domingo, 30 de novembro de 2014

Datas Especiais: 20 anos do show que reuniu Ramones e Sepultura em Porto Alegre


Por Micael Machado
(Fotos retiradas do site Sequela Coletiva)

Hoje completam-se vinte anos da única oportunidade que eu tive de assistir ao vivo minha banda favorita em todos os tempos, os americanos dos Ramones. No dia 09 de novembro de 1994, os "irmãos" novaiorquinos se apresentaram em Porto Alegre na turnê chamada "Acid Chaos", ao lado dos grupos brasileiros Sepultura e Raimundos. Uma data que, mesmo passados tantos anos, ainda permanece viva na memória de quem esteve no Ginásio Gigantinho naquela noite mágica!

Anúncio do show nos jornais

Na época, eu era (ou tentava ser) cantor em uma banda amadora da cidade de Esteio, na região metropolitana da capital gaúcha. Depois de alguns finais de semana tocando pelos barzinhos da região, um dos meus colegas de grupo reuniu a grana que havíamos juntado e se dirigiu a Porto Alegre para comprar os ingressos alguns dias antes da data marcada para o show dos Ramones, banda da qual eu e meus amigos éramos fãs incondicionais. Ele escolheu comprar os ingressos para as cadeiras numeradas (por caríssimos, à época, vinte e cinco reais, contra vinte do valor para arquibancadas e pista), de onde teríamos uma melhor visão do show, segundo seu pensamento, algo que realmente veio a se confirmar, embora na época eu tenha ficado bastante chateado de estar tão longe do palco, e sentado, ainda por cima. Sei que os dias que antecederam aquela quarta feira foram de muita expectativa, ainda mais que seria o meu primeiro show envolvendo uma banda internacional (e apenas o quarto de uma banda "grande"). Na época, eu não tinha muita ideia da capacidade de público do Gigantinho (em torno de dezoito mil pessoas), mas lembro que fiquei chocado ao constatar que havia naquela noite menos pessoas do que no show da Legião Urbana que eu havia assistido alguns meses antes (segundo o jornal Zero Hora, oito mil espectadores assistiram ao concerto naquele novembro). Afinal, como era possível que os Ramones não lotassem o local, se a Legião havia feito isto?


Ingressos do show

A abertura da noite ficou a cargo dos Raimundos. Com a "clássica" formação de Rodolfo (vocais), Digão (guitarra), Canisso (baixo) e Fred (bateria), os brasilienses haviam lançado seu disco de estreia pouco tempo antes, e estavam "com todo o gás" na data em questão. Confesso que lembro muito pouco do show, exceto que curti bastante todas as músicas tocadas, as quais eu já conhecia de cor, visto que o álbum dos brasilienses já fazia parte da minha coleção há algumas semanas. Não sei ao certo o que tocaram (com certeza, nos trinta minutos a que tiveram direito - segundo a matéria da Zero Hora citada antes - rolaram "Puteiro Em João Pessoa" e "Nêga Jurema", as primeiras canções de destaque do disco), mas lembro que o ginásio ainda estava bem vazio ao longo da apresentação do quarteto.

Cartaz de divulgação

Algo que mudaria radicalmente pouco antes do Sepultura entrar em cena. A pista ficou tomada por milhares de metalheads vindos sei lá de onde para curtir o som dos mineiros, que estavam em turnê de lançamento de Chaos AD, ainda hoje o meu disco favorito dos caras. Foi a única vez que tive a chance de ver o grupo com Max Cavalera nos vocais, ao lado de seu irmão Igor na bateria, de Andreas Kisser nas guitarras e de Paulo Jr. no baixo, e os caras não decepcionaram, despejando porrada após porrada (vinte, segundo o  texto do jornal) com sangue nos olhos. Também não lembro direito o que rolou (a Zero Hora fala em "Inner Self", "Polícia" e "Orgasmatron", além de uma participação dos Raimundos em "Kaiowas"), mas sei que conhecia tudo, e, em "Desperate Cry", minha preferida em sua longa discografia, quase entrei em êxtase! Assisti ao grupo várias vezes depois disso, já com Derrick nos vocais (e pelo uma vez já sem Igor), e o impacto que o Sepultura me causou nunca foi nem perto do que aconteceu daquela primeira vez, vinte anos atrás!


 Matérias no jornal antes do show

E então era chegada a hora tão esperada: meus heróis musicais estariam finalmente a poucos metros de distância de mim, e tocando as minhas canções preferidas! Para meu espanto, muita gente que havia entrado no ginásio para assistir ao Sepultura foi embora assim que a apresentação acabou, e a pista acabou ficando bem vazia, talvez com metade do público que havia no show dos mineiros. Mas isso não pareceu ser empecilho para Joey (vocais), Johnny (guitarra), CJ (baixo) e Marky, visto que, ao que consta, os talvez quatro mil espectadores que sobraram ainda eram muito mais do que as poucas centenas a que eles estavam acostumados a enfrentar em suas apresentações nos Estados Unidos. Só que, infelizmente, este já não era o melhor momento para ver o grupo em ação. Apesar de estarem divulgando o disco de covers Acid Eaters (e, se ninguém percebeu, o nome da turnê é a junção de parte dos nomes dos "novos discos" das duas bandas), o show foi muito parecido com o que se ouve no ao vivo Loco Live, com as músicas bem mais rápidas que as versões de estúdio, e o set inteiro durando pouco mais de uma hora. Apesar de eu vibrar como um doido, não deixei de perceber que o quarteto parecia cansado e burocrático (não foi à toa que se separariam apenas dois anos depois), tocando meio no "piloto automático", sem tanta empolgação. Lembro de ter lido na época (se não me engano, na revista Bizz, uma das poucas fontes que tínhamos então, visto que não havia internet nem tanto acesso à informação quanto temos hoje) uma declaração de Joey de que os Ramones sempre pretendiam que você saísse de uma apresentação deles com a certeza de ter visto o melhor show de sua vida. Eu ainda era inexperiente nesse ramo, mas, já então, não foi o melhor concerto que eu havia presenciado. Mesmo assim, longe de mim falar que foi ruim, embora eu esperasse bem mais!

