domingo, 30 de julho de 2017

Nando Reis – Jardim-Pomar [2016]


Por Micael Machado

Jack Endino (produtor e ex-guitarrista do Skin Yard), Barrett Martin (produtor e ex-baterista de grupos como Screaming Trees, R.E.M. e Mad Season, além de vários trabalhos ao lado do próprio Nando Reis), Peter Buck (ex-guitarrista do R.E.M.), Mike McCready (guitarrista do Pearl Jam), as cantoras Pitty, Luiza Possi e Tulipa Ruiz, e vários membros e ex-integrantes do grupo paulista Titãs. Toda esta turma participa, ao lado de mais alguns convidados especiais, do novo disco de Nando Reis, Jardim-Pomar, seu oitavo trabalho de inéditas, e décimo segundo lançamento do cantor, violonista e compositor em sua carreira solo, na qual é acompanhado, já há algum tempo, pela banda de apoio Os Infernais, formada atualmente por Alex Veley (teclados), Walter Villaça (guitarra), Felipe Cambraia (baixo) e Diogo Gameiro (bateria), responsáveis pelas bases da maioria das faixas deste álbum. Registrado em parte na cidade norte-americana de Seattle (com produção de Endino, que já trabalhou, dentre outros, com o Nirvana, Bruce Dickinson, os Titãs e o próprio Nando), e, em outra, na capital do estado de São Paulo (com Martin no comando dos botões) entre julho de 2015 e fevereiro de 2016, o disco foi lançado em novembro daquele ano, de forma totalmente independente (através do selo Relicário, criado por Reis para disponibilizar suas obras ao público), surgindo nos formatos CD, LP (em dois discos separados, ambos em um lindo vinil transparente) e fita K7, todos apresentando uma belíssima arte gráfica, feita, pelo menos ao que parece, inteiramente em papel reciclado, além de apresentar inscrições em braile nas faixas onde estão o nome do registro e das músicas do mesmo.

A balada "Só Posso Dizer" foi a escolhida para ser a primeira música de trabalho (aparecendo no disco em duas versões, registradas uma em cada cidade onde o disco foi gravado). Ao escutá-la, fica fácil perceber o motivo desta opção, pois, apesar de não ser lá grande coisa (a versão de Seattle, por exemplo, é bem melhor que a brasileira, que foi a selecionada para tocar nas rádios e receber um vídeo clipe), é bem popularesca, do jeitão que as rádios e a TV gostam de colocar em suas programações, e tem tudo para agradar ao público mediano consumidor destas mídias, com seu jeito "calmo" e "fofo" e seu refrão grudento. No mesmo estilo, mas bem melhor do que ela, o disco possui "Como Somos", que tem clima semelhante, mas teria sido uma escolha qualitativamente melhor do que a primeira faixa divulgada. Já o segundo single, "Inimitável" (que conta com a presença de Peter Buck, e ganhou um lyric vídeo muito legal)é mais pop, alegre e "para cima", com uma refrão marcante e um contagiante "na-na-na" quase irresistível de não se cantar junto. Outro bom momento aparece em "Pra Onde Foi?", maior faixa do álbum (com mais de seis minutos e meio), que é lenta sem ser balada, apresentando boas partes de guitarra, e contando inclusive com um longo (e excelente) solo de Mike McCready, além da forte presença dos teclados, sendo um um dos destaques do track list de Jardim-Pomar.

Nando Reis e as versões em vinil para Jardim e Pomar (foto retirada do site Scream & Yell)

As canções mais calmas acabam sendo maioria no repertório do álbum, com destaque para "Lobo Preso em Renda" - que começa com um barulho de máquina de escrever, sendo uma balada levada ao violão, com bela participação dos teclados, e pequenas partes mais agitadas aqui e ali, onde, em momentos alternados, as guitarras, o teclado ou o saxofone (a cargo do convidado Skerik) assumem a frente do arranjo - e para "Concórdia", que já havia sido gravada antes por Elza Soares em seu disco Vivo Feliz, de 2003, e é uma música lenta e tocante, conduzida pelo violão e contando com uma bela participação dos teclados e a inclusão de partes orquestradas a cargo do Passenger String Quartet, que também marca presença em "Água Viva", outra faixa mais lenta, mas sem muito destaque no meio das demais. "4 de Março", celebrando o amor pela esposa e a família do compositor, é outro bom momento deste lado mais calmo do disco, que ainda tem "Pra Musa", também conduzida pelos violões e os teclados, mas que muda lá pelo meioganhando um ritmo mais rápido e um marcante solo de guitarra na parte final.

