domingo, 3 de março de 2024

Datas Especiais: 50 anos da apresentação do Secos & Molhados no Maracanãzinho

Por Micael Machado

Há exatos cinquenta anos, em 10 de fevereiro de 1974, uma banda nacional se apresentava pela primeira vez como uma atração "solo" (sem o suporte de outras atrações ou de artistas convidados para "ajudar" a "chamar" ao público) no Ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Até então mais utilizado, em termos musicais, para finais de festivais (com diversas atrações diferentes ao longo das noites, e, por vezes, nomes internacionais para atrair mais atenção), uma apresentação única de apenas um artista no local parecia, para a época, algo muito ousado, e, sem dúvidas, um tanto arriscado, tanto financeiramente quanto artisticamente. Financeiramente, a dúvida era: conseguiria uma única atração levar pelo menos trinta mil pessoas para o estádio, capacidade estimada então para o local, e, assim, lotar o mesmo (algo inédito até então para os artistas brasileiros)? Já do lado artístico, a dúvida era em como conseguir, com as condições tecnológicas da época, "entregar" um espetáculo visual e auditivo compatível com as dimensões exageradas da edificação, fazendo com que o público pudesse ver e ouvir à apresentação com, pelo menos, um mínimo de qualidade? 

Pois foram estes desafios que o Secos & Molhados, incentivados por seu empresário da época, o jornalista e produtor musical Moracy do Val, toparam enfrentar naquele começo de ano. Este artigo não pretende relatar fielmente o que ocorreu naquela noite (até porque registros em vídeo da apresentação são raros de encontrar, e este escriba sequer tinha nascido na data em que tudo ocorreu), mas sim marcar esta data histórica para a música nacional, afinal, foi a partir deste show que os ginásios de esportes ao longo do país começaram a ser verdadeiramente considerados como "viáveis" para shows individuais de artistas nacionais, e, se hoje temos apresentações de artistas consagrados (tanto nacionais quanto internacionais) em estádio de futebol ou em palcos gigantes como o dos mega festivais, tenho convicção de que muito se deve ao que ocorreu naquela noite e naquele local cinquenta anos atrás.

Segundo o livro Primavera nos Dentes, do escritor Miguel de Almeida, foi Moracy quem deu a ideia da apresentação do grupo no Maracanãzinho. Até então, fazia pouco mais de seis meses que o disco de estreia da banda havia sido lançado no mercado, e já estava "estourado" em todo o país, com o álbum vendendo mais de um milhão de cópias em pouco tempo, "batendo todos os recordes de vendagens de discos e público", segundo a wikipedia. O sucesso do disco se refletiu nos shows, cujo número de presentes nas apresentações vinha aumentando gradativamente, saindo das iniciais 50 ou cem pessoas nos shows do começo de carreira para números que ultrapassavam os seis mil pagantes em lugares como Brasília, Recife, Salvador e outras do interior do estado de São Paulo. Foi a presença do grupo nos ginásios esportivos destes municípios (únicos locais com capacidade para suportar a quantidade de gente que queria ver a banda ao vivo na época) que convenceu Moracy de que seria possível lotar o Maracanãzinho apenas com o público do Secos & Molhados, sem precisar de outras atrações. Com a aceitação dos demais membros do grupo (a saber, Ney Matogrosso na voz, João Ricardo na voz, violões e harmônica, e Gérson Conrad na voz e no violões), começou então a empreitada para fazer a coisa "acontecer" de verdade.

Secos e Molhados no show do Maracanãzinho, 1974. Fonte: Revista TRIP

João Ricardo e Moracy do Val se reuniram com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então diretor geral da Rede Globo, já à época a emissora mais poderosa do país, e que, meses antes, havia sido peça importante da história da banda ao impulsionar seu nome para todo o Brasil através da exibição dos clipes de "Sangue Latino" e "O Vira" no programa "Fantástico", em uma marcante noite de domingo de setembro de 1973. Boni duvidou do sucesso da empreitada proposta pelos dois, mas aceitou promover o show em troca da gravação do espetáculo, que, aparentemente, chegou sim a ser filmado, mesmo que poucos registros (ainda com imagens em preto e branco) tenham sobrevivido até hoje, e que eu não tenha conseguido nenhuma evidência de que algum especial tenha sido exibido à época (ou depois) pela Rede Globo. O áudio da apresentação existe, mas falaremos dele mais adiante.

Outro obstáculo para a realização do show foi o medo dos bombeiros cariocas com relação à segurança e integridade do público. A preocupação da corporação exigiu, segundo o já citado livro Primavera nos Dentes, maiores distâncias do que o inicialmente previsto separando palco e plateia, maiores divisões nas arquibancadas, novas posições para grades de proteção, e a criação de mais saídas de emergência. Com tudo isso, a capacidade do local foi reduzida para vinte mil pessoas, ainda assim, um número imenso de presentes perto do que reuniam os shows dos artistas nacionais na época. Todos os ingressos foram vendidos, e estima-se que milhares de não-pagantes ficaram do lado de fora do ginásio (na wikipedia, há a citação de que 90 mil pessoas teriam ficado nas cercanias do local, número que me parece exagerado, mas que não duvido ter sido possível).

Mesmo com a qualidade do som não sendo lá "essas coisas", o Secos & Molhados, composto então, ao que consegui averiguar, além dos três membros principais, por Emilio Carrera no piano e no órgão, John Flavin na guitarra, Marcelo Frias na bateria e percussão, Sergio Rosadas na flauta e Willy Verdaguer no baixo, subiu ao palco pouco depois das nove horas da noite, e, também segundo o citado livro, fez uma apresentação de pouco mais de uma hora, com duas músicas no bis: "Mulher Barriguda" e "Sangue Latino". No início do espetáculo, houve um momento de tensão, quando as pessoas tentaram se aproximar do palco, mas foram contidos por um cordão policial, que começou a empurrar o pessoal de volta para as arquibancadas. Incomodado com a situação, Ney parou de cantar, sendo imediatamente seguido pela banda, que ficou em silêncio até os policiais "aliviarem" e permitirem uma maior liberdade de movimentação do público pelo local, que pôde então se aproximar mais de seus ídolos no palco.

A reedição da Polysom para o vinil com a gravação do show

Mesmo com tantos problemas de organização e execução, o show foi considerado um sucesso, sendo até então o recorde absoluto de público para um grupo nacional no país. Seis anos depois, já com o trio principal afastado, a gravadora Continental lançou um registro em vinil com pouco mais de meia hora de áudios gravados naquela noite. Por anos ouvi que este seria "extremamente mal gravado", "sem boa definição sonora", e um registro "apenas para colecionadores". Como o vinil original se tornou uma raridade muito buscada pelos apreciadores dos bolachões (que, para o terem em suas coleções, sempre tiveram de estar dispostos a investir pequenas fortunas na aquisição de uma cópia do mesmo), nunca cheguei a ouvir a edição original (pelo menos, não que me lembre), mas uma reedição do ano passado feita pela Polysom me permitiu adquirir uma cópia do mesmo, e perceber que, pelo menos neste relançamento, o áudio não é tão "desgracento" assim como a lenda dizia (tenho bootlegs de bandas bem maiores gravados em condições muito piores), servindo, ao menos, para que se possa ter uma ideia da sonoridade da banda naquela noite. As nove canções presentes no registro são apenas um aperitivo para os fãs do grupo, mas não são de forma alguma "desprezíveis", como muitas vezes vi as pessoas se referirem a este álbum (a própria Polysom colocou no encarte da reedição que o registro "apresenta algumas imperfeições técnicas", mas que "o valor documental e a raridade desta obra justificam esse relançamento"). Minha maior reclamação é a "mutilação" efetuada na faixa final, "O Vira" (da qual apenas uma pequena parte aparece no vinil), e a ausência da versão em espanhol para "Sangue Latino", presente em um vídeo de oito minutos facilmente encontrável no youtube quando escrevo este texto.

