terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Review Exclusivo: Planet Hemp (Porto Alegre, 04 e 05 de dezembro de 2013)


Por Micael Machado

O que era para ser apenas uma apresentação no circo voador (RJ) em 2012 virou uma excursão de onze datas aumentada para mais de vinte, ampliada pouco tempo depois, e que ainda parece longe de acabar. Desta forma, a "turnê de reunião" do Planet Hemp voltou a Porto Alegre pouco mais de um ano depois da lendária passagem pelo Pepsi on Stage naquele mesmo ano, para duas noites em celebração aos trinta anos do Bar Opinião, uma das casas de espetáculo mais importantes da capital gaúcha, as quais serviram como pré-lançamento da tour do DVD O Ritmo e a Raiva, gravado na cidade de  São Paulo em julho deste 2013, e com previsão de lançamento para abril de 2014. Apesar do repertório similar ao que conferimos ano passado, estes shows, a meu ver, foram bem diferentes daqueles.

A começar pelo cenário, mais parecido com os que o Planet utilizava antes do seu recesso no início dos anos 2000, sem o telão que chamava a atenção nos primeiros shows da excursão, mas com as cadeiras de praia de volta ao centro do palco (sendo que as mesmas foram bastante utilizadas pelo cantor Marcelo D2 nas duas noites, especialmente na metade final do show, onde elas serviam para o vocalista recuperar o fôlego, que pareceu ficar por um fio diversas vezes). Outra mudança importante foi a ausência do guitarrista Rafael, que, segundo BNegão (o outro cantor da banda), não teve condições de embarcar para Porto Alegre a tempo de fazer os shows, e acabou substituído pelo gaúcho Jackson, que já havia tocado anteriormente com os cariocas, e que, apesar do pouco tempo que teve para reaprender o repertório (pouco mais de vinte e quatro horas, ainda segundo Bê), deu conta do recado com sobras.


Visão do Opinião lotado na primeira noite, em foto retirada da página do facebook do grupo

Sem os vídeos de introdução apresentados nos primeiros shows, as duas apresentações iniciaram com o playback da canção "Erva Proibida", registrada pelo falecido sambista Bezerra da Silva, a qual serviu de intro para a primeira parte de "Não Compre Plante", seguida como de costume por "Legalize Já", que colocou o público em ebulição logo aos primeiros acordes. Com a formação completada pelo baixista Formigão e o baterista (também gaúcho) Pedrinho, o show continuou com "Dig Dig Dig (Hempa)", "Planet Hemp" e "Fazendo a Cabeça", seguindo uma sequência similar à do espetáculo de 2012, mas com o grupo parecendo mais solto no palco, especialmente na primeira noite, onde o clima geral parecia de uma grande jam session no palco.

Algo que ficou mais evidente quando D2 enalteceu a ligação do grupo com Porto Alegre, com o Opinião e com a cena musical da cidade, especialmente com o conjunto Defalla, segundo ele, uma das maiores influências do Planet. Era a senha para chamar ao palco o vocalista Edu K, cantor desta verdadeira lenda do rock gaúcho, que, junto ao quinteto, interpretou a sua "Repelente" com muita garra, a qual seguiu por improvisos e citações a clássicos do rap e do funk norte-americano, antes de acabar com Edu abraçando a todos no palco. O vocalista ainda continuou em cena para fazer os backing vocals de "Queimando Tudo", a qual, na primeira noite, também contou com a presença de Tonho Crocco (vocalista da Ultramen, outra banda importantíssima do rock gaúcho dos anos 1990, e também parceiros do grupo carioca) nos vocais.


Planet Hemp no palco do Opinião, na segunda noite de apresentações

"Quem Tem Seda" deu uma acalmada no pessoal, mas o bicho voltou a pegar com a "sessão hardcore" de "Seus Amigos". Na segunda noite, logo no início desta, D2 (que por algumas vezes reclamava de cansaço antes de cada música mais agitada, sem nenhuma conotação de brincadeira) pulou de forma espetacular no meio do público, demorando alguns minutos para voltar ao palco. Quem é que estava cansado então, hein? Este estilo mais "pegado" ainda seria representado por "100% Hardcore" e "Procedência CD", sendo que esta, já mais ao final do set list, quase foi abortada por D2 devido ao cansaço, mas, ainda assim, foi apresentada com garra por todos, e ovacionada pelo público presente ao bar.

Ainda mantendo a estrutura do espetáculo divida em três "atos" (uma para cada disco de estúdio do grupo), "Ex-quadrilha da Fumaça" deu início à parte ligada ao disco A Invasão do Sagaz Homem Fumaça, a qual trouxe ainda "Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga", "Stab" e "Contexto", esta última, especialmente, com seu refrão e boa parte da letra cantada em uníssono por quase todos os presentes, apesar da falha no playback da introdução durante a segunda apresentação. "Samba Makossa" serviu como homenagem a Chico Science e Chorão, na primeira noite, e a Nelson Mandela na segunda, ele que havia falecido poucas horas antes do espetáculo, com "Mantenha o Respeito" encerrando tudo, como sempre, com Marcelo D2 anunciando que "não tem bis não" e o grupo ameaçando se retirar de cena logo em seguida.

Apesar de haver um bis planejado, na primeira noite pareceu improvisado quando BNegão impediu a saída dos músicos do palco e os reuniu para tocar "mais uma para o pessoal, que eles merecem". Assim, houve espaço para a repetição de "Dig Dig Dig" (com uma parte mais "malemolente" no início), que, na segunda noite, ainda foi seguida por "A Culpa É de Quem?", a qual, segundo BNegão, "os maconheiros esqueceram de tocar" no dia anterior, e que finalmente encerrou uma sequência de duas datas que, se não foram tão impactantes quanto a apresentação de 2012 (até porque, aquela, vinha precedida por um hiato de mais de dez anos), certamente não verão reclamações por parte de quem esteve presente agora.