Matéria no jornal depois do show

Como eu disse, vi Andreas, Paulo e Igor algumas vezes depois disso, assim como os Raimundos com e sem Rodolfo à sua frente (ou Fred nas baquetas). Também pude assistir Marky outras três vezes desde então (com o Intruders em 2000 no Bar Opinião, em uma participação especial no show do Pearl Jam em 2005 no mesmo Gigantinho, e novamente no Opinião em maio deste 2014, junto do Marky Ramone's Blitzkrieg). E levaria quase vinte anos para rever CJ (em setembro deste ano) e Max (a quem assisti em 2013 à frente do Soulfly, e de novo em 2014, desta vez ao lado de seu irmão no Cavalera Conspiracy). Mas nunca mais pude assistir a um concerto com Joey ou Johhny no palco. É também por isso que aquele 09 de novembro de 1994 é tão especial (tanto que foi lembrado no palco por Max Cavalera em ambas as recentes apresentações que fez em Porto Alegre, citadas acima, e eram um dos principais assuntos dentre os que assistiram a estes shows do Soulfly e do Cavalera Conspiracy, assim como o do Marky Ramone's Blitzkrieg de 2014), e, com certeza, ficará para sempre na minha memória como um dos mais memoráveis espetáculos a que já assisti. Tenho convicção que aqueles que estiveram lá naquela noite hão de concordar comigo!

Hey Ho, Let's Go!

domingo, 2 de novembro de 2014

Banda do Mar - Banda do Mar [2014]


Por Micael Machado

O casal Marcelo Camelo (ex-Los Hermanos) e Mallu Magalhães finalmente resolveu levar, definitivamente, a relação para o campo musical. Mesmo que os caminhos dos dois já tenham se cruzado antes (com participações de Mallu nos dois discos solo do cantor e a produção deste para Pitanga, terceiro álbum dela), foi apenas em maio deste 2014 que os músicos anunciaram estarem formando um novo projeto ao lado do baterista português Fred Ferreira (membro das bandas Buraka Som Sistema e Orelha Negra), intitulado Banda do Mar, cujo primeiro disco (auto-intitulado) saiu no final de agosto, no Brasil e em Portugal, lançado pela gravadora Sony Music, e que teve audição integral disponibilizada no aplicativo Spotify. Fui conferir, e, posso afirmar, gostei muito!

Apesar de não ser assim tão diferente da produção anterior do casal, fica bem claro que a Banda do Mar não é uma continuação das carreiras solo dos músicos, nem uma espécie de "reencarnação" do Los Hermanos. Ainda que a quase pop “Cidade Nova”, que abre o álbum tendo a voz de Camelo, até pudesse estar em um disco da ex-banda do cantor, ou que a tristonha “Pode Ser”, a linda balada acústica “Dia Clarear” (ambas com os vocais principais a cargo de Marcelo) ou “Me Sinto Ótima” e a balada “Seja Como For” (as duas com voz principal de Mallu) não soassem deslocadas nos discos solo de seus cantores, fica claro que esta é uma nova banda, com sonoridade diferente dos trabalhos anteriores da dupla.

Banda do Mar: Marcelo Camelo, Fred Ferreira e Mallu Magalhães

Algo que se percebe bem nas duas primeiras músicas divulgadas pelo trio, “Hey Nana” (escolhida como primeiro single, e que possui um ritmo balanceado e meio preguiçoso, com voz de Camelo e guitarra e bateria trazendo ecos de surf music aos ouvidos, algo que também ocorre em outras composições do trio) e, principalmente, “Mais Ninguém”, com um delicioso ritmo suingado (levado pela guitarra e capitaneado pela voz doce e suave de Mallu), a qual já nasceu com cara de hit, tanto que gerou o primeiro clipe extraído do álbum (onde a cantora aparece deslumbrante, como sempre). Outra canção que destoa do repertório anterior do casal é “Mia”, de ritmo agitado e toques de MPB, tendo Mallu na voz principal. “Solar” também apresenta tons de MPB no seu arranjo, e, não sei bem por quê (talvez pela entonação de Camelo em algumas partes), me trouxe à mente a versão para "A Palo Seco", de Belchior, que o Los Hermanos de vez em quando apresentava ao vivo. Há ainda duas letras que parecem se completar e enfatizar a relação que o casal possui: em Faz Tempo” (que traz ecos de Los Hermanos ao ouvinte), Marcelo parece se declarar a Mallu, que "aceita" o "pedido de casamento" do músico na ensolarada “Muitos Chocolates”, onde a cantora exige "cafuné, massagem no pé e muitos chocolates" para viver ao lado de seu amor. 

Um ponto diferente fica com o encarte, o qual traz, junto das letras, as cifras de cada uma, além de uma ilustração feita pela própria Mallu Magalhães na página inicial. Alternando canções hora na voz de Camelo, hora na de Mallu (cada um sendo responsável por cantar em suas próprias composições), e com capa trazendo uma imagem da modelo Camilla Baldin N. Lima (de autoria da fotógrafa Bruna Valença), o álbum se encerra com a linda e singela “Vamo Embora” (a mais longa de todas, beirando os cinco minutos e meio), cantada por Marcelo com uma breve participação na melodia da voz de Mallu (algo que também ocorre na citada “Pode Ser”), canção que é forte candidata a melhor faixa de um disco que, se não é o melhor lançamento nacional do ano, fica vários pontos acima dos registros tanto da carreira solo de um quanto de outro dos dois cantores da banda. Aos fãs da dupla (e, claro, aos fãs eternamente saudosos pelo Los Hermanos), este é um lançamento altamente recomendável!

Ah, só para terminar: a turnê de estreia do grupo inicia em Porto Alegre, dia 10 de outubro, com apresentação no Auditório Araújo Vianna. Meu ingresso, claro, já está na mão!

"É só você querer que tudo pode acontecer"...

Track List:

1. Cidade Nova
2. Mais Ninguém
3. Hey Nana
4. Muitos Chocolates
5. Pode Ser
6. Mia
7. Dia Clarear
8. Me Sinto Ótima
9. Faz Tempo
10. Seja Como For
11. Solar
12. Vamo Embora

Lugh - Quando os Canecos Batem [2014]


Por Micael Machado

O estilo conhecido como Celtic Punk (mistura do punk rock com sonoridades tradicionais de países como Irlanda, Escócia e País de Gales) tem alguns representantes fortes no estrangeiro, como Flogging Molly, Dropkick Murphys, Fiddlers Green e The Real McKenzies, mas, aqui no Brasil, eu tinha dificuldades em indicar um grupo do gênero. Isto até conhecer a música dos gaúchos da Lugh, que lançaram em março deste ano seu álbum de estreia, intitulado Quando os Canecos Batem, de forma totalmente independente.

