segunda-feira, 22 de abril de 2024

Resenha de Show: Rick Wakeman (Porto Alegre, 11 de Abril de 2024)

 Por Micael Machado

* Nota: As fotos que ilustram esta matéria foram encontradas nas redes sociais. Se você for o autor ou publicou alguma delas, entre em contato pelos comentários para lhe darmos o devido crédito!

Jogos de luzes, pirotecnia, telões enormes de alta definição, instrumentos de vários tipos e cores diferentes, fumaça pelo palco, plataformas elevadas, e muitos outros tipos de "truques" são, frequentemente, usados em espetáculos musicais para "amplificar" a experiência de se assistir a um concerto, causando uma sensação de euforia e encantamento aos espectadores na plateia. Mas as mesmas sensações, vez por outra, podem ser causadas com um mínimo de iluminação, um palco sem nenhum ornamento para servir de enfeite, ocupado apenas por um piano de cauda, um pedestal segurando alguns teclados sobrepostos (no caso, do ângulo onde eu estava, eram aparentemente apenas dois, mas confesso que podiam ser três) e um único músico extremamente carismático e, acima disto, exuberantemente talentoso em sua arte, no caso, extrair música dos instrumentos citados acima. Pois um destes músicos, cada vez mais raros de encontrar, esteve no Salão de Atos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) no último dia 11 de abril, iniciando a parte brasileira de sua "Final Solo Tour" (alegadamente, a "turnê de despedida" do músico dos palcos mundiais), e presenteando aos ocupantes das cadeiras do local (que estava cheio, mas não lotado) com uma hora e meia de puro talento e muita musicalidade, sem o suporte de nenhum outro aparato que não seus instrumentos e seu dom para tocá-los!

Entrando no teatro, fiquei um tanto surpreso de ver apenas o piano e os dois teclados posicionados no palco. Sabia que o show seria no formato "solo", mas, para quem já presenciou Wakeman se apresentar com pelo menos uma dúzia de instrumentos o rodeando durante seus shows, achei "muito pouco" "apenas" dois teclados para o show inteiro. Pois, confesso, mesmo prestes a completar 75 anos de idade, Rick não precisou de mais do que isto para encantar a todos! Precisamente às 21 horas em que o show estava marcado para começar (ah, a "famosa" pontualidade britânica), um tema instrumental começou a tocar no sistema de som do Salão de Atos, com o músico adentrando o palco poucos segundos depois, acenando brevemente para a plateia, sentando-se aos teclados, e acompanhando as últimas notas do tema introdutório. Depois de alguns segundos improvisando sobre as teclas, iniciou "Jane Seymour", abrindo a noite com uma bela redenção de um tema presente em um de seus mais famosos discos em carreira solo. Ao final, Rick caminhou até o centro do palco, agradeceu as palmas, desculpou-se pelo seu "português terrível" ("frangôu frita", "Pelé", disse, em um sotaque forçadamente engraçado, antes de emendar "that's about it, really!") e anunciar que a música anterior havia sido feita para uma das esposas de Henrique VIII ("Henry teve seis esposas, eu só tive quatro", declarou, para risos do pessoal), e que a próxima música seria para outra das esposas de Henrique, voltando ao teclado para interpretar "Catherine Howard".

Rick Wakeman ao piano

Terminada a parte dedicada ao disco The Six Wives of Henry VIII, Rick voltou ao centro do palco para dizer que "eu já toquei em muitos discos, alguns melhores do que outros, e com muitas pessoas diferentes... e arruinei alguns discos de muitas pessoas, também. Mas a pessoa com quem mais gostei de tocar foi David Bowie, a quem amo muito". Com isto, anunciou que tocaria duas músicas de Bowie, "Space Oddity" e "Life on Mars?", interpretadas uma em sequência da outra no piano, para delírio do pessoal. Ao final, Wakeman caminha novamente pelo palco para dizer que, "em 1975, quando eu era muito pequeno (fazendo o gesto de uma pessoa baixinha com a mão), eu gravei um disco chamado King Arthur and the Knights of the Round Table, e o gravei com uma enorme orquestra, um enorme coro, uma enorme banda e muitos cantores. Hoje, sou apenas eu e...", apontando para os teclados de forma triste e cabisbaixa (além de tudo, o sujeito é um grande ator, tenho de reconhecer), anunciando logo depois um medley de músicas daquele disco, que passou por "Arthur", "Guinevere", "Merlin the Magician" e "The Last Battle". Depois dos quase vinte minutos dedicados à saga do Rei Arthur, Rick volta a pegar o microfone, desta vez para anunciar que iria tocar uma música sobre cavalos-marinhos, gravada em um álbum chamado Rhapsodies, "uma música que vocês provavelmente não conhecem, não é algo muito conhecido. Portanto, se eu cometer algum erro, vocês nem vão notar", voltando na sequência aos teclados para executar "Sea Horses"  (a qual eu, como ele já havia previsto, realmente não conhecia).