É na contracapa deste disco de 1980 que um texto de Gérson Conrad coloca que a noite teve "tantos detalhes, como gente que gritava emocionada, que chorava, que desmaiava, que agredia, que atirava flores, que xingava... tudo isso era tão forte e mágico que, quando saímos de cena, não acreditávamos ter conseguido". Pois conseguiram, e realizaram algo tão marcante que, como escrevi antes, mudaria para sempre o cenário musical do país, e possibilitaria que os espetáculos artísticos no Brasil viessem a nos proporcionar emoções múltiplas e variadas nos cinquenta anos que se passaram desde aquela noite, no mínimo, histórica, passada em um Maracanãzinho lotado!

Deep Purple: Cinco Músicas Injustiçadas

Por Micael Machado

Seguindo a ideia do nosso colega André Kaminski, que, há poucos meses, elencou cinco músicas do Iron Maiden que, na sua opinião, seriam "injustiçadas", venho listar aqui cinco canções do seminal grupo Deep Purple que considero que podem ser "encaixadas" na mesma categoria. Os critérios que segui ao selecionar as faixas foram: as músicas não podem ter sido lançadas como single; não podem constar do track list de álbuns ao vivo oficiais (nem de bootlegs que eu conheça); não podem constar de coletâneas oficiais do grupo (pelo menos, não das mais famosas); não podem ter recebido versões de outros artistas (pelo menos, não ter recebido versões de grande repercussão no meio musical); serem músicas que me agradem mais do que outras bem mais "famosas" do que elas (o que, no caso de Deep Purple, nem é tão difícil assim, pois tem muito hit da banda que nem chega a chamar minha atenção), e que, desta forma, eu julgue que mereciam mais atenção do que receberam por parte tanto da imprensa quanto dos fãs (e, por vezes, da própria banda). Sendo assim, vamos à minha relação (em ordem cronológica), e, se puder, deixe a sua nos comentários!

1. The Painter (Deep Purple - 1969)

O terceiro registro da MKI foi o que levei mais tempo para obter uma versão em vinil (embora tenha conseguido uma cópia em CD ainda na década de 1990), e sempre foi o meu favorito desta fase. Uma das faixas de maior destaque do disco, para mim, é "The Painter", onde, em pouco menos de quatro minutos, a banda antecipa a sonoridade da MKII alguns meses antes de oficializar a troca de seus integrantes. Com um ritmo que me remete à "Black Night" (tendo também algo de "Hush" ali no começo), a última faixa do lado A (que vinha emendada à "estranha" "Fault Line") dá espaço tanto para Blackmore quanto para Jon Lord deixarem solos marcantes, ainda que curtos para os padrões que o grupo adotaria pouco tempo depois. Segundo o Discogs, a faixa apareceu em uma coletânea chamada The Best Of Deep Purple em 1972, numa edição lançada apenas nos Estados Unidos. Como eu nem sabia da existência desta compilação, e como ele não foi lançado mundialmente, vou "burlar" a regra que diz que a música não pode constar de lançamentos deste tipo, e incluir esta faixa que, a meu ver, deveria ser mais ouvida e comentada pelos fãs do grupo!

2. Flight Of The Rat (Deep Purple In Rock- 1969)

In Rock foi um dos primeiros discos do Purple que ouvi, sendo, ainda hoje, o meu favorito em sua discografia. "Flight Of The Rat" é, possivelmente, a minha faixa favorita não só deste disco, como de toda a carreira da banda, e, que eu saiba, nunca foi interpretada ao vivo pelo grupo (nos discos ao vivo que conheço da turnê do álbum, tanto oficiais quanto bootlegs - e olha que são vários -, ela nunca apareceu, pelo menos). Uma das poucas faixas do grupo com solos (ainda que curtos) de quase todos os instrumentistas (apenas Glover não tem seu momento "solitário"), além de uma excelente performance vocal por parte de Gillan, nunca entendi porque ninguém parece considerar os quase oito minutos desta faixa no mesmo nível de excelência que eu! Novamente, segundo o Discogs, ela chegou a ser lançada como single na Nova Zelândia, e fazer parte da coletânea tripla The Platinum Collection, de 2005. Como no caso anterior, vou fingir que não sabia desta informação, e incluir esta pérola (que, para mim, é a mais injustiçada desta lista) nesta relação! Espero que compreendam...

3. 'A' 200 (Burn - 1974)

Esta faixa sempre chamou minha atenção não só por ter sido um dos primeiros temas instrumentais do grupo que ouvi (Burn foi um dos primeiros álbuns da banda que conheci), mas, principalmente, pelo trabalho de Jon Lord ao longo de sua duração. O músico, sempre mais lembrado por mim por suas mágicas "peripécias" no órgão Hammond, aqui brinca e (se) diverte com diversos sintetizadores, numa faixa onde a marcação quase "marcial" da cozinha deixa espaço para ele brilhar como poucas vezes na carreira da banda. E o que é o solo de Blackmore na parte final? Nunca entendi porque ela não constava das apresentações ao vivo do Purple, e nem mesmo Glenn Hughes, que, nos últimos anos, tem feito shows "especiais" em tributo ao seu tempo no grupo e a este álbum específico, se dedicou a incluí-la nos repertórios de suas apresentações. Se é para reclamar de algo nesta faixa, é apenas do "fade out" no final, que parece ter nos privado de mais alguns segundos (ou minutos) nesta viagem musical que encerra o melhor álbum da MKIII.

4. Comin' Home (Come Taste the Band - 1975)

Come Taste the Band, o único registro em estúdio da MKIV, é um álbum que levei anos para realmente entender e gostar. Muita gente o acusa de ser muito bom, mas não se parecer com um "disco do Deep Purple". Seja lá o motivo desta afirmação, ela certamente não pode se aplicar à sua faixa de abertura. Hard rock direto, pesado e sem muitas variações, com um piano muito bem colocado por Lord e partes de guitarra mais "pesadas" do que o restante do disco, "Comin' Home" foi, ao que consta, executada pouquíssimas vezes pela banda durante a turnê de divulgação do álbum, e não aparece em nenhum dos discos ao vivo desta época. Pelos meus critérios iniciais, não poderia constar aqui, pois, novamente segundo o Discogs, aparece na coletânea The Collection de 1997 (além de ter sido lado B do single para "You Keep On Moving" no Japão, de ser faixa bônus em algumas edições do The Purple Album, do Whitesnake, e de fazer parte de outra coletânea, Purple Hits - The Best Of Deep Purple, lançada na Finlândia em 2003). Mas, quer saber, não tinha como eu deixar esta faixa de fora desta lista, então, pro espaço (mais uma vez) com as regras!

5. The Spanish Archer (The House of Blue Light - 1987)

Na minha opinião, The House of Blue Light é um dos piores registros da carreira do Deep Purple. Pouca coisa se salva de seus sulcos, e, deste pouco, boa parte está nos quase cinco minutos desta faixa. Para mim, a melhor participação de Blackmore neste retorno da MKII (que inclui o disco anterior, Perfect Strangers), com passagens de música clássica no refrão, e solos e mais solos do "homem de preto", que parece estar participando, nesta faixa, em um disco do "seu" Rainbow, e não do de uma banda "coletiva" como o Purple sempre foi. O que o genioso (e genial) guitarrista faz ao longo da duração desta faixa é digno de figurar bem alto nos melhores momentos de sua carreira. Mesmo assim, ela não aparece no álbum ao vivo oficial da turnê (o também fraquíssimo Nobody's Perfect, de 1988), e, que eu saiba, nem chegou a ser executada ao vivo. Novamente me valendo do Discogs, vi que esta faixa aparece na coletânea The Universal Masters Collection - Classic Deep Purple, de 2003, e em uma outra chamada The Deep Purple Collection, lançada na Alemanha, Áustria e Suíça em 2011. Mais uma vez, fiz de conta que não sabia disso, porque simplesmente tinha de incluir "The Spanish Archer" nesta relação.

Não incluí nenhuma música da fase Steve Morse (seja com Lord ou Airey nos teclados) na lista, pois há muitos discos ao vivo desta época, e quase todas as músicas que eu considero realmente boas gravadas pelo Purple com este guitarrista podem ser encontradas em algum destes registros (embora uma das melhores, "The Aviator", só conste em um deles, ao que eu saiba - o bastante recomendável Live In London 2002, de 2021). Slaves and Masters não merecia sequer ter o nome Deep Purple na capa, que dirá ter uma música nesta lista, e a Mark IX, com o guitarrista Simon McBride, ainda não lançou nenhum álbum oficial, portanto, não se "habilitou" a ter algo na lista.

