domingo, 29 de setembro de 2013

Discografias Comentadas: Ultraje A Rigor


 Por Micael Machado

Surgido no início dos anos 1980 na cidade de São Paulo, o Ultraje A Rigor conquistou o público brasileiro logo na sua estreia em vinil, com o compacto Inútil/Mim Quer Tocar, de 1983, pela gravadora WEA. Tendo na formação inicial Roger Moreira (voz, guitarra, flauta), Leôspa (bateria), Sílvio (baixo, logo substituído por Maurício Defendi) e Edgard Scandurra (guitarra solo), o grupo logo partiu para a gravação de seu LP de estreia (não sem antes ver a partida de Scandurra, que optou por continuar apenas com o Ira!, sendo substituído por Carlinhos, e gravar um segundo compacto, Eu Me Amo/Rebelde Sem Causa), considerado um dos maiores clássicos do rock nacional.

Mantendo-se constantemente na ativa ao longo destes mais de trinta anos (o single de estreia completa esta idade agora em outubro), embora com longas ausências dos estúdios durante sua trajetória, a banda conquistou o respeito e a admiração de milhares de fãs por todo o Brasil, sempre capitaneada pelo incansável Roger, único membro constante em todas as formações! Com vocês, nossa análise das obras desta verdadeira instituição do rock nacional!

Nós Vamos Invadir sua Praia [1985]

Se algum disco do rock nacional merecer o status de "Clássico" (com C maiúsculo e tudo), a estreia do Ultraje deverá ser o escolhido. De suas onze faixas, nove tocaram (e muito) nas rádios, sendo lembradas e incensadas até hoje pelos fãs nos shows do quarteto. Único LP a contar com Carlinhos na guitarra solo, Nós Vamos Invadir sua Praia é daqueles álbuns que parecem uma coletânea de tão bons. Músicas como "Rebelde sem Causa", "Ciúme", "Inútil" (que chegou a ser interpretada pelos Paralamas do Sucesso no palco do primeiro Rock In Rio como forma de protesto ao então agonizante regime militar), "Marylou", "Eu Me Amo", a faixa título e "Independente Futebol Clube" (aqui em uma versão gravada ao vivo) são clássicos facilmente reconhecíveis em todo o país, e mesmo "Zoraide" e "Mim Quer Tocar", que tocaram um pouco menos que as demais, também são obrigatórias nas apresentações até hoje. "Jesse Go" (com os vocais principais feitos por Maurício) e "Se Você Sabia" tiveram menos exposição, mas também possuem grande qualidade. Este foi o primeiro LP de rock no Brasil a ganhar Disco de Ouro e Disco de Platina, e a banda conheceu um sucesso enorme, quebrando recordes de público em diferentes locais em todo o país. A edição em CD de 2011 trouxe as duas faixas do compacto de estreia, outras duas presentes no EP Liberdade Para Marylou, de 1986, além de uma versão inédita para "Ricota", que só sairia oficialmente no terceiro LP. Nós Vamos Invadir sua Praia é uma excelente estreia, no melhor momento de toda a discografia do Ultraje!

Sexo!! [1987] 

Apesar do sucesso da estreia, Carlinhos decidiu sair do grupo, mudando-se para Los Angeles, abrindo espaço para a chegada de Sérgio Serra (Serginho, guitarra solo), que participou das gravações do que viria a ser o segundo disco do Ultraje. Embora possua hits do porte de "Eu Gosto de Mulher", "Terceiro", "Pelado" (que foi incluída na trilha sonora da telenovela Brega e Chique, da Rede Globo, constando na abertura da mesma) e a faixa título, é inegável que Sexo!! tem uma qualidade inferior ao ao disco anterior, algo facilmente compreensível devido ao elevado padrão atingido pelo grupo naquele álbum. Se "A Festa" tem um tom meio anos 50, "Prisioneiro" (cantada por Maurício) é praticamente um heavy metal, e "Maximillian Sheldon" e a quase instrumental "Will Robinson e Seus Robots" já apontam um pouco os rumos experimentais do LP seguinte. "Dênis, o Que Você Quer Ser Quando Crescer?" e "Ponto de Ônibus" completam o track list do disco, que também teve um grande reconhecimento por parte do público, chegando ao disco de platina pela venda de 250 mil cópias no ano de 1994.


A formação clássica do Ultraje: Roger, Serginho, Leôspa (ao fundo) e Maurício

Crescendo [1989]

Na minha visão, um dos álbuns mais experimentais já lançados sob o rótulo de "rock brasileiro" (leia mais sobre ele aqui, em texto da série sobre os sete pecados do rock nacional), Crescendo (cujo rótulo do vinil possuía uma espiral que causava um efeito de vertigem ao ouvinte) acabou marcando um ponto de virada na carreira da banda. Ainda que "Volta Comigo", "Filha da Puta" (que apareceu nas rádios em uma "versão família" com uma buzina sobre o palavrão do título) e "O Chiclete" (composta ainda na época em que Edgard Scandurra fazia parte do quarteto, assim como "Ricota" e "Ice Bucket") tenham tido boa execução nas rádios (levando o LP a ganhar o certificado de disco de ouro), a faixa título (com um interessante jogo de palavras na letra), "Secretários Eletrônicos", a citada "Ice Bucket", "Maquininha" e "Os Cães Ladram (Mas Não Mordem) e a Caravana Passa" mostravam o grupo trilhando novos caminhos, inclusive utilizando instrumentos "diferentes", como o artefato que dá nome à penúltima. "Laços de Família" e "Querida Mamãe" têm os vocais a cargo de Serginho, e "Crescendo II - A Missão (Santa Inocência)", apesar de lançada em single, é o ponto baixo do disco (e um dos mais baixos da carreira do Ultraje), servindo como um desabafo de Roger contra uma falsa acusação de estupro de uma menor, que teria ocorrido na cidade de Chapecó, em Santa Catarina. Repetitiva, longa e pouco inspirada, nunca me agradou, embora as rádios tenham abertos generosos espaços para sua execução. "Coragem" e "A Constituinte" (pouco mais de trinta segundos onde a letra é a mesma da canção infantil "Atirei o Pau no Gato", em uma demonstração do inteligentíssimo senso de humor dos textos do grupo, algo constante em toda a sua carreira) completam o track list da versão em vinil, que no CD ainda possuía a instrumental "Beer". Não fosse pela "segunda parte" da faixa título, diria que este disco é melhor que o anterior, embora poucos irão concordar comigo!

