domingo, 30 de setembro de 2012

Discografias Comentadas: Sepultura - Parte II


Por Micael Machado


Após a "Era Max" terminar com a saída do vocalista e guitarrista, o Sepultura tentou continuar como um trio, com Andreas Kisser assumindo os vocais. Mas acabou encontrando no americano Derrick Green (que havia passado por algumas bandas de hardcore de pouca relevância antes de juntar-se aos mineiros) o frontman ideal para continuar sua trajetória. Começava assim a "Era Derrick" na maior banda de heavy metal do Brasil!


Against [1998]

A estreia de Derrick Green pode ser considerada uma continuação de Roots, o último disco com Max Cavalera, com o grupo mantendo o uso de muitas percussões nas músicas e o estilo de vozes do novo cantor não tão diferente do vocalista anterior. O álbum começa muito bem com a porradaria da curta faixa título, seguida de "Choke", até hoje presente nos shows, mas depois tem uma queda de qualidade. Algo que nunca entendi foi a banda ter gravado uma versão para "F.O.E.", há anos usada como tema do programa "Globo Repórter", e que pouco acrescenta ao track list, assim como as instrumentais "Kamaitachi", gravada ao lado do grupo de percussão japonês Kodo, "Tribus", que até saiu em single, e "T3rcermillennium", com seu clima de jam acústica. A hardcore "Reza", com a participação de João Gordo, do Ratos de Porão, as agressivas "Boycott" e "Drowned Out", as variações de climas de "Unconscious" e a veloz "Hatred Aside", com participação de Jason Newsted (na época ainda integrante do Metallica), também se destacam em um álbum bastante irregular. A versão nacional contou com os bônus "Gene Machine/Don't Bother Me" (cover do Bad Brains) e "Prenúncio", gravada ao vivo com os vocais declamados pelo lendário Zé do Caixão, que inclusive havia sido citado na letra de "Ratamahatta". Against representou uma queda de qualidade e de vendas na carreira da banda, mas manteve o nome do Sepultura vivo e importante na cena metálica mundial após a conturbada troca de vocalistas.



Nation [2001]



O segundo álbum com Derrick nos vocais introduziu o conceito de uma nação formada pelos fãs do Sepultura, a "Sepulnation" da faixa de abertura, que foi apresentada aos fãs ainda antes do lançamento oficial do disco, quando da participação do grupo no Rock in Rio III. As letras retratam o que seria o cotidiano desta nação, com seus lados bons e ruins. Musicalmente, os experimentalismos parecem ter evoluído ("Water", por exemplo, foi gravada com quatro baixos e sem guitarras), e as partes com percussão ganharam ainda mais força (como, por exemplo, em "Uma Cura", com letra em inglês apesar do título), bem como não se pode reclamar do peso das composições. Até mesmo vocais limpos foram usados em várias partes, como em "The Ways of Faith", para surpresa de alguns fãs. As faixas são de difícil assimilação em uma primeira ouvida, devido a suas muitas variações, e os destaques vão para a já citada abertura, o hardcore de "Revolt" e "Human Cause" (com a participação de Jamey Jasta, do Hatebreed), "Saga" (onde os vários climas se encaixam muito bem) e a instrumental "Valtio", o hino da fictícia nação, que foi composto e executado pelo Apocalyptica. Como destaques negativos, além da grande variação da maioria das composições (que as tornam meio sem pé nem cabeça), cito os solos de Andreas, que aparecem em número bastante reduzido, e em grande parte mais compostos de barulhos que de melodia ou recursos técnicos, sendo que "Vox Populi" tem um riff principal que beira o ridículo, e "Tribe to a Nation" (com a participação de Dr. Israel - de quem nunca ouvi falar antes) tem até toques de reggae (!), o que a aproxima mais do Soulfly que do Sepultura. Além disso, nem a participação de Jello Biafra, ex-vocalista do Dead Kennedys, consegue salvar a chatinha "Politricks", com seus vocais discursados e muita lentidão. A edição brasileira trouxe vários bônus, tendo como destaque a cover para as clássicas "Bela Lugosi's Dead", do Bauhaus, e "Rise Above", do Black Flag. Mais experimental e com músicas mais lentas em relação ao seu antecessor, não é um disco que me agrade muito, e parece que os fãs concordam com isso, pois o álbum vendeu ainda menos que Against, o que fez com que o Sepultura deixasse a Roadrunner, assinando com a SPV.


Igor Cavalera, Paulo Jr., Derrick Green e Andreas Kisser


Roorback [2003]

Este foi por muito tempo o meu disco favorito da "Era Derrick". Com composições mais diretas e concisas que os dois lançamentos anteriores, o álbum agradou em cheio aos fãs, continuando o estilo mais percussivo iniciado em Roots. As faixas mais constantes nos repertórios dos shows do grupo, como "Come Back Alive", "Apes of God" e "Mind War" (que ganhou um vídeo clipe), acabam sendo as mais conhecidas e, neste caso, as melhores do track list, mas não se pode deixar de citar as excelentes "Corrupted", "Leech" e "Activist" dentre os destaques. Em um aspecto praticamente inexistente enquanto Max Cavalera estava ao microfone, mais uma vez Derrick usa bastante de vozes limpas ao longo do disco, como em partes de "More of the Same", "As It Is" e "Bottomed Out", que é bem diferente do estilo tradicional dos mineiros. Praticamente sem pontos negativos, Roorback é um excelente disco, que só perde em qualidade para os discos da "Era Max" registrados pela Roadrunner. A edição nacional trouxe como bônus a cover para "Bullet The Blue Sky", do U2, além de um vídeo para esta mesma música.