Havia algumas faixas que eu gostaria muito de ter incluído aqui, mas os critérios que adotei me impediram. Por exemplo:

- Da MKI, "Listen, Learn, Read On" ou "Shield" foram minhas escolhas iniciais, mas a primeira chegou a ser lançada como single (além de aparecer em algumas coletâneas), e a segunda aparece nas bem conhecidas coletâneas Anthology, de 1991, e Purple Passages, de 1972, o que as desqualificou;

- Da primeira fase da MKII, "Rat Bat Blue" sempre foi uma faixa que penso que merecia mais atenção do que recebe. Mas, como ela aparece na famosa coletânea A Fire In The Sky, de 2017 (além de ter sido "lado A" de EP na Tailândia, e "lado B" do single para "Woman From Tokyo", segundo o Discogs), acabou desqualificada para aparecer na lista;

- A segunda versão da MKII, nos anos 1980, deixou uma espetacular  faixa instrumental chamada Son of Alerik, que pouca gente ouviu, infelizmente. Eu a conheci na coletânea Knocking at Your Back Door: The Best of Deep Purple in the 80's, de 1992, mas, segundo o Discogs, ela foi lado B tanto do compacto para "Knocking at Your Back Door" quanto para o de "Perfect Strangers". Sendo assim, não preencheu os requisitos necessários para estar nesta lista, embora tenha qualidades para tal;

- A lindíssima "Holy Man" poderia muito bem representar a MKIII nesta lista, mas, como ela aparece em várias coletâneas (segundo o Discogs), e foi regravada pelo Whitesnake no já citado The Purple Album, acabou ficando de fora;

"Drifter" ou "Love Child" poderiam ser as representantes da MKIV na lista, pois são tão pouco lembradas quanto a que escolhi. Mas ambas tem versões ao vivo oficiais nos discos que registram a passagem de Tommy Bolin pelo grupo, além de aparecerem aqui e ali em coletâneas do grupo, o que acabou as afastando da lista final (embora para ser honesto, "Comin' Home" sempre tenha sido minha escolhida para representar esta fase).

Como bem escreveu o André na sua lista de "injustiçadas" do Iron Maiden, tenho certeza que o caro leitor também tem as suas faixas favoritas que nem a banda, nem a imprensa e nem outros fãs do Purple dão tanta atenção e dedicação quanto você. Fique a vontade para comentar as minhas escolhas e, claro, colocar as suas também no campo de comentários abaixo. Seguindo os critérios que estabeleci, ou não! Topam o desafio?

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Bodom After Midnight – Paint The Sky With Blood [2021]

Por Micael Machado

Em novembro de 2019, o grupo finlandês Children Of Bodom anunciou que os membros fundadores Henkka Seppälä (baixo), Janne Wirman (teclados) e Jaska Raatikainen (bateria) estavam deixando a banda em função das famosas "divergências musicais" com o guitarrista, vocalista, compositor e "líder-da-porra-toda" Alexi Laiho, o qual ficaria apenas com seu companheiro de seis cordas Daniel Freyberg ao seu lado no line-up do time remanescente. Os dois rapidamente se movimentaram para arregimentar uma nova formação para o quinteto, mas um acordo entre Laiho e os membros dissidentes não permitia que o guitarrista continuasse usando o nome Children Of Bodom em seus futuros projetos. Sendo assim, surgiu o Bodom After Midnight (usando o nome de uma das mais famosas composições da extinta banda de Alexi), onde os dois guitarristas teriam a companhia de baixista Mitja Toivonen (ex-Santa Cruz) e do baterista Waltteri Väyrynen (também do Paradise Lost, além de outros grupos). A banda chegou a fazer alguns poucos shows no final de 2020, mas, em 29 de dezembro daquele ano, Laiho viria a falecer de doenças no fígado e pâncreas causadas pelo consumo excessivo de álcool. Sendo assim, parecia que a trajetória musical do novo grupo estava encerrada ali, mas a gravadora Napalm Records, como acontece frequentemente nestes casos, parece ter pensado diferente, e, em fevereiro de 2021, anunciou, junto aos membros remanescentes, que um EP seria disponibilizado ainda naquele ano, o que veio a ocorrer a 23 de abril, segundo a Wikipedia.

Acontece que Laiho e seus novos parceiros estavam iniciando os trabalhos de gravação de seu álbum de estreia quando a morte do líder ocorreu. Três músicas já estavam prontas (gravadas nos estúdios Finnvox na Finlândia, ao lado do produtor e engenheiro Joonas Parkkonen), e foram mixadas por Mikko Karmila e masterizadas por Mika Jussila (dois antigos colabores de Alexi de seus tempos com o Children Of Bodom) para fazerem parte de Paint The Sky With Blood, o único lançamento oficial do Bodom After Midnight, e o epitáfio musical de um dos melhores guitarristas de sua geração.

Bodom After Midnight: Mitja Toivonen, Waltteri Väyrynen, Alexi Laiho e Daniel Freyberg

Duas destas canções são composições originais de Laiho, a faixa título (que, inclusive, chegou a ganhar um vídeoclipe, filmado alguns dias antes da morte do vocalista) e "Payback's a Bitch". Tendo sido compostas, tanto em sua parte musical quanto lírica, por Alexi, é óbvio que estilo das duas não iria se afastar muito daquele usado por ele no COB, mas há algumas diferenças claras, como, por exemplo, o pouco espaço dado aos teclados (que, em estúdio, foram tocados pelo músico convidado Vili Itäpelto).

"Paint the Sky with Blood", a música, é a mais "agressiva" das duas, bastante veloz, e remete aos primórdios da banda anterior do guitarrista, com aquelas "paradinhas" para a guitarra base ter algum destaque e algumas "quebras" de andamento ao longo da execução que eram já tradicionais nas faixas do COB. A letra faz alusão às figuras da mitologia grega das três Erínias (que, na mitologia romana e também na língua inglesa, são chamadas de "fúrias", nome mais adequado a seu "papel" na letra desta composição), que seriam a personificação da vingança, mostrando, talvez, o desejo do músico de se "vingar" de seus ex-companheiros através da continuação de sua carreira de sucesso (algo que, infelizmente, não chegou a acontecer). Já a segunda, apesar de rápida, não é tão veloz quanto a faixa título, mas, ainda assim, apesar de ser mais melódica, consegue ser bastante agressiva. Com um teclado aparecendo menos discretamente que na anterior (mas, ainda assim, com bem menos destaque do que aquele dado ao instrumento na época do COB), tem um solo mais interessante que sua companheira de registro, e se encaixaria bem nos álbuns finais da carreira da banda anterior do líder do grupo. Fecha o EP uma cover para "Where Dead Angels Lie" (gravada originalmente pelo grupo sueco Dissection), a qual é a mais "lenta" das três, mas ainda carrega aquele sentimento "evil" das composições de Laiho ao longo de sua carreira, além de soar relativamente fiel à original, embora as óbvias diferenças entre os vocais de Alexi e de Jon Nödtveidt, e da versão do Bodom After Midnight apresentar menos dissonâncias da guitarra em relação a versão original do Dissection.

Contracapa de Paint The Sky With Blood

Com uma qualidade sonora de produção e gravação bem acima do que eu esperava para as circunstâncias em que foram registradas (ou seja, ainda na fase inicial de um processo que levaria ao álbum completo, e no qual, possivelmente, estas faixas ainda fossem aprimoradas ao longo das etapas de produção do disco), os pouco menos de quinze minutos do EP Paint The Sky With Blood (que ganhou versões em CD e em vinil de 10 polegadas, esta em várias edições limitadas com cores diferentes, além das hoje obrigatórias "versões digitais" em várias plataformas, e de um box set especial, também limitado, com o CD e vários "mimos" para os colecionadores) acabam sendo um registro digno do epitáfio da carreira de Alexi Laiho, um nome a ser lembrado não só pelos fãs do COB ou do Death Metal Melódico, mas por todos aqueles que gostam de um heavy metal bem tocado e de escutar um guitarrista bastante virtuoso e inventivo, que, como já escrevi, foi, para mim, um dos melhores de sua geração. Rest In Peace, Alexi "Wildchild" Laiho! We all will miss you!