Por Quê Ultraje a Rigor? [1990] 

Apesar de ser um disco de versões para músicas de outros artistas (resgatando a época em que o Ultraje era uma banda cover, no seu início), este talvez seja o último grande álbum lançado pelo quarteto. Registrado em um período turbulento, que viu a saída de Maurício durante as gravações (ele que casou com uma americana, mudou para Miami e formou o Emerald Steel, grupo de heavy metal que lançou um excelente LP em 1990, mas teve curta duração), o disco contou com a presença de Liminha (diretor artístico do registro), Andria Busic (depois do Dr. Sin, ao lado de seu irmão Ivan, que também participa do LP nos vocais de apoio) e do "desistente" Maurício no baixo ao longo de suas dezessete faixas, onde, dentre músicas registradas por grupos como Rolling Stones, Beatles, Roberto e Erasmo Carlos, Eduardo Araújo, uma divertida "El Cumbanchero" e até o tema do seriado "Os Monstros", os maiores destaques são, para mim, as covers para "Nobody But Me", do The Human Beinz, "Runaway", de Del Shannon, "You Wondering Now", do The Specials, "I Found that Essence Rare", do Gang of Four, e "Mauro Bundinha", única de autoria do Ultraje e que, segundo o encarte, teria sido a primeira composição de Roger em parceria com Leôspa. Cabe citar que, no encarte, todas as músicas apareciam com as respectivas cifras sobre suas letras, segundo o grupo, para incentivar as bandas que estavam começando a poderem tocar estas composições, e que o início e o final do LP apresentavam "chiados" como se o disco estivesse arranhado, consistindo em uma "brincadeira, não um defeito", como aponta o encarte.


A formação que gravaria Ó!: Heraldo, Serginho Petroni, Flávio Suete e Roger

Andria Busic chegou a ser efetivado no lugar de Maurício, mas logo depois cedeu seu posto para Osvaldo Fagnani. Mas esta formação não conseguiu se estabilizar, e logo Serginho (que anos depois seria até mesmo músico de apoio da Legião Urbana) e Osvaldo partiriam para outros projetos, com Leôspa os seguindo não muito mais tarde. Roger remontou o Ultraje com Flávio Suete na bateria, Serginho Petroni no baixo e Heraldo Paarmann na guitarra, e a nova encarnação da banda estreou com duas faixas inéditas registradas para a coletânea O Mundo Encantado de Ultraje a Rigor, de 1992: a divertida "Vamos Virar Japonês", comparticipação da dupla caipira Tonico e Tinoco, e uma versão de "Rock das Aranha", de Raul Seixas. Mas a gravadora não acreditou no potencial desta formação, e acabou colocando o quarteto em uma espécie de "geladeira", sem planos futuros. Para comprovar o erro do selo, o Ultraje gravou de forma independente a música "Ah, Se Eu Fosse Homem", cuja fita foi distribuída para diversas estações de rádio pela própria banda. A repercussão da mesma acabou levando a WEA a permitir, finalmente, a gravação do quinto registro do grupo!



Ó! [1993]

Gravado em apenas dois meses e com um orçamento limitado (por exigência da WEA), este é o álbum mais irregular da carreira do Ultraje. Quando o grupo acerta o alvo, como nas faixas "Ah, Se Eu Fosse Homem..." (uma música que caberia perfeitamente em um disco como Sexo!!), "O Fusquinha do Itamar" (cujo começo é uma paródia de "O Calhambeque" do rei Roberto Carlos, e depois vira um rock típico dos anos 50, com letra muito divertida baseada na reedição do Fusca durante o governo do Presidente Itamar Franco), "Tuaregue" (instrumental com ritmo meio fusion, bem diferente do estilo do grupo, mas muito interessante), "Oração" (rockabilly com letra bem sacada), "Êta Sonzinho Fuleiro" (muito divertida, com influências de reggae e ritmos caribenhos) e "Fuck The World!" (a melhor do play, tão pesada e rápida que soa quase como uma mistura de hardcore com death metal, com vocais guturais e tudo), tudo corre bem, mas canções como a chata "O Seu Universozinho" (forte candidata a pior música que o Ultraje já gravou), a versão bossa nova de "Inútil" (que pode até ser interessante dentro do senso de humor divertido do grupo, mas, musicalmente, é constrangedora, mesmo com Roger voltando a utilizar a flauta em uma canção, algo que não fazia há tempos), "A Inveja é Uma Merda" (com baterias eletrônicas e ritmo sequenciado em um arranjo equivocado, apesar dos bons solos de guitarra) e "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas (Política)" (reggae com letra em clima de protesto contra a gravadora, que estava abandonando o grupo) ajudam a fazer deste um disco nada memorável, cujo fracasso foi auxiliado pelo descaso da gravadora em promovê-lo. "(Acontece Toda Vez Que Eu Fico) Apaixonado" teve clipe e tudo, mas, com uma parte quase brega lá pelo meio e uma produção que não lhe ajuda em nada, não me chama a atenção, mesmo com sua letra divertida com referências a "uma parte da  anatomia masculina que os médicos chamam de corpo cavernoso", sendo que o rock não muito atraente de "Teimoso" e uma interessante versão rockabilly para "Oh, Carol", de Neil Sedaka, completam o track list, que, na versão em CD, ainda tem como bônus a faixa "This Boy", com letra em inglês e que parece uma continuação de "A Festa", do segundo disco. O disco vendeu pouco, e a banda acabou dispensada da WEA, que lançou na sequência várias coletâneas para capitalizar em cima do passado do grupo.


Formação de 18 Anos sem Tirar!: Mingau, Flávio, Roger e Heraldo

Foi apenas em 1999, já com Mingau (ex-Inocentes e 365) no baixo, substituindo Serginho Petroni, que o Ultraje voltaria a lançar um álbum agora pela Deckdisc/Abril Music. 18 Anos sem Tirar! foi gravado em 1996 em Curitiba (Paraná), com a mesma formação de Ó!, e inclui, além de uma versão ao vivo para a tradicional "My Bonnie", quatro canções inéditas de estúdio, sendo o maior destaque "Nada a Declarar", que reclamava do marasmo da juventude da época, e se tornou um clássico no repertório do grupo. Completam a parte de estúdio a rápida "O Monstro de Duas Cabeças" (outra cuja letra trata daquele "corpo cavernoso" citado acima), o ska "Preguiça" e a divertida "Giselda", que parece uma sobra do disco de estreia. A excelente repercussão levou a gravadora a investir em um novo álbum de inéditas para o Ultraje!