Revolusongs [2003]


Não sei o motivo pelo qual o Sepultura resolveu gravar este EP de covers, a princípio lançado apenas no Brasil e no Japão, mas ainda bem que o fizeram. Paradoxalmente, acabou se tornando um dos melhores lançamentos da "Era Derrick", mostrando que o grupo estava em grande forma após o lançamento de Roorback. Das músicas compostas por Hellhammer ("Messiah") e Exodus (a clássica "Piranha"), já se esperava que ficasse algo bom, e, embora sem melhorar as versões originais, o grupo não pisou na bola aqui. O tratamento dado a composições como "Angel" (do Massive Attack) ou "Bullet the Blue Sky" (do U2, que ganhou até clipe, incluído como bônus da edição nacional do disco anterior), tão distantes do estilo do Sepultura, foi surpreendente, e o resultado ficou excelente. Um pouco mais abaixo vem "Mongoloid", do Devo, e "Mountain Song", do Jane's Addiction, que também são diferentes do que se esperaria do grupo (se bem que até Bob Marley eles já haviam gravado antes, então...), mas não ficaram tão legais quanto as outras. A única pisada na bola de verdade ficou com a ridícula "Black Steel in the Hour of Chaos", do grupo de rap Public Enemy, que conta com a participação do rapper Sabotage e do DJ Gonzales, e ficou quase inaudível. A brincadeira com as músicas do Metallica na "faixa escondida" lembra o que o grupo americano fez com "Run To The Hills", do Iron Maiden, no famoso The $5.98 E.P.: Garage Days Re-Revisited, e ficou bem engraçada. Revolusongs seria depois incluído na versão digipak de Roorback (sem a brincadeira com as músicas do Metallica), e é um lançamento menor na discografia da banda, mas um dos que possui maior qualidade. 

No ano de 2005, o Sepultura lançou o CD/DVD Live In São Paulo, registrando os vinte e cinco anos do grupo (contados a partir do lançamento de Bestial Devastation), em um show que teve muitas participações especiais (como Alex Camargo, do Krisiun, João Gordo, do Ratos de Porão, e Jairo Guedz, o mesmo Jairo Tormentor dos dois primeiros discos), sendo o segundo registro ao vivo oficial do grupo, e o único (até agora) com Derrick nos vocais. O DVD ainda conta com um documentário sobre os anos de estrada e alguns vídeo clipes.

Andreas Kisser, Paulo Jr., Derrick Green e Jean Dolabella


Dante XXI [2006]

Dante XXI é um álbum conceitual, baseado na obra "A Divina Comédia", do poeta renascentista italiano Dante Alighieri. É outro disco que começa muito bem, com a curta "Dark Wood of Error" (logo após a intro "Lost"), "Convicted in Life", o maior destaque do play (com direito a clipe), "City of Dis", com um trabalho excepcional de Igor no bumbo duplo, e a porradaria de "False", com uma parte mais lenta no final. Mas, daí para frente, as músicas novamente caem de qualidade, perdidas em experimentalismos (como o uso de trompas e violinos em "Ostia", que não é de toda ruim, e em "Still Flame"), e solos cada vez mais distantes da qualidade dos executados por Andreas na "Era Max". Além das citadas, me agradam a empolgante "Buried Words" e a porradaria da curta "Crown and Miter". Um disco dentro da média da segunda fase do grupo, mas longe da qualidade produzida na primeira metade da carreira, e que foi também o último a contar com o monstruoso (no bom sentido) Igor Cavalera na bateria, sendo que ele deixou a banda para se dedicar a projetos pessoais, e alguns anos depois se juntou a seu irmão Max no Cavalera Conspiracy, que já lançou dois álbuns sensacionais. Mas, mesmo com apenas Paulo Jr. da formação original, o Sepultura seguiu em frente!

A-Lex [2009]



A estreia do baterista Jean Dolabella no Sepultura é outro álbum conceitual, desta vez inspirado na obra "A Laranja Mecânica" (1962) de Anthony Burgess, sendo seu nome ("Sem Lei", em latim), um trocadilho com o do personagem principal do livro. Após a curta intro "A-Lex I", a veloz "Moloko Mesto" abre os trabalhos com tudo, sendo um dos maiores destaques do track list, além de possuir um dos melhores solos de Andreas em anos. A pesada e cadenciada "We've Lost You!" gerou o primeiro clipe de divulgação do disco, e também pode ser incluída nos destaques, ao lado de "Paradox" (uma das melhores composições da "Era Derrick", lembrando os tempos de Chaos A.D.), "What I Do!" (que também mereceu clipe), "A-Lex II", "Ludwig Van" (baseada a Nona Sinfonia de Beethoven) e "The Treatment". A partir desta faixa, o disco cai bastante de qualidade, e as muitas variações dentro de uma mesma música acabam prejudicando a audição das mesmas, embora não se possa dizer que nenhuma seja desprezível. Jean se saiu muito bem em estúdio, ainda que as partes percussivas (tão importantes na sonoridade do grupo desde Roots) tenham diminuído bastante, ganhando mais destaque apenas em "Filthy Rot", e a ausência de Igor acabou nem sendo tão sentida. Não foi o álbum que fez o Sepultura recuperar o prestígio de outrora, mas foi uma evolução em relação ao disco anterior.