Final da segunda noite, em foto retirada da página do facebook do grupo

Para encerrar, gostaria de colocar que o jogo de luzes desta parte da excursão chamou bastante a minha atenção, criando climas e desenhos bastante interessantes, quase suprindo a ausência do telão da primeira parte da turnê; que é sempre um prazer assistir a Formigão no palco, um dos melhores em seu instrumento na sua geração, apesar de ficar quase o tempo todo paradão lá no fundo e do estilo discreto de tocar (como quase todo bom baixista, diga-se de passagem); que Pedrinho segura tudo lá atrás, tanto nas partes mais "porradas" quanto nas mais calmas, mantendo o ritmo da banda sempre "em cima"; que BNegão e D2, apesar deste reclamar constantemente do cansaço (e do forte calor da primeira noite, o qual, segundo o vocalista, "parece o de Fortaleza" - estava muito quente mesmo!), são dois grandes frontmen, chamando para si as atenções do espetáculo e tendo o público nas mãos o tempo todo, além de aparentarem que as antigas rusgas entre eles ficaram de vez no passado. Cabe citar, ainda, que Jackson, apesar de ter feito um trabalho "de responsa" e de ter assumido a bronca e dado conta do recado com sobras, como exaltado por BNegão (sendo o principal responsável pelo show acontecer, segundo o vocalista), tem um estilo de tocar totalmente diferente do de Rafael, pois este usa e abusa de seus pedais de efeitos para criar uma verdadeira usina de sons ao longo das canções e de seus solos, e Jackson tem um estilo mais "simples", utilizando principalmente a distorção e o wah-wah como principais efeitos. Isto alterou bastante a estrutura das canções, embora a maioria do pessoal pareça não ter dado muita atenção a este fato. Realmente, nenhuma canção ficou descaracterizada (talvez apenas o início de "Phunky Buddha", que a mim soou completamente diferente), mas, para quem já assistiu ao grupo com o verdadeiro dono da guitarra da banda por trás das seis cordas, a diferença foi perceptível. Nada que atrapalhasse a festa, no entanto, a qual parece que, contrário às primeiras expectativas, não irá acabar tão cedo. Será que ano que vem teremos "a banda mais maconheira do Brasil" de volta à terras gaúchas? Tomara que sim!

"Quem é que joga fumaça pro alto, chega na cena e toma de assalto?"


Set list das duas apresentações

Set list:

Primeiro ato: o usuário e a luta pela legalização da maconha

1. Não Compre Plante (Intro)
2. Legalize já   
3. Dig Dig Dig (Hempa)
4. Planet Hemp 
5. Fazendo a Cabeça
6. Deisdazseis
7. Phunky Buddha
8. Mary Jane
9. Futuro do País

Segundo ato: os cães ladram mas a caravana não para

10. Zerovinteum / Repelente
11. Queimando Tudo
12. Quem Tem Seda?
13. Seus Amigos
14. Hip Hop Rio
15. Adoled (The Ocean)
16. 100% Hardcore 

Terceiro ato: a invasão do sagaz homem fumaça

17. Ex-quadrilha da Fumaça
18. Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga
19. Stab
20. Contexto
21. Procedência C.D.
22. Samba Makossa
23. Mantenha o Respeito

Bis

24. Dig Dig Dig (Hempa)
25. A Culpa É de Quem? (apenas no dia 05/12)

sábado, 7 de dezembro de 2013

Danzig - Danzig [1988]


Por Micael Machado

Em meados de 1986, o vocalista Glenn Danzig já havia entrado para a história do rock com o Misfits, grupo que influenciou muita gente ao misturar sua sonoridade punk com letras que abordavam temáticas ligadas a filmes de terror, monstros e assombrações. Após deixar o grupo em 1983, Glenn montou o Samhain, com quem já havia gravado três álbuns, mas andava descontente com a sonoridade do grupo. Foi quando encontrou o produtor Rick Rubin, que queria lhe contratar para seu então novo selo, chamado Def American Recordings (mais tarde, apenas American Recordings). Trazendo consigo o baixista do Samhain, Eerie Von, Glenn partiu em busca dos membros certos para a formação de sua nova empreitada musical, chegando ao baterista Chuck Biscuits (ex-Black Flag) e ao excepcional guitarrista John Christ, logo adicionados ao novo grupo do cantor, que, por sugestão de Rubin, teria apenas seu próprio sobrenome como epíteto.

O primeiro registro do novo conjunto (também o primeiro lançamento do selo de Rubin) viria em 1988, levando apenas o nome do grupo. Curioso é que a edição original nem isso tinha, mostrando apenas um crânio branco (retirado da capa da revista em quadrinhos da Marvel "The Saga of Crystar, Crystal Warrior", edição 8, e que já havia aparecido em artes de discos do Samhain) sobre um fundo preto. O logo do grupo na parte inferior direita da capa foi acrescido apenas nas edições em CD já nos anos 1990, enquanto as mesmas ainda exibiam o famoso selo de "Parental Advisory", devido à temática sombria das letras do cantor, o que é curioso, visto as mesmas não conterem palavras de baixo calão, que normalmente são o principal alvo deste tipo de selo. Se as letras chamaram a atenção, a parte musical não ficou para trás. Mesmo com o trabalho da cozinha podendo ser considerado apenas como "correto", sem muitos destaques apesar da qualidade, os vocais de Glenn e os riffs de John bastam para colocar o álbum como um dos melhores discos de estreia já lançados. 