Os Invisíveis [2002] 


Nove anos depois de Ó!, com o retorno de Sérgio Serra à guitarra solo no lugar de Heraldo e a estreia do baterista Bacalhau (ex-Little Quail and the Mad Birds) no lugar de Flávio, o Ultraje conseguia finalmente lançar um novo álbum de inéditas, com várias músicas mais voltadas à surf music (estilo praticamente inexistente nos primeiros lançamentos do grupo). Faixas como as instrumentais "O Velho Surfista" e "Onda", além de "Domingo Eu Vou pra Praia", grande hit do disco, e "Me Dá um Olá" (com letra que retoma, de certa forma, o tema de "Volta Comigo", do disco Sexo!!, e é precedida pela curta vinheta "Me Dá") mostram bem esta nova tendência do som do quarteto, sendo que o ambiente "praieiro" também se reflete no reggae de "I'm Sorry". Para mim, a melhor faixa é a agitada "Agora é Tarde(que até hoje não entendo como não é o tema do programa televisivo de mesmo nome do qual a banda faria parte anos depois), seguida de perto por "A Gente é Tudo Igual", um pouco mais agressiva, e que conta com excelentes solos por parte de Serginho (apesar da letra meio bobinha). A letra de "Esta Canção" faz um divertido protesto contra a (falta de) qualidade das músicas da época, e inclui até um solo de violino em seu arranjo, sendo que o track list se completa com a animada "Todo Mundo Gosta de Mim" (de letra divertida e sarcástica, na melhor tradição do quarteto) e o rock menos interessante de "Miss Simpatia". Apesar de superior ao anterior, este é, até aqui, o último álbum completo de estúdio do grupo, que, no entanto, nunca saiu de cena, mantendo-se constantemente na ativa.


Acústico MTV: Mingau, Bacalhau, Serginho e Roger

Em 2005, o grupo gravou o seu Acústico MTV, que também saiu em DVD (o primeiro da carreira da banda). Para este show, diversos músicos apareceram como convidados, dentre eles o saudoso Manito (ex-Incríveis e Som Nosso de Cada Dia) nos sopros, Osvaldinho Fagnani nos teclados e Ricardinho nos violões e vocais. Apesar do sucesso do álbum, Sérgio Serra deixou novamente o Ultraje em 2009, mesmo ano em que o grupo lançou o EP digital Música Esquisita a Troco de Nada! (com três faixas inéditas), que teve a participação de Edgard Scandurra nas guitarras solos, e está disponível para download gratuito no myspace da banda. Ainda neste ano, Marcos Kleine (ex-Exhort) é oficializado como o novo guitarrista solo do grupo, que segue em sua intensa rotina de apresentações. Em 2011, foi lançada a biografia "Nós Vamos Invadir sua Praia", pela Editora Belas Letras, e no mesmo ano o grupo se tornou banda fixa do programa "Agora é Tarde", exibido pela Rede Bandeirantes e apresentado pelo humorista Danilo Gentili, onde permanece até hoje, embora a agenda de shows não tenha diminuído (sendo que os mesmos dificilmente acontecem fora da região Sudeste do país, devido ao medo de avião de Roger). Ainda em 2013, houve o lançamento (pela Deckdisc) de O Embate do Século: Ultraje a Rigor vs. Raimundos, onde as duas bandas gravaram versões de músicas uma da outra, com um bom resultado nas versões do Ultraje, mas onde os Raimundos saíram-se melhor que os paulistas, até porque o ritmo mais agressivo dos brasilienses não se encaixa muito bem no estilo do quarteto de São Paulo.


A formação atual: Roger, Mingau, Bacalhau e Marcos Kleine

A história do Ultraje ainda está longe de acabar, e nada impede que o grupo apareça com novos lançamentos em algum momento. Por enquanto, resta-nos curtir sua qualificada discografia, e apreciá-los na televisão nas noites durante a semana, além de torcer para que Roger enfrente o seu medo de voar e leve o quarteto a áreas mais "remotas" de um Brasil que deu ao grupo o status de ser um dos maiores sucessos do rock nacional em todos os tempos! Muito merecidamente, diga-se de passagem!

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Dream Theater - Dream Theater [2013]

 

Por Micael Machado

Quando todos esperavam o lançamento do DVD Live At Luna Park, que registra dois shows na cidade argentina de Buenos Aires durante a primeira turnê do grupo com o baterista Mike Mangini, o Dream Theater surpreendeu seus fãs e anunciou que lançaria um novo álbum de inéditas antes do prometido vídeo ao vivo. Com lançamento programado para este 23 de setembro (com direito a diversas edições especiais), o registro, que leva apenas o nome da banda, acabou vazando para audição via streaming no site RollingStone.com com uma semana de antecedência, e já começou a despertar opiniões pelos quatro cantos do mundo, sendo a grande maioria positivas! Aqueles que acompanham mais frequentemente o Consultoria do Rock sabem do meu apreço pelo DT, então, não me furtarei de tecer alguns comentários sobre este novo registro. Claro que fazer uma resenha de um álbum após algumas poucas audições é arriscado, por isso, prefiro dizer que estas são apenas algumas opiniões minhas sobre as músicas, e não uma crítica mais avalizada, até porque, para isso, teria de ter o produto físico em mãos, com o encarte, letras, ficha técnica, etc. Mas acredito que isto não me impede de compartilhar com vocês minhas primeiras impressões sobre o trabalho!