Naturais da cidade de Santa Maria, o quinteto formado por Rafael Miranda (voz,violão,violino), Leonardo Nasr (gaita ponto), Lucas "Bala" Odorizzi (baixo,voz), Daniel Jardim (guitarra,mandolim,voz) e George Sá (bateria) já havia lançado um EP em 2010 (com três faixas e intitulado Coisas, Músicas, Ceva ... Vida) e, ao invés de abordar questões políticas ou de desigualdades sociais, como muitas outras aglomerações punk por aí, calca suas letras na velha combinação "diversão-bebedeira-festas", enaltecendo o valor da amizade e de um bom caneco de cerveja gelada como o único motivo para um proveitoso final de semana, ou uma bela maneira de esquecer dos problemas da rotina estressante do dia-a-dia de trabalho, tudo regado a músicas divertidas e dançantes, com peso na medida certa e aqueles backing vocals contagiantes que te convidam a cantar junto com eles após umas poucas audições. São assim "Grito Na Noite" (cuja introdução, levada pela gaita e pelo violão, dá a impressão de que vai descambar em uma canção tradicionalista do Rio Grande do Sul, algo que se mostra completamente ao contrário quando os demais instrumentos aparecem), "O Que Eu Preciso" (com uma interessante introdução a cargo do mandolim, e que mereceu um vídeo clipe), "Sexta-Feira" (regravação do tema presente no EP anterior), "Dias Atuais" ou "Tudo Que Há Para Viver", que chega a lembrar o som dos Inocentes, e é um dos destaques do disco.

A Lugh em seu ambiente natural: George Sá, Rafael Miranda, Lucas Bala, Daniel Jardim e Leonardo Nasr

O grande diferencial da Lugh é a presença da gaita ponto, que se destaca nos arranjos, assumindo inclusive, em muitas passagens, o papel de condutor da melodia, algo que, geralmente, fica a cargo da guitarra, e que traz às músicas do grupo uma sonoridade diferenciada em relação a outras formações nacionais. É este instrumento, por exemplo, que dá ares de polca a canções como "Sete Mares" (primeiro single divulgado, que também ganhou um vídeo clipe, e tem letra tratando de piratas e viagens pelo mar)  ou "Jack", em uma mistura inusitada, mas que soa muito agradável. É a gaita também quem dá um tom um tanto melancólico a "Vida Seca", uma das poucas cuja temática é mais "séria", abordando os problemas de um relacionamento (ou uma lição de vida a ser adotada, dependendo da interpretação), e descambando em um dos melhores refrões do registro. A letra de  "Chinaski" é inspirada pelo personagem de mesmo nome (um anti-herói misantropo e desajustado) criado pelo escritor Charles Bukowski , e a de "Do Outro Lado do Mar" (uma das que eu mais gostei) fala dos amigos que foram "pro outro lado do mar com muitos sonhos prá realizar", e que, quando a saudade bate, tem apenas "o rock prá tocar e a cerveja para acompanhar", tudo embalado por uma das melhores linhas de gaita do registro.

O início da faixa título lembra bastante o Charlie Brown Jr., mas, quando entra uma melodia conduzida pela gaita e pelo violino, tudo muda, e a atmosfera de pub irlandês volta a reinar, em mais um destaque do track list, que se completa com "Nosso Clã", uma das mais longas do disco (sem chegar a três minutos e meio), a qual também vai agradar em cheio aos fãs do rock nacional dos anos 1990. O álbum (cuja duração total mal ultrapassa os trinta minutos) está disponível para download neste link, e também pode ser ouvido na íntegra no canal oficial da  banda no youtube (acompanhado inclusive de uma interessante animação com a temática da capa), onde há vários vídeos retirados de apresentações ao vivo da Lugh, inclusive uma apresentação acústica bastante interessante e alguns covers para algumas das bandas que serviram de inspiração para o quinteto.

Ilustração com uma espécie de "mascote" do grupo, presente nos produtos de merchandise

A arte do encarte (a cargo de Daniel Malako, com ilustrações de Mateus de Castro) ficou muito legal, e a produção (assinada por Ray Z, com engenharia de Gilberto Jr.) está bem mais que aceitável levando-se em conta ser o primeiro registro completo do quinteto. Alguns arranjos poderiam ser melhor trabalhados (como o final de certas canções, que acabam de forma meio "abrupta"), mas isto é algo que a experiência e a estrada, certamente, trarão aos gaúchos, e não chega a denegrir de forma alguma o trabalho do grupo. Se este texto lhe chamou a atenção de alguma forma, dê uma chance para a música dos rapazes, e seja mais um a, como diz a letra de "Nosso Clã", "gritar em coro curtindo o som da Lugh, que a vida vai melhorar". Eu já estou fazendo a minha parte!

Track List:

1. Grito Na Noite
2. Sete Mares
3. O Que Eu Preciso
4. Dias Atuais
5. Chinaski 
6. Sexta-Feira
7. Quando os Canecos Batem
8. Nosso Clã
9. Vida Seca
10. Do Outro Lado do Mar
11. Tudo Que Há Para Viver
12. Jack

sábado, 13 de setembro de 2014

Review Exclusivo: Titãs (Porto Alegre, 05 de setembro de 2014)


Por Micael Machado

De certa forma, a popularidade dos Titãs pode ser medida pelos locais em que o grupo se apresentou na capital gaúcha. Em 1993, na turnê de Titanomaquia, assisti à banda pela primeira vez no Ginásio Tesourinha, com capacidade para umas sete mil pessoas. Na época dos discos Acústico MTV, Volume 2 e As Dez Mais, encontrei com eles por duas vezes no Ginásio Gigantinho, para 18 mil lugares. Anos depois, em 2012, na turnê de 30 anos, eles estavam no Pepsi On Stage, que tinha uns quatro mil espectadores em um local para sete mil. Ano passado, na turnê "Titãs Inédito", o palco foi o Araújo Vianna e seus 3 mil e quinhentos lugares. Agora, quando o quarteto lança seu melhor disco em quinze anos (pelo menos), a casa que lhes acolheu foi o Bar Opinião, com seus dois mil lugares praticamente esgotados para um show que, com certeza, superou muitos dos citados acima!