Track List:

1. Paint The Sky With Blood

2. Payback’s A Bitch

3. Where Dead Angels Lie

domingo, 3 de dezembro de 2023

Belgrado – Intra Apogeum [2023]


Por Micael Machado

Sete anos se passaram desde Obraz, o disco mais recente até então do grupo espanhol Belgrado, e não foi apenas a formação do grupo que mudou. Se o guitarrista Fer agora prefere assinar seu nome como Fernando Marquez (além de ter passado a cuidar também dos sintetizadores) e se o antigo baixista Renzo Narvaez cedeu seu lugar para Louis Harding já na turnê de promoção daquele trabalho, foi a troca da bateria pelos teclados feita pelo ex-percussionista Jonathan Sirit quem causou o maior impacto na sonoridade da banda, visto que sua antiga função passou a ser exercida por uma bateria eletrônica, também operada por Sirit. Sendo assim, a música do quarteto (completado pela vocalista polonesa Patrycja Proniewska), que antes parecia um pós-punk vindo diretamente de 1980 ou 1981, parece ter "avançado" alguns anos no tempo, e, neste Intra Apogeum ("Apogeu Interno", em polonês), soa como uma mistura de pós-punk com algo do estilo new romantic, em um disco que parece ter sido gravado ali por 1983 ou 1984, e engavetado por todo esse tempo em algum arquivo "perdido" do selo La Vida Es Un Mus, responsável por este lançamento (no caso do Belgrado, com edições em vinil e, pela primeira vez em sua discografia, também em CD), assim como pelos  três registros anteriores do conjunto.

E não é só o estilo musical das novas músicas que remetem aos anos 1980. Os timbres dos teclados e os efeitos eletrônicos (que quase soam datados neste século XXI) escolhidos por Jonathan, além dos padrões de programação selecionados para a bateria eletrônica (elementos todos que já aparecem logo de cara na faixa de abertura "Boixar", que ganhou clipe  é um dos destaques do álbum) e a própria produção do disco passam essa impressão. "Nie Zapomnę", outra que ganhou clipe, conta com um baixo com bastante "groove", e é uma composição em mid-tempo totalmente oitentista, assim como a dançante "Tęsknota".  Os teclados de "Rytmy Wszechświata" a tornam uma das faixas mais pop da carreira da banda, "título" que também pode ser "reclamado" pela agitada  "Tu I Teraz".

Belgrado em 2023: Jonathan Sirit, Patrycja Proniewska, Fernando Marquez e Louis Harding

Com mais de seis minutos, "Elementy Umysłu" tem um começo climático, que descamba em uma faixa que parece saída diretamente das sessões do The Cure na fase que resultou na coletânea Japanese Whispers, com uma sonoridade dançante, mas que carrega ainda alguns toques de melancolia, sentimento que também aparece em "Na Szlak", embora a sonoridade dos teclados apague um pouco esta sensação, além desta ser a única faixa do registro a contar com uma frase na letra que não é cantada na língua polonesa (no caso, o espanhol de "Ni un minuto más", repetido por Pat no final da canção). Já a faixa título, que também fecha o álbum, parece fazer mais claramente o elo que une o passado (graças ao baixo e à sonoridade da guitarra) e o presente (representado pela programação da bateria e pelos timbres de teclado) da sonoridade do Belgrado.

Fer continua enchendo sua guitarra de efeitos que remetem à época áurea do pós-punk britânico do começo da década de 1980, além de continuar econômico nos solos, que, aqui, aparecem ainda menos que nos discos anteriores. O baixo de  Louis também permanece fiel à sonoridade daquela época, soando bem "na cara" dos ouvintes, e, assim como em registros anteriores, continua sendo a característica do som do grupo que mais o aproxima de grupos como Joy Division ou Sisters of Mercy. Já Pat continua cantando apenas em sua língua natal  (com exceção da citada "Na Szlak" - as letras em polonês estão todas lá no encarte, para quem se habilitar a ler aquelas palavras tão cheias de consoantes e tão escassas de vogais), mas agora aparece ainda mais contida em seus excessos vocais do que no álbum anterior, no qual já havia reduzido bastante seus "gritinhos" e "intervenções" que, convenhamos, causavam bastante estranheza quando apareciam em quantidades maiores nos dois primeiros discos do quarteto.

Contracapa de Intra Apogeum

Os pouco menos de trinta e sete minutos de Intra Apogeum pode até ser o ápice interno da banda, como seu nome sugere, mas, externamente, causará bastante surpresa nos mais desavisados que já tiverem ouvido a encarnação anterior do Belgrado antes deste novo registro. Como a sonoridade mais pop e dançante daquela metade da década oitentista nunca soou como ofensa aos meus ouvidos, eu gostei bastante do álbum, mas confesso que prefiro a sonoridade mais "crua" e focada no pós-punk dos discos anteriores. Coisa de gosto, apenas.

Track List

1. Boixar

2. Rytmy Wszechświata

3. Nie Zapomnę

4. Tu I Teraz

5. Elementy Umysłu

6. Tęsknota

7. Na Szlak

8. Intra Apogeum

domingo, 17 de setembro de 2023

Ramones – Pleasant Dreams (The New York Mixes) [2023]

Por Micael Machado

No começo de 1981, quando se reuniram para gravar o seu sexto álbum, que viria a ser lançado em julho daquele ano com o nome de Pleasant Dreams, os Ramones eram uma banda despedaçada e sem união entre seus membros. O "fracasso comercial" de sua tentativa de chegar ao estrelato no ano anterior com o álbum End of the Century, produzido pelo lendário Phil Spector (que, de fato, atingiu os maiores postos nas paradas musicais que a banda já conseguiu, mas não altos o suficiente para os desejos da banda) agravou ainda mais os conflitos entre os membros da banda, a ponto de Johnny (guitarrista) e Dee Dee (baixista - o grupo, caso alguém não saiba, era completado à época por Joey nos vocais e Marky na bateria, todos usando, logicamente, o sobrenome Ramone), parceiros de composição desde o início do grupo, chegarem ao ponto de não se falarem mais entre si, o que dirá sentarem-se para comporem juntos. Com uma orientação muito mais pop do que nos registros anteriores (considerada por alguns como culpa do produtor escolhido pela gravadora, o britânico Graham Gouldman, ex-integrante do 10CC), Pleasant Dreams acabou sendo o primeiro registro do grupo a contar com créditos individuais na criação das canções, e também não conseguiu o tão almejado sucesso comercial, ficando ainda abaixo do disco anterior nas paradas de sucesso (segundo a wikipedia, atingindo o número 58 na parada da billboard americana, e não figurando nas paradas inglesas), mas foi, ao longo do tempo, angariando simpatia dos fãs, e, se "The KKK Took My Baby Away" será sempre a faixa mais lembrada deste registro, os devotos mais leiais dos brothers nova-iorquinos sempre terão faixas como "We Want The Airwaves" ou "She's A Sensation" em um lugar especial dentre as suas favoritas neste álbum...

A aceitação do disco por parte das fãs parece ter mesmo mudado desde o lançamento, ao ponto do tradicional Record Store Day (procure no google sobre ele, caso não saiba) deste 2023 lançar no mercado uma nova versão do disco, chamada de Pleasant Dreams (The New York Mixes). Conta a história (e o encarte da edição expandida do disco original, lançada pela Rhino em 2002) que a banda se reuniu com o produtor em Nova Iorque por "duas ou três semanas" para registrar as faixas básicas, com Joey e Graham embarcando depois para a Inglaterra, onde o disco foi finalizado com a gravação dos vocais "completos", além da adição de backing vocals, e alguns "adornos" como teclados (citados no encarte da referida edição da Rhino como tocados por Dick Emerson, mas que a wikipedia identifica como sendo Vic Emerson, ex-membro de bandas como Mandalaband e Sad Café) e percussão (esta a cargo de Dave Hassell, sobre o qual a wikipedia não me deu maiores informações). Esta edição do RSD traria, portanto, a "versão crua" do disco, ou, como cita o adesivo grudado na edição do vinil, a versão "Works-In-Progress", ou "trabalhos em andamento", da obra. Mas, além da capa (que agora ostenta uma foto da banda, foto esta que já havia aparecido na edição expandida, vale mencionar), do encarte mais simples (sem as letras, e com a foto presente na contracapa original agora ampliada) e do vinil ser na cor amarela (e eu sempre acho legal vinis coloridos), o que há de tão diferente assim? Vale a pena comprar esta edição do RSD de Pleasant Dreams?