A vinheta instrumental de abertura, "False Awakening Suite", com menos de três minutos, tem um início que lembra as composições mais cinematográficas do Nightwish, não fosse pela guitarra de John Petrucci, aqui bem mais pesada que a do finlandês Emppu Vuorinen. A música causa a expectativa de que algo diferente irá aparecer no universo musical do Dream Theater, mas esta é logo desfeita aos primeiros acordes do pesado riff de "The Enemy Inside", primeira faixa do trabalho divulgada na internet, mas a qual não cheguei a escutar antes da liberação da íntegra do disco para audição. Com um belo solo de teclado por parte de Jordan Rudess, e linhas pesadas de Petrucci e do baixista John Myung durante toda a sua duração, esta composição me lembra muito alguns momentos da famosa "12 Steps Suite", especialmente partes de "The Glass Prison" e "This Dying Soul". Como início efetivo dos trabalhos, está mais que aprovada!

Capa do single "The Enemy Inside", primeiro lançamento do álbum Dream Theater

Por falar em "This Dying Soul", li algumas resenhas comparando o "sentimento" deste novo álbum àquele mais sombrio presente em Train of Tought, registro de 2003 onde esta parte da suíte foi gravada. Algo que faz todo o sentido, se analisarmos o peso dos riffs de canções como a citada "The Enemy Inside" ou de "Behind The Veil" (cujos efeitos do começo lembram a canção "The Great Debate"), ou as passagens repetitivas de "Surrender To Reason" (composição em mid tempo com muitas mudanças de andamento, e destaque para Rudess), além de alguns momentos da maravilhosa instrumental "Enigma Machine", minha preferida neste disco novo até aqui (de começo sombrio e pesado, mas com muitas variações rítmicas ao longo de seus seis minutos, e onde todos os instrumentistas possuem ao menos um momento de destaque, sem que nenhum consiga superar os demais). Mas também há um lado suave e "esperançoso" em algumas canções (como sempre em um disco do DT), especialmente em "The Bigger Picture" (de início em tons épicos e um final belíssimo) e "Along For The Ride" (talvez a faixa mais progressiva do álbum, em muito graças às linhas de teclado de Rudess), as duas composições mais intimistas deste registro, e possivelmente as que contam com os melhores registros por parte do vocalista James LaBrie, que consegue colocar emoção na medida certa em suas linhas. Cabe citar também que o lado pop da sonoridade do Dream Theater, que por vezes aparece em sua discografia (como em "I Walk Beside You", faixa presente em Octavarium), também dá as caras por aqui, como em "The Looking Glass" (apesar de esta contar com uma parte mais sombria lá pelo meio) ou no refrão da citada "Behind The Veil".

Mais uma vez, o Dream Theater encerra um álbum com uma longa suíte, desta vez chamada "Illumination Theory", com cinco partes em mais de vinte e dois minutos. Embora tenha partes realmente interessantes, esta é uma composição que não consegue se equiparar a "Octavarium", "In The Presence of the Enemies" ou mesmo "In The Name Of God", sendo que há uma parte orquestral lá pelo meio que realmente depõe contra a qualidade deste novo épico. Curioso é que a suíte termina efetivamente pouco depois dos dezenove minutos, e, depois de uns trinta segundos, há um calmo tema instrumental levado pelo piano de Rudess e uma guitarra cheia de efeitos por parte de Petrucci, e que funciona como uma espécie de "faixa escondida" do álbum, em mais um daqueles mistérios que o DT tanto curte aplicar aos seus fãs. "Illumination Theory" deverá ser a música de encerramento da apresentações da turnê, se seguir a regra das anteriores, mas terá de crescer muito em meus ouvidos para merecer o status de "clássico" dentro da discografia da banda. Se conseguirá, só o tempo dirá...

Mike Mangini, John Petrucci, James LaBrie, Jordan Rudess e John Myung

Para encerrar, direi que Dream Theater, o álbum, causa uma boa impressão após estas poucas audições, embora me pareça inferior ao anterior, A Dramatic Turn of Events, que, como já disse, marcou a estreia de Mangini, que neste novo registro soa bem melhor adaptado à sonoridade do grupo, com linhas de bateria muito interessantes, mas ainda não criativas o suficiente para me fazer esquecer que um dia o dono do banquinho do quinteto foi o "monstro" Mike Portnoy. Ao invés de tentar compilar todas as influências da sonoridade do grupo ao longo de sua duração, como o anterior, este novo lançamento parece mais focado, e realmente lembra o período de álbuns como Six Degrees of Inner Turbulence, Train of Thought e Octavarium, três registros que, apesar de apreciados e respeitados, dificilmente são citados como os favoritos dos fãs dos americanos. Se este será o destino deste disco, ou se ele se transformará em um clássico da discografia do Dream Theater, responderei a vocês daqui a mais algumas audições (e, principalmente, depois de conferir suas faixas ao vivo, de preferência "frente a frente" em um show aqui no nosso país tropical). Por enquanto, vou ali ouvir de novo esta maravilha chamada "Enigma Machine".

Track List:

1. "False Awakening Suite"
    I. "Sleep Paralysis"
    II. "Night Terrors"
    III. "Lucid Dream"
2. "The Enemy Inside"
3. "The Looking Glass"
4. "Enigma Machine"
5. "The Bigger Picture"
6. "Behind the Veil"
7. "Surrender to Reason"
8. "Along for the Ride"
9. "Illumination Theory"
    I. "Paradoxe de la Lumière Noire"
    II. "Live, Die, Kill"
    III. "The Embracing Circle"
    IV. "The Pursuit of Truth"
    V. "Surrender, Trust & Passion" 

sábado, 14 de setembro de 2013

Livro: Hey Ho Let’s Go – A História dos Ramones - Everett True


Por Micael Machado

Os Ramones foram a melhor banda de todos os tempos, pelo menos para mim. Quem também parece ter a mesma opinião é o jornalista Everett True, autor de Hey Ho Let’s Go – A História dos Ramones, livro de 480 páginas lançado no Brasil pela editora Madras, e que repassa a história do quarteto nova-iorquino, desde a infância de seus membros até a morte do guitarrista Johnny Ramone em 2004 (acontecida após a primeira edição, e tratada em um epílogo a partir da segunda tiragem da obra, lançada em 2005). Já nas primeiras páginas, Everett se declara um fã dos bro desde a adolescência, tendo a oportunidade de entrevistar membros e ex-integrantes do grupo (bem como amigos e associados) por diversas vezes, sendo que tinha tudo para escrever a obra definitiva sobre a banda que "salvou o rock and roll", como clama o encarte do disco All the Stuff And More - Vol. 1. Infelizmente, não foi bem isso o que ocorreu.