Uma das razões para isto foi o repertório escolhido para a apresentação. Na mesma pegada do álbum Nheengatu, lançado no meio deste 2014, Paulo Miklos (voz e guitarra), Branco Mello (voz e baixo), Sérgio Britto (voz, teclados e baixo - nas músicas com Branco nos vocais principais), Tony Bellotto (guitarra) e o (ainda) músico convidado Mário Fabre (bateria) resolveram focar nas composições mais "pesadas" do grupo, muitas delas grandes hits de sua carreira, provando que quem pensa que os Titãs são apenas aquele grupo de sucessos "bonitinhos" como "Epitáfio" ou "Nem Cinco Minutos Guardados" está bastante enganado. Passavam apenas alguns poucos minutos da hora marcada quando os cinco músicos entraram no palco usando máscaras que remetiam às maquiagens do clipe de "Fardado", que inclusive foi a canção que abriu a noite, após a mesma introdução "tribal" que eles usavam na turnê de 30 anos. Provando que não tem medo de arriscar e que confia em seu novo lançamento, o grupo emendou logo mais cinco composições de Nheengatu (todas elas usando as tais máscaras), as quais, se não receberam a recepção mais calorosa do pessoal, pelo menos se saíram melhor do que na apresentação do ano passado, quando ainda eram ilustres desconhecidas!

Os cinco músicos mascarados no palco do Opinião

Com pouco menos de vinte minutos de show, uma longa chamada da bateria de Fabre (enquanto os músicos se desfaziam das máscaras) foi a senha para o início de "Polícia", que, para muitos, foi realmente a música que "começou" a apresentação, e, ao final desta, Sérgio se dirigiu ao pessoal pela primeira vez, dando o tradicional "boa noite Porto Alegre" e dizendo ser "um prazer tocar pela primeira vez as músicas de Nheengatu na cidade". Só se ele quis dizer que era a primeira vez "oficialmente", pois a próxima canção "Fala Renata", já havia sido tocada tanto no show de 2012 quando no de 2013, o que não foi suficiente para arrancar uma reação mais emocionada do pessoal.

Se o público parecia ainda meio "desligado" das novas canções (a certa altura, Sérgio perguntou quantos ali já haviam ouvido seu novo lançamento, para a resposta positiva de apenas alguns poucos), a cada música mais conhecida a festa era enorme, com todos cantando junto praticamente todos os versos. Mantendo quase todo o set list em "blocos" de duas canções para cada vocalista, os Titãs foram alternando as composições de Nheengatu (foram doze no total) a sucessos como "Bichos Escrotos", "Flores", "AAUU", a já obrigatória "Vossa Excelência" (com direito a mais um discurso irônico de Miklos, onde ele se anunciou como um candidato "ficha suja" para a próxima eleição), "Diversão" ou "Televisão". O espaço para os "lados B" da longa carreira dos paulistas foi bastante reduzido, mas apareceu na foma de canções como "Desordem" (onde Britto cantou os primeiros versos do refrão e ouviu a galera entoar em peso todo o restante antes do início efetivo da música), "32 Dentes", "Cabeça Dinossauro" ou "Estado Violência", que fizeram a festa dos fãs "de verdade" do grupo.

Com o repertório (corretamente, na minha opinião) focado nos discos Cabeça Dinossauro (de onde vieram oito músicas) e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (que cedeu quatro números para o show), ficou fácil comprovar que Nheengatu tem realmente muito mais afinidade musical com estes discos (e também com o já citado Titanomaquia, que, infelizmente, foi ignorado neste novo show) do que com a "fase pop" que os Titãs atravessaram após o sucesso do Acústico MTV. Além disso, foi fácil perceber que Branco e Paulo estão cada vez mais seguros como instrumentistas, enquanto Mário vai provando a cada turnê ser merecedor do lugar que um dia foi do "monstro" Charles Gavin, e Tony é, e sempre foi, a alma "roqueira" e rebelde do conjunto (ou da tribo, como Sérgio se referiu aos Titãs em certo momento da apresentação), com riffs e solos que o colocam como um dos mais subestimados guitarristas de sua geração!

Momento da apresentação dos Titãs

"Sonífera Ilha" (um pouco mais "pesada" que o habitual) encerrou a primeira parte da apresentação, com os cinco retornando para um bis que iniciou com "Canalha", também de Nheengatu. Britto então se dirigiu ao microfone para lembrar que aquela canção não era dos Titãs, e sim de Walter Franco, e que era uma das duas únicas da noite que eles não haviam composto. A outra seria a próxima, a cover para "Aluga-se", de Raul Seixas, mais uma que levou o pessoal próximo do delírio. O bis se encerrou com "Homem Primata" (que também levantou o pessoal), mas o conjunto ainda voltaria uma segunda vez ao palco, com uma sequência matadora que iniciou com "Comida", passou por "Igreja" (que teve a recepção mais morna do bis) e a "calminha" "Marvin", que deveria, oficialmente, encerrar de vez a apresentação e deixar a todos os presentes no Opinião satisfeitos com o que haviam assistido.

Só que o pessoal "bateu pé", e, aos gritos de "mais um, mais um" e "Titãs, Titãs", exigiu um terceiro retorno do quinteto. Visivelmente satisfeitos, Sérgio assumiu o microfone para cantar "Família" junto com o imenso coral do público, apresentando os músicos no decorrer da mesma e fazendo a tradicional citação a "Panis Et Circenses", d'Os Mutantes, próxima ao seu final. Após agradecer pela noite "inesquecível", foi sucedido ao microfone por Branco, que cantou "A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana", naquela que deveria ser a derradeira canção desta data!

