quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Livro: Black Sabbath - A Biografia [2013]


Por Micael Machado

A Biografia da banda inglesa Black Sabbath não é o primeiro livro do jornalista, radialista e escritor (também britânico) Mick Wall que eu leio, mas, ao contrário do que acontece com o excelente Led Zeppelin: Quando os Gigantes Caminhavam sobre a Terra, desta vez a leitura das mais de 330 páginas da obra em questão deixará um sabor quase agridoce ao fã que se aventurar por suas linhas.

Tendo entrevistado os membros do grupo (em suas várias encarnações) ao longo dos anos (fossem eles integrantes efetivos ou ex-colaboradores quando de suas conversas), assistido a diversos shows e inclusive trabalhado como relações públicas para a banda durante a primeira passagem do vocalista Ronnie James Dio pelo Sabbath (e depois durante a carreira solo do cantor, assim como exerceu a mesma função na carreira solo de Ozzy Osbourne a certa altura), Wall tinha tudo para escrever o compêndio definitivo sobre um dos grupos mais importantes do hard rock setentista, considerado um dos pais do heavy metal e um dos membros da Santíssima Trindade do rock pesado (ao lado do citado Led Zeppelin e dos também ingleses do Deep Purple). Mas, infelizmente, o jornalista resolveu dedicar atenção especial apenas às fases do grupo pela qual ele nutre um assumido apreço e interesse musical, dedicando apenas umas poucas linhas para os períodos que ele considerou como "de baixa" na história do quarteto (fases que, em geral, têm a mesma consideração também por parte dos fãs do grupo).

Algumas das fotos presentes no livro

Desta forma, se a infância/adolescência dos membros originais do Sabbath são destrinchadas quase que cirurgicamente pelo autor (assim como o período entre o primeiro disco e o álbum Sabbath Bloody Sabbath, de 1973), Mick Wall também dedica uma atenção especial à primeira fase de Dio com o grupo (à qual ele acompanhou "de dentro", como citei), ao período em que o cantor Ian Gillan esteve à frente do quarteto (o que rendeu o lançamento do disco Born Again, em 1983) e ao retorno de Dio em 1992, bem como coloca em evidência a importância e a colaboração do eterno "tecladista escondido" Geoff Nicholls para o Sabbath (ele que, apesar de algumas críticas que sofre por parte do escritor, é citado como fundamental para que o grupo continuasse na ativa depois da saída de Ozzy, ajudando Iommi a compor e sempre apoiando o guitarrista durante as várias mudanças de formação que o grupo enfrentou durante a década de 1980). Estranhamente, há também várias páginas dedicadas à primeira fase da carreira solo de Ozzy, quando tinha ao seu lado o fantástico guitarrista Randy Rhoads, em trechos que, embora bastante interessantes (e até emocionantes por vezes), acabam soando um pouco deslocados, visto o livro ser sobre o Sabbath, não sobre seus membros (há também, para ser justo, várias referências à carreira solo de Dio, embora em menor número).

Porém, o período final da primeira fase com Ozzy (que rendeu dois discos considerados como "desastrosos" pelo autor, Technical Ecstasy e Never Say Die) rende páginas e mais páginas quase que apenas denegrindo a imagem do grupo (e de seu vocalista) na época. Já as fases com Glenn Hughes, Ray Gillen e Tony Martin ao microfone (sete anos e quatro discos, se considerarmos apenas a primeira passagem deste último pelo quarteto) ocupam apenas vinte e quatro páginas (os dois primeiros anos de Dio com o grupo renderam quarenta, para terem ideia), enquanto o período entre os shows gravados no disco Reunion (de 1998) e as gravações de 13, durante os anos de 2012 e 2013 (quando ocorreram várias turnês encabeçando o festival Ozzfest, e pelo menos duas tentativas de concluir um novo álbum de estúdio), também não chegam a despertar maiores interesses por parte do autor, e, apesar de bem catalogados e de não deixarem de trazer informações interessantes mesmo ao mais dedicado fã da banda, acabam deixando no leitor a impressão de que poderiam ter sido melhor explorados, ainda que, para isso, o número total de folhas do compêndio tivesse de ser aumentado em mais algumas dezenas de páginas.

Capa e contracapa da versão nacional de Black Sabbath - A Biografia

O livro se encerra quando do lançamento do álbum 13 (em 2013), e, mesmo com algumas (poucas) falhas, como as citadas, e um certo gosto de "quero mais" ao final da leitura, ainda consegue ser bastante recomendável, até porque o talento de Mick Wall como escritor é inegável (sua escrita é ágil e direta, proporcionando uma leitura bastante agradável), e a tradução para o português (a cargo de Marcelo Barbão) parece ter sido feita por quem "entende do riscado", evitando vários equívocos que alguém "de fora" do meio musical comete frequentemente, como se vê em outras obras por aí. Black Sabbath - A Biografia (que ainda possui vinte e quatro páginas com fotos de diversas fases da carreira do grupo) pode não ser, ainda, a obra definitiva da história dos ingleses de Birmingham, mas está de bom tamanho para quem quiser saber um pouco mais sobre um dos mais importantes nomes do heavy metal de todos os tempos. Confira!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Leviæthan - Disturbed Mind [1992]


Por Micael Machado

Quando eu me mudei do interior do Rio Grande do Sul para a região metropolitana de Porto Alegre, a rádio Ipanema FM (ainda hoje a "rádio rock" mais importante da capital gaúcha) foi essencial para me apresentar bandas e sonoridades que, até então, eu só conhecia através de revistas e jornais (lembrando que, na época, a internet ainda não era tão popularizada quanto hoje). E foi através das ondas sonoras desta emissora que descobri as músicas do álbum Disturbed Mind, do grupo gaúcho Leviæthan, e fui surpreendido e conquistado por suas qualidades!