Logo de cara, True deixa claro que It´s Alive (duplo ao vivo lançado em 1979) é seu álbum preferido dos Ramones, e que considera os três primeiros discos da banda clássicos absolutos na história do rock. O problema é que ele parece crer que apenas a formação inicial com Tommy na bateria, Joey nos vocais, Johnny na guitarra e Dee Dee no baixo (responsável pelos quatro registros) era a verdadeira, e tudo o que veio depois apenas denegriu o que o quarteto conseguiu naquela época. Assim, o período desde a infância/adolescência dos quatro membros originais até a saída de Tommy (em 1978) é bastante detalhado, com diversas curiosidades sobre a vida pessoal e profissional dos músicos, e sobre os períodos de gravações de cada álbum. Amigos, produtores, empresários e membros do staff dos Ramones (além dos próprios bro, através de entrevistas em diferentes anos) contam interessantes histórias que agradarão em cheio aos fãs do quarteto. Mas Tommy cedeu seu lugar a Marky, e o autor parece ter perdido o interesse no grupo. Assim, se os quatro primeiros anos até a saída do baterista ocupam as primeiras cento e cinquenta páginas (junto com a vida pré-banda de seus membros), os próximos vinte e seis anos se atropelam em parcas duzentas e oitenta e quatro, ou seja, menos que o dobro (há ainda uma extensa discografia detalhada e um mais extenso ainda índice remissivo completando o livro). E o que se lê nestas páginas é de enfurecer qualquer um que aprecie o trabalho da banda.

A formação original dos Ramones, que True parece acreditar ser a única "verdadeira"

Sem perdão, Everett vai destruindo disco após disco lançado desde a saída de Tommy. Road to Ruin (a estreia de Marky) é "os Ramones  não querendo mais ser os Ramones"; End of the Century é "um álbum solo de Joey, produzido por Phil Spector contra a vontade dos demais membros do grupo" (e, como ele faz questão de frisar, praticamente sem a participação destes); os discos entre Pleasant Dreams e Brain Drain são "irregulares e desiguais", "uma fileira de álbuns controversos"; e, quando o autor define que o pífio álbum de rap Standing In The Spotlight, de 1989 (lançado por Dee Dee pouco antes de sair da banda, com o baixista adotando o nome de Dee Dee King) é superior aos álbuns que o grupo lançou com CJ em seu lugar (e ainda, como se fosse possível, afirma que o mesmo é superior a Animal Boy e Halfway To Sanity, justamente os meus discos favoritos da banda), dá para perceber que a capacidade de avaliação de True não pode mesmo ser levada muito a sério!

Além disso, há a irritante caracterização de cada membro, reforçada ao longo de todo o livro: Joey é tratado como um sujeito romântico e um tanto ingênuo, do qual todos gostavam, mas que vivia sempre doente e era frustrado por não ter conseguido se tornar um grande astro do rock (como assim?). Dee Dee era um compositor genial, mas um sujeito instável, que vivia drogado o tempo todo, sem se importar muito com a realidade a seu redor. Marky era um boçal bêbado, Tommy a força que os manteve unidos no começo (e que muito afetou a todos quando partiu, segundo a visão do autor - sendo que o fato de que a banda continuou na ativa por mais dezoito anos sem ele parece passar despercebido ao jornalista). Richie ganha umas poucas linhas (e a frase "ele nunca foi realmente um Ramone"), e Elvis (Clem Burke, ex-baterista do Blondie, que ficou no grupo por apenas dois shows) tem uma citação ainda menor, que explicita sua incapacidade de tocar adequadamente as músicas dos nova-iorquinos (novamente, como assim?). Quanto a Johnny, Everett não dedica praticamente sequer uma palavra favorável ao guitarrista, o que faz com que aqueles que leem o livro formem a pior imagem possível sobre ele. A coisa é tamanha que, a partir da segunda edição, o autor se viu forçado a incluir o apêndice citado anteriormente, inteiramente dedicado ao "general" do grupo (como ele é chamado em alguns trechos), onde o ilustrador John Holmstron (responsável pela arte de diversos itens do quarteto) fala algumas palavras sobre Johnny que, se não chegam a ser positivas, pelo menos são mais afáveis do que as demais utilizadas ao longo da obra.

 A banda com Marky, em foto presente no livro

Não bastasse tudo isso, Everett afirma que apenas Joey teria participado de todos os discos entre Rocket to Russia (de 1977) e Adiós Amigos (de 1995), sendo ele mesmo, como se sabe, ocasionalmente substituído nos vocais por Dee Dee ou CJ. True ainda insinua que, nos álbuns sem Dee Dee, Johnny e CJ sequer teriam tocado, com a banda durante as gravações sendo formada por Joey, Marky, o produtor e letrista Daniel Rey nas guitarras e o músico Andy Shernoff (ex-Dictators) no baixo - basicamente, o mesmo grupo que registrou o primeiro disco solo de Joey, Don't Worry About Me, lançado postumamente em 2002. O jornalista ainda acredita que o projeto The Ramainz, que reuniu Dee Dee e Marky (e, por um curto período, CJ) após a separação do quarteto, seria uma aglomeração mais digna que a "banda-tributo" dos discos pós Brain Drain, a qual não mereceria a alcunha de Ramones por conter apenas Joey e Johnny da formação original. A própria capa da obra parece ser um grande embuste, sendo aparentemente uma montagem em cima de uma das primeiras fotos promocionais com CJ (por acaso, presente na primeira camiseta da banda que eu tive), sendo que qualquer um familiarizado com o grupo reconhecerá que o Joey da foto é muito mais velho do que aquele da época em que Tommy, que aparece ao fundo, estava na banda.

Aquela que seria a foto que deu origem à montagem presente na capa do livro, utilizada aqui em um bootleg do grupo.