Titãs no palco do Opinião

Mas a galera ainda não havia se dado por satisfeita, e repetiu os chamados pela volta dos Titãs ao palco! Claramente de forma improvisada, e mostrando-se surpreendidos pela situação, os paulistas retornaram pela quarta vez, com Sérgio declarando que "não esperavam por aquela reação", e que "não estava no programa da noite tocar baladas", mas "as pauleiras haviam esgotado". Assim, depois de lembrar que a letra da próxima música havia sido musicada a partir de um poema do piauiense Torquato Neto, o grupo tocou "Go Back", que, seguida pela balada "Prá Dizer Adeus", finalmente satisfez a vontade daqueles que queriam algo mais "calmo" ao invés da "gritaria" (como Britto se referiu a músicas como "AAUU") que havia predominado até ali nas quase duas horas e quinze minutos que já durava o espetáculo. Ao final desta última, o responsável pelo som da casa, mais do que depressa, emendou logo no som mecânico "Selvagem", dos Paralamas do Sucesso, evitando assim que o pessoal pedisse por mais uma canção, algo que, pela empolgação de todos, acredito que seria bem possível de ocorrer!

Tivesse acabado no segundo bis, como havia sido planejado, já teria sido um grande show (com as composições de Nheengatu, ao menos para mim, que gostei muito do disco, se mostrando dignas de dividir o repertório com os antigos sucessos dos Titãs), mas as duas voltas "extras" que o grupo fez (em uma atitude de respeito aos fãs de certa forma até surpreendente em uma época onde muitos artistas - com menos tempo de estrada e relevância que os paulistas, diga-se de passagem - parecem não estar "nem aí" para a vontade de seu público) tornaram esta noite muito especial. Quem esteve presente, tenho certeza, irá concordar comigo!


Set List da apresentação - em Porto Alegre, apesar de estar escrito "Circo" na parte de baixo

Set List:

1. Fardado
2. Pedofilia
3. Cadáver Sobre Cadáver
4. Baião de Dois
5. Terra À Vista (Chegada ao Brasil)
6. Senhor
7. Polícia
8. Fala, Renata
9. Bichos Escrotos
10. Mensageiro da Desgraça
11. Republica dos Bananas
12. Flores
13. AAUU
14. Desordem
15. Vossa Excelência
16. Diversão
17. Televisão
18. 32 Dentes
19. Cabeça Dinossauro
20. Quem São Os Animais
21. Estado Violência
22. Lugar Nenhum
23. Eu Me Sinto Bem
24. Sonífera Ilha

Primeiro Bis:

25. Canalha
26. Aluga-se
27. Homem Primata

Segundo Bis:

28. Comida
29. Igreja
30. Marvin

Terceiro Bis:

31. Família
32. A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana

Quarto Bis:

33. Go Back
34. Prá Dizer Adeus

sábado, 6 de setembro de 2014

Belgrado - Siglo XXI [2013]


Por Micael Machado

O estilo musical chamado de pós-punk tem algumas características próprias, como um certo tom de melancolia em suas composições (geralmente pendendo para uma sonoridade mais lúgubre), bateria seca e marcada e um andamento "arrastado" e até meio "modorrento". Mas mesmo os maiores ícones do estilo possuem faixas em suas discografias que fogem destas características, como, por exemplo, "Disorder", do Joy Division, "Grinding Halt", do The Cure, ou "Christine", do Siouxsie and the Banshees, para citar apenas três músicas de apenas três bandas. Nestas canções, o andamento é mais rápido, a bateria mais ágil, as linhas de baixo mais velozes, e a guitarra faz mais riffs (e até solos) do que o "padrão" do estilo, Pois é esta vertente mais animada (e quase "dançante") que o quarteto Belgrado adotou para sua carreira, com excelentes resultados.

Reunidos em 2010 na cidade espanhola de Barcelona, a cantora polonesa Patrycja (Pat, para os íntimos) e os músicos (venezuelanos, de acordo com o que apurei) Fergu (guitarra), Renzo (baixo) e Jonathan (bateria) lançaram seu primeiro álbum, auto intitulado, em 2011, pela gravadora independente espanhola Discos Enfermos. Após passarem para a também independente La Vida Es Un Mus, soltaram o compacto em 7" Panopticon / Vicious Circle, em 2012, e seu segundo álbum completo, Siglo XXI, em setembro do ano passado. Os três registros (disponíveis apenas em vinil, diga-se de passagem) são um oásis sonoro para os fãs da vertente citada no parágrafo anterior, levando o ouvinte direto para algum pub londrino do início dos anos 1980, época do auge do estilo pós-punk! Mas devo confessar que minha preferência recai sobre este último, o qual é objeto deste texto!

O quarteto Belgrado: Renzo (atrás), Fergu, Jonathan e Pat

Ao longo da audição de Siglo XXI, pode-se constatar que, mesmo Fergu usando e abusando de efeitos e licks de sua guitarra (como se fosse um Robert Smith, do The Cure, em início de carreira), Renzo "palhetando" seu baixo ao melhor estilo Peter Hook (baixista do citado Joy Division) e Jonathan conduzindo sua bateria de forma segura por entre as canções, não se poderá negar que o grande trunfo do grupo está na vocalista Pat. Espécie de Siouxsie Sioux loira (confira a performance da cantora em "Wake Up", por exemplo), a polonesa consegue ser o maior destaque do quarteto, inclusive no palco, onde chama a atenção com suas danças estranhas e seu magnetismo pessoal. Além disso, ela traz a "incomum" característica de cantar em sua língua natal, algo que dificilmente se encontra em discos "normais" por aí. Neste álbum, inclusive, as faixas em polonês acabam sendo as que mais se destacam, como "Jeszcze Raz" (que inclusive ganhou um vídeo clipe promocional), "Pałac Kultury" (de andamento mais veloz, marcado pelo baixo, que ganha até um curto momento solo no meio da faixa), "Nie" (que não faria feio no meio das faixas do primeiro disco do Joy Division) e "Iluzja" (desta, quase se pode afirmar tratar-se de uma sobra do disco de estreia do The Cure). Mas também há espaço para o espanhol, o catalão e o inglês nas músicas do quarteto, embora, neste registro, as duas primeiras línguas tenham ficado um pouco de lado.