Kairos [2011]

Os anúncios deste disco na mídia propagavam que ele "faria frente a Arise e Chaos A.D.". Balela pura! Apesar de ser o melhor registro da "Era Derrick", Kairos fica abaixo dos álbuns lançados pela Roadrunner com Max nos vocais. É o primeiro lançamento pela Nuclear Blast, após a saída da SPV, e o último com o baterista Jean Dolabella, que deixou a banda pouco menos de seis meses após o play chegar ao mercado. Neste registro, os mineiros parecem ter resgatado a fase dos anos 90, e ecos dos discos citados (bem como de Roots e Beneath The Remains) aparecem com frequência em certas partes. Abandonando a ideia de álbuns conceituais, o grupo montou um track list onde é difícil apontar destaques, pois o nível de qualidade é bem alto, mas indico a faixa título (com um excelente trabalho de bateria - Jean mostrou mais uma vez que, pelo menos em estúdio, podia sim substituir Igor muito bem), "Relentless" (que me lembra muito as músicas de Arise), a porradaria de "Mask", a agitada "Born Strong" e a harcore "No One Will Stand". Além dessas, pela primeira vez desde Against uma cover faz parte do track list oficial de um disco do Sepultura (pois "Bullet the Blue Sky" saiu como bônus apenas em algumas edições de Roorback), no caso, a versão para "Just One Fix", do Ministry, que também ficou excelente. "Structure Violence (Azzes)" tem foco no percussão e trechos em português, e em "Dialog" Derrick novamente usa vozes limpas em algumas partes. A edição brasileira trouxe os bônus "Point of No Return" e "Firestarter", original do L7, mas que ficou mais conhecida pela versão registrada pelo The Prodigy. Ao lado de Roorback, talvez seja o único álbum imprescindível da "Era Derrick", e deixa uma esperança de um futuro ainda relevante para o Sepultura.

Andreas Kisser, Paulo Jr., Derrick Green e Eloy Casagrande

Com a definição do fenômeno Eloy Casagrande para o posto de baterista (ele que já tocou na banda solo de Andre Matos e no Gloria, além de outros grupos de menor expressão), o Sepultura segue firme e forte na estrada do metal, e um novo lançamento com esta formação já é bastante aguardado pelos fãs. Resta-nos esperar que o grupo continue com a qualidade demonstrada em seu mais recente álbum, e continue a nos orgulhar não só por seu passado, mas também pelo seu presente. Afinal, como Max já anunciava nos shows (tradição que Derrick manteve), este é o "Sepultura do Brasil"!

domingo, 23 de setembro de 2012

Discografias Comentadas: Sepultura - Parte I


Por Micael Machado


Depois de conferirmos em sequência as discografias comentadas dos quatro maiores nomes do thrash metal mundial, chegou a hora de fazermos o mesmo com o maior representante do estilo no Brasil. Tudo bem que o Sepultura não foi propriamente uma banda thrash durante toda sua carreira, mas seus discos e suas músicas fazem com que o grupo mineiro seja detentor do título acima com todos os méritos. É o que você confere a seguir!

Bestial Devastation [1985]

Em uma época em que o heavy metal era ainda incipiente em nosso país, os irmãos Max "Possessed" Cavalera (Vocal, Guitarras) e Igor "Skullcrusher" Cavalera (Bateria) registraram, ao lado dos comparsas Jairo "Tormentor" Guedez (Guitarras) e Paulo "Destructor" Jr. (Baixo), o que viria a ser a estreia daquele que seguramente pode ser chamado de maior nome do heavy metal nacional em todos os tempos. Com um contrato assinado com a gravadora Cogumelo mesmo sem ter lançado uma fita demo sequer, em apenas dois dias o quarteto gravou as quatro faixas deste EP, que seria lançado em forma de split vinil com os também mineiros do Overdose (o lado dedicado a esta banda era chamado de Século XX). Mais voltado para o death metal, com muitas influências de Venon e Bathory, além de letras quase infantis abusando de temáticas satânicas, Bestial Devastation já começa com tudo com a intro "The Curse", seguida pela faixa título e pelos dois maiores destaques do EP, "Antichrist" e "Necromancer", clássicos lembrados pela banda ainda hoje em seus shows. "Warriors Of Death", talvez a mais trabalhada do disco, fecha um excelente lançamento, que trouxe reconhecimento ao grupo dentre os bangers brasileiros logo de cara (dizem que muitos chegavam a riscar com canivete o lado dedicado ao Overdose, com suas músicas mais melódicas). Nestes mais de vinte e cinco anos, este disco já foi relançado de diversas formas pela Cogumelo, sendo que a versão original (riscada ou não) vale hoje uma bela grana. A maldição, definitivamente, estava lançada!

Paulo "Destructor" Jr., Igor "Skullcrusher" Cavalera, Max "Possessed" Cavalera e Jairo "Tormentor" Guedez


Morbid Visions [1986]

Apesar de bastante exaltado por meu irmão Mairon Machado no blog consultoria do rock, o primeiro full lenght do Sepultura para mim é o lançamento mais fraco da era Max. Totalmente voltado ao death metal, em músicas mais rápidas que as da estreia (e ainda mantendo a temática satânica), é um disco bem aceito entre os fãs da banda, mas que nunca me agradou muito. Apesar de trazer a versão original de "Troops Of Doom" (que ganharia uma regravação  já com Andreas Kisser em um dos formatos do EP de estreia lançados posteriormente), um dos maiores clássicos do grupo, pouca coisa mais me agrada aqui. Talvez "War", "Crucifixion" ou "Empire of the Damned" possam rolar no meu CD player em um dia mais revoltado, mas é muito raro. Tosco, sujo, mal gravado e violentamente agressivo. Mesmo assim, vale conferir! Cabe ainda citar que a versão original tinha como intro a canção "O Fortuna", da ópera Carmina Burana, que acabou sendo retirada das (muitas) versões relançadas pela Cogumelo ao longo dos anos.