A versão original em vinil, sem o logo do grupo na capa

Pelo menos três faixas essenciais do repertório do grupo foram registradas aqui, sendo que foram lançados vídeos promocionais para todas elas: "Mother", possivelmente o maior clássico do disco, aparecendo depois em diversas compilações ligadas ao hard rock, em trilhas de filmes (como "Se Beber Não Case-Parte 3") e jogos de computador (como "Guitar Hero" e "Grand Theft Auto: San Andreas"), e cuja versão ao vivo lançada no EP de 1993 Thrall: Demonsweatlive (e rebatizada como "Mother '93") se tornou um hit na MTV, inclusive tocando muito no extinto Fúria Metal da versão brasileira do canal; "Twist of Cain", cujo marcante riff de guitarra abre os trabalhos do álbum, em uma composição cadenciada e marcada que se tornou uma das preferidas dos fãs da banda, com sua letra baseada na história bíblica dos irmãos Caim e Abel, e que conta com um final em clima apocalíptico; e "Am I Demon", uma das composições mais velozes do disco (embora nem tão rápida assim), em muito graças ao riff criado por Christ, que conduz a música inteira, explodindo no matador refrão, que parece feito sob medida para ser berrado a todo pulmão pelos fãs presentes aos shows, além de apresentar dois solos técnicos e velozes do guitarrista, onde podemos ouvir um dos pouquíssimos overdubs de guitarra do disco, algo que sempre me chamou a atenção no trabalho deste talentosíssimo músico, que preferia não utilizar este recurso em suas gravações.

O começo a capella de "Soul On Fire" (outra composição cadenciada, mas com um final bastante veloz) evidencia a semelhança da voz de Danzig com a de Jim Morrison (dos Doors), algo que também aparece em "She Rides", um blues com letra tratando de uma mulher que "cavalga à noite para lhe abater", e um certo clima "sensual", explicitado pelo vídeo clipe, cheio de mulheres atraentes e em trajes mínimos. "Not of This World", a segunda faixa do track list, começa emendada à composição anterior, trazendo outro riff marcante de guitarra, desta vez apresentando um pouco de velocidade no excelente refrão, além de um breve mas muito interessante solo de Christ, novamente amparado por overdubs do instrumento. Já "The Hunter", apesar de creditada no encarte a Glenn Danzig, foi composta por Carl Wells junto ao grupo Booker T. & the M.G.'s, sendo originalmente gravada por Albert King. Na versão do grupo, apenas algumas linhas da letra foram modificadas, e a faixa é outra que apresenta traços de blues em seu arranjo, embora desta feita seja mais veloz que "She Rides", sendo uma composição bem "estradeira", evidenciando o trabalho de guitarras de Christ e a voz de Danzig, que mais uma vez nos traz a lembrança de Morrison à mente.

O grupo na parte interna da edição original em vinil: John Christ, Chuck Biscuits, Glenn Danzig e Eerie Von

"End of Time" é outra composição que apresenta um ritmo cadenciado, além de trazer algo de gótico em sua melodia. Já "Possesion", mesmo marcada pela intro com teclados "macabros" (na única vez em que este instrumento aparece no álbum), pelo riff "nervoso" e um pouco mais veloz que os demais, e pelos backing vocals em latim no meio da composição (que parecem rezar uma espécie de "missa negra"), não escapa da sina de ser uma das músicas mais fracas do álbum, que se encerra com "Evil Thing", que fecha tudo com um ritmo quebrado no início, caindo depois para um andamento mais marcado, e apresentando um belo trabalho de Eerie Von, além de um dos melhores riffs de Christ no disco (e olha que, como o leitor mais atento pode perceber, estes são muitos!).

Esta formação ainda lançaria mais três discos, os também essenciais Danzig II: Lucifuge, de 1990, e Danzig III: How the Gods Kill, de 1992, além do mais fraco Danzig 4p (ou apenas Danzig 4, como é mais conhecido), de 1994, antes de se dissolver melancólica e rapidamente, restando no line up apenas o próprio Glenn Danzig, que mantém o grupo ativo e relevante ainda hoje, embora sem as mesmas glórias do passado. Mas, para os fãs, isto talvez seja irrelevante, pois eles sabem que os três primeiros discos são imbatíveis na discografia do conjunto, a começar pela estreia, um álbum essencial na prateleira de qualquer um que goste de ouvir um hard rock bem tocado!

Contracapa da edição em CD

Mother / Tell your children not to hear my words / What they mean, what they say / Mother...

Track List:

1. "Twist of Cain"
2. "Not of This World"
3. "She Rides"
4. "Soul On Fire"
5. "Am I Demon"
6. "Mother"
7. "Possession"
8. "End of Time"
9. "The Hunter"
10. "Evil Thing"

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Charlie Brown Jr. - La Família 013 [2013]


Por Micael Machado

A morte do cantor Chorão em março deste ano fez com que surgisse uma enorme expectativa para o disco de inéditas que o grupo Charlie Brown Jr. vinha preparando, e do qual a música "Meu Novo Mundo" havia ganhado as rádios poucos dias antes da tragédia que abateu a banda. Com lançamento previsto inicialmente para setembro, o mesmo precisou ser alterado para outubro após o suicídio do baixista Champignon poucos dias antes da data agendada, apesar de ter vazado na internet ainda naquele mês. O que se escuta na bolacha não é nenhuma ruptura com aquilo que o quinteto de Santos já havia feito em sua carreira, bem pelo contrário, pois muitas das características do grupo podem ser encontradas ao longo dos quase cinquenta minutos de duração de La Família 013.

Já na faixa de abertura, temos "Um Dia a Gente se Encontra", aquele rock perfeito para servir de trilha de abertura da novelinha global Malhação. Também é assim "Cheia de Vida", um pouquinho mais pesada, e "Rock Star", que lembra muito as composições do primeiro disco (especialmente "O Côro Vai Comê", sendo talvez por isso uma das minhas favoritas no disco). Para agradar às fãs, as tradicionais baladinhas que não chegam a ser românticas também dizem presente, na forma de "Vou me Embriagar de Você", "Hoje Sou Eu que Não Mais te Quero" (um dos destaques, que mistura partes calmas a outras mais agitadas, e cujo riff inicial lembra "Tudo Mudar", de Nadando com os Tubarões, o terceiro lançamento do CBJr), e da citada "Meu Novo Mundo". O reggae, outro estilo que vez por outra aparece na discografia dos paulistas, também diz presente em "Fina Arte" e em "Vem Ser Minha", quase uma recriação de "Zóio de Lula", do segundo disco, Preço Curto... Prazo Longo. As poucas inovações, ainda que não se afastem muito das características de registros anteriores, aparecem no teclado de "Do Jeito que eu Gosto, do Jeito que Eu Quero" (outra música mais calma, apesar do refrão agitado), nas partes quase heavy metal de "Camisa Preta" (espécie de saudação aos fãs do grupo, com interessantes variações de andamento que a tornam uma das melhores do track list), nos toques de country dado pelo slide de "A Mais Linda do Bar" (que, sei lá por quê, me lembra muito "Bad Obsession", do Guns and Roses) e no arranjo de "Samba Triste", levado por violões e uma guitarra um pouco mais pesada que o normal em se tratando de Charlie Brown Jr, em uma semi-balada sem a participação da bateria.