Os Ramones em 1981: Johnny, Marky, Joey e Dee Dee

Bem, você nem precisa ser tão fã quanto eu dos "manos" para ter razões de sobra para adquirir esta nova versão. A chance de ouvir novas versões de conhecidas (e, supostamente, apreciadas) faixas do grupo já fala por si só a qualquer colecionador da banda, e o fato de o vinil trazer ainda três faixas "inéditas" em vinil (falaremos mais sobre elas adiante) torna mais que obrigatória a aquisição da bolachona. Não que as músicas da versão original estejam tão diferentes assim: tirando muitos dos backing vocals da versão final, e a ausência dos teclados (mais notadamente em faixas como a citada "We Want The Airwaves", em "7-11", onde o vocal de Joey também parece diferente, como se fosse apenas um "rascunho" da versão presente no disco original, ou ainda na nova versão de "Touring" apresentada aqui) e da percussão (esta mais percebida na parte mais lenta após o primeiro refrão de "It's Not My Place (In the 9 to 5 World)", que aqui perdeu o subtítulo e também o solo de guitarra na mesma parte), pouca diferença há na maioria das faixas presentes nesta "versão americana" do álbum... "She's A Sensation" tem aqui um final abrupto, sem as repetições das vocalizações de Joey presentes na versão "oficial" lançada originalmente, e em "All's Quiet On The Eastern Front" a voz de Joey sobre os versos de Dee Dee ao final da canção parece estar mais alta nesta versão do que no registro original (aqui, cabe um comentário que é mais uma percepção do que um fato: se, no refrão desta canção, Joey e Dee alternam-se nos versos, a forma como Joey canta cada frase das estrofes principais sempre me deu a impressão de serem dois vocalistas cantando cada um o seu verso, como em um dueto, também nestas estrofes. A versão desta edição me ressaltou ainda mais esta sensação, me parecendo que o produtor conseguiu, no resultado final, juntar o que talvez sejam gravações diferentes das linhas de voz de uma maneira mais "orgânica" do que a pré-produção permitiu, com a coisa toda soando mais "crua" aqui, como, normalmente, acaba acontecendo nestes casos). No restante das canções, as principais diferenças estão nos detalhes de pós produção acrescidos á versão final e inexistentes aqui, os quais, para os admiradores de longo tempo da obra, terão uma diferença marcante, mas que, para os ouvintes casuais ou àqueles não tão "íntimos" assim do disco original, talvez passem despercebidos, para ser bem sincero...

As três músicas "inéditas" são um caso à parte: todas já haviam aparecido na forma de demos na edição expandida de 2002, mas, aqui, aparecem em versões melhor gravadas, com uma sonoridade mais "profissional" e ajustada, como se percebe bem em "Sleeping Troubles". "I Can't Get You Out Of My Mind" (que seria regravada, posteriormente, e incluída no track list de Brain Drain, disco de 1989, sem o "I" do título) não soa tão diferente assim da demo já lançada, e "Touring" (que apareceria em uma nova versão anos depois no disco Mondo Bizarro, de 1992), como citei, aparece aqui sem os teclados e muitos dos backings presentes na versão da Rhino. Uma ausência notável é "Come On Now", que, apesar de ter demos presentes em bootlegs da banda que retratam essa época, acabou ficando de fora da seleção desta edição do RSD, por motivos que fogem ao meu conhecimento (assim como não entendi o motivo de mais faixas presentes na edição expandida, ou mesmo de outras demos registradas para o disco, como "I Wasn't Looking For Love", até hoje sem uma versão "oficial", não terem sido incluídas nesta edição, ainda que a mesma virasse um disco duplo por causa destes acréscimos).

Contracapa de Pleasant Dreams (The New York Mixes)

Resumindo, esta nova edição de Pleasant Dreams traz versões "alternativas", mas nem tão diferentes assim, para um disco controverso e considerado "mediano" por muitos, mas registrado pela melhor banda que já passou por este planeta. Se esta definição for suficiente para atiçar a sua curiosidade em ouvir este lançamento, pode se jogar sem medo. A diversão é garantida.

Track List:

Lado 1:

1. We Want the Airwaves 

2. All's Quiet on the Eastern Front 

3. The KKK Took My Baby Away 

4. Don't Go  

5. You Sound Like You're Sick  

6. It's Not My Place  

7. I Can't Get You Out of My Mind  

Lado 2:

1. She's a Sensation  

2. 7-11  

3. You Didn't Mean Anything to Me 

4. Sleeping Troubles 

5. This Business is Killing Me  

6. Sitting In My Room  

7. Touring

domingo, 30 de julho de 2023

The Cure - Wish (30th Anniversary Edition) [2022]


Por Micael Machado

Entre 2004 e 2006, o grupo britânico The Cure relançou os sete primeiros álbuns de estúdio de sua discografia em edições "deluxe" duplas, com muitas faixas bônus retiradas de demos e apresentações ao vivo durante a trajetória da banda em seus primeiros anos. O oitavo álbum, Disintegration, teve sua versão "deluxe" em 2010, em um formato triplo já comentado por mim aqui no site. O próximo passo, logicamente, seria lançar a edição "deluxe" de vinte anos do nono disco, Wish, em 2012, visto a versão original ser de 1992. Mas o tempo foi passando, e os fãs não ouviam nada a respeito desse lançamento, nem de nenhum outro do grupo, a não ser por rumores. Se cogitou um novo disco de estúdio da banda (já anunciado diversas vezes, mas, no momento em que escrevo, ainda não lançado no mercado), um disco solo do cantor, guitarrista, compositor e "chefe da porra toda" Robert Smith", um CD/DVD reunindo versões ao vivo dos três primeiros álbuns executadas em shows na Austrália em 2011 com a presença do ex-membro Laurence "Lol" Tolhurst na percussão, e até a possibilidade da banda lançar três discos inéditos diferentes simultaneamente no mercado. De concreto, apenas o lançamento da edição "deluxe" da coletânea de remixes Mixed Up, originalmente lançada em 1990, e que surgiu no mercado em 2018. Até que, finalmente, em  novembro de 2022, a banda lançou a edição "deluxe" de Wish, marcando os trinta anos do álbum original, ainda hoje seu maior sucesso comercial, tendo debutado na primeira posição das paradas inglesas e na segunda nas paradas americanas quando de seu lançamento, e sobre a qual falaremos neste texto.