Schizophrenia [1987]

Com a entrada de Andreas Kisser no lugar de Jairo T. Guedez, começava a nascer o Sepultura que o mundo conheceria como o gigante do thrash metal pouco tempo depois. O último lançamento pela gravadora Cogumelo deixa de lado os pseudônimos, o death metal e os temas satânicos para investir em uma porradaria thrash e músicas mais trabalhadas (em mujito graças à presença de Andreas). Depois da intro com o tema do filme "Psicose", "From the Past Comes the Storms" (com erro de concordância no título e tudo) inicia uma porradaria que só vai acabar nos últimos segundos de "R.I.P. (Rest In Pain)", faixa de encerramento que é uma das melhores do play. Mas, durante o percurso, passamos por maravilhas como "To The Wall", "Escape to the Void" e a instrumental "Inquisition Symphony", que anos mais tarde seria regravada pelos finlandeses do Apocalyptica em seu segundo disco (que inclusive foi batizado com seu nome). A curta instrumental "The Abyss", totalmente tocada no violão, mostra como o Sepultura havia evoluído com a chegada de Andreas, e é uma faixa diferente dentro da carreira do grupo. Assim como os outros, este disco também teve várias versões relançadas pela Cogumelo ao longo dos anos, todas elas dignas de serem conhecidas. Cabe citar que os teclados presentes neste disco foram gravados por Henrique Portugal, que anos depois alcançaria o sucesso com o Skank, e que foi este disco que Max Cavalera levou "debaixo do braço" para os EUA atrás de um contrato com alguma gravadora americana, algo que ele conseguiria com a Roadrunner Records, que levaria o nome do Sepultura para os quatro cantos do mundo já em seu primeiro lançamento.

Igor Cavalera, Paulo Jr., Andreas Kisser e Max Cavalera


Beneath the Remains [1989]

Com o apoio de uma gravadora estrangeira, e com um produtor mais experiente que os dos discos anteriores (o americano Scott Burns, famoso por seus registros para bandas de death metal do estado americano da Florida), o Sepultura finalmente estourou como um nome conhecido no meio do heavy metal mundial, abrindo os ouvidos da cena metálica para nosso país. O disco responsável por esta façanha (naqueles tempos era bem isso mesmo) não deixa pedra sobre pedra. Apesar de sua introdução com violões, a faixa título abre o play já despejando violência no ouvinte, mas também muito talento e técnica por parte do quarteto, em uma evolução natural do trabalho presente no disco anterior. "Inner Self" foi o primeiro clipe oficial dos mineiros, e também a música responsável por fazer com que eu me apaixonasse pelo grupo, "Stronger Than Hate" tem um hipnótico riff repetitivo, e "Mass Hypnosis" (com uma parte mais melódica no meio e um solo fantástico) é uma das melhores músicas já registradas pelo grupo. Acho o lado B do vinil original um pouco mais fraco, mas puladas como "Lobotomy" ou "Hungry" com certeza não vão lhe decepcionar. Foi também nesta época que o quarteto gravou a cover de "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer", originalmente registrada pelos Mutantes, para a coletânea Sanguinho Novo, um tributo ao músico Arnaldo Baptista, e que anos depois seria incorporada ao track list de uma das várias reedições. Se for para definir Beneath the Remains em uma única palavra, que seja "obrigatório"!

Arise [1991]

Continuando em constante evolução, o Sepultura gravava pela primeira vez fora do Brasil (na Florida, novamente ao lado de Scott Burns), e registrava um álbum que muitos consideram como o ápice de sua carreira. Agregando influências de hardcore e do metal industrial (presente até na introdução das duas primeiras faixas), a trinca inicial com a faixa título"Dead Embryonic Cells" e "Desperate Cry" (a melhor música da carreira dos mineiros em minha opinião) é de acabar com o pescoço de qualquer fã. "Under Siege (Regnum Irae)" traz vozes que lembram cantos gregorianos (registradas através de muitos efeitos de estúdio), e "Subtraction", "Altered State" e "Meaningless Movements" são outras canções dignas de nota. Arise foi lançado inicialmente apenas no Brasil (em janeiro de 1991), em uma versão com mixagem diferente feita para coincidir com o segundo Rock In Rio, do qual o Sepultura foi um dos destaques. Esta edição também tinha uma capa diferente, além de não trazer encarte nem o cover para "Orgasmatron" (do Motörhead), que sairia apenas na versão "oficial" do disco em nosso país meses depois, não estando presente na edição lançada lá fora. Além desta, uma introdução feita especialmente para este disco também acabou ficando de fora do track list por falta de espaço, aparecendo anos depois em uma das  várias reedições dadas ao álbum. Foi nesta turnê que o Sepultura registrou seu primeiro home video (como se dizia naquela época), chamado Under Siege, e que trazia um excelente show registrado na cidade espanhola de Barcelona, além de entrevistas com os membros da banda (falando em um inglês tosquíssimo)  e dos clipes oficiais do grupo (algumas de suas faixas apareceriam na compilação de 1996 The Roots of Sepultura). Arise é um clássico da carreira da banda e do metal nacional, e outro disco obrigatório!