Marcão, Champignon, Chorão, Thiago Castanho e Bruno Graveto

Se na parte instrumental não temos grandes novidades, as maiores mudanças aparecem na forma de Chorão cantar, utilizando uma forma mais contida (por vezes quase falando ou sussurrando), sem tanta gritaria como em registros anteriores, e no tom pessoal de algumas letras, que parecem refletir a situação do cantor pouco antes de sua morte, quando se encontrava separado da esposa e enfrentando problemas com drogas. Se as palavras de canções como "Rock Star", "Cheia de Vida" ou "A Mais Linda do Bar" ainda apresentam os temas adolescentes dos discos anteriores (como o cara fodão e pegador com tendências à vagabundagem ou o que só quer conquistar a "gata" inalcançável), a grande maioria das composições apresenta temáticas bastante pessoais, como os versos de "Um Dia a Gente se Encontra" e "Meu Novo Mundo" ("se quem eu amo tem amor por mim, eu sei que ainda estamos longe do fim"), "Do Jeito que eu Gosto, do Jeito que Eu Quero" e "Vem Ser Minha" ("a vida só gosta de quem gosta de viver, aproveite seu tempo, está tudo aí para você"), "Vou me Embriagar de Você" ("quero voltar prá você, não sou feliz sozinho") ou da tocante "Hoje Sou Eu que Não Mais te Quero" ("você diz que me ama, mas não age como tal"). É fácil assimilar o sofrimento das letras aos problemas que o músico enfrentava em sua vida pessoal, tanto que o filho do cantor, Alexandre Abrão, disse em declaração para o jornal O Globo que este é o disco mais autobiográfico da carreira do pai, algo que fica explícito ao ouvirmos o mesmo. Outra característica da banda, que é a repetição de frases de uma música para outra, também foi mantida aqui (como exemplificado acima), mas chama a atenção a repetição de versos inteiros de canções registradas em discos anteriores, como o refrão de "Camisa Preta" (igual ao de "Tarja Preta", do álbum Bocas Ordinárias), e a segunda parte da mesma canção, que já havia aparecido em "Di-SK8 Eu Vou", do disco Tamo Aí Na Atividade

Para fechar o disco, temos os versos de "Contrastes da Vida", que parecem uma premonição para o que viria a acontecer ("mesmo os mais fortes, às vezes, não encontram uma saída ... quando tudo se torna previsível e não se espera mais da vida"), a canção mais tristonha de um disco predominantemente melancólico, talvez não na parte rítmica, mas com certeza na parte lírica, sentimento este aumentado pelas declarações da parte "agradecimentos" do encarte, onde os membros do grupo e o filho de Chorão enaltecem a obra do cantor, e expressam de forma tocante a falta que ele deixou (a arte gráfica, aparentemente, já estava pronta quando Champignon morreu, e não há nenhuma citação ao seu passamento no livreto).

Contracapa do CD

Resta a curiosidade pelo que trará a continuação da carreira musical de Thiago Castanho e Marcão (que, assim como o baixista, retornava ao grupo neste álbum, depois de longa ausência - sendo o line up do conjunto completado pelo baterista Bruno Graveto, que já havia participado do álbum anterior), dois excelentes guitarristas e compositores, que ainda podem dar muito ao rock nacional, tão carente de bons nomes que o representem com "responsa". Só o tempo dirá quais serão as consequências das mortes de Chorão e Champignon, mas uma delas é certa: não teremos mais discos tão legais quanto este La Família 013. Infelizmente!

Track List:

1. Um Dia a Gente se Encontra 

2. Fina Arte 

3. Cheia de Vida

4. Meu Novo Mundo

5. Do Jeito que eu Gosto, do Jeito que Eu Quero

6. Rock Star 

7. Vem Ser Minha

8. Hoje Sou Eu que Não Mais te Quero

9. Camisa Preta 

10. Vou me Embriagar de Você 

11. A Mais Linda do Bar 

12. Samba Triste

13. Contrastes da Vida

Discografias Comentadas: Sisters Of Mercy


Por Micael Machado


Surgido no meio do movimento punk britânico, na cidade inglesa de Leeds, em 1977, o Sisters Of Mercy (nome tirado de uma composição de Leonard Cohen) era no início uma dupla formada por Andrew Eldritch (vocais e bateria, único membro presente em todas as formações da banda) e Gary Marx (guitarra, vocais). Após o lançamento do primeiro single, Craig Adams assumiu o baixo, e Eldritch passou a se concentrar apenas nos vocais e letras do grupo, com a percussão sendo executada por uma bateria eletrônica, que recebeu o nome de Doktor Avalanche (a qual, apesar dos upgrades tecnológicos ao longo dos anos, seria, ao lado de Andrew, o único "membro" permanente do grupo dali em diante). As "irmãs" lançariam outros singles e EPs após a chegada de Ben Gunn para a segunda guitarra, mas este saiu antes da gravação do primeiro álbum, sendo então substituído por Wayne Hussey.


Conheça agora a curta, mas muito influente, discografia de uma das principais bandas do chamado gothic rock (embora o próprio Eldritch rejeite este termo): as "Irmãs da Piedade"!



