domingo, 17 de setembro de 2017

Review Exclusivo: Titãs (Porto Alegre, 28 de julho de 2017)


Por Micael Machado
Fotos retiradas do facebook oficial da banda

Titãs, ah, os Titãs... confesso que tenho uma espécie de relação amor/ódio com a banda... enquanto a maior parte das pessoas que acompanham o grupo gostam das musiquinhas pops e acessíveis e das baladas românticas regadas a sacarina que passaram a integrar o repertório dos paulistas principalmente depois da fase "Acústico MTV", eu gosto mesmo é dos Titãs agressivos e "bocas sujas" que começaram a aparecer nos discos Cabeça Dinossauro e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, mas atingiram o auge mesmo nos registros Tudo ao Mesmo tempo Agora e, principalmente, Titanomaquia, no começo da década de 1990. Estes Titãs ficaram por muito tempo adormecidos, mas começaram a ressurgir aos poucos, primeiro na turnê de comemoração aos trinta anos da banda, depois no excelente disco Nheengatu, de 2014, onde a banda (formada então por apenas quatro dos membros originais, Sérgio Britto nos teclados, baixo e vocais, Branco Mello no baixo e vocais, Paulo Miklos na guitarra e vocais, e Tony Bellotto nas guitarras, além do "convidado" Mario Fabre na bateria) parecia ter retomado o espírito roqueiro e rebelde abandonado na fase dos terninhos e covers. A primeira parte da tour em suporte ao novo disco manteve esta impressão, mas aí Paulo Miklos deixou o grupo para ser jurado do programa televisivo "X Factor Brasil", sendo substituído por Beto Lee, filho da eterna rainha do rock nacional Rita Lee, e o grupo pareceu ter sentido a saída de mais um fundador, abrandando um pouco as coisas na parte final daquela excursão.

Para este segundo semestre de 2017, o quinteto montou uma nova turnê (chamada "Uma Noite no Teatro"), com shows mais "intimistas" a serem apresentados em teatros, e que contariam com partes acústicas e a apresentação de três músicas inéditas, que deverão fazer parte de uma "ópera rock" ainda em desenvolvimento, mas que o grupo pretende lançar o mais breve possível no mercado. Foi esta nova excursão que aportou no belíssimo Teatro do Bourbon Country, na capital gaúcha, na última sexta feira, 28 de julho, e mostrou que, infelizmente, os Titãs "rebeldes" e "transgressores" estão, novamente, adormecidos.

Em uma atitude que poucas vezes vi antes no mundo do showbizz, Sérgio Britto divulgou o set list da apresentação com alguma antecedência em suas "redes sociais". Desta forma, já dava para sacar que o repertório da apresentação privilegiaria os hits e as baladinhas românticas do grupo, deixando de lado qualquer menção àqueles discos mais "agressivos" que citei lá no início, os quais não se encaixam nesse novo conceito "família" adotado pelos Titãs. Eu sei que a ideia da banda era fazer apresentações em locais menores e com maior proximidade do público, mas não deixa de ser sintomático o fato do Bourbon Country ser o lugar com menor capacidade de ocupação onde a banda se apresentou nos últimos trinta anos (pelo menos) em Porto Alegre. Sinal de decadência, ou de falta de relevância no cenário atual?

Tony Bellotto e Sérgio Britto, no palco do Teatro do Bourbon Country

Pode até ser, ainda mais quando se percebe que, apesar de muito cheio, os pouco mais de mil lugares disponíveis no teatro não chegaram a ter os ingressos esgotados (isso para uma banda que, nos melhores anos, lotava um Gigantinho para mais de 15 mil pessoas). Mesmo assim, quem compareceu estava a fim de diversão, coisa facilitada pelo repertório escolhido, bastante adequado ao gosto mais "popular" de quem tinha condições de arcar com o salgado preço do ingresso, e que, quase com certeza, dificilmente tem um disco dos caras em casa (talvez o citado Acústico MTV, e olhe lá), mas está acostumado a escutar os "grandes sucessos" no rádio e nos programas de televisão, especialmente aqueles forjados ainda nos anos 80, e que formaram a maior parte do repertório escolhido para a noite.