"Azul de Presunto" é suingada, com um interessante "balanço" setentista (graças aos timbres de teclado escolhidos e curtas passagens de sopros), e chama a atenção pelo impressionante time de convidados que apresenta (Pitty, Luiza Possi, Tulipa Ruiz, os ex-colegas de Titãs Arnaldo Antunes, Branco Mello, Sérgio Britto e Paulo Miklos, além dos filhos o cantor, Zoe, Theo e Sebastião Reis, estes dois também integrantes da banda Dois Reis), os quais fazem apenas corais e backing vocals, sem um destaque individual maior no arranjo, sendo até difícil reconhecer todas as vozes no meio do instrumental, fazendo com que pareça que a reunião desta turma acabou sendo uma excelente ideia desperdiçada em uma faixa sem destaque maior. Ao final da audição de Jardim-Pomarfica a constatação que os melhores momentos do disco estão logo no começo, com "Infinito Oito" e "Deus Meu", duas faixas onde a guitarra de Jack Endino se destaca, e nas quais o acento roqueiro do ex-titã marca presença com tudo. É realmente uma pena que Nando não invista mais neste lado de sua personalidade como compositor, preferindo dar mais destaque à sua faceta mais calma e romântica, onde, apesar dos bons resultados, as músicas não são tão boas quanto aquelas forjados pelo aspecto mais "selvagem" do músico.

Capa da versão em fita K7 de Jardim-Pomar

Apesar de manter certa familiaridade com Sei, o registro anterior, por privilegiar o lado mais calmo e romântico do compositor Nando Reis, mas ter seus maiores destaques naquelas canções mais rápidas e "roqueiras", Jardim-Pomar é um disco de audição mais prazerosa do que seu antecessor, e do qual é mais fácil se gostar já nas primeiras audições, mas que, apesar da qualidade, dificilmente agregará novos clássicos à carreira do Ruivão (como o cantor também é conhecido por seus fãs), a não ser, é claro, a extremamente popularesca "Só Posso Dizer", que, como não poderia deixar de ser, já caiu no gosto e na boca do público mais mediano, o qual se interessa apenas superficialmente pela carreira de Nando, e, ao se prender apenas às faixas mais populares, perde a oportunidade de conhecer outras grandes músicas deste que é um dos maiores hitmakers e compositores do país atualmente. Uma pena!

"Se vamos todos morrer / Então vamos tratar de viver"

Contracapa da versão em CD de Jardim-Pomar

Track List:

01. Infinito 8
02. Deus Meu
03. Inimitável
04. 4 de Março
05. Só Posso Dizer (Versão São Paulo)
06. Concórdia
07. Azul de Presunto
08. Lobo Preso em Renda
09. Pra Onde Foi?
10. Como Somos
11. Agua-Viva
12. Pra Musa
13. Só Posso Dizer (Versão Seattle)

domingo, 9 de julho de 2017

O Terno - Melhor do que Parece [2016]


Por Micael Machado

O Brasil tem o seu novo Los Hermanos. E ele soa como Os Mutantes!

Melhor do que Parece, terceiro registro do grupo paulistano O Terno (primeiro com o baterista Gabriel Basile, que se juntou ao vocalista/guitarrista/tecladista Tim Bernardes e ao baixista Guilherme "Peixe" d’Almeida durante a turnê de divulgação do disco anterior) é o lançamento mais maduro do trio, e, possivelmente, o melhor. Se na estreia, com a álbum 66, de 2012, o conjunto se aproximava da jovem guarda em alguns momentos, e no autointitulado segundo registro (de 2014) a melancolia e a introspecção tomavam conta dos arranjos, desta vez é a Tropicália quem acaba guiando o rumo da maioria das canções, graças a arrojadas participações de instrumentos típicos de orquestras, como saxofones, violinos, flautas, trompetes e até harpas em boa parte das canções, aproximando as mesmas daquelas gravadas sob a produção do genial maestro Rogério Duprat, responsável direto pelo disco Tropicalia ou Panis et Circencis, de 1968, e por boa parte dos melhores momentos do início da discografia dos Mutantes.