Originalmente lançado em um vinil duplo (e um CD simples), Wish é mais comumente lembrado por conter aquele que talvez seja o maior sucesso comercial do grupo, a canção "Friday I'm In Love", um dos maiores acenos à "pop music" feitos pela banda até então. Mas o disco é muito mais do que isto. No encarte desta edição de 30 anos (outras citações dele aparecerão ao longo deste texto, fiquem atentos), Robert Smith diz que queria "uma direção diferente daquela que o grupo tomou em Disintegration", e que o álbum Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, de 1987, serviu mais como uma referência para a sonoridade do novo disco do que o registro anterior. De fato, em muitos aspectos, Wish soa como uma espécie de  Kiss Me-parte 2: ambos são duplos, tem tons vermelhos predominando na capa, e a variedade de estilos musicais abrangidos por Bob e seus comparsas (a saber, Simon Gallup no baixo, Porl Thompson nas guitarras e teclados, Boris Williams na bateria e o então estreante Perry Bamonte nos teclados e guitarras) é enorme perto dos discos anteriores a 1985 lançados pelo conjunto. Nas doze faixas da versão original, encontramos músicas de acento descaradamente pop, como a citada "Friday I'm In Love" ("assim que terminamos de gravar, a banda sabia que tinha o seu single que agradaria às rádios", declara Robert no encarte, usando a expressão "radio friendly single" para descrever a canção), "High", "A Letter To Elise" (não por acaso, os três singles retirados do álbum), "Doing The Unstuck" (uma das poucas músicas da carreira do The Cure com uma letra que se pode considerar "alegre" e "positiva") e "Wendy Time"; baladas de cortar o coração, como "Apart" ("uma faixa atmosférica e tocada com muita emoção, mas que virou uma de nossas 'canções perdidas'", segundo Bob, visto a banda não executá-la com frequência em turnês posteriores), "Trust" ("uma das melhores coisas que já fizemos", segundo declaração do líder no encarte) ou "To Wish Impossible Things" ("que, de fato, pode muito bem ser minha faixa favorita no álbum", segundo Smith, e que conta com a participação especial da musicista Kate Wilkinson na viola); canções de tom mais "épico" e "guitarrístico" como "From The Edge Of The Deep Green Sea" ("meu melhor momento tentando ser como Jimi Hendrix", declara Bob), "Cut" e "Open"; e o encerramento com "End", uma canção densa e arrastada que, de certa forma, retoma o formato de "faixa de encerramento intensa" que o Cure manteve entre Faith e The Head On The Door (sobre esta faixa, Smith declara que queria "terminar o disco com uma música que realmente soasse como se fosse mesmo 'o fim', deixando no ar a pergunta de para onde a banda iria depois disso tudo"). Para esta versão de 2022, o disco foi remasterizado pelo próprio Smith, pois ele sentia que "o álbum original não soava bem como deveria. Os níveis estavam muito altos, não havia uma dinâmica no som, mas eu não pude fazer nada a respeito na época, pois já estava envolvido nos preparativos para a próxima turnê da banda". Esta nova versão, a meus ouvidos, pareceu realçar alguns dos backings vocals em diversas canções, e de fazer o mesmo a muitos dos solos de Thompson no disco (Porl que, aliás, tem neste álbum alguns de seus melhores momentos ao lado da banda, na minha opinião, com um trabalho muito criativo e impressionante nas guitarras, especialmente em "From The Edge...", "Cut" e "End").

O The Cure à época de Wish: Porl Thompson, Perry Bamonte, Boris Williams, Robert Smith e Simon Gallup

A edição de trinta anos do disco foi lançada em CD simples ("standard edition") e em vinil duplo (nas versões preto e "picture") remasterizados, todos com o mesmo track list da edição original, mas o formato mais interessante para os fãs é a edição em CD triplo, o qual agrega dois CDs com raridades e faixas inéditas registradas durante a confecção do álbum (surpreendentemente, todos os formatos saíram em edição nacional, pela gravadora Universal Music). O segundo CD desta edição tripla é bastante semelhante, em conceito, aos discos extras das edições "deluxe" lançadas entre 2004 e 2006, trazendo as quatro primeiras demos registradas pela banda para o disco (gravadas ainda em novembro de 1990, no estúdio The Live House, portanto bem antes do grupo se mudar para o Manor Studios em Oxford em setembro de 1991 junto do produtor Dave Allen e o engenheiro Steve Whitfield para as gravações do disco), demos instrumentais para faixas que depois ou entrariam no álbum ("To Wish Impossible Things", "Apart", "Trust") ou seriam lançadas como B-sides nos citados singles do disco ("This Twilight Garden", "Scared As You", "Play", "A Foolish Arrangement" e "Halo"), além de demos para nove canções totalmente inéditas até então: as lentas e densas "t7" e "Abetabw", as agitadas "Heart Attack" e "t6" (esta, levada pelo wah wah), as mais voltadas ao pop "Now Is The Time", "Miss Van Gogh" e "t8", a calma e suave "Swing Change" e a surpreendente  "Frogfish", faixa considerada no encarte como "funky" por Smith, e que conta com um ritmo suingado e a presença de um saxofone ao longo de sua duração, o qual não está explicitado quem o toca, mas acredito ser Porl, que tocou o mesmo instrumento no disco The Top (sobre as faixas com nomes "t" mais um número, Robert explica no encarte que era assim que nomeavam as demos trazidas por Perry, que tinha o apelido interno de Teddy na banda. Bob ainda diz que as demos de Simon também eram nomeadas "s" mais um número, mas que, como o baixista dava a elas seus próprios nomes, elas acabaram virando faixas como "Miss Van Gogh", "Now Is The Time" ou "Abetabw"). Todas as faixas foram compiladas por Smith, que declara no encarte que o grupo "tinha quase quarenta ideias para trabalhar no disco quando chegou ao Manor", e que "haviam quase trinta faixas realmente muito boas que eu poderia ter escolhido (para esta edição), faixas que nos possibilitariam ter construído várias versões diferentes daquela em que Wish resultou".

No terceiro CD, além de remixes que já haviam aparecido no lado B dos três singles lançados (para "Open", "High", "Doing The Unstuck", "Friday I’m In Love" e "A Letter To Elise"), de um remix inédito feito durante as gravações para "From The Edge Of The Deep Green Sea" (chamado no encarte como "WIP mix", ou "work in progress mix") por Smith e Allen, de uma versão ao vivo inédita de "End" gravada nos mesmos shows que resultariam no álbum ao vivo Paris em 1993, e da inédita instrumental "A Wendy Band" (outra faixa lenta e densa), estão presentes as quatro faixas instrumentais do raro EP Lost Wishes, lançado apenas em K7 em 1994: a bela e climática "Uyea Sound", as baladas "Cloudberry" e "Off To Sleep…", e a roqueira "The Three Sisters" (segundo Smith, as quatro - assim como "A Wendy Band" - "poderiam muito bem ter sido incluídas no álbum, mas eu apenas não tive tempo de finalizar as letras para elas").

A banda segue excursionando pelo mundo, inclusive com previsão de vir ao Brasil ainda em 2023, e com um novo disco já gravado e podendo ser lançado no mercado a qualquer momento (ou apenas daqui há alguns anos, dependendo da disposição de Smith). Wish segue sendo um dos grandes destaques em sua discografia, e esta versão "deluxe" é, definitivamente, obrigatória para os verdadeiros fãs do grupo. Agora, é aguardar pelas versões especiais dos próximos álbuns de estúdio... será que 2026 trará a edição de trinta anos de Wild Mood Swings? Veremos...

Contracapa da edição em CD triplo de Wish

Track List (edição com três CDs):

CD1: Remastered 2022

01. Open

02. High

03. Apart

04. From The Edge Of The Deep Green Sea

05. Wendy Time

06. Doing The Unstuck

07. Friday I'm In Love

08. Trust

09. A Letter To Elise

10. Cut

11. To Wish Impossible Things

12. End


CD2: Previously Unreleased Demos

01. The Big Hand (1990 Demo)

02. Cut (1990 Demo)

03. A Letter To Elise (1990 Demo)

04. Wendy Time (1990 Demo)

05. This Twilight Garden (Instrumental Demo)

06. Scared As You (Instrumental Demo)

07. To Wish Impossible Things (Instrumental Demo)

08. Apart (Instrumental Demo)

09. T7 (Instrumental Demo)

10. Now Is The Time [Instrumental Demo)

11. Miss Van Gogh (Instrumental Demo)

12. T6 (Instrumental Demo)

13. Play (Instrumental Demo)

14. A Foolish Arrangement (Instrumental Demo)

15. Halo (Instrumental Demo)

16. Trust (Instrumental Demo)

17. Abetabw (Instrumental Demo)

18. T8 (Instrumental Demo)

19. Heart Attack (Instrumental Demo)

20. Swing Change (Instrumental Demo)

21. Frogfish (Instrumental Demo)


CD3: Rare & Previously Unreleased Tracks

01. Uyea Sound (Dim-D Mix)

02. Cloudberry (Dim-D Mix)

03 Off To Sleep… (Dim-D Mix)

04. The Three Sisters (Dim-D Mix)

05. A Wendy Band (Instrumental)

06. From The Edge Of The Deep Green Sea (Partscheckruf Mix)

07. Open (Fix Mix)

08. High (Higher Mix)

09. Doing The Unstuck (Extended 12” Mix)

10. Friday I’m In Love (Strangelove Mix)

11. A Letter To Elise (Blue Mix)

12. End (Paris Live 92)

domingo, 14 de maio de 2023

Resenha de Show: Titãs Encontro - Porto Alegre/RS, 06/05/2023


Por Micael Machado
Fotos por Tóia Oliveira e Chico Lisboa, encontradas na página "Titãs Encontro" do facebook

Atenção: este não é um relato minucioso da apresentação da banda paulista Titãs em solo gaúcho no início de maio, mas sim um desabafo de um fã frustrado com o descaso e o desrespeito da produtora com seus clientes (que é como eles nos veem, aparentemente), e com a própria banda, por permitir que o show acontecesse nas circunstâncias narradas. Caso você queira se informar sobre aspectos técnicos ou visuais da apresentação, sinta-se livre para procurar outra matéria.