Enfim, a cada página lida após o relato da saída de Tommy, a irritação só cresce no verdadeiro fã do quarteto, que compra o livro para saber mais sobre a história de seu grupo favorito, e acaba tendo de lidar com a frustração de um sujeito que só valoriza os primeiros anos da mesma banda. Sobre este período, Hey Ho Let’s Go – A História dos Ramones é bastante atraente, mas o desprezo do autor sobre a maior parte da carreira dos Ramones torna a leitura um verdadeiro ato de masoquismo, o que é lamentável, pois, com o material que tinha em mãos (e as citações a entrevistas que aparecem ao longo das páginas deixa isto claro), Everett poderia ter escrito uma obra a ser celebrada por todos os fãs da música dos "irmãos" do bairro Queens. Mas escolheu realizar um compêndio tendencioso, que falha ao tentar justificar a importância da banda, e contar com isenção sua história. Uma pena!

domingo, 8 de setembro de 2013

Discografias Comentadas: Legião Urbana


Por Micael Machado

Foi no final da década de 1970, na cidade de Brasília, que o adolescente Renato Manfredini Júnior adotou o pseudônimo Renato Russo e montou o grupo Aborto Elétrico, uma das primeiras bandas punk do país. Após uma discussão com o baterista Fê Lemos, Renato deixou o trio e passou a se apresentar sozinho ao violão, sob a alcunha de Trovador Solitário. A vontade de ter novamente uma banda o levou ao baterista Marcelo Bonfá, e à formação da Legião Urbana em 1982.

A primeira formação tinha Eduardo Paraná na guitarra e Paulo Paulista nos teclados, além de Renato no baixo e vocais e Marcelo na bateria, mas durou apenas um show, ocorrido na cidade mineira de Patos de Minas em 5 de setembro de 1982 (Paraná depois adotaria o nome Kadu Lambach e seguiria uma carreira ligada ao blues). Com a saída do guitarrista e de Paulista, a dupla original chamou Íco Ouro Preto (irmão de Dinho, do Capital Inicial) para as seis cordas, mas seu medo de se apresentar em público faria com que sua passagem pela Legião fosse muito breve. Dado Villa-Lobos assumiu então as seis cordas do trio, a princípio de forma provisória, devido à possibilidade de estudar na Europa, mas acabaria ficando de vez na formação da Legião Urbana.

Através do amigo Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, o trio conseguiu um contrato com a gravadora EMI, mas problemas com diversos produtores fizeram com que as sessões de gravação para o que seria o primeiro disco do conjunto, ocorridas no Rio de Janeiro, não tivessem um resultado satisfatório, e o grupo acabou voltando para Brasília. Frustrado e decepcionado, Renato cortou os pulsos em uma mal-explicada tentativa de suicídio, e, impossibilitado de tocar, acabou cedendo espaço para a entrada de Renato Rocha (também conhecido como Billy ou Negrete), que assumiu como baixista pouco antes de novas sessões de gravações, que finalmente foram aprovadas pela gravadora e compuseram a estreia da banda em 1985.

A partir daí, o sucesso do grupo cresceria exponencialmente, fazendo com que ele se tornasse o maior de sua geração, lançando sete discos de estúdio até a morte de Renato Russo em 1996 de complicações decorrentes do vírus da AIDS. Um último disco póstumo foi lançado em 1997, mas o sucesso da banda não diminuiu desde então, inclusive com muita gente que sequer era nascida quando a Legião estava na ativa se tornando fã do conjunto ao longo dos anos. Confira, então, nossa análise do trabalho do grupo nesta Discografia Comentada daquela que é, para mim, a melhor banda de rock já surgida no Brasil!


Legião Urbana [1985]

Após desentendimentos com diversos produtores consagrados, foi o relativamente desconhecido Mayrton Bahia quem conseguiu registrar em fita de modo satisfatório as canções que constariam da estreia do quarteto de Brasília. Lançado no começo de 1985, o disco demorou um pouco para emplacar, mas conseguiu vender cerca de cem mil cópias naquele mesmo ano, graças a sucessos como "Será", "Geração Coca-Cola" e "Ainda É Cedo", que traz influências do pós-punk inglês, assim como "Soldados", considerada a primeira composição de temática homossexual de Renato. A influência punk da época de Aborto Elétrico pode ser percebida em faixas como "Petróleo do Futuro", "Perdidos no Espaço", "Teorema" (que depois seria regravada pelo Ira!) e "Baader-Meinhof Blues", enquanto "A Dança" flerta com a new wave e "O Reggae" tem em seu arranjo o ritmo que lhe dá nome. A melancólica "Por Enquanto" (levada por Russo ao teclado, e que anos depois seria regravada por Cássia Eller) encerra o track list desta boa estreia, mas que ainda estava aquém daquilo que a banda viria a registrar!

Dois [1986] 


Inicialmente, a ideia do grupo era lançar um álbum duplo intitulado "Mitologia e Intuição", mas a gravadora não concordou, e Dois acabou sendo uma espécie de "catado" das faixas registradas para o projeto original. Mesmo assim, é, para mim, o melhor disco de rock nacional de todos os tempos, com sucessos do porte de "Tempo Perdido" (cujos versos finais inspirariam o título de um filme sobre a juventude de Renato Russo lançado em 2013), "Quase Sem Querer", "Índios" e "Eduardo & Mônica", esta, herança dos tempos de Trovador Solitário de Renato, e que no estúdio contou com o vocalista registrando todos os instrumentos. "Daniel na Cova dos Leões" (outra composição considerada de temática homossexual), "Metrópole" e "Fábrica" mostram a influência do punk na sonoridade do grupo, enquanto "Plantas Embaixo do Aquário" (uma das mais estranhas composições da carreira da Legião), "Acrilic On Canvas" e "Andrea Doria" buscam inspiração no pós-punk inglês. "Central do Brasil" é um tema instrumental ao violão, e a acústica "Música Urbana II" é um blues, estilo que o grupo exploraria muito pouco dali em diante. A versão original em K7 conta com uma faixa extra chamada "Química", em versão diferente da que foi lançada no álbum seguinte, e que não apareceu em nenhuma das reedições em CD do disco. Com todos os méritos, Dois é o disco de maior vendagem da carreira do grupo, com aproximadamente um milhão e meio de cópias vendidas, e é o favorito de muitos fãs do conjunto.