É com este outro trio paulistano que podemos facilmente encontrar paralelos entre as músicas de Melhor do que Parece, vide, por exemplo, a abertura de "Não Espero Mais", facilmente associável ao som de Rita Lee e dos irmãos Dias Baptista, ou o timbre de guitarra imediatamente associado ao do instrumento de Sérgio Dias, e que aparece com mais destaque em "Vamos Assumir" e no solo ao final de "Culpa" (primeiro single e vídeo do álbum, e, no mais, apenas uma simples canção pop que tenta soar engraçadinha, apesar da inteligente letra). A curta e melancólica "A Historia Mais Velha do Mundo" soa intencionalmente como algo gravado na década de 1920 (ou 1930), e, de certo modo, me remete à versão "mutante" para "Chão de Estrelas", onde os Mutas davam uma nova cara para algo antigo, como O Terno parece fazer aqui e em "Nó", onde a orquestração nos remete a um tempo que já ficou no passado, mas os teclados parecem saídos diretamente do disco Lóki? (1974), registro solo de Arnaldo Baptista, mas que conta com a participação da "cozinha" dos Mutantes, além da presença do já citado maestro Duprat.

O Terno: Guilherme "Peixe" d’Almeida, Tim Bernardes e Gabriel Basile

Mas é claro que O Terno não se baseou apenas em um grupo para compor seu novo registro (e, óbvio, este não é apenas uma "cópia" dos Mutantes). "O Orgulho e o Perdão", por exemplo, é um sambão escancarado e escrachado, enquanto a calma "Minas Gerais", talvez pelo título, ou pelos timbres utilizados, me remete ao Clube da Esquina, formado por alguns dos melhores músicos mineiros da década de 1960. O grupo também não abandonou suas "origens" musicais, pois "Deixa Fugir", por exemplo, não faria feio no meio do track list do registro de estreia, enquanto "Depois Que a Dor Passar" e "Volta" trazem de volta muito da melancolia do álbum anterior.

Para mim, os melhores momentos se encontram em "Lua Cheia" (cuja primeira parte soa bem próximo ao que chamaríamos de "musica brega", mas a segunda metade é pura psicodelia, levada pela guitarra alucinada de Tim, que mais uma vez remete ao timbre característico de Sérgio Dias) e na excepcional faixa título, cujo hipnótico e repetitivo final certamente ficará ecoando na sua mente por alguns dias. A reclamar, apenas o fato do trio não ter incluído no disco a inédita "Diretos", que vem sendo executada exclusivamente nos muitos shows de divulgação do registro que o trio tem feito pelo país (com uma breve passagem pelo velho continente, onde se apresentaram em Portugal). Fica a esperança que a mesma apareça como bônus da prometida edição em vinil (amarelo!) a ser lançada pela revista Noize através do seu Noize Record Club, ou que seja lançada como single mais para frente (como já ocorreu em 2013 com a impactante "Tic-Tac").

A prometida versão em vinil amarelo a ser lançada pela revista Noize

Por falar nos shows do Terno, é neles que se vê o quanto a popularidade do trio vem aumentando a cada lançamento. Tive a oportunidade de comparecer à apresentação de Porto Alegre, que aconteceu poucas semanas depois do lançamento do disco em 2016, no sempre recomendável Bar Opinião. Apesar do pouco tempo para se  acostumar às novas canções, a grande quantidade de público presente ao local (o maior que o grupo já reuniu na capital gaúcha, em sua terceira passagem pela cidade) cantou praticamente todas as músicas novas do início ao fim, além de ir ao delírio nas poucas faixas antigas apresentadas naquela noite, em fenômeno que só vi ter paralelo nos cariocas do Los Hermanos,  cujos lançamentos possuíam a mesma capacidade de cativar seus súditos pouquíssimo tempo depois de serem divulgados (como para ratificar esta "aproximação", o trio andou fazendo alguns shows acompanhado por um trio de metais, parecido com aquele que acompanhou os cariocas durante toda a sua carreira). Certamente, se continuar neste ritmo e com esta qualidade, O Terno tem tudo para alcançar (ou talvez até mesmo superar) o patamar de popularidade que o grupo dos "barbudos" conseguiu, embora os detratores das duas bandas continuem sem entender como este tipo de música consegue cativar tanta gente diferente. A explicação simples, mas que eles não parecem compreender, está ligada à qualidade da mesma, a qual exige alguma disposição dos ouvintes e que os mesmos tenham ouvidos mais "abertos" a sonoridades diferentes, mas, nem por isto, bastante apreciáveis. Lhes dê uma chance, e é quase certo que você também será cativado por elas!

Tudo está melhor do que parece / Eu olho e vejo tudo errado / Faz tempo que está tudo certo

Contracapa de Melhor do que Parece

Track List:

01. Culpa
02. Nó
03. Não Espero Mais
04. Depois Que a Dor Passar
05. Lua Cheia
06. O Orgulho e o Perdão
07. Volta
08. Minas Gerais
09. Deixa Fugir
10. Vamos Assumir
11. A Historia Mais Velha do Mundo
12. Melhor do que Parece