First and Last and Always [1985]

Único lançamento daquela que é considerada a "formação clássica" do Sisters of Mercy (Eldritch / Hussey / Marx / Adams / Avalanche), o primeiro álbum das "irmãs" é tido como o melhor por muitos dos fãs. Com todas as letras compostas por Andrew, os dois lados do vinil original são bem distintos entre si, embora o disco encaixe-se perfeitamente no estilo pós-punk da época (também chamado de gothic rock). O lado A, com todas as faixas compostas por Hussey (sendo apenas "No Time to Cry" em parceira com os outros membros), apresenta faixas mais "dançantes", embora ainda tristonhas e melancólicas, tendo, para mim, os maiores destaques do disco, as clássicas "Black Planet" e "Walk Away", além da linda "Marian (version)" (de bateria mais marcada, e que possui trechos em alemão) e "A Rock and a Hard Place" (que não tem nada a ver com a faixa de nome parecido gravada pelo Aerosmith). Já o Lado B, onde predominam as composições de Marx (apenas "Possession", que lembra bastante as músicas da fase mais gótica do The Cure, não foi escrita pelo guitarrista), segue a linha tradicional do pós-punk inglês, com baixo bem destacado, bateria marcada e riffs esparsos de guitarra, além de um certo sentimento de melancolia em seus arranjos. São assim "Nine While Nine", "Amphetamine Logic" (listada apenas como "Logic" na capa, e um pouco mais "agitada" que suas companheiras de lado), "Some Kind of Stranger" (a mais melancólica) e a faixa título, curiosamente talvez a que mais se aproxime da sonoridade do segundo álbum. A edição remasterizada e expandida de 2006 trouxe outras seis faixas, retiradas de singles, e que, no geral, não fogem do estilo do track list original, com destaque para as tristonhas "Bury Me Deep" (a mais melancólica delas) e "Some Kind of Stranger", sendo as demais "On the Wire, "Poison Door", "Blood Money" e "Long Train".

Gary Marx, Craig Adams, Andrew Eldritch e Wayne Hussey

No final da turnê de divulgação, Gary Marx deixou o grupo, devido a divergências musicais com Eldritch. O último show da turnê (que seria também o último de Adams e Hussey com o grupo) foi filmado e foi lançado em 1985 na forma do VHS Wake. O baixista e o guitarrista deixaram o grupo durante o processo de composição do segundo disco por desavenças musicais com Eldritch, indo depois formar o Mission. Como havia um acordo entre as duas partes (a dupla dissidente e Andrew) para que nenhuma usasse o nome Sisters of Mercy, o vocalista gravou um single ("Giving Ground") e um álbum (Gift, 1985) como Sisterhood, na tentativa de impedir que a dupla Adams-Hussey utilizasse este nome, ligado a um fã-clube do Sisters. Os dois registros tiveram pouca repercussão em termos de vendas, sendo que, por problemas contratuais, Eldritch foi impedido de cantar (!) em ambos os lançamentos. No álbum, já aparece a baixista e vocalista Patricia Morrison, que, após o fracasso comercial de Gift, seria a parceira de Andrew na volta do Sisters of Mercy, decidida em meio ao processo de gravação do que deveria ser o segundo single do Sisterhood.

Floodland [1987] 

O disco de maior sucesso do grupo (e, para mim, o melhor), que a esta altura, além de Eldritch e Doktor Avalanche, contava com Patricia Morrison no baixo, embora o próprio cantor tenha afirmado que sua participação musical no álbum tenha sido mínima. Três faixas se tornaram singles, e referências quando pensamos no nome Sisters Of Mercy: "This Corrosion" (que inicialmente deveria ser um lançamento do Sisterhood), "Dominion/Mother Russia" (cujas duas partes têm a mesma melodia, com letras e temáticas diferentes, sendo possivelmente a minha canção favorita do grupo) e "Lucretia My Reflection" (de temática mais sombria, embora seu ritmo "dançável"). Das outras cinco, destaco "Driven Like the Snow", com melodia conduzida pelo baixo e teclados gélidos, e que lembra bastante as faixas mais "góticas" do The Cure, e "Flood I", bastante sombria, com muitos sintetizadores em sua melodia. "Flood II" é menos soturna que a primeira parte, chegando a soar quase dançante, "1959" é uma faixa acústica somente com piano e voz, sem bateria (de clima bastante tristonho, mas muito bela), e "Neverland (a Fragment)" é uma canção curta e que também apresenta características melancólicas em seu andamento lento. O relançamento de 2008 incluiu outras quatro faixas retiradas dos "lados B" dos singles do álbum: "Torch" (uma canção de melodia bastante triste, com o uso de violões reforçando esta característica, e a voz de Eldritch soando mais "chorosa", ao invés do seu vocal grave usual), "Colours" (excelente composição, com bateria mais "marcada" e muitos sintetizadores garantindo um clima musical bastante opressivo e angustiante, sendo a melhor das faixas bônus), "Emma" (cover do grupo Hot Chocolate, e uma faixa mais "rocker", apesar do andamento arrastado, com participação destacada do baixo na condução da melodia, além de interessantes riffs de guitarras ao longo de sua duração) e a versão "completa" de "Neverland", com mais de doze minutos.

Patricia Morrison e Andrew Eldritch

Vision Thing [1990]

