após o lançamento, Fripp teve problemas com a gravadora e seu management, colocando a banda na geladeira mais uma vez e dedicando-se ao seu curso de violão, o Guitar Craft. Mas ainda não era o definitivo final da trajetória do Rei Escarlate.


O Double Trio: Tony Levin, Pat Mastelotto, Bill Bruford e Trey Gunn (atrás),
Adrian Belew e Robert Fripp (à frente)


Thrak [1995]

Onze anos depois, o King Crimson estava de volta, com Fripp tendo montado a sua própria gravadora (a DGM) e assumindo de vez o comando de seus próprios negócios. Thrak trazia novamente na formação o quarteto da encarnação anterior, acrescidos de Trey Gunn no baixo (e sticks e warr guitars, assim como Tony Levin) e Pat Mastelotto na bateria e percussão, no único disco de estúdio da formação conhecida como “Double Trio”, se não contarmos o EP Vrooom, lançado ainda em 1994 como “aperitivo” para o álbum da volta, e cujas faixas aparecem em versões diferentes neste, com exceção de duas: “Cage” e “When I Say Stop, Continue”. Thrak já começa com tudo, com “Vrooom” e “Coda: Marine 475” lembrando os tempos de Red, com seus intrincados riffs, característica que é seguida na faixa título e no encerramento do álbum, com “Vrooom Vrooom” e “Vrooom Vrooom: Coda”. As excelentes “Dinosaur” (com um belíssimo trabalho de guitarras da dupla Fripp/Belew, principalmente na parte final) e “People” chegam a lembrar o lado mais pop da trilogia das cores, mas são mais progressivas e dissonantes que as canções daquela época. “Walking on Air” e “One Time” estão entre as melhores baladas já gravadas pela banda, enquanto “B’Boom” é quase uma nova versão para a clássica “The Talking Drum”. Um belo disco, apontando o caminho a ser seguido por esta nova encarnação do Rei Escarlate.


The ConstruKction of Light [2000]

Após a tour de promoção de Thrak, o grupo se dividiu nos chamados ProjeKCts, subgrupos de três a quatro membros da formação Double Trio, que tocavam basicamente música improvisada ao vivo visando gerar material para um futuro álbum do King Crimson. Alguns álbuns ao vivo chegaram a ser lançados pelos ProjeKCts, porém, na hora de voltar ao estúdio, a banda tinha em seu line-up o quarteto Fripp/Belew/Gunn/Mastelotto, com as ausências de Bruford e Levin. Essa formação foi responsável por The ConstruKction of Light, o disco mais cerebral de Fripp e companhia desde Red. A abertura com “ProzaKc Blues” não demonstra o verdadeiro direcionamento musical do álbum, o qual aparece na faixa título, com suas guitarras (as de Fripp e Belew, mais o “bass touch guitar” de Gunn) entrelaçando-se em intricados e envolventes padrões de escalas repetitivas e evolutivas, seguindo a fórmula que o King Crimson vez por outra adotava desde Larks' Tongues in Aspic, enquanto Mastelotto marca o tempo com uma contagem que parece fazer sentido só para ele. É assim também em “FraKctured” (quase uma releitura de “Fracture”, do Starless and Bible Black) e na quarta parte de “Larks’ Tongues in Aspic” (bem melhor que a terceira, diga-se de passagem). “Into the Frying Pan” e “The World’s My Oyster Soup Kitchen Floor Wax Museum” fazem o papel das canções “normais”, dedicadas aos fãs da década de 1980, porém com escalas e padrões musicais bem mais “complicados” do que as músicas que apresentavam uma inclinação mais pop naquela época. Um dos melhores álbuns da carreira do Rei Escarlate, e um verdadeiro deleite para qualquer apreciador do progressivo mais “cabeça”.


The Power to Believe [2003]

Após o lançamento dos EPs Level Five e Happy With What You Have to Be Happy With (os quais contém algumas músicas exclusivas), o mesmo quarteto de The ConstruKction of Light gravou The Power to Believe, que manteve o estilo do disco anterior, sendo uma perfeita continuação para o mesmo. Entremeadas por várias vinhetas com o título do álbum, surgem músicas mais “cerebrais” e guitarrísticas, como “Level Five”, “Elektrik” e “Dangerous Curves”, faixas onde Fripp, Belew e Gunn seguem a fórmula de riffs repetitivos que parecem evoluir à medida que a música é construída, passeando por escalas e padrões bastante complicados de se executar, sempre amparados pela marcação de tempo “alienígena” de Mastelotto; canções mais “normais” (“Facts of Life” e “Happy With What You Have to Be Happy With”, duas das melhores letras já escritas por Belew dentro do King Crimson, sendo a segunda uma das composições mais pesadas já gravada pelo grupo); e até uma belíssima balada chamada “Eyes Wide Open”, digna sucessora das baladas de Thrak. Até aqui, este é o último disco de estúdio do Rei Escarlate, mas nada garante que seu reinado tenha acabado. A excursão mais recente do grupo data de 2008, com Tony Levin de volta ao baixo (e vários outros instrumentos, como sempre) e a adição de Gavin Harrison (do Porcupine Tree) na bateria, ao lado de Mastelotto. O jeito é aguardar e ver o que o futuro nos trará.


A formação de 2008: Pat Mastelotto, Adrian Belew, Robert Fripp, Gavin Harrison e Tony Levin


Desde que montou a gravadora DGM, Fripp vem lançando vários discos ao vivo do King Crimson, gravados desde 1969 até os anos 2000, a maioria deles dentro do chamado “Collector’s Club”, cuja filosofia inicial previa que, mediante uma taxa, o sócio do clube teria direito a discos exclusivos da banda. Este conceito foi depois abandonado, e os discos ficaram à venda pelos métodos tradicionais, além do site da própria DGM. Mais de trinta lançamentos deste estilo já surgiram no mercado, a maioria muito atraentes aos fãs do Rei Escarlate, e a fonte ainda não secou. Long Live the King!

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