Com pouco mais de quarenta e cinco minutos de espetáculo, Wakeman sentou-se ao piano para dizer que "pensei que gostaria, nesta turnê, de tocar algumas músicas do Yes, mas seria complicado tocar muitas músicas completas sozinho, então, peguei muitos dos principais temas de algumas músicas que toquei com a banda, e os coloquei todos juntos em uma única composição! Espero que vocês reconheçam várias das canções, tem quase trinta delas nesta peça, a qual é muito longa, com cerca de três horas de duração!", emendando na sequência, "não, não é tão ruim assim!", para risos do pessoal. "Espero que vocês reconheçam algumas das melodias, eu chamo isto de 'Yessonata'!", disse, antes de iniciar uma medley de cerca de vinte minutos de trechos de clássicos de sua ex-banda, passando, dentre muitas que não reconheci, por "Close To The Edge", "Roundabout", "Wonderous Stories", "Awaken", "South Side Of The Sky", e encerrando com um trechinho de "And You And I" (confesso que não fiquei surpreso de não ter reconhecido nenhum trecho de alguma música do disco Tales from Topographic Oceans, álbum que, notoriamente, não é do agrado de Rick). Voltando ao centro do palco, após a imensa aclamação da plateia ao que havia acabado de testemunhar, Wakeman anuncia que gostaria de encerrar o show com duas composições que ele não havia escrito: "uma de John Lennon, que compôs 'Help', a qual eu tentarei tocar ao estilo do compositor francês Samson" (se é que eu entendi bem, e que, se minha pesquisa estiver correta, deve se referir ao pianista e compositor Samson Pascal François, o qual confesso não conhecer), "e 'Eleanor Rigby', a qual tentarei interpretar ao estilo do compositor russo Prokofiev" (este eu sabia a quem o músico se referia, por causa de suas composições para "Romeu e Julieta" e "Pedro e o Lobo").

Rick Wakeman falando com o público de Porto Alegre

Os dois temas dos Beatles interpretados em sequência nos teclados fecharam oficialmente a noite, mas é claro que o público queria mais de Wakeman. Sem muita enrolação para voltar para o bis, Rick agradeceu aos presentes, e disse que "em 1974, antes de vocês nascerem - mais uma tremenda ironia do músico, pois a maioria dos presentes já havia até passado da adolescência naquele ano-, eu escrevi uma peça musical para o livro de Júlio Verne 'Jornada ao Centro da Terra'. Eu a gravei com uma enorme orquestra, um enorme coro, uma enorme banda e muitos cantores, mas a escrevi inteira no piano, e foi assim que eu compus esta peça!", interpretando assim pouco menos de doze minutos dos principais trechos do disco Journey to the Centre of the Earth! Ao final, Rick acenou para a plateia, a aplaudiu, e saiu consagrado, mostrando que talento e genialidade musical dispensam aparatos tecnológicos ou alegóricos para encantar uma audiência.

Infelizmente, não houve sessão de autógrafos depois do espetáculo (segundo o pessoal da produtora, Wakeman estava com a saúde um pouco debilitada, além de precisar embarcar muito cedo no dia seguinte para São Paulo, onde se apresentaria no dia seguinte), na primeira vez em que algo assim ocorre em um show do simpático músico inglês a que estive presente. Finalizando, posso dizer que já assisti Wakeman acompanhado "apenas" de sua banda, junto com orquestra e coro, e agora "solo" no palco, e que o formato do espetáculo desta "última turnê" não deixou nada a dever aos anteriores. Coloco "última turnê" entre aspas porque, na camiseta vendida na banca de merchandising antes do show (e que não tinha muitos itens disponíveis, segundo a atendente, porque a maioria já havia sido vendida nos shows anteriores desta turnê latino-americana, que já havia passado por México, Chile e Argentina antes de chegar ao Brasil), a turnê era anunciada como "The Final Solo Tour - Part I", o que deixa um restinho de esperança de que uma eventual "Part II" traga este gênio novamente a estas terras! Vamos aguardar!