Sem Patricia Morrison, que foi expulsa pouco antes do início das gravações, e com John Perry (que havia assumido as guitarras na turnê de promoção do álbum anterior, mas também não participou de todas as gravações, sendo creditado apenas como músico convidado em "Detonation Boulevard"), Eldritch uniu-se aos guitarristas Andreas Bruhn e Tim Bricheno (que entrou quase no final do processo de gravações) e ao baixista Tony James (ex-Generation X e Sigue Sigue Sputnik) - além, claro, do sempre presente Doktor Avalanche - para registrar aquele que é considerado frequentemente como o álbum mais fraco da banda. Vision Thing representa uma ruptura com o estilo do registro anterior, visto que, se naquele os teclados dominavam as composições, aqui eles possuem destaque apenas na agitada "Doctor Jeep" (um dos destaques do track list, apresentando um riff de guitarra que lembra o estilo das bandas grunge como Soundgarden ou Alice in Chains) e em "More" (outro destaque, de começo soturno, mas depois se tornando um rockzão bastante agitado), duas das cinco composições a contarem com os vocais da convidada Maggie Reilly. A melancolia e os tons soturnos de Floodland também foram deixados de lado na maior parte do tempo (exceção para "Something Fast", que, apesar do nome, é a mais lenta do play, e "I Was Wrong", faixa com melodia conduzida por guitarra dedilhada, violão e baixo), substituídas por faixas agitadas e até certo ponto pesadas se comparadas a outras da carreira do grupo, com a guitarra dominando as composições e Doktor Avalanche mantendo um ritmo rápido na maior parte do tempo, como ocorre na faixa título, na citada "Detonation Boulevard" (outro destaque) e "When You Don't See Me" (com um excelente refrão). O track list é completado por "Ribbons", outra faixa onde as guitarras pesadas comandam, porém aqui com uma atmosfera mais sombria do que no restante do álbum. A edição de 2006 acresceu as faixas bônus "You Could Be the One" (bastante agitada, e até meio dançante), versões alternativas para "When You Don't See Me" e "Doctor Jeep", além de versões ao vivo para "Ribbons" e "Something Fast". Este é, até aqui, o último registro de inéditas do grupo.

Foto do encarte de Vision Thing


Some Girls Wander by Mistake [1992] 

Coletânea que reúne os seis primeiros registros do Sisters, feitos entre 1980 e 1983 (portanto, antes do primeiro álbum), sendo eles, por ordem de lançamento: o single The Damage Done (de 1980), estreia em vinil das "irmãs", à época uma dupla formada por Andrew na bateria e Gary Marx na guitarra, com duas músicas que fogem bastante ao estilo posteriormente adotado pelo grupo (a faixa título, cantada por Eldritch, com sua voz não soando tão grave quanto anos depois, e "Watch", cantada por Gary), apresentando um andamento mais rápido que o usual em se tratando dos ingleses, e onde o baixo tem papel de destaque, sendo o lançamento completado pela vinheta "Home of the Hit-Men"; o single Body Electric (1982), que marcou a estreia de Craig Adams no baixo e Ben Gunn na segunda guitarra (além de ser o primeiro registro oficial de Doktor Avalanche), e cujas duas faixas (a título e "Adrenochrome") soam como uma continuação do registro anterior, embora com uma evidência maior das guitarras, e um pouco mais "dançantes"; o EP Alice (1983), que contém a soturna faixa título (com uma batida meio dançante e boas linhas de guitarra), a "tribal" "Floorshow" (cujo ritmo é repetido e expandido na instrumental "Phantom"), e um cover para "1969", dos Stooges (que, apesar da bateria eletrônica e da falta de "sujeira" nas guitarras, não ficou descaracterizado) - sendo que as duas primeiras formaram o terceiro single do grupo, em 1982; o quarto single do Sisters, Anaconda (de 1983), do qual foi incluído o lado A, justamente a faixa título, um pouco menos sombria do que o usual, em se tratando de Sisters of Mercy; O EP The Reptile House (1983), provavelmente a coisa mais soturna já gravada pelo grupo, onde todas as faixas se caracterizam pela lentidão e um sentimento meio mórbido e macabro, como em "Lights" (que, apesar do título, é uma das músicas mais depressivas e funestas da carreira da banda, encaixando-se perfeitamente no padrão do que se convencionou chamar de gothic rock), "Valentine" (onde o baixo tem destaque com uma linha bastante marcada) ou "Fix", sendo que "Kiss the Carpet" (que possui uma reprise ao final) é um pouco mais animadinha, assim como "Burn", mas não se pode dizer que as duas sejam "divertidas", mantendo um sentimento mais tristonho ao longo de sua duração, com uma bateria marcada e lenta; e, para finalizar, a versão 12" do single Temple of Love (1983, que marcou a despedida de Ben Gunn), com uma versão estendida da faixa título (uma das melhores composições da carreira do grupo), aqui aparecendo com quase oito minutos, contra os pouco mais de três da faixa original, presente na versão de 7" do single, que também conta com "Heartland" (sendo que as duas já mostram uma direção mais próxima à sonoridade do primeiro disco), faixa que também foi incluída nesta coletânea, sendo exclusiva da versão 12" escolhida para este disco a boa cover para "Gimme Shelter", dos Rolling Stones, um dos destaques desta compilação. Uma mostra do início do grupo, com estilos e orientações diferentes, mas, ainda assim, capaz de agradar aos verdadeiros fãs da Irmãs.

Cartaz de promoção de um show de 2010

Em 1993, foi lançada a compilação A Slight Case of Overbombing, a qual possui, além dos "sucessos" do grupo, duas faixas inéditas, "Under the Gun" (que apresenta Andrew e Avalanche ao lado do guitarrista Adam Pearson, visto que os outros membros haviam deixado o grupo, e da vocalista convidada Terri Nunn, da banda Berlin) e uma versão regravada de "Temple of Love", que ganhou backing vocals da cantora Ofra Haza, e o título "Temple of Love (1992)". Este seria o último lançamento comercial das "irmãs", visto que Eldritch entraria em conflito com a gravadora EastWest a respeito do lançamento de um novo álbum. O vocalista chegou a gravar um disco com o projeto SSV, o qual nunca recebeu um lançamento oficial, e manteve desde então o Sisters of Mercy excursionando quase que constantemente (com muitas variações dos músicos que completavam o line up), porém sem nenhum lançamento inédito. Várias canções novas foram sendo apresentadas ao vivo ao longo destes quase vinte anos, sendo possível encontrar versões para muitas delas no youtube, mas um novo álbum das "irmãs da piedade" parece bastante improvável. Mesmo assim, o legado do grupo está assegurado, e seu papel como um dos mais influentes grupos do pós-punk britânico, garantido para a posteridade.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Review Exclusivo: Ratos de Porão (Porto Alegre, 11 de novembro de 2013)


Por Micael Machado

Pouco mais de um ano depois de sua mais recente aparição na cidade, o quarteto paulista Ratos de Porão retornou a Porto Alegre para participar da edição de novembro da "segunda maluca", festa que rola uma vez por mês no Bar Opinião, sempre às segundas-feiras, como o nome alude. Assim como em 2012, novamente o dia foi de uma chuva torrencial na cidade, causando alagamentos e transtornos de diversos tipos aos moradores da capital do Rio Grande do Sul. Talvez por isso, o público que compareceu ao local não tenha sido em número muito elevado, mas a vibração e a energia que rolava na imensa roda de pogo no meio da pista faziam parecer que a casa estava lotada!