Os leitores mais assíduos do site já devem saber da minha relação de amor/ódio com os Titãs. Se, por um lado, sou um entusiasta da fase mais "pesada" da banda, de discos como Titanomaquia, Nheengatu ou os clássicos Cabeça Dinossauro e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, por outro, execro quase por completo o lado mais "suave" que a banda adotou em vários momentos da carreira, especialmente depois do sucesso do álbum MTV Acústico, quando descobriram que a sonoridade mais "família" dava mais grana que a "rebelde", e passaram a entupir nossos ouvidos de sacarinas descartáveis como "É Preciso Saber Viver" (versão para uma canção de Roberto Carlos), "Epitáfio", "Por Que eu Sei que é Amor" e tantas outras... além disso, a relevância do grupo em termos mercadológicos vem caindo ano a ano, chegando ao ponto de seu mais recente registro, Olho Furta-Cor, do ano passado, ter sido lançado apenas em meio digital, com um registro "físico" em CD vindo ao mundo apenas este ano, de forma independente, e vendido, pelo menos a princípio, exclusivamente no site da banda (com tiragem inicial de apenas mil cópias, o que, convenhamos, para uma banda da importância dos Titãs, é muito pouco)...

Foi por isso que o anúncio da turnê Titãs Encontro em 2022 me alegrou tanto. A "reunião" da formação clássica da banda nos anos 1980 (à exceção, claro e infelizmente, do guitarrista Marcelo Fromer, morto em 2001), com os cantores Branco Mello, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos (no show, também responsável pelo saxofone em algumas músicas), Sérgio Britto (também tecladista) e Nando Reis (também baixista), além do guitarrista Tony Bellotto e do baterista Charles Gavin pela primeira vez desde 2012 (naquela ocasião, para comemorar os trinta anos do grupo; agora, para comemorar os quarenta) foi motivo para atrair meu interesse desde o primeiro momento, e o fato do local escolhido para o show ser o Estádio Beira Rio, com sua excelente estrutura e acústica já elogiada até pela equipe da banda inglesa The Who (que se apresentou no local em 2017), deixava tudo pronto para uma noite inesquecível para os fãs da banda. Com o início da turnê no final de abril, e a divulgação do repertório focado quase exclusivamente nos "clássicos" da década de 80 (apenas quatro das trinta e duas músicas apresentadas não são deste período) aumentou ainda mais o sorriso, e a expectativa para uma grande noite estava formada.

Os Titãs no palco em Porto Alegre

Infelizmente, não foi o que aconteceu. Pouco mais de uma semana antes da data prevista, a produtora 30 Entertainment anunciou a troca de local "por conta de questões técnicas e de logística", saindo do Estádio Beira Rio para o Estacionamento da Fiergs. Sim, você leu bem: a troca foi de um ESTÁDIO DE FUTEBOL para um ESTACIONAMENTO. Quem iria ao show passou da oportunidade de estar em um local com cadeiras, cobertura, boa visão do palco e acústica elogiável para um estacionamento ao ar livre, sem cadeiras, e com uma acústica reconhecidamente péssima em vários dos eventos anteriores já ocorridos lá. Além disso, quem mora ou conhece Porto Alegre sabe que a Fiergs fica no fim do mundo dobrando à esquerda, sendo um local de dificílimo acesso, longe da região central da cidade, e sem a mínima estrutura para eventos deste tipo. Como um local destes pode ter uma "logística" melhor que um estádio padrão FIFA, alguém me explica? Para piorar, a semana foi de chuvas intensas na capital gaúcha, e a previsão para a noite do show não era diferente, então, todo mundo já se preparou para um banho épico (ao estilo "Rolling Stones em PoA 2016" - quem foi lembra) e muitos pontos a menos no quesito "diversão" (que, nos tempos bicudos de hoje, cada vez mais "é solução, sim").

Depois de muita reclamação na internet por parte dos fãs e de desistências e devoluções de ingressos (algo que, segundo relatos, foi bem difícil de ocorrer) por parte de muitos, cerca de 20 mil otários, quer dizer, fãs (incluindo este que vos escreve) eram esperados na "arena' (como Sérgio Britto chamou o local em certo momento do show, sendo que o pior é que não o fez de forma irônica) na data marcada. Com a apresentação marcada para às 21 horas, saí de casa às 16h (se fosse no Beira Rio, sairia pelo menos às 18h), felizmente com o tempo nublado, mas sem chuva, e rumei para o centro da cidade, atrás do transporte "especial" que a prefeitura de Porto Alegre prometeu disponibilizar para o evento. Chegando ao local marcado para o embarque (divulgado dias antes nos principais sites de informação do RS), fui informado de que os mesmos só estariam funcionando a partir das 19h (!), e que a alternativa seria pegar um ônibus "de linha" em outro local para chegar até a FIERGS. Caminhei até o ponto indicado, esperei uns quinze minutos, e embarquei em um ônibus "normal", que fez um trajeto pelo meio de bairros e avenidas levando o pessoal para casa após um dia de passeio ou trabalho, gente que, provavelmente, nem sabia que uma das bandas mais importantes do rock nacional se apresentaria na cidade naquela noite, e não os "fãs" que assistiriam ao show em um local próximo do final da linha daquele transporte. Quase cinquenta minutos depois, finalmente desci em frente ao local da apresentação, já passadas as dezoito horas, horário previsto para abertura dos portões, e que, pelo visto, foi cumprido, pois já não haviam filas quando cheguei à FIERGS.

Após comprar uma capa de chuva de um ambulante que vendia camisetas "piratas" por 80 reais na porta do evento, adentrei ao estacionamento, passei por um dos (poucos) banheiros químicos disponibilizados (sendo que o Beira Rio tem uma estrutura muito melhor neste aspecto), conferi o preço extorsivo dos produtos disponibilizados na barraca de merchandising localizada em um dos cantos do local (100 reais um boné e 130 uma camiseta) e fui procurar um local para assistir ao show. Consegui ficar próximo (mas não grudado) à grade que separava a pista "VIP" da "Comum" (como meu ingresso original era para as cadeiras superiores do estádio, fui "transferido" para a pista comum - que foi nomeada pela produtora como "Pista Flores" -, enquanto quem tinha ingresso para as cadeiras inferiores pôde ficar na pista VIP, chamada de "Pista Vip Diversão"), e com uma visão relativamente boa do palco, levando-se em conta que a pista VIP ainda estava bem vazia e não haviam muitas pessoas na minha frente.

Os Titãs reunidos em Porto Alegre

Lá pelas dezenove e trinta a chuva recomeçou a cair, e quem, como eu, tinha uma capa de chuva guardada (as mesmas estavam sendo vendidas no interior do evento pelos ambulantes que também vendiam água e cerveja, obviamente a preços extorsivos, como é comum neste tipo de evento), sacou das mesmas e as vestiu. Pouco depois do horário marcado das 20h, iniciou o show de abertura da banda Colomy (que conta, nos vocais e violões, com a presença de Sebastião Reis, filho de Nando), que, em seus pouco mais de quarenta e cinco minutos no palco, pareceu agradar ao público presente (ainda não em sua totalidade), agradeceu à oportunidade aos Titãs e à produtora (agradecimento este ao qual se seguiu uma enorme vaia do encharcado público presente), e foi responsável por uma tocante declaração de Sebastião, que disse estar sendo um sonho ver os Titãs com esta formação, pois ele mesmo nunca havia visto a banda nesta configuração antes. Nem você nem a maioria dos presentes, Tião!