A apresentação iniciou com "Comida", bastante conhecida e bem recebida pelo pessoal, mas logo após sua execução Britto interrompeu o show para pedir a um grupo na frente do palco que "resolvessem a situação" que haviam criado ao ficarem discutindo a respeito dos locais onde deveriam sentar no teatro (os quais são marcados nos ingressos, e, teoricamente, não deveriam gerar confusão alguma). Em um claro sinal de que o pessoal estava lá mais pelo "evento" do que para prestigiar a banda, o tal grupo seguiu discutindo e argumentando entre si, com Britto lhes chamando a atenção dizendo "ei, olha para cá, tô falando com vocês", para então pedir aos seguranças que retirassem o pessoal dali e os levasse a um canto para resolver aquilo tudo, clamando por respeito a quem queria ver o show "e pagou caro para estar aqui", como falou. Era o prenúncio de que algo não estava correto naquela situação toda (os Titãs em um teatro, tocando baladinhas românticas para um público comportadamente sentado, e mais preocupado com selfies e papinhos diversos que com a música do grupo... não combina, sabe?), mas a noite estava apenas começando.

O show então prosseguiu com os hits programados originalmente (incluindo a versão "titânica" para "Pro Dia Nascer Feliz", original do Barão Vermelho, que o grupo regravou para servir de tema de abertura da novela global "Malhação", o que mostra, mais uma vez, que algo anda errado no mundo dos Titãs), mas a banda parecia cansada, sem a disposição e vitalidade de outrora, e, apesar do público vibrar e cantar junto o tempo todo, parecia faltar garra ao quinteto em cima do palco, com se a banda tocasse no "piloto automático", sabendo que, com a quantidade de hits escolhidos, o jogo já estava ganho antes mesmo de começar. Os poucos momentos mais "transgressores" da noite ("O Pulso", "32 Dentes", "Cabeça Dinossauro") foram recebidos com certa indiferença pelo público, e, mostrando que havia mesmo algo estranho no ar, depois que a banda executou "Marvin", o pessoal, espontaneamente, começou a cantar o refrão de "É Preciso Saber Viver", música de Roberto Carlos registrada pelo grupo no disco Volume Dois, de 1998, e uma das maiores "babas" da carreira da banda (e que, felizmente, não estava programada no set list da noite). Britto então puxou a "intro" da música, para meu desespero, mas felizmente, parou por ali mesmo, emendando "Lugar Nenhum", música bem mais agressiva e agitada que aquela solicitada pela "seleta" plateia. Poucas coisas mostraram mais o descompasso entre a vontade da banda e do público naquele instante, deixando claro que poucos ali estavam a fim de ouvir "lados B" da discografia da banda, desejando mesmo é por mais sacarose despejada nos ouvidos.

Britto, Branco e Belotto, na "parte intimista" do show

Mas, ainda antes de "Marvin", houve a tal "parte intimista" do show, onde os três músicos originais fizeram um número solo cada um, com Bellotto na guitarra e vocais da balada "Isso", de sua autoria, Branco resgatando "Toda Cor", do disco de estreia da banda (apresentada aqui ao violão), e Britto interpretando ao piano a baladinha "Enquanto Houver Sol", e os três tocando, juntos e "acústicos", as faixas "Televisão" e "Porque Eu Sei que É Amor", esta registrada no álbum Sacos Plásticos, um disco, segundo o Britto, "muito massacrado pela crítica e por boa parte dos fãs, mas que tem muitas coisas bacanas" (onde?, queria eu saber). Foi nessa parte que houve talvez a maior "transgressão" ao repertório escolhido, com Branco interpretando um trechinho de "Lugar do Caralho", originalmente gravada por Júpiter Maçã, mas que já se tornou uma espécie de "hino" do rock gaúcho, recebendo várias outras versões e frequentemente sendo executada por artistas de outros estados que passam por aqui. Fico eu a imaginar quantos dos presentes ao teatro naquela noite conheciam esta música, e quantas "senhorinhas" da plateia não ficaram ofendidas com o uso da palavra "caralho" em um show dos Titãs. Houve também a apresentação das tais músicas inéditas, que são "12 Flores Amarelas" (sombria e algo mórbida, encaixando no conceito explicado por Britto, de que na história ela significaria um feitiço de morte), "Me Estuprem" (mais pop, com uma excelente letra tratando da tal "cultura do estupro" tão falada atualmente, mais uma vez tocando em questões sociais relevantes, como o grupo fez em "Pedofilia", do disco Nheengatu, mas que, devido exatamente ao seu conteúdo lírico, penso que não terá uma exposição midiática muito grande), e "A Festa", mais estranha e "desconjuntada", e a que menos me agradou das três, as quais tiveram uma recepção morna mas respeitosa por parte da plateia (que pelo menos se dispôs a escutá-las, e não ficou de conversas paralelas ou apenas tirando selfies, como ocorreu quando o grupo fez o espetáculo "Titãs Inédito" em Porto Alegre alguns anos atrás), e que, arrisco a dizer, não deverão ter uma vida longa no repertório ao vivo do grupo, como aconteceu, por exemplo, com as canções do disco mais recente, que já foram limadas por completo na atual excursão do quinteto.