Com o show marcado para as 23:15, a casa exibiria antes um espetáculo protagonizado pela atriz María Antonieta de las Nieves, que interpreta a Chiquinha do seriado Chaves, e o contraste entre o pessoal que saía da apresentação da  mexicana e o que chegava para o show do Ratos era bastante curioso de se ver. Com a casa liberada pelos fãs do famoso programa televisivo, a banda Tijolo Seis Furos (vinda de Santa Maria, no interior do estado) fez o "esquenta" do pessoal, em pouco mais de vinte minutos de um hardcore veloz e furioso, com destaque para o vocalista Homero, que frequentemente descia do palco chegando junto à grade que separava o pessoal, chegando até a pular a mesma e ir cantar e pogar no meio da pista, junto ao pessoal! Na estrada desde 1995, o quinteto já possui duas demos e um CD independente em seu currículo, e, mesmo no pouco tempo que lhe foi reservado, mostrou que tem condições de alçar voos mais altos no cenário hardcore nacional! 

Tijolo Seis Furos no palco do Opinião

Passava um pouco das 23:30 quando o telão à frente do palco se ergueu revelando Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria) já a postos, com João Gordo (vocais) entrando em cena logo depois, para iniciar a apresentação com "Igreja Universal", cantada em coro pelo pessoal! A partir daí, o que se viu foi uma sucessão de "porradas" do hardcore nacional, interpretadas quase sem intervalos por uma das principais bandas do estilo no país. Nas poucas vezes em que se dirigiu ao público, João aproveitou para agradecer o pessoal que compareceu "mesmo debaixo de toda essa chuvarada" (no dia anterior, uma apresentação do grupo na cidade serrana de Caxias do Sul teve de ser interrompida pouco depois de iniciada devido à queda de parte do telhado do local do show, causada pela intensa chuva que caiu na serra gaúcha), lembrou que o grupo "faz som de tiozinho, todo mundo aqui é pai de família, menos o Juninho, que é pai de um cachorro" (a uma garota que gritou que lhe amava, Gordo rebateu: "eu tenho idade para ser teu pai, menina"), declarou preocupação quanto ao futuro de seus filhos e de todas as crianças (antes de cantar "Testemunhas do Apocalipse"), criticou a classe politica nacional ("lugar de político corrupto é no caixão, mas não por assassinato, por intervenção divina, tem de sofrer de câncer de próstata, ataque cardíaco", antes de "Suposicollor", ou "vamos todo mundo votar nulo, não sustente parasitas", antes de "Velhus Decrepitus"), e declarou que "a banda hoje tem mais de trinta anos, e já foi acusada de muita coisa, mas nunca perdeu a dignidade". 

Como as músicas do Ratos são, em sua maioria, bastante curtas, e a maneira de cantar de João por vezes torna as letras ininteligíveis, mais uma vez, foi impossível apurar um set list correto da apresentação, visto que, muitas vezes, quando eu estava tentando reconhecer uma canção, a próxima já havia começado! Sei é que boa parte dos "crássicos" dos mais de trinta anos de carreira foram tocados com garra de iniciantes nesta noite! "Beber Até Morrer", "Sofrer", "Morte Ao Rei", "Paranoia Nuclear", "AIDS, Pop, Repressão", "Mad Society", todas tiveram sua vez ao longo da apresentação, e até mesmo algumas "surpresas" surgiram no repertório escolhido, como "Amazônia Nunca Mais", "Máquina Militar", "Sentir Ódio e Nada Mais" e "Realidades da Guerra". Ainda houve espaço para "O Dotadão Deve Morrer", cover dos Cascavelletes registrada no disco Feijoada Acidente - Brasil, que acaba de ser relançado pelo selo do próprio João Gordo, o Bruak Records, pelo qual já está prometido o novo álbum de estúdio do grupo, a se chamar Século Sinistro, e do qual eu achei que o grupo tocaria alguma composição nesta noite, algo que não aconteceu, assim como ficou ausente o "momento couve" do espetáculo (onde o Ratos interpreta covers de outros grupos), ficando o mesmo restrito à citada "Dotadão" e a "Work For Never", original do Extreme Noise Terror, mas cuja versão dos paulistas já merece ser considerada um "crássico" do conjunto!

Jão, Gordo, Boka e Juninho no palco do Opinião

Depois de pouco mais de cinquenta minutos, "Crise Geral" encerrou a apresentação, mas o quarteto logo voltou para um bis recheado de dez minutos de pancadaria pura, onde executaram "Agressão/Repressão", "Obrigado A Obedecer", a esperada "Crucificados Pelo Sistema", "Pobreza", "Caos" e a surpreendente "F.M.I.", se eu estiver correto na ordem que apurei. Foi o que bastou para acabar com as energias do pessoal que estava na pista, e nos mandar a todos para casa com um enorme sorriso aberto!

Show do Ratos é certeza de bom divertimento, "porradaria" musical e satisfação garantida! Se você gosta de hardcore, e tiver a oportunidade de comparecer a uma apresentação deste lendário grupo, não deixe a chance passar, ou poderá se arrepender amargamente!

Foto do final da apresentação, retirada do facebook oficial do grupo. Este que lhes escreve aparece ao fundo, entre João e Jão, com a camiseta do disco Anarkophobia

"Viver feliz é ilusão e nada mais! Será?"