Entre o show de abertura e o principal, ainda houve tempo para um longo anúncio da produtora no telão principal (havia este principal ao fundo e um em cada lateral do palco) exaltando seus feitos e realizações, anúncio este que mal ouvi, pois as vaias do pessoal encobriram o que vinha do palco. Vinte minutos depois do horário marcado (com a chuva caindo incessantemente e vaias já sendo ouvidas aqui e ali pelo público), os "barulhinhos eletrônicos" da introdução de "Diversão" se fizeram ouvir, com o telão ficando totalmente branco e os sete membros da banda entrando um a um no palco, ficando alinhados contra o telão, apenas com suas silhuetas aparecendo (em uma imagem muito semelhante à que abre esta matéria). Confesso que foi emocionante, ainda mais quando o famoso produtor (e ex-baixista dos Mutantes) Liminha se juntou ao grupo na segunda guitarra, "substituindo", de certa forma, Marcelo Fromer. Eu já havia assistido todos os outros juntos na turnê de Titanomaquia (disco que, infelizmente, não teve nenhuma canção apresentada no show), mas nunca havia assistido Arnaldo Antunes no palco (nem solo, nem em algum de seus vários projetos). Pois já na segunda música ele assume o microfone e, após perguntar "onde fica o Brasil?", interpretou "Lugar Nenhum" como se ainda estivéssemos em 1989.

Depois de Sérgio cantar "Desordem" (e agradecer ao público pela presença de todos mesmo debaixo de chuva e pela compreensão em relação à troca de local - eu não compreendi não, Britto), o microfone ficou com Branco Mello, que fez um emocionante discurso onde disse que tirou um tumor do pescoço e metade da laringe, mas que estava ali, vivo, e cantando para nós. É claro dizer que a voz do cantor ficou "prejudicada" depois da cirurgia é redundância (por vezes, saia de sua garganta pouco mais que um sussurro, apesar do esforço do músico), mas a garra e a vontade de Branco em estar ali compensavam este "problema técnico" (em outros momentos do show, quando Arnaldo ou Paulo estavam no vocal principal, Nando concentrado no baixo e Sérgio em seus teclados, e a voz de Branco era necessária para os backing vocals, esta dificuldade do cantor também aparecia de forma mais evidente, embora ninguém ali estivesse realmente ligando para isso).

Momento da apresentação dos Titãs em Porto Alegre

Nando cantou "Igreja" com Arnaldo no palco fazendo os backings (nos anos 80, ele saia nesta hora, por não concordar com a temática da música), e os hits foram se sucedendo, com os vocalistas se revezando frequentemente ao microfone, e não fazendo "blocos " de músicas para cada um, como em turnês anteriores do grupo como sexteto ou quinteto. Meus "momentos" favoritos na primeira parte ficam, sem dúvidas, com a dobradinha "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas" e "Nome aos Bois" (onde Nando incluiu o nome do ex-presidente Bolsonaro à lista de calhordas e facínoras elencados na letra, o que fez com que o público - e eu mesmo - emendasse um "Hey, Bolsonaro, vai tomar no c*" depois da canção, embora alguns poucos vaiassem a atitude do pessoal). As duas foram seguidas por "Eu Não Sei Fazer Música" e "Cabeça Dinossauro", interpretadas por Branco, seguidas por um vídeo com imagens da banda em momentos gravados durante as turnês da década de 1980, o qual serviu para os roadies prepararem o palco para a anunciada "parte acústica" do show.

Britto anunciou então que fariam algumas canções em um formato mais "intimista e acústico, pois este álbum foi muito importante para nós", e iniciou "Epitáfio", no que, acredito, tenha sido o "início" de verdade do show para muitos presentes ali. O final desta parte acústica trouxe Arnaldo de volta ao palco (ele não estava nas primeiras canções desta seção) junto à cantora Alice Frommer, filha de Marcelo e que, de certa forma, representava o pai nesta reunião. Foi pouco depois da moça iniciar "Toda Cor" que a capa plástica de chuva e o cansaço de estar há horas em pé me cobraram seu preço, pois me senti mal, sentei no chão e cheguei quase a desmaiar. Felizmente, como estava próximo à grade, alguém avisou aos seguranças do outro lado, que notificaram a equipe médica presente no local, e rapidamente apareceram alguns bombeiros que me colocaram em uma cadeira de rodas e me levaram ao posto médico da pista comum. Lá, fui muito bem atendido, e, assim que me retiraram (a meu pedido) a capa plástica que eu vestia, já me senti muito melhor, meu corpo pareceu "respirar" de novo, e, após algum tempo (e algumas músicas apenas "ouvidas" e não "assistidas"), eu já estava em condições de voltar para a pista, não para a "muvuca" onde eu estava antes, mas para um local mais afastado e, como disse o médico do posto, mais "arejado" do que o meio da pista. Comentei com ele que, se estivesse no Beira Rio, isto não teria acontecido e eu não estaria no posto médico, pois eu estaria sentado nas cadeiras e seco debaixo da cobertura do estádio, e ele disse que isto teria acontecido comigo e com a maioria dos que passaram por ali naquela noite, muitos também sentindo os efeitos do calor provocado pela capa plástica e a falta de hidratação adequada, como, acredito, foi o meu caso.

Quando saí do posto, a chuva, felizmente, já havia quase parado (embora a água acumulada em certos pontos já chegasse quase a cobrir os tênis que eu usava), e a banda interpretava "Televisão", com Arnaldo nos vocais. Pude, assim, mesmo que de longe, assistir ao final da apresentação, e ao bis, que iniciou com a "Introdução por Mauro e Quitéria" do disco Õ Blésq Blom, que, claro, levou à interpretação de "Miséria", música que a segue no disco. "Família" (com Nando nos vocais) e "Sonífera Ilha" (anunciada por Paulo como "nosso primeiro sucesso") fecharam as quase duas horas e meia de show, em uma noite marcante para todos os que acompanham a banda há décadas, mas que merecia ter ocorrido em um local com uma estrutura melhor tanto de som (que até estava bastante aceitável ao longo de toda apresentação, tanto no show dos Titãs quanto no da Colomy) como de acomodação para o pessoal.

Final da apresentação em Porto Alegre

Na saída do show (depois de rejeitar comprar o "copo oficial' do evento por 25 reais, sendo que no início era 30) quase perco o ônibus "especial" disponibilizado pela prefeitura, que saiu hiper lotado do local e, depois de uns quarenta minutos, deixou a todos no Mercado Público no centro da capital gaúcha, já passado (e bem) da meia noite de domingo (quem conhece o local, sabe da insegurança que rola por ali, especialmente neste horário. Teria sido mais fácil e mais seguro ter nos deixado na Rodoviária, mas a Prefeitura e a empresa que comanda o trânsito da cidade não pareceram concordar com esta ideia). Felizmente, rapidamente um táxi "apareceu" no local (que, àquela hora, não conta com pontos de táxi ou lotação nem perto dali) e pude embarcar rumo à minha casa em segurança, chegando ao lar depois de toda a minha "aventura" já perto da uma da manhã. Valeu a pena? Bem, diria que, apesar dos pesares, antes da parte acústica consegui me divertir bastante, mas, se as circunstâncias fossem as mesmas, não repetiria de forma nenhuma a experiência. Agora, se você for fã da banda e tiver a oportunidade de assistir a esta aula de nostalgia em um local adequado e com boa estrutura (sonora e de acomodações - saudades Beira Rio), recomendo que não perca este show! Tirando os percalços, vale a pena, sim!

Set List (anunciado antes do show, mas, pelo que lembro, foi este mesmo):

1. Diversão

2. Lugar Nenhum

3. Desordem

4. Tô Cansado

5. Igreja

6. Homem Primata

7. Estado Violência

8. Pulso

9. Comida

10. Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas

11. Nome aos Bois

12. Eu Não Sei Fazer Música

13. Cabeça Dinossauro


Acústico:


14. Epitáfio

15. Cegos do Castelo

16. Pra Dizer Adeus 

17. Toda Cor (com Alice Frommer)

18. Não Vou me Adaptar (com Alice Frommer)


Segunda parte elétrica:


19. Marvin

20. Go Back

21. É Preciso Saber Viver

22. 32 Dentes

23. Flores

24. Televisão

25. Porrada

26. Polícia

27. AA UU

28. Bichos Escrotos


Bis


29. Introdução por Mauro e Quitéria

30. Miséria

31. Família

32. Sonífera Ilha