Uma característica peculiar de Pat é uma "mania" de soltar alguns curtos gritinhos ("ha!", "ya!", "hey") no meio das faixas, algo que pode soar esquisito em uma primeira audição. Neste registro, esta característica aparece na citada "Pałac Kultury", em "Sombra De La Cruz" (com letra em inglês apesar do título), em "Świat Jest Nasz" (onde as intervenções de Pat compõem grande parte da "letra") e "The End" (estas duas um pouco mais lúgubres que as demais, apesar do andamento veloz). Quando conheci o grupo, este foi o único ponto negativo que pude perceber em sua música (especialmente quando conferi alguns vídeos ao vivo, onde o uso de ecos e reverbs acentua esta característica), mas, depois que me acostumei com as intervenções da cantora, estas não passaram mais a me incomodar (portanto, caso você se disponha a ouvir o disco, lhe dê mais de uma chance, que este possível "incômodo" inicial com certeza passará).

Vinil e encarte de Siglo XXI

A faixa título é uma curta vinheta com muitos efeitos na voz da polonesa, e o track list se completa com a "rapidinha" "Progress" e "Automatyczny Świat", outra que poderia facilmente figurar dentre os destaques do álbum. Os três registros do quarteto (que, inclusive, realizou uma turnê pela América do Sul durante o último agosto e o início deste mês, a qual, infelizmente, não pude conferir, pois os ingressos para a apresentação de Porto Alegre se esgotaram antes mesmo que eu tivesse conhecimento da data marcada) estão disponíveis no youtube, e os recomendo com entusiasmo para quem curte as bandas citadas lá no começo (especialmente em suas fases iniciais), ou mesmo outras que se encaixam na definição de "pós punk", como o Sisters of Mercy, o The Mission ou o Echo and the Bunnymen. Se esta for a sua praia, pode conferir sem medo. Garanto que não se arrependerá!

Contracapa de Siglo XXI

Track List:

01. Sombra De La Cruz

02. Pałac Kultury 

03. Jeszcze Raz 

04. Świat Jest Nasz 

05. Siglo XXI 

06. Nie 

07. Wake Up 

08. Iluzja

09. Progress

10. The End 

11. Automatyczny Świat 

domingo, 31 de agosto de 2014

Review Exclusivo: Pitty (Porto Alegre, 21 de agosto de 2014)


Por Micael Machado

Fazia pelo menos três anos que a baiana Pitty não se apresentava com sua banda solo em Porto Alegre. Depois de "dar um tempo" na carreira para se dedicar ao Agridoce (projeto em dupla junto ao guitarrista Martin, de seu grupo principal), a cantora colocou no mercado o álbum Setevidas no início de junho, e saiu em turnê de lançamento do mesmo pelo país. Na quinta feira, dia 21 de agosto, foi a vez de Porto Alegre reencontrar a "trupe delirante", em um Bar Opinião com ingressos esgotados há semanas, e uma grande expectativa por parte dos fãs da vocalista!

A apresentação iniciou pontualmente no horário marcado (as 23h), mas, infelizmente, o telão apresentou algum problema, e o vídeo preparado especialmente para abertura dos shows desta turnê não pode ser exibido, sendo reproduzido apenas o seu áudio, que trata dos vários significados do número sete no nosso dia a dia, enquanto os músicos (o citado Martin Mendonça na guitarra, o baterista Duda Machado e os "novatos" Guilherme Almeida, baixista, e Paulo Kishimoto, nos teclados e percussão, dispostos no palco de maneira bastante incomum, com a bateria e o teclado nos flancos, tendo baixo e guitarra a seu lado) improvisavam uma espécie de jam session, até a gravação acabar e Pitty adentrar o palco, iniciando o show com a faixa título de seu novo disco, e levando o pessoal ao delírio (público esse predominantemente adolescente, embora, claro, a galera esteja um pouquinho mais velha que nas turnês anteriores). O telão, misteriosamente, começou a funcionar logo a seguir, e, ao longo da noite, iria apresentar algumas imagens (a maioria feita por computação gráfica) que contribuiriam bastante para o aspecto "visual" da apresentação, especialmente nas músicas novas.

Pitty e banda no palco do Opinião (foto retirada da página do facebook da cantora)

Já no aspecto musical, Pitty (em excelente forma tanto musical quanto física - não foram poucas as vezes em que o público dedicou o coro de "gostosa" para a cantora, merecidamente, diga-se de passagem) e sua turma mostraram que a noite seria memorável logo na sequência da abertura, emendando "Anacrônico", "Admirável Chip Novo" e "Semana Que Vem", três de seus maiores sucessos na carreira! O público, ensandecido, cantava as canções a plenos pulmões, por vezes quase ofuscando a voz da baiana, e demostrando que o período longe de sua musa não foi suficiente para diminuir a devoção do séquito de seguidores da cantora na capital gaúcha! O repertório da noite foi extremamente bem escolhido, e, embora o foco esteja nas músicas de Setevidas (do track list do álbum, apenas a faixa "Lado de Lá" não foi executada), as demais selecionadas foram, todas elas, canções "conhecidas" mesmo pelos menos fanáticos, o que fez com que a vibração do público estivesse em alta durante praticamente toda a noite, com o pessoal "soltando a voz" com vontade mesmo nas faixas mais novas! Pessoalmente, gosto muito quando um artista resolve inserir algumas faixas mais "lado B" em seu repertório ao vivo, mas é inegável que um show nos moldes de um "greatest hits", como foi o caso deste, é sempre bom de assistir!

Com o público na mão, a cantora se mostrou segura e confortável em seu retorno aos palcos após a fase mais "calma" com o Agridoce. Embora não tenha se comunicado tanto assim com o pessoal (o tradicional "boa noite", por exemplo, veio apenas depois da quarta canção), não deixou de dedicar atenção aos presentes quando necessário, e agradecer muito pela presença de todos e por terem esgotado os ingressos daquela noite, em um local onde o grupo "se sente em casa", como declarou. A baiana também continua se arriscando na guitarra base (como sempre, uma linda Gibson SG, e, fazendo jus ao instrumento, com bons resultados), embora menos que em fases passadas, com sua participação ao instrumento se resumindo às faixas "Teto de Vidro" (uma das surpresas da noite, anunciada por Pitty como "um som das antigas", e que, logo depois de acabar, viu a vocalista fazer um trocadilho com o último verso da canção e o nome da casa de shows onde estava, cantando "e isso é só porque eu tô no Opinião") e "Olho Calmo".