Chaos A.D. [1993]

Com o sucesso alcançado no disco anterior, os membros do grupo mudaram-se para os EUA para ficar mais perto de sua gravadora e ter acesso mais fácil ao mercado europeu. Chaos A.D. foi gravado já com o Sepultura morando no exterior, e é um dos melhores discos já lançados sob o rótulo de heavy metal no Brasil (para mim, está no topo do pódio ao lado de Theatre of Fate, do Viper). Não fosse uma certa implicância minha com a faixa "Propaganda", diria que este é um disco perfeito. Afinal, que ressalvas se pode fazer a um álbum que tem como trinca inicial "Refuse/Resist" (que abre com o som intrauterino do coração de Zyon Cavalera, primeiro filho de Max com sua esposa Gloria Cavalera, à época empresária da banda), "Territory" (com clipe gravado em Israel, na Palestina e no Mar Morto) e "Slave New World" (com letra co-escrita junto a Evan Seinfeld, do Biohazard), além de trazer petardos como a hardcore "Biotech Is Godzilla" (com letra escrita pelo ex-Dead Kennedys Jello Biafra), a pesadona "We Who Are Not As Others" e o improvável cover para "The Hunt", do New Model Army? Apesar de estar morando nos EUA, o grupo não se esquecia do Brasil, e a letra de "Manifest" trata do massacre ocorrido no presidio de Carandirú, uma violência policial que renderia até filme anos depois, além da instrumental "Kaiowas" (registrada ao vivo nas ruínas de um castelo do País de Gales) ser dedicada a uma tribo brasileira que cometeu suicídio coletivo em protesto contra o governo do país. A edição nacional contou com uma cover para "Polícia", dos Titãs, e várias faixas gravadas ao vivo em um show em Minneapolis, nos EUA, foram incluídas anos depois nas compilações Blood-Rooted e B-Sides, ambas de 1997. Com muito foco na percussão (sendo que Igor há muito já podia ser considerado um dos melhores bateristas do mundo), o disco foi um sucesso mundial, e levou o nome do Sepultura ainda mais alto no meio metálico. Mas ainda não era o topo da jornada!

Igor Cavalera, Andreas Kisser, Paulo Jr. e Max Cavalera

Roots [1995]

Com foco ainda maior nas percussões e na "brasilidade", usando instrumentos "exóticos" como o berimbau, dando um destaque maior ao baixo de Paulo Jr. e contando com a participação do músico Carlinhos Brown na percussão e vocais em algumas faixas, o Sepultura virou o mundo do heavy metal de cabeça para baixo com Roots. Este álbum surpreendeu muita gente na época de seu lançamento, e também é considerado um clássico dentro da discografia do grupo. Também, pudera, afinal faixas como "Roots Bloody Roots", "Attitude", "Spit" e "Dictatorshit" estão entre as melhores coisas que o grupo já registrou. "Ratamahatta" tem uma letra maluca cantada em português por Max e Brown, "Lookaway" conta com a participação de Jonathan Davis (do Korn) e Mike Patton (do Faith No More), "Jasco" é um curto tema ao violão e "Itsári" foi registrada ao vivo no pantanal mato-grossense com a participação da tribo indígena Xavante. A edição nacional conta com os covers para "Procreation (of the Wicked)" (do Celtic Frost) e "Symptom of the Universe" (do Black Sabbath). Este é o álbum mais longo do Sepultura até então, e confesso que o acho um tanto cansativo de ser ouvido de uma única vez. Além disso, foi aqui que Andreas começou uma irritante mania de gravar solos mais cheios de barulho que de melodia ou feeling, algo tão presente no disco anterior. Apesar de sua qualidade, o considero o disco mais fraco da era Roadrunner com Max nos vocais, o que de forma alguma significa que você deva deixar de conferi-lo. O último show desta turnê, que seria também o último com Max nos vocais, foi lançado em forma de CD em 2002, com o título Under a Pale Grey Sky, sendo até aqui o melhor registro live dos mineiros.

Devido a problemas de membros da banda com sua empresária Gloria Cavalera, esta acabou sendo demitida de suas funções e afastada do grupo, o que fez com que seu marido, nada mais nada menos que o vocalista, guitarrista e principal compositor do Sepultura, Max Cavalera, também deixasse a banda, em um episódio que teve muita repercussão na época, e que rende histórias até hoje. O grupo tentou continuar como um trio, com Andreas nos vocais, mas acabou encontrando no americano Derrick Green a voz ideal para seguir em frente. Mesmo com o prestígio abalado pela saída de Max, e tendo de recomeçar praticamente do zero, o Sepultura não desistiu, e continuou a nos brindar com lançamentos de qualidade, como você confere semana que vem na segunda e última parte desta Discografia Comentada!

Review Exclusivo: Ratos de Porão (Porto Alegre, 17 de setembro de 2012)


Por Micael Machado


Um dia de chuva intensa em Porto Alegre. Ruas alagadas, trânsito caótico e muitos guarda-chuvas abandonados pelas ruas da capital gaúcha. Pois foi nesta situação que o bar Opinião recebeu o ratos de Porão em plena segunda-feira, no projeto "Segunda Maluca". É desnecessário comentar a importância do Ratos para a música pesada nacional, portanto nem a fúria de São Pedro seria capaz de evitar nossa presença neste show.

Jay Adams

Marcado para as 21 horas, apenas as 22:30h a banda de abertura subiu ao palco. A Jay Adams é um grupo da cidade de Viamão (na região metropolitana de Porto Alegre), e não se anunciaram no palco, preferindo dizer que eram "aquela banda que vocês querem que acabe logo para a gente poder ver o Ratos". Formada por três excelentes instrumentistas no baixo, guitarra e bateria, o quarteto é completado por um vocalista que é uma figuraça, mais gritando que cantando as letras, tornadas incompreensíveis por sua velocidade e pelo tom extremamente agudo do cara. Sem parar um minuto sequer de agitar, com dez minutos de show confessou estar "morrendo de cansaço", e que "é foda ser velho e obeso" (sei bem como é isso!). Em vinte minutos, devem ter tocado umas quinze músicas de um hardcore violento, veloz e bastante interessante, que não foi atrapalhado nem mesmo por um problema no pedal do bumbo já no final do show. Com alguns ajustes, é um grupo que tem um grande potencial para ser mais reconhecido no cenário nacional.