Set List:

1. Jane Seymour

2. Catherine Howard

3. Space Oddity / Life on Mars?

4. Arthur / Guinevere / Merlin the Magician / The Last Battle

5. Sea Horses

6. Yessonata

7. Help! / Eleanor Rigby

Bis:

8. Journey Medley

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Queen: Cinco Músicas Injustiçadas


Por Micael Machado

Confesso a vocês que, por muitos anos, a discografia da banda inglesa Queen só me atraía até o primeiro disco ao vivo, o magistral Live Killers, de 1979. Mas, com as sucessivas promoções feitas pelo site da Universal, principalmente ao longo do ano passado, tive a oportunidade de adquirir praticamente toda a coleção da banda, e dar uma "segunda chance" aos álbuns posteriores, os quais "menosprezei" por muitas décadas (embora conhecesse seus hits, é claro). Os registros pós Live at Wembley '86 ainda não encontraram lugares de destaque em meus ouvidos, mas os álbuns de estúdio entre estes dois discos ao vivo acabaram por me revelar algumas pérolas, as quais eu não tinha dado a devida atenção anteriormente, e que, aparentemente, outras pessoas também não, pois são músicas que, a meu ver, se encaixam bem no adjetivo que dá nome a esta coluna. Sendo assim, resolvi elencar cinco faixas que, a meu ver, deveriam ser mais escutadas/comentadas/destacadas na discografia de um dos grupos mais importantes da música na segunda metade do século passado, e, talvez, levar você a conhecer ou relembrar estas "joias escondidas". Lembrando que meus critérios para a seleção das faixas foram: as músicas não podem ter sido lançadas como single; não podem constar do track list de álbuns ao vivo oficiais (nem de bootlegs que eu conheça); não podem constar de coletâneas oficiais do grupo (pelo menos, não das mais famosas); não podem ter recebido versões de outros artistas (pelo menos, não ter recebido versões de grande repercussão no meio musical); serem músicas que me agradem mais do que outras bem mais "famosas" do que elase que, desta forma, eu julgue que mereciam mais atenção do que receberam por parte tanto da imprensa quanto dos fãs (e, por vezes, da própria banda). Sendo assim, vamos à minha relação (em ordem cronológica), e, se puder, deixe a sua nos comentários!

1. Sweet Lady (A Night at the Opera - 1975)

A Night at the Opera sempre foi meu disco favorito do Queen. Recheado de clássicos, possui em suas faixas algumas músicas que não chegaram a atingir tanto destaque quanto seus grandes hits, mas que não devem nada em qualidade em relação a eles. Uma destas canções "menores" é "Sweet Lady", faixa que o jornalista André Forastieri certa vez classificou como "a coisa mais Kiss que o Kiss não fez" na sua resenha do disco para a seção Discoteca Básica da saudosa Revista Bizz (edição número 84, publicada em julho de 1992). Pouco mais de 4 minutos de um hard rock pesado (para os padrões da banda) e nem tão rápido assim (exceto no final), mas extremamente divertido e agradável de ouvir. Segundo o Discogs, apareceu em uma edição dupla da coletânea Greatest Hits publicada apenas na Bulgária, e, aparentemente, foi tocada ao vivo em poucas ocasiões entre 1975 e 1976 (uma delas no show do Hyde Park de 1976, que chegou a ser gravado, mas nunca foi lançado oficialmente na íntegra). Sendo assim, pelos meus critérios, isto não a inviabiliza de constar desta lista, e foi um dos principais motivos que me levaram a escrevê-la!

2. Sail Away Sweet Sister (The Game - 1980)

Com o subtítulo "(To The Sister I Never Had)", é uma espécie de "homenagem" que Brian May, filho único, faz a "irmã que nunca teve", e que, segundo declarações que encontrei na internet, o guitarrista considera que sempre foi uma grande ausência em sua vida. Composição com todo o jeitão "épico" de outras faixas da banda, e um refrão excelente (e muito grudento!), incompreensivelmente (para mim, ao menos) nunca foi executada ao vivo pelo Queen, embora Brian a tenha interpretado em sua carreira solo, e o Guns and Roses a tenha incluído em seus shows da turnê dos Illusions - inclusive, ela aparece na edição deluxe do segundo Use Your Illusion, o que, pelos critérios, a impossibilitaria de estar aqui. Mas, como a versão do Guns consta apenas de Axl cantando a capella um curto trecho da faixa (normalmente, como uma espécie de "intro" para "Sweet Child O' Mine", como pode ser visto no DVD do show de Tóquio de 1992), eu não considero esta uma "cover" verdadeira, então, a desconsiderei para poder elencar esta verdadeira "pérola esquecida" do repertório dos ingleses em minha lista, já pedindo antecipadamente minhas excusas a quem não concordar com a "acomodação" feita pelo autor deste texto!