Pitty no show de Porto Alegre, com Martin ao fundo (foto retirada da página do facebook da cantora)

Aliás, foi antes desta que houve a única exceção ao set list previsto para o show: após encerrar a faixa anterior ("Boca Aberta"), Pitty disse que a banda estava de volta "com tudo diferente" "após um tempo sem vir aqui", e que o pessoal não conhecia "alguns desses caras" no palco. Ao apresentar o gaúcho Guilherme (responsável por "altas costelas nos ensaios", segundo a cantora), ela foi surpreendida pelo coro de "ah, eu sou gaúcho" do pessoal, incentivado pela marcação de Duda na bateria e pelos gestos do baixista. Pitty então disse que gosta muito do rock feito no Rio Grande do Sul (que tem "altas bandas incríveis", segundo ela), e que a banda havia pensado em tocar uma canção "que é meio hino prá gente, que ouve lá prás tantas da madrugada e acha demais", mas que não haviam tido tempo de ensaiar. Ao dizer que a tal música era "Lugar do Caralho", do Júpiter Maçã, ela perguntou se o público a conhecia, e foi meio que surpreendida por Duda e Guilherme iniciando a canção, seguidos por Martin. Aí, não teve jeito, e a vocalista acabou cantando a música inteira, "de improviso", segundo ela, mas de um jeito que, para mim, pareceu foi "bem ensaiadinho", inclusive com Martin executando pelo menos dois dos melhores solos da noite ao longo da faixa! Outras pequenas "fugas" ao roteiro estabelecido vieram através de citações a "Ando Meio Desligado", dos Mutantes, no meio de "Memórias", e a "Venus In Furs", do Velvet Underground, no início de "Na Sua Estante" (a qual, precedida por "Equalize", configurou junto a esta o "momento romântico" da noite, para o delírio das menininhas no Opinião), mas acredito que poucos dos presentes as tenham reconhecido, infelizmente!

"Máscara", que normalmente encerrava os shows nas turnês anteriores, desta vez foi a penúltima a ser executada, e, assim como ocorre em Setevidas, a quase melancólica "Serpente" (com algumas partes percussivas feitas por Pitty e Paulo) foi a encarregada de encerrar a apresentação, sem que a banda retornasse para o bis, após pouco mais de uma hora e meia que, apesar de parecerem pouco pelos anos que o pessoal ficou longe da baiana, certamente foram suficientes para "matar as saudades" dos fãs da cantora, que esperam agora que não leve tanto tempo para a mesma retornar aos palcos gaúchos! Ficamos todos no aguardo!

"Agora que eu voltei, quero ver me aguentar"...


Set list da apresentação

Set List:

1. Setevidas
2. Anacrônico
3. Admirável Chip Novo
4. Semana Que Vem
5. A Massa
6. Deixa Ela Entrar
7. Teto De Vidro
8. Memórias
9. Boca Aberta
10. Lugar do Caralho
11. Olho Calmo
12. Pouco
13. Me Adora
14. Pulsos
15. Pequena Morte
16. Equalize
17. Na Sua Estante
18. Um Leão
19. Máscara
20. Serpente

sábado, 23 de agosto de 2014

Review Exclusivo: Ira! (Porto Alegre, 16 de agosto de 2014)

 

Por Micael Machado


Foram sete anos de ausência dos palcos. Quando, no final de 2007, o vocalista Nasi se desentendeu com seu irmão, Júnior Valadão (à época empresário do grupo) e com o guitarrista Edgard Scandurra, a banda "implodiu", como bem definiu este último, e o que se viu em sequência foi um dos mais lamentáveis episódios deste que é um dos maiores nomes do chamado BRock dos anos 1980. Foram acusações pela imprensa, processos judiciais e até uma tentativa de interdição judicial do cantor por parte de seu pai. O processo de reaproximação começou no início do ano passado, com Nasi "fazendo as pazes" com o pai e o irmão, e, através deste, retomando o contato com o guitarrista. A participação do vocalista em um show beneficente organizado por Edgard foi o pontapé inicial para a volta do Ira!, concretizada em show na virada cultural de São Paulo, no recente 17 de maio, e cuja subsequente turnê chegou a Porto Alegre no último sábado, dia 16 de agosto!

Em um auditório Araújo Vianna com os ingressos esgotados há semanas, Nasi e Edgard subiram ao palco pouco mais de dez minutos depois da hora marcada acompanhados não por Gaspa (baixista) e André Jung (baterista), os músicos com os quais tocaram no line up mais duradouro do Ira!, mas sim por uma nova formação em quinteto que conta com o filho de Edgard, Daniel Scandurra, no baixo, Evaristo Pádua (baterista da banda solo de Nasi) e Johnny Boy (tecladista e violonista, que tocava com o Ira! desde os anos 1990, como músico de apoio). Iniciando a apresentação com "Longe de Tudo" e "Flerte Fatal", o grupo teve seu nome entoado em uníssono pelo pessoal logo ao final desta, mostrando que sua ausência por um período tão longo havia sido realmente sentida!

A noite prometia ser de muitos clássicos do repertório dos paulistas, e a sequência que iniciou com "Dias de Luta" e só acabou em "Gritos na Multidão" deixou isso bem claro (embora ali no meio tenha rolado "No Universo dos Seus Olhos", canção que ainda não chegou a atingir este status), sendo que o pessoal acompanhava em coro pelo menos o refrão de cada uma das músicas apresentadas. Com o público nas mãos e demostrando prazer em estar novamente junta, a dupla principal do Ira! levou o show com facilidade, agradando as mais de três mil pessoas que saíram de casa para lhes assistir sem precisar se esforçar muito. Não que não tenha havido empenho, mas o público parecia disposto a celebrar a volta do agora quinteto de qualquer forma, e o repertório escolhido só fez facilitar esta missão!