Formado em 1983, o Leviæthan chegou a participar da lendária coletânea Rock Garagem no ano seguinte, ainda como um trio e compondo em português. Após uma troca de bateristas, registraram a demo Thrash Your Brain, a qual lhes rendeu um contrato com a gravadora Rock Brigade Records, por onde lançariam, em 1990, seu álbum de estreia, intitulado Smile, já com a formação estabilizada no quarteto Carlos "Lots" Henrique e Alexandre Colletti (guitarras), Danilo Pizzato (bateria) e Flávio Soares (vocal e baixo), este uma verdadeira "lenda viva" do metal gaúcho, já tendo sido apresentador da própria Ipanema FM, produtor de shows e um dos proprietários da saudosa Madhouse, loja ligada ao rock pesado que marcou época em Porto Alegre. A excelente recepção do disco os levou a registrar Disturbed Mind em 1992, mostrando uma evolução absurda em um álbum espetacular, bem mais trabalhado e melhor gravado (e produzido) que o trabalho de estreia.

Leviæthan em 1992: Alexandre Colletti, Flávio Soares, Carlos "Lots" Henrique e Danilo Pizzato

Uma das coisas que mais me chamaram a atenção no som do grupo, quando o ouvi pela primeira vez há muito tempo atrás na citada rádio, foi a presença do violão no meio da porradaria, não como um instrumento de "introdução" às músicas (como eu já havia escutado em álbuns do Metallica ou do Sepultura), mas com frases e até solos encaixados em meio ao trabalhado thrash metal executado pelos gaúchos. Esta característica aparece com ênfase na faixa de abertura "Seeds of Violence", e, em menor escala, em "In Search Of Life" e na faixa título, mostrando que o quarteto não tinha medo de ousar para atingir seus objetivos musicais. Isto para não citar "Facing Reality", onde se pode perceber o uso de um instrumento que, a menos que muito me engane, soa perfeitamente igual a um cavaquinho (!).

É difícil apontar destaques em um track list tão regular, mas acredito que os fãs do estilo encontrarão muitas qualidades durante a audição de faixas como "Drinkin' Death" (que possui algo de Megadeth em seu arranjo), "Visions of a Distorted Path" (cuja intro lembra muito o Sepultura da época de Schizophrenia), "The Evil Within" (que, por ser um pouco mais cadenciada que as demais, curiosamente lembra algumas coisas que o Slayer viria a registrar na década de 1990) ou "Time For Lies". Apesar das bandas "para referência" que citei acima, não seria errado dizer que o thrash metal dos gaúchos, movido a riffs poderosos, se baseia muito na escola germânica do estilo, principalmente nos registros antigos dos grupos Destruction e Kreator (confira o estilo dos solos, principalmente os executados por Colletti, talentoso guitarrista que, infelizmente, viria a falecer em 1994, vítima de um acidente de trânsito). Ou seja, como o leitor mais atento já percebeu, a bolachinha é "coisa fina" para quem curte este tipo de som!

Outra característica que chama a atenção neste disco do Leviæthan são as letras de suas composições.  Em sua maioria a cargo do baterista Danilo Pizzato (assim como no registro anterior), elas fogem um pouco dos "clichês" líricos da época, abordando temas como preocupações ecológicas e com o futuro da humanidade ("In Search Of Life", "Visions of a Distorted Path"), loucura ("Disturbed Mind"), os perigos e danos de se entregar ao álcool ("Drinkin' Death") e até um raivoso lamento pelo assassinato do gato de estimação do narrador de "My Cat" (sendo que "Philip VII", curta composição que quase pode ser taxada como vinheta, não chega a ter uma letra propriamente dita, apenas sons ininteligíveis balbuciados por Fábio, além de, erroneamente, estar grafada como "Philip IIV" na contracapa). Tudo isto acentuado pela excelente pronúncia e vocalização de Soares, que lembra bastante um Schmier, do Destruction, ou, mais evidentemente, os registros do jovem Tom Araya (confira a parte mais cadenciada no meio de "Facing Reality" e perceba se não tenho razão).

Flávio Soares, um dos maiores batalhadores do heavy metal gaúcho

Talvez seja devido à memória afetiva que eu tenho com o disco, mas Disturbed Mind é, em minha opinião, o melhor álbum de thrash metal já registrado no Rio Grande do Sul (ao lado de Best Before End, da Panic, curiosamente lançado no mesmo ano de 1992). Graças à iniciativa pessoal de Flávio Soares, a bolachinha foi relançada em CD neste ano de 2014 (apresentando uma arte um pouco diferente, em tons mais escuros), com o apoio da gravadora e distribuidora True Metal Records & Distro e da Thrash S/A, trazendo como bônus três faixas da demo Thrash Your Brain, que depois seriam retrabalhadas e regravadas para aparecer no disco de estreia, dentre elas a vinheta "Pimponetta", uma das favoritas dos fãs nas apresentações ao vivo do conjunto, que, com uma formação renovada (mas estabilizada desde 2010), continua se apresentando pelo país, alem de trabalhar intensamente nas gravações de seu terceiro registro (previamente intitulado D-Evil in Me), sempre tendo à frente seu marcante baixista e vocalista, uma das figuras mais importantes do heavy metal do Rio Grande do Sul. Longa vida ao "monstruoso" Leviæthan gaúcho!

Track List:

1. Seeds of Violence
2. Facing Reality
3. Drinkin' Death
4. In Search Of Life
5. My Cat
6. Visions of a Distorted Path
7. The Evil Within
8. Philip VII
9. Time For Lies
10. Disturbed Mind

Faixas bônus da reedição em CD:

11. Bred To Die
12. The Last Supper
13. Pimponetta