Faltava pouco para as 23:30h quando Jão, Boka e Juninho surgiram no palco. Com a entrada de João Gordo, iniciaram o massacre sonoro com "Contando os Mortos", fazendo daí em diante um espetáculo que muito agradou ao reduzido público presente no Opinião (apesar de este parecer muito maior devido às imensas rodas de pogo formadas na pista).


Ratos de Porão no Opinião

Ao final do show, fui pedir ao técnico de som uma cópia do set list, e ele me informou que "os caras não fazem set list, só sobem lá e saem tocando". Sendo assim, é bem difícil precisar o que foi tocado e em qual ordem, mas posso precisar que foi bem melhor que o show do grupo que eu havia assistido no mesmo local no começo dos anos 2000.

Durante muito tempo, o grupo ignorou as "velharias", como Gordo se refere às músicas dos primeiros discos, em favor de seus lançamentos mais recentes. Não foi o que ocorreu nesta noite! Clássicos como "Morte Ao Rei" e "Sofrer" (segunda e terceira músicas da noite, completando a trinca inicial de Anarkophobia logo no começo do show), "Beber até Morrer", "Morrer" (muito pedida pelo público), "Crucificados pelo Sistema", "Amazônia Nunca Mais", "Aids, Pop, Repressão" (precedida por uma espécie de rap sobre uma base de funk setentista), "Crianças Sem Futuro", "Crise Geral" e "Velhus Decreptus" foram mescladas com "novidades" como "Crocodila", "Expresso da Escravidão" e "Testemunhas do Apocalipse". Até uma surpreendente "Suposicollor" foi tocada, para alegria de  todos.


Ratos de Porão

A certa altura, João anunciou que iriam tocar umas "couves" dos discos Feijoada Acidente?, e mandaram "Olho de Gato" (do Olho Seco) e "Medo de Morrer" (dos Inocentes). Imitando o sotaque gaúcho, Gordo disse que "bah, não dá prá vir pra Porto Alegre sem tocar o Dotadão", e lá veio "O Dotadão Deve Morrer", dos gaúchos Cascavelletes. Mais alguns covers e João disse que chamaria ao palco alguém especial, e lembrou de quando o Ratos abriu um show para os Ramones no Dama Xoc, e Gordo cantou "Commando" com o quarteto novaiorquino. Era a senha para CJ Ramone (que fez show no Rio Grande do Sul no dia anterior) surgir no palco e assumir o baixo na execução da mesma música, em um momento sem dúvida histórico. Depois disso, a conhecida "Work For Never" (do Extreme Noise Terror) fechou o "momento couve".


Momento do show do Ratos de Porão

No bis teve "Pobreza", "Caos", "Agressão/Repressão"... No total foram pouco mais de uma hora e quinze minutos de muita pancadaria, suor e diversão. Jão mostrou que não é preciso ser um guitarrista tosco para tocar hardcore (se bem que Gordo lembrou que o Ratos "não é punk, não é metal, não é hardcore nem é new wave. Aqui é "Clube Recreativo Ratos de Porão", e a gente toca o que acha legal"). Boka impressiona atrás de seu kit de bateria (o pique e a resistência desse cara é algo de outro mundo), Juninho segura as bases muito bem, além de agitar o tempo todo, e João Gordo é simplesmente João Gordo, um excelente e carismático frontman, que tem o público nas mãos o tempo todo, e lhe dá aquilo que ele quer.

Longa vida ao Ratos de Porão, e que voltem logo a Porto Alegre!



Esse mundo é um caos, essa vida é um caos! Caos!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Untitled, a versão do diretor para o filme Quase Famosos


Por Micael Machado

Acredito que quase todos os digníssimos leitores já tenham assistido ao filme Almost Famous (no Brasil, Quase Famosos). Para quem não viu, a película narra a trajetória do jovem William Miller, que com tenros quinze anos de idade é contratado pela prestigiada revista Rolling Stone para acompanhar a banda (fictícia) Stillwater pelos Estados Unidos em sua turnê "Almost Famous Tour '73". Nessa trajetória, Miller terá de lidar com temas como amizade, fama, drogas, a descoberta da América e a primeira grande paixão de sua vida, representada pela band aid Penny Lane, uma sedutora mulher que acompanha o Stillwater em sua excursão e tem um caso amoroso com seu guitarrista. O personagem de Miller foi baseado na vida do próprio diretor e roteirista Cameron Crowe, e as aventuras narradas são compiladas de fatos que ele presenciou quando, ainda muito jovem, acompanhou bandas como Led Zeppelin, The Who e Allman Brothers pelas estradas dos EUA como jornalista da mesma revista. Um dos melhores filmes sobre música já feitos, Quase Famosos é obrigatório a quem gosta de rock, e fundamental para quem curte o estilo praticado nos anos 1960 e 1970.

William Miller (Patrick Fugit) Penny Lane (Kate Hudson)

O que talvez poucos saibam é que a versão que passou nos cinemas e saiu em DVD não é a melhor edição deste filme. Na edição especial em DVD duplo de Quase Famosos, um dos bônus é a versão do diretor para a película, denominada Untitled ("Sem Título"). Pouco mais de meia hora mais longa, o filme é muito melhor que a (excelente) versão oficial, pois a trajetória se desenvolve de forma mais demorada e melhor construída, e certas situações são melhor resolvidas nesta edição, facilitando o entendimento da obra pelo telespectador, e ampliando aspectos que não ganham a mesma atenção na versão original.