Que País É Este 1978/1987 [1987]

Pressionado pela gravadora para lançar rapidamente um novo registro após o sucesso de Dois, e com Renato sofrendo de um bloqueio criativo, a banda decidiu recorrer a composições da época do Aborto Elétrico para compor o repertório de seu terceiro lançamento. A faixa título, "Conexão Amazônica" (que acabou censurada, devido à sua letra com alusões ao tráfico de drogas), "Tédio (Com Um T Bem Grande Pra Você)", "Depois do Começo" (que também apresenta traços de reggae) e "Química" (que já havia sido registrada pelos Paralamas do Sucesso em sua estreia) eram parte do repertório da ex-banda de Russo, enquanto "Eu Sei" (originalmente intitulada "18 e 21") e "Faroeste Caboclo" (maior sucesso do álbum, apesar de contar com mais de nove minutos de duração, e cuja letra inspiraria o péssimo filme de mesmo título lançado em 2013) eram parte do repertório da fase Trovador Solitário do cantor. Apenas duas faixas foram compostas depois do álbum anterior, "Mais do Mesmo" e "Angra dos Reis", bela canção de tons melancólicos escrita por Marcelo Bonfá. A turnê de divulgação culminou com um tumulto ocorrido em show no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, a 18 de junho de 1988, que traria consequências emocionais para todos os membros do grupo, especialmente Renato, e que causaria o encerramento da excursão e um afastamento dos holofotes por parte do grupo que duraria quase dois anos. Um especial exibido pela TV Globo no mesmo ano, com a Legião tocando ao lado dos amigos Paralamas do Sucesso, resultaria no lançamento de Legião Urbana e Paralamas Juntos, em CD e DVD, no ano de 2009.

As Quatro Estações [1989] 


Sem Renato Rocha, que saiu da banda devido a desentendimentos com Marcelo Bonfá durante as sessões de gravação, e com Russo e Dado se revezando no baixo, o quarto lançamento da Legião talvez seja o que mais teve músicas executadas nas rádios, e que são reconhecidas até mesmo por aqueles que não são tão "fanáticos" assim pelo grupo, perfazendo desta forma aquele que talvez seja o álbum mais "pop" da banda. Canções como "Há Tempos", "Pais & Filhos", "Monte Castelo" e "Meninos e Meninas" viraram clássicos do conjunto, e "Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto", "1965 (Duas Tribos)", "Sete Cidades" e "Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar" também tiveram boa repercussão nos meios de comunicação. A pesada "Feedback Song for a Dying Friend" (primeira composição totalmente em inglês na carreira da Legião) é dedicada a Cazuza, que viria a falecer no ano seguinte, e as faixas "Maurício" e "Eu Era um Lobisomem Juvenil" (duas das minhas favoritas na carreira do grupo) completam o track list de um disco que é o preferido de muitos fãs. Dois shows da turnê de divulgação (onde pela primeira vez a Legião contava com músicos de apoio no palco), registrados nos dias 11 e 12 de agosto de 1990 no Estádio Palestra Itália, seriam compilados no disco As Quatro Estações ao Vivo, lançado em 2004.


O grupo na época de As Quatro Estações: Dado, Renato e Bonfá


V [1991]

"Uma espécie de Low, de David Bowie, com o lado difícil à frente". Foi mais ou menos assim que a revista Bizz definiu V em matéria publicada antes de seu lançamento oficial. Como resultado do abatimento causado pelo colapso econômico causado pelo confisco do dinheiro das cadernetas de poupança executado pelo governo Collor (que traria diversos transtornos a muitos brasileiros, inclusive os membros do grupo), e pela descoberta por parte de Renato de que era portador do vírus HIV (o que o levou a um processo de depressão e aumento de sua dependência química e alcoólica), este é o disco mais sombrio do grupo até então, especialmente no lado A do vinil, que conta com "Love Song" (composição com toques medievais e letra em português arcaico escrita pelo trovador Nuno Fernandes Torneol no século XIII), "Metal Contra as Nuvens" (composição que apresenta traços progressivos em seus mais de onze minutos), "A Ordem dos Templários" (instrumental) e "A Montanha Mágica", de melodia depressiva e funesta, e cuja letra aborda os problemas de Renato com a heroína. O lado B possui canções mais "normais", sendo que "O Teatro dos Vampiros", "O Mundo Anda Tão Complicado" e a linda (apesar de meio depressiva) "Vento no Litoral" tiveram boa execução nas rádios. "Sereníssima" e "L'âge D'or" são um pouco mais agitadas, e a canção tradicional do folclore norte-americano "Come Share My Life" (outra instrumental) fecha o track list de outro disco que é o preferido de muita gente por aí. A turnê de divulgação foi interrompida apos poucas apresentações pelo nordeste, devido aos citados problemas de Renato, e o grupo, sem disposição para registrar vídeo-clipes de divulgação, aceitou participar de um especial para a rede de televisão MTV (em um época em que o formato unplugged ainda não estava muito divulgado), que seria lançado em CD e DVD no ano de 1999, sob o título de Acústico MTV. O afastamento dos palcos por parte do grupo também resultou no lançamento da compilação Música para Acampamentos em 1992, disco duplo que reúne faixas gravadas ao vivo, outras retiradas de especiais registrados para rádio e televisão, demos e a semi-inédita "A Canção do Senhor da Guerra", que aqui tem versão diferente da que apareceu no especial "A Era dos Halley", exibido pela Rede Globo em 1985.

O Descobrimento do Brasil [1993] 


Quase dois anos depois de V, a Legião lançava seu sexto registro, em um clima mais ameno do que o anterior, e contando com quatorze faixas, o maior número presente em um álbum do grupo até então. "Perfeição" (que seria o último clipe lançado pelo conjunto), "Os Anjos" e "Vamos Fazer Um Filme" tiveram boa execução nas rádios, sendo que a faixa título, "Vinte e Nove", "Os Barcos", "Um Dia Perfeito" e "Só Por Hoje" ganharam reconhecimento por parte dos fãs. "A Fonte" e "La Nuova Gioventú" são um pouco mais pesadas, e "Do Espírito" resgata um pouco as origens punk da Legião. "O Passeio Da Boa Vista" é um tema instrumental com violão e bandolim, e, assim como "Love In The Afternoon", é mais calma e muito bela, do mesmo modo que "Giz", que Renato declarou ser a canção da qual mais se orgulhava, em show que seria lançado em 2001 no álbum Como É que Se Diz Eu Te Amo, registrado no Rio de Janeiro nos dias 8 e 9 de outubro de 1994. Outra apresentação da turnê, ocorrida a 28 de maio do mesmo ano na cidade de Porto Alegre, foi presenciada por este que lhes escreve, em um show inesquecível e que, infelizmente, seria a única vez que eu presenciaria a Legião sobre um palco, visto esta ter sido a última excursão do conjunto, devido ao agravamento da doença de Renato, embora, publicamente, nada sobre o assunto fosse divulgado. 