3. Don't Try Suicide (The Game - 1980)

Esta é outra faixa de The Game, e entra nesta lista nem tanto por sua parte musical (que, honestamente, nem me atrai tanto assim), mas sim pela temática anti-suicídio de sua letra, que implora para que alguém (não especificado) não cometa tal ato, elencando razões para que o mesmo não se concretize, embora de um jeito até certo ponto controverso, por deixar meio implícita uma interpretação de que "ninguém se importa" se você tentar se matar (através da frase "Nobody gives a damn" em certo ponto da letra), sendo que não é esta a interpretação que eu faço de sua temática. Uma parte mais rápida, onde Freddie canta "você precisa de ajuda, você precisa viver" ("you need help... you need life"), musicalmente, é melhor que o restante da composição, e reaparece como base durante o solo de Brian, executado de um jeito característico e único deste genial guitarrista, além da letra nesta parte específica parecer enfatizar a interpretação que tenho de que a temática da faixa afirma que viver a vida vale mais que acabar com ela por sua própria vontade. Está nesta lista, como expliquei, devido à sua temática, pois foi grande minha surpresa ao constatar que o Queen, cujas letras não costumavam abortar temas tão "controversos" quanto este (pelo menos, não tão controversos a este nível), ter escrito uma faixa com esta temática ainda nos anos 1980, e de ela, também para minha surpresa, ser tão pouco explorada (no sentido de "falada", "comentada") mesmo hoje em dia. Nunca foi tocada ao vivo, segundo a wikipedia, mas saiu como lado B de um single americano para "Another One Bites the Dust", lá em 1992, ou seja, doze anos depois do lançamento inicial do disco, o que, convenhamos, não a inclui nos critérios que a excluiriam desta lista, certo?

4. Football Fight (Flash Gordon - 1980)

Vamos combinar que a trilha sonora do filme do Flash Gordon rendeu muitos momentos "menores" à discografia da banda, com seus temas curtos entupidos de sintetizadores, e que não faziam muito sentido fora das telas. Não conheço quem defenda este disco, o colocando em uma posição "alta" no ranking de preferências da discografia, e, a meu ver, com exceção de "The Hero" e de "Flash's Theme" (ainda melhor em sua versão single), pouca coisa se salva neste álbum. "Battle Theme" é um destes momentos, mas, como a faixa pouco mais é do que uma reinterpretação do tema de Flash na guitarra (acrescida de um bom tema com sintetizadores "roubado" de "Flash To The Rescue", outra faixa desta mesma trilha sonora), sobra então "Football Fight", que, embora levada pelos sintetizadores, tem um ritmo bem agradável e atraente, com boa participação da bateria de Taylor e da guitarra de May (ainda que esta apareça em menos quantidade do que eu gostaria). O EP bônus da edição de 2011 traz uma "versão inicial" mais longa (e ainda melhor) que a oficial, com os sintetizadores substituídos pelo piano de Freddie, e mais com "cara" de uma música do Queen do que a que aparece no disco. Apesar de curta, uma faixa que, a meu ver, poderia ter sido mais explorada pelo grupo, mas que acabou relegada a "mais uma" de um disco quase totalmente esquecível! Uma pena!

5. Man On The Prowl (The Works - 1984)

Quando eu pensava no Queen tocando algo próximo do rockabilly, sempre pensei em "Crazy Little Thing Called Love" como o grande exemplo deste estilo na discografia da banda. Foi portanto com certa surpresa que encontrei esta pérola no track list de The Works, um disco do qual só conhecia os grandes hits, mas que guarda esta faixa meio que "escondida" lá no finalzinho do lado A do vinil. Conduzida pelo piano, é uma  faixa relativamente curta (pouco mais de três minutos e meio), que chegou a ser planejada, segundo a wikipedia, para ser lançada como single, mas acabou relegada ao lado B do EP Thank God It's Christmas (onde ganhou uma "versão estendida" na versão de 12 polegadas), e não achei registros de que tenha sido tocada ao vivo pela banda emalgum momento. Outra faixa que merecia um destino melhor!

Como já coloquei, os discos pós 1986 não são lá muito atraentes para mim, e encontrar nos discos pré 1979 faixas que não tenham sido registradas ao vivo, ou incluídas em coletâneas, ou "coverizadas" por bandas reconhecidas (como o fizeram, por exemplo, o Metallica e o Dream Theater), e das quais eu realmente gostasse, se tornou mais complicado do que eu pensava, portanto, diferentemente do que aconteceu com o Deep Purple, ficou complicado de indicar aqui mais músicas que poderiam ter aparecido nesta lista sem descumprir aos critérios que adotei. Sendo assim, fique á vontade para deixar você as suas indicadas como músicas "injustiçadas" na carreira do Queen nos comentários deste texto, seguindo ou não aos critérios adotados, e "dê voz" às suas músicas "desconhecidas" pela maioria do pessoal! Topam o desafio?