Quase todas as cenas são mais longas, e diversos diálogos novos são inseridos em cenas que já eram quase perfeitas na versão original. Alguns dos aspectos que aparecem exclusivamente em Untitled são uma divertidíssima entrevista do Stillwater em uma rádio do Arizona, as frustradas tentativas de Miller para entrevistar os membros do grupo separadamente, as conversas dos fãs de David Bowie no hotel em que Penny e Miller estão em Los Angeles, a despedida entre o garoto e Polexia quando a band aid vai para a Inglaterra acompanhando o Deep Purple (quem assistiu ao filme e lembra do que aconteceu na pacata Greenville sabe da importância deste personagem para Miller), e uma conversa entre Russel e Bebe (guitarrista e vocalista do Stillwater, respectivamente) que definiu a continuação do grupo após o infame "incidente do avião". São pequenos acréscimos que tornam uma obra maravilhosa em algo ainda mais fascinante, e acrescentam uma nova luz a um filme já bastante brilhante. Talvez o único problema seja que não há a opção de assistir à versão dublada de Untitled, estando disponível apenas a opção legendada (onde a legenda muda de cor para as cenas e diálogos extras). Mas isso não é empecilho para assistir e adorar esta nova versão deste filme.

Stillwater "ao vivo" em Cleveland

Dentre outros extras desta edição dupla do DVD, estão presentes a versão completa para a cena em que um casal toca "Small Town Blues" em um quarto de hotel, que no filme é vista por Miller durante alguns poucos segundos quando ele está em Los Angeles, trechos de uma entrevista com o verdadeiro Lester Bangs (cujo personagem representa um importante papel na carreira de Miller), resenhas de Crowe para a revista Rolling Stone, cenas de bastidores registradas durante as filmagens e a íntegra do show do Stillwater em Cleveland (um dos mais importantes da turnê, e que mudaria o rumo das coisas para o grupo na película), onde em pouco mais de quinze minutos o grupo apresenta três de suas excelentes composições - aliás, cabe citar que as músicas originais do Stillwater que aparecem no filme foram compostas pelo próprio Cameron Crowe junto à sua então esposa Nancy Wilson (vocalista do grupo Heart), tendo ainda a participação de Ann Wilson (irmã de Nancy e também parte do Heart) e do guitarrista Peter Frampton, que também fez parte das gravações de estúdio ao lado de músicos como Mike McCready do Pearl Jam, Marti Frederiksen (que já compôs para o Aerosmith e o Def Leppard) e Gordon Kennedy, que já trabalhou com Eric Clapton, além de uma versão demo para a canção "Love Comes And Goes" cantada pela própria Nancy Wilson.  

Há ainda uma curiosa cena excluída que é bastante interessante. Lembram quando a irmã de Miller tenta explicar para sua mãe sua decisão de sair de casa para se tornar aeromoça fazendo com que a "coroa" ouvisse "America" de Simon e Garfunkel? Pois o rapaz tenta fazer o mesmo nesta cena, visando convencer a mãe para que o deixe sair em turnê com o Stillwater, só que usando "Stairway To Heaven" do Led Zeppelin ao invés de "America". Não sei o motivo (pensei que o Led não havia liberado a inclusão de seu clássico maior, mas, diante de outras músicas do grupo presentes no filme, como "That's The Way", "Rain Song" e "Tangerine", não deve ser por isso), mas na cena destes extras a música não está presente, havendo uma indicação para "pegar a sua versão de Led IV e colocar em 'Sairway'", tendo inclusive uma contagem regressiva para demonstrar o momento correto em que a canção deve começar. Acredite, é bem melhor seguir a dica! Para mim, esta versão de como Miller conseguiu convencer a mãe a deixá-lo viajar é bem melhor que a oficial (presente nas duas versões do filme), mas, sabe-se lá porque, acabou não fazendo parte do filme.

O elenco de Quase Famosos

Como já disse, Quase Famosos é um filme obrigatório e fundamental. Untitled é a versão ampliada e melhorada deste filme. Precisa dizer algo mais?

It's all happening...

domingo, 9 de setembro de 2012

Review Exclusivo: Marcelo Camelo (Porto Alegre, 02 de setembro de 2012)


Por Micael Machado
Fotos por Cassiano Rodka*

O theatro São Pedro (com agá mesmo) é o mais imponente de Porto Alegre e um dos mais importantes do estado do RS. Apesar de morar na capital gaúcha há um bom tempo, nunca tinha assistido a nenhum espetáculo no local, e coube ao carioca Marcelo Camelo me proporcionar esta experiência pela primeira vez.

Pouco menos de quatro meses depois de sua mais recente apresentação na cidade, o (ex?) vocalista do Los Hermanos retornava à Porto Alegre para apresentar o seu show "Camelo, voz e violão", onde interpretaria apenas com o acompanhamento do instrumento canções de sua antiga banda, da carreira solo e composições suas originalmente gravadas por outros intérpretes, além de músicas inéditas. O espetáculo teve todos os ingressos vendidos, e foi registrado para um futuro DVD (bem como outro ocorrido na noite anterior, primeiro de setembro, ao qual infelizmente não podemos comparecer devido aos ingressos também estarem esgotados).