A Tempestade ou O Livro dos Dias [1996]

Registrado em circunstâncias adversas entre janeiro e junho de 1996 (muitas faixas saíram com a voz guia na mixagem final, pois Renato não conseguiu completar as gravações das vozes finais), e lançado menos de um mês antes do falecimento de Renato, o sétimo disco de estúdio da Legião talvez seja o de mais difícil audição, devido ao clima depressivo e melancólico que permeia letras e composições. Se "Natália", que abre os trabalhos, e "Dezesseis", que teve boa execução nas rádios, são bastante agitadas, as demais treze faixas (superando em uma o número registrado no álbum anterior) possuem um espírito mais intimista, como atestam "L'Avventura", "A Via Láctea" (faixas que também tiveram boa execução nos meios de comunicação), "Longe do Meu Lado", "Música Ambiente", "Mil Pedaços", "Quando Você Voltar" e "Esperando por Mim", uma das letras mais emocionantes já escritas por Renato. "Soul Parsifal" é uma parceria do vocalista com a cantora Marisa Monte, e "1º de Julho" já havia aparecido no terceiro registro da cantora Cássia Eller, que leva seu nome. "Música de Trabalho" tem uma interessante variação entre uma parte mais agitada e outra mais calma, representando o período de trabalho e de descanso do narrador da composição, e as mais fracas "Aloha" e "Leila" completam o track list, que se encerra com "O Livro dos Dias", minha faixa favorita do disco. Um álbum que poucos citam quando lembram da banda, mas que, mesmo com seu clima pesado e "para baixo", merecia um reconhecimento maior por parte dos fãs.

Uma Outra Estação [1997] 


Assim como ocorreu com Dois, a gravadora também não aceitou lançar o álbum anterior em versão dupla. Desta forma, após a morte de Renato, Marcelo e Dado reuniram as faixas que sobraram de A Tempestade ou O Livro dos Dias (que, em sua maioria, possuem um clima mais "para cima" do que aquele), mais outras que estavam guardadas há tempos (como "Dado Viciado" e "Marcianos Invadem a Terra", sobras do projeto abortado em 1986) e lançaram o último disco oficial de estúdio da Legião Urbana (pelo menos até aqui), novamente contando com quinze músicas. A faixa de abertura, "Riding Song", conta com a participação do ex-baixista do grupo, Renato Rocha, e tem "letra" composta por uma entrevista do grupo da época de Dois, o que reforça a ligação entre os álbuns, além de alguns poucos versos cantados por Bonfá e Dado. "Mariane" era parte do repertório de Renato na fase Trovador Solitário, e "A Tempestade" retoma as influências de pós-punk que apareciam com força nos dois primeiros discos. "As Flores do Mal" (que tocou bastante nas rádios), a faixa título, "Comédia Romântica" e "Antes das Seis" talvez sejam as que mais lembram o álbum anterior, embora não tão melancólicas, o que não é o caso de "Clarisse", canção acústica de quase dez minutos de letra e clima depressivos e suicidas. Embora sua letra conste do encarte, "Sagrado Coração" acabou sendo lançada de forma instrumental devido a Renato não ter tido tempo de gravar a voz para esta composição, o que não é o caso de "Schubert Ländler" e "High Noon (Do Not Forsake Me)", intencionalmente instrumentais. "La Maison Dieu" é um blues lento, com letra criticando a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, e o álbum se encerra com a faixa "Travessia do Eixão", composição do grupo brasiliense Liga Tripa, e que conta com a presença de Bi Ribeiro, dos Paralamas, no baixo acústico. Uma Outra Estação tem audição mais fácil que o álbum anterior, e encerra de forma digna a trajetória desta inigualável banda!

Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos e Renato Russo

Em 1998, foi lançada a coletânea Mais do Mesmo, com faixas retiradas dos oito discos de estúdio do grupo, que foi muito bem aceita pelos fãs, e em 2011 um lançamento da série Perfil foi dedicado ao grupo, com um repertório parecido com a coletânea anterior.  Entre 1994 e 1995, Renato Russo lançou dois álbuns solo, um totalmente em inglês (The Stonewall Celebration Concert), e outro em italiano (Equilíbrio Distante), sendo que, depois de sua morte, ainda seriam lançados O Último Solo (1997), com sobras dos dois discos anteriores, Presente (2003), que reúne participações do cantor junto a outros músicos e em álbuns tributo a artistas como Cazuza e Vinícius de Moraes, O Trovador Solitário (2008), com áudio retirado de uma fita cassete gravada no quarto de Renato em sua época pós-Aborto Elétrico, e o dispensável Duetos (2010), com diversas faixas montadas em estúdio unindo a voz do cantor a de artistas com quem nunca  se encontrou. Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos seguiram carreiras solo esporádicas, com lançamentos que tiveram repercussão menor que a merecida, e dificilmente voltaram a tocar juntos.

O legado da Legião continua vivo, seja em especiais registrados para a TV (como o tocante Por Toda Minha Vida, exibido pela Rede Globo), seja em tributos como o organizado pelo canal Multishow (Renato Russo - Uma Celebração, de 2006, lançado em CD e DVD), o ocorrido no Rock In Rio de 2011 (com participação da Orquestra Sinfônica Brasileira, também lançado em CD e DVD), o contestado tributo organizado pela MTV reunindo Marcelo Bonfá e Dado Villa Lobos a músicos convidados e ao ator Wagner Moura, que realizou o sonho de qualquer fã e assumiu os vocais da banda em duas noites consecutivas, e o mais recente tributo sinfônico ocorrido em 2013 em Brasília, organizado pelo filho de Renato, Giuliano Manfredini, e que contou com a participação de um holograma do falecido cantor elaborado especialmente para este show. Como disse no começo do texto, o séquito de fãs da banda não parou de crescer ao longo destes quase dezessete anos de sentida ausência de Renato Russo, provando que, mesmo não sendo os instrumentistas mais técnicos e virtuosos de sua geração, suas músicas possuem capacidade para agradar muitas gerações, sejam elas de que década forem!


Urbana Legio Omnia Vincit!

Força Sempre!