Depois da execução de "Lugar Nenhum", a primeira parte encerrou com "Homem Primata", a qual, aliás, mesmo com o repertório sendo conhecido de antemão, vinha sendo insistentemente solicitada por um sujeito da plateia ao longo da noite, gerando alguns comentários e respostas por parte de Britto e Branco, que, quando chegou ao ponto da execução da mesma, perguntou ao microfone: "Cadê o menino que queria ouvir Homem Primata? Então, chegou a hora". Outras pessoas, ao longo da apresentação, pediam por "Polícia", por "Bichos Escrotos", e muitas vezes por "É Preciso Saber Viver", demonstrando que a divulgação do set list feita por Britto não havia atingido muitos dos presentes ali. A banda se retirou do palco, mas, como planejado, retornou para dois encores, o primeiro com "Polícia" e "Bichos Escrotos" em sequência (duas músicas que, apesar de agressivas, já estão "assimiladas" pelo pessoal), e o segundo com "Desordem", mais "desconhecida" e meio deslocada ao ser escolhida como música de encerramento. Talvez notando isso, Tony se aproximou de Britto, e ambos se reuniram com Mario e Branco, decidindo fazer, meio de "improviso", a tão "aguardada" "É Preciso Saber Viver", a qual Britto anunciou que eles iriam tocar "para que vocês possam ir dormir em paz", de certa forma reconhecendo que aquele público queria mesmo era "baba", e não agressividade.

Branco Mello em Porto Alegre

Foi um show ruim? Com a quantidade de hits que a banda tem, não tem como fazerem uma apresentação deste tipo (por mais que recheada de "baladinhas" cheias de sacarose), mas foi uma das mais fracas que assisti desde a citada turnê de comemoração dos trinta anos. Mas o pior foi saber que muita gente ali deve ter saído do teatro achando que foi o melhor show que já viram (talvez o único a que assistiram nesta década, quem sabe neste século), porque a banda "tocou todas as conhecidas" e "todas aquelas baladas lindas". Mas, pergunto eu, é a isto então que se resumem os Titãs? Enfim, resta esperar que, com o lançamento da tal ópera rock (ainda sem nome), o grupo reencontre sua verve roqueira e agressiva, e que o público da banda abra os ouvidos para o lado mais agressivo da música da banda, que, ao contrário do que este pessoal pensa, não é apenas um grupinho pop como outro qualquer, mas sim um dos mais relevantes e importantes representantes do rock nacional, embora a própria banda pareça não se recordar mais disto. Uma pena!

Set List

01. Comida
02. Aluga-se
03. A Melhor Banda de Todos Os Tempos da Última Semana
04. O Pulso
05. Família
06. Diversão
07. Aa Uu
08. 32 Dentes
09. Sonífera Ilha
10. Cabeça Dinossauro
11. Isso
12. Toda Cor / Lugar do Caralho (trecho)
13. Enquanto Houver Sol
14. Por Que eu Sei que é Amor
15. Televisão
16. 12 Flores Amarelas
17. Me Estrupem
18. A Festa
19. Flores
20. Pro Dia Nascer Feliz
21. Pra Dizer Adeus
22. Epitáfio
23. Go Back
24. Marvin
25. Lugar Nenhum
26. Homem Primata

Bis 1:

27. Policia
28. Bichos Escrotos

Bis 2:

29. Desordem
30. É Preciso Saber Viver