Com pouco menos de dez minutos de atraso (o show estava marcado para o inusitado horário das dezoito horas), Camelo adentrou o palco (decorado com uma mesa de cabeceira com um abajur aceso em cima) sob os aplausos de todos. Iniciando com duas músicas inéditas ("Luzes da Cidade" e "Dois em Um"), o músico seguiu com "Pra Te Acalmar" (do disco Toque Dela), "Casa Pré-fabricada", a primeira do Los Hermanos na noite e também a primeira a ser acompanhada pelo público (como sempre ocorreu nos shows dos cariocas a que assisti, diga-se de passagem), "Samba a Dois" e "Doce Solidão" (uma das melhores composições de sua carreira solo), onde abandonou o microfone e deixou o público levar sozinho grande parte da letra. As composições adaptaram-se muito bem ao formato intimista proposto pelo músico, e, com mínimas mudanças de arranjo, não precisaram de muito esforço para cativar o fanático séquito de seguidores do cantor.


Thomas Roher e Marcelo Camelo

"Pois É" veio na sequência, ovacionada pelo público, e ainda mais bela e triste que sua versão de estúdio. No meio desta canção, adentrou o palco o músico Thomas Roher, que deu um colorido ainda maior ao show com sua rabeca. Ao final da canção, Camelo se dirigiu pela primeira vez ao público, apenas para apresentar seu colega de palco (nas outras músicas, ele apenas se inclinava e agradecia de forma tímida e envergonhada). Thomas permaneceria no palco por um bom tempo, e a união de seu instrumento ao violão de Marcelo serviu para criar novos horizontes a músicas antes já quase perfeitas, como "Dois Barcos" (com uma bela introdução feita na rabeca, e Marcelo, ao seu final, agradecendo de forma simples e humilde a todos por terem comparecido ao local) e "Menina Bordada", última com sua participação antes do bis.

Apesar de aparentar uma grande timidez, Marcelo foi se soltando aos poucos, e até fez algumas brincadeiras com o público, como quando interrompeu o começo de "
Fez-se Mar" para tossir e tirar o pigarro, "autorizando" a todos os presentes a fazerem o mesmo "em nome do bem geral", como disse, ou quando fechou ainda mais a camisa que vestia devido aos botões abertos estarem "meio indecentes". Ainda contou uma bela história sobre sua família e seu avô, compositor de "Porta de Cinema" (outra inédita), "tricolor e sambista nas horas vagas", a quem ele não conheceu pessoalmente, mas de quem disse ter certeza de que lhe "ajuda muito".


Marcelo Camelo e sua camisa "meio indecente"

Sozinho no palco novamente, Marcelo continuou com "A Outra", para delírio da plateia, que acompanhou a letra praticamente na íntegra. "Santa Chuva" também foi muito bem recebida, assim como "Liberdade", onde o músico novamente deixou os vocais para o público, que também participou muito de "Cara Valente", composta por Camelo mas gravada por Maria Rita, e que encerrou a primeira parte do espetáculo. 

Após uma breve pausa, o músico retornou para o bis sob os gritos de "lindo" de algumas meninas presentes ao teatro,  prosseguiu com a bela "Saudade", seguida de "Morena" (outra que se adaptou de forma perfeita ao formato da noite), "Tá Bom" (novamente com o acompanhamento de Thomas) e a repetição de "Luzes da Cidade", engrandecida pela presença da rabeca. Novamente Marcelo encerrou o show, mas o público não queria deixá-lo ir embora.


Marcelo Camelo e Mallú Magalhães

Anunciando que "agora acabou o DVD, hein?", e aparentemente de forma não programada, chamou ao palco a namorada Mallú Magalhães (bela como sempre), com quem tocou "Sambinha Bom" (gravada por ela), e que terminou com um longo beijo dos dois. Mesmo com insistentes pedidos por "Janta" (que em sua versão de estúdio conta com os vocais de Mallú, e já havia sido apresentada antes) e outras músicas, Marcelo disse que "até agora quem pediu as músicas foram vocês, agora é minha vez", e mandou "Vermelho", outra que ficou muito bonita apenas ao violão. Novamente com a ajuda de Thomas, "Além do Que Se Vê" encerrou a noite, ovacionada e cantada por todos. Em seu final, Marcelo saiu do palco deixando ali apenas Thomas e o público a cantar o "lá-lá-lá" final, público este que finalmente parecia satisfeito após pouco menos de uma hora e meia de um espetáculo calmo, intimista e muito belo, em um dos melhores shows de Camelo a que já estive presente, e cujo "clima" torço para que consiga ser capturado pelo futuro DVD, ao qual já espero com ansiedade.

Se a presença de palco do cantor ficou meio prejudicada por tocar o tempo todo sentado, sua voz, sua habilidade ao violão e, principalmente, a beleza de suas canções compensaram com sobras o que faltou de movimentação. Despidas dos demais instrumentos, e reduzidas ao seu âmago, as músicas apresentadas mostraram que Camelo é um grande cantor, instrumentista e compositor, e que não são precisos muitos recursos tecnológicos ou truques de estúdio para fazer uma canção soar bonita quando se tem talento. Mas isso, quem aprecia o seu trabalho já sabe há muito tempo!

"É bom te ver sorrir!"


Foto do Set List (por Alissa Gaspareto)

Set List:

1. Luzes da Cidade
2. Dois Em Um
3. Pra Te Acalmar
4. Casa Pré-fabricada
5. Samba a Dois
6. Doce Solidão
7. Pois É
8. Janta
9. Dois Barcos
10. Fez-se Mar
11. Porta de Cinema
12. Tudo o Que Você Quiser
13. Menina Bordada
14. A Outra
15. Santa Chuva
16. Liberdade
17. Cara Valente

Bis:

18. Saudade
19. Morena
20. Tá Bom
21. Luzes da Cidade

Segundo bis:

22. Sambinha Bom
23. Vermelho
24. Além do Que Se Vê

* Fotos publicadas no grupo do facebook Marcelo Camelo em Porto Alegre (ESGOTADO). Entre lá e confira mais fotos e vídeos da apresentação.