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

The Allman Brothers Band - Live at the Atlanta International Pop Festival [2003]


Por Micael Machado

Pergunte a vários fãs de rock and roll qual o melhor disco ao vivo da história. Se eles tiverem os ouvidos abertos aos diversos ritmos que compõem o estilo, certamente o disco At Fillmore East do Allman Brothers estará entre as possíveis respostas. Lançado em 1971, originalmente em vinil duplo, este registro histórico captura o sexteto, então formado por Gregg Allman (órgão, vocais), Duane Allman e Dickey Betts (guitarras), Jai Johanny Johanson e Butch Trucks (baterias) e Berry Oakley (baixo), em pleno auge, durante shows gravados em março de 1971 na lendária casa de shows de Nova Iorque que batiza o álbum. Uma versão ampliada em CD duplo chamada Fillmore Concerts, lançada em 1992, consegue melhorar o que já era perfeito, sendo, para mim, a resposta daquela pergunta lá do início.

Mas mesmo esta versão possui um forte concorrente ao posto que lhe dediquei, e gravado pelo mesmo grupo! Lançado em CD duplo em 2003, The Allman Brothers Band Live at the Atlanta International Pop Festival captura o mesmo sexteto citado acima (com o acréscimo do amigo Thom Doucette na harmônica) durante dois shows registrados no festival ocorrido ao longo do final de semana comemorativo do quatro de julho (data da independência dos EUA) de 1970, ou seja, pouco mais de oito meses antes dos shows no Fillmore!

A Allman Brothers Band no palco do Atlanta Pop Festival

Recém saídos das sessões de gravação do que viria a ser seu segundo disco, Idlewild South, lançado no mesmo ano, o grupo estava literalmente em casa (segundo as informativas liner notes presentes no encarte, a área onde ocorreu o festival ficava a menos de quatorze milhas da Big House, local onde os músicos moravam), e abriu o Atlanta Pop às três da tarde da sexta-feira, três de julho, em apresentação registrada ao longo do primeiro CD. Iniciando o set com a clássica "Statesboro Blues", a banda apresentaria quase setenta e dois minutos de uma musicalidade maravilhosa, com todas as características que os fãs do grupo se acostumaram a ouvir, sendo os maiores destaques os duelos de guitarra entre Duane e Betts, sempre amparados pelos teclados de Gregg, que, com seu vozeirão, comanda o microfone do grupo com a competência de sempre.

Nesta primeira parte, as maiores diferenças em relação aos "famosos" shows do ano seguinte (além dos improvisos que sempre mudavam de apresentação para apresentação) estão na inclusão de uma bela versão para "Hoochie Coochie Man", de Willie Dixon (com os vocais a cargo do baixista Berry Oakley), uma execução furiosa de "Every Hungry Woman" (que já havia aparecido na coletânea Micology: An Anthology, de 1998), e uma viajante "Dreams", clássico do primeiro disco da ABB, que aqui se aproxima dos dez minutos de puro prazer a nossos ouvidos, todas ausentes das versões gravadas nos shows do Fillmore. Também chama a atenção dos mais atentos as mudanças no arranjo de "In Memory Of Elizabeth Reed", que dão a impressão de que o grupo ainda buscava a forma final para este clássico instrumental, e o fato de "Mountain Jam" estar dividida em duas partes, separadas por uma faixa intitulada "Rain Delay", nada mais nada menos que um anúncio de que a banda sairia do palco devido a uma fortíssima tempestade de verão que se abateu sobre o festival, além do pedido de que todos na audiência buscassem abrigo, pois ainda haveria "muito som a rolar" ao longo do dia. A chuva causou uma interrupção de trinta minutos na apresentação do septeto, mas, acalmada a fúria das nuvens, o ABB simplesmente voltou ao palco, retomou a jam de onde haviam parado, e seguiu tocando por mais sete minutos como se nada tivesse ocorrido! Outros tempos aqueles!

Momento da apresentação da ABB no festival

No segundo CD, está a apresentação que encerrou o festival, registrada dia cinco de julho (ou, como cita o encarte, tecnicamente no dia seis, visto o show ter começado às 3:50h da manhã daquela segunda-feira, devido aos diversos atrasos ocorridos). Com os mesmos músicos, o ABB tocou por praticamente o mesmo tempo do concerto anterior, embora tenha interpretado três músicas a menos! Neste disco, é "Stormy Monday" quem chama a atenção, ao lado daquela que talvez seja a melhor versão de "Whipping Post" que já tive o prazer de ouvir (e que, assim como o registro de "Statesboro Blues" presente aqui, havia saído em uma versão editada e com mixagem diferente no disco The First Great Festivals of the Seventies, de 1971, com faixas gravadas no Atlanta Pop e no Isle of Wight Festival do mesmo ano), e de uma redenção de quase vinte e nove minutos para "Mountain Jam", onde Johnny Winter se juntou ao grupo na terceira guitarra para uma apresentação simplesmente acachapante, que encerra o disco e o festival de forma soberba, mostrando toda a força da melhor banda de southern rock da história!

Como disse, Live at the Atlanta International Pop Festival pode não ter a mesma fama do disco registrado no Fillmore no ano seguinte, mas, em termos de qualidade (tanto de execução quanto de gravação, cujas remixagens e masterização para este lançamento tiveram a supervisão e aprovação do grupo), não fica em nada a dever para as clássicas faixas registradas no palco novaiorquino. E, já que aquelas estão no "melhor disco ao vivo já gravado", segundo alguns, você já tem uma ideia do que encontrará aqui! Satisfação musical garantida!

I wonder for dreams I've never seem...

Contracapa do CD

Track List:

Disco um ("7/3/1970"):

1. "Introduction"
2. "Statesboro Blues"
3. "Trouble No More"
4. "Don't Keep Me Wonderin'"
5. "Dreams"
6. "Every Hungry Woman"
7. "Hoochie Coochie Man"
8. "In Memory of Elizabeth Reed"
10. "Mountain Jam" Part 1
11. "Rain Delay"
12. "Mountain Jam" Part 2

Disco Dois ("7/5/1970")

1. "Introduction"
2. "Don't Keep Me Wonderin'"
3. "Statesboro Blues"
4. "In Memory of Elizabeth Reed"
5. "Stormy Monday"
6. "Whipping Post"
7. "Mountain Jam"