Nasi no palco do Araújo Vianna (foto retirada da página do facebook da Opus Produções)

Muito se comentou sobre a forma física de Nasi (vários quilos acima do "normal"), mas seu carisma e sua voz não foram afetados de forma alguma por isso! Muito comunicativo durante toda a noite, o cantor chegou a afirmar que o Ira! era a banda paulista mais gaúcha que existe, visto a cidade de Porto Alegre ter sido uma das primeiras a "detonar o som do grupo" (como declarou) ao tocar suas músicas nas rádios, especialmente na Ipanema FM, como lembrou o músico, sendo que esta sempre foi a mais importante "rádio rock" da capital gaúcha! Nasi ainda disse que a noite era de muita emoção para a banda, visto o grupo ter tocado no mesmo local trinta anos antes, ainda no início da carreira. Já Edgard é, com razão, considerado um dos melhores (se não "O" melhor) guitarristas de sua geração, e esta noite serviu para demonstrar isso mais uma vez. Mesmo a música do Ira! não sendo assim tão complicada tecnicamente, cada vez que o sujeito inventava de atacar com um de seus incríveis solos (tocados, vale sempre a pena lembrar, sem o uso de palheta, em uma guitarra para destros usada "ao contrário", e sem a posição das cordas adaptada para canhotos), ficava claro  que não estávamos diante de um músico comum. Daniel (também encarregado de alguns backings, assim como seu pai) e Evaristo seguraram a barra com precisão, e os teclados de Johnny Boy deram um "ganho" nos arranjos de várias composições (como em "Tarde Vazia" e "Flores Em Você"), além das introduções de "Manhãs de Domingo" (que ficou bem próxima do rock progressivo) e "O Bom e Velho Rock and Roll" (esta, soando absurdamente pesada em comparação a sua versão original). Esta nova formação já está, segundo declarações do próprio Edgard, pensando em um novo disco de inéditas, e uma "prévia" do que pode vir por aí foi a nova "ABCD", um agitado blues com toques de rockabilly e letra "sacana", a qual, apresentada no meio do show, mostrou que o Ira! ainda tem um promissor futuro pela frente, algo que parecia impossível há alguns anos!

Alguns "lados B" da discografia do Ira! também marcaram presença neste "panorama da carreira" do grupo ("passando por praticamente todos os álbuns", segundo Nasi), como "Rubro Zorro" (retirada de um álbum que, como o cantor declarou, foi "conceitualmente, um divisor de águas" na carreira do grupo, o subestimado Psicoacústica, de 1988, e que, nesta turnê, foi apresentada com o palco totalmente iluminado por luzes em tons vermelhos, fazendo jus ao seu título) ou "15 Anos", mas a maioria do set list foi formado por canções bastante conhecidas como "Eu Quero Sempre Mais" (surpreendentemente para mim, a que mais levantou o pessoal, que, após a deixa do vocalista, levou sozinho e inteira a parte cantada pela baiana Pitty na versão do Acústico MTV, entoando novamente com força o nome do grupo ao final da canção) ou "Envelheço na Cidade" e "Núcleo Base", as duas faixas que encerraram a primeira parte do espetáculo, após quase uma hora e vinte minutos que levaram a plateia próxima ao êxtase!

Edgard e Nasi em Porto Alegre  (foto retirada da página do facebook da Opus Produções)

Era certo que o quinteto voltaria para um bis, mas acredito que ninguém esperava o que veio. Recebidos no seu retorno ao palco com o cântico de "ôô, o Ira! voltou", como se estivéssemos em um estádio de futebol, e após agradecer ao pessoal da equipe técnica e ao público presente, o quinteto começou a encore com a também conhecida "O Girassol" (com Edgard nos vocais principais, e que o guitarrista dedicou a seu pai, "gaúcho de Bagé"), outra que contou com a participação maciça da galera, seguindo depois com a mais "lado B" "Arrastão" (e um show particular de Edgard na guitarra, especialmente na funkeada parte final), a versão para "Train In Vain", do The Clash (intitulada "Pra Ficar Comigo") e a mais intimista "Prisão Nas Ruas" (que contou com um belo jogo de luzes), a qual Nasi lembrou ter tido a "estupenda participação" de Nico Nicolaiewsky, músico gaúcho falecido em fevereiro deste ano, e para quem o cantor pediu que público "fizesse um barulho" em homenagem. Era a senha para o vocalista lembrar que a banda já havia gravado outros músicos do Rio Grande do Sul como Júpiter Maçã e Frank Jorge, e, subvertendo o roteiro original, interpretar "o grande sucesso gaúcho do Ira!", "Bebendo Vinho", de Wander Wildner, outra que, como esperado, levou os presentes ao delírio, e foi emendada a uma acachapante versão de "Foxy Lady", de Jimi Hendrix (e como vocês acham que soou quando um dos melhores guitarristas do país resolveu interpretar um tema do melhor guitarrista da história? Chamar de sensacional é pouco!). Como o set list já havia ido para o espaço mesmo, o quinteto ainda tocou "Coração" antes de Nasi perguntar se queríamos ouvir mais uma, e, após a resposta positiva dos presentes ao auditório, declarar que a banda "tentaria bater o recorde de Bruce Springsteen de bis mais longo" e, finalmente, encerrar com "Nas Ruas", em pouco menos de duas horas que serviram como uma espécie de catarse coletiva a quem esteve no Araújo Vianna, e provou definitivamente que o Ira! está de volta, como Nasi declarou ao final!

Como disse no começo do texto, os ingressos se esgotaram várias semanas antes do show. Ainda no início do bis, Nasi disse que muita gente havia ficado de fora, sem ter a oportunidade de presenciar aquela apresentação, e que, por isso, uma nova data para o mesmo local já havia sido agendada para 25 de outubro, dando oportunidade aqueles que não conseguiram ingresso de presenciar uma data deste espetáculo, e, para aqueles que conseguiram estar presentes neste sábado inesquecível, de viver esta emoção outra vez! Certamente, estarei lá de novo, e recomendo a todos que o façam, pois o Ira! retornou de vez aos palcos, e com "fome de bola"!

"Ôôô, o Ira! voltou, o Ira! voltou, o Ira! volto-ou"

Set List e ingresso da apresentação

Set List:

1. Longe de Tudo
2. Flerte Fatal
3. É Assim Que Me Querem
4. Dias de Luta
5. Tarde Vazia
6. No Universo dos Seus Olhos
7. Gritos Na Multidão
8. ABCD
9. Tolices
10. Mudanças de Comportamento
11. Rubro Zorro
12. 15 Anos
13. Eu Quero Sempre Mais
14. Manhãs de Domingo
15. O Bom e Velho Rock and Roll
16. Envelheço na Cidade
17. Núcleo Base

Bis:

18. O Girassol
19. Arrastão
20. Pra Ficar Comigo
21. Prisão Nas Ruas
22. Bebendo Vinho
23. Foxy Lady
24. Coração
25. Nas Ruas