sexta-feira, 1 de outubro de 2021

The Jimi Hendrix Experience - Miami Pop Festival [2013]

 


Por Micael Machado

Quando se pensa nos principais registros de Jimi Hendrix ao vivo, os mais lembrados certamente são os de sua apresentação no Monterey Pop Festival (onde ele, ritualisticamente, queimou sua guitarra e entrou definitivamente para a história), o show do Festival de Woodstock (e sua imortal versão para "The Star-Spangled Banner", o hino nacional norte-americano), e as quatro apresentações no Fillmore East na virada de ano de 1969 para 1970, que foram compiladas no LP Band of Gypsys (além de diversos outros lançamentos saídos da mesma fonte). Um registro que certamente mereceria estar entre estes é o da apresentação da Jimi Hendrix Experience no Miami Pop Festival. Ocorrido entre 18 e 19 de maio de 1968 em uma pista para corrida de cavalos chamada Gulfstream Park, na cidade de Hallandale, na Florida, o festival contou com nomes como The Mothers of Invention, Steppenwolf, The Crazy World of Arthur Brown e Blue Cheer, além dos legendários Chuck Berry e John Lee Hooker, com a Experience (que havia lançado seu segundo registo, Axis: Bold as Love, meses antes) tocando duas vezes no sábado, em uma apresentação à tarde e outra à noite, sendo esta apresentada na íntegra no disco lançado (em CD e vinil duplo) pela família do guitarrista em 2013.

Focando seu repertório nas faixas do disco de estreia (Are You Experienced?, de 1967), o trio composto, além de Hendrix (vocais, guitarra), por Noel Redding (baixo e backing vocals) e Mitch Mitchell na bateria, estava em uma noite inspirada, e, tanto em repertório quanto na qualidade das performances, o show pode ser categorizado, a meu ver, como uma das melhores apresentações do grupo já lançadas oficialmente. Em pouco menos de uma hora de concerto, a banda passa por clássicos como "Hey Joe", "Foxey Lady" e "Fire", além de registros mais "obscuros" como "Tax Free" (cujo registro oficial de estúdio, gravado no começo daquele mesmo mês de maio, só apareceria oficialmente anos depois no "disco de sobras" War Heroes, de 1972), e duas de minhas faixas favoritas da discografia do guitarrista, "I Don't Live Today" (que, sozinha, serve para mostrar que Mitchell é tão genial na bateria quanto Hendrix é na guitarra) e "Hear My Train A Comin'" (cuja primeira versão elétrica "oficial" só apareceria em 1975, no controverso lançamento Midnight Lightning). Até mesmo o improviso instrumental do trio que serve como introdução ao show já bastaria para demonstrar o imenso talento e musicalidade do trio sobre um palco, sendo tanto imperdível quanto curto demais!

Jimi Hendrix no palco do Miami Pop Festival 

Encerrando a noite, temos uma longa versão para "Red House" (com um extenso e maravilhoso solo de Hendrix), com tudo culminando em uma versão repleta de improvisos para "Purple Haze", em uma apresentação  que, certamente, agradou aqueles que, à época, já estivessem ligados no músico mais cool do momento nos Estados Unidos, com este disco sendo, definitivamente, um item obrigatório àqueles que, ainda hoje, apreciam a obra do maior guitarrista que já passou pelo planeta.

O álbum ainda conta com duas faixas bônus retiradas da performance vespertina, uma excitante "Fire" e uma versão estendida e com diversos improvisos para "Foxey Lady", servindo para nos deixar com "água na boca" para ouvirmos o registro completo daquele show, infelizmente, ainda inédito em formato físico (estas duas faixas também foram lançadas em um single de 45rpm de forma limitada no Record Store Day de 2013, além de uma filmagem oficial de "Foxey Lady" ter sido lançada oficialmente pela família naquele mesmo ano), e também traz um belíssimo encarte repleto de fotos inéditas e um interessante texto relatando algumas histórias sobre a concepção do festival e a participação da Experience no mesmo (além de revelar que deveriam ter acontecido outros dois shows do trio no domingo, no segundo dia do  festival, mas uma tempestade de verão acabou cancelando várias apresentações, dentre elas a de Jimi, que, no caminho de volta ao hotel, no banco de trás de uma limusine, compôs a letra do que viria a ser "Rainy Day, Dream Away", faixa presente no disco Electric Ladyland, também de 1968). Como já coloquei, o álbum Miami Pop Festival traz uma das melhores performances que já ouvi de Hendrix ao vivo, e é, a meu ver, extremamente recomendado aos fãs daquele que, ainda hoje, é reverenciado como um dos maiores mestres da guitarra elétrica a passar pelo planeta. Se você também faz parte do culto a Jimi e ainda não conhece este registro, é seu dever ouvir este disco e corrigir esta falha. Faça-o, imediatamente!

Contracapa de Miami Pop Festival 


Track List:

1. Introduction

2. Hey Joe

3. Foxey Lady

4. Tax Free

5. Fire

6. Hear My Train A Comin'

7. I Don't Live Today

8. Red House

9. Purple Haze

Bonus Performances:

10. Fire [Afternoon Show]

11. Foxey Lady [Afternoon Show]

Neil Young - The Times [2020]


Por Micael Machado

"Os tempos estão mudando"! Esta frase, uma tradução livre do título de uma das mais conhecidas canções de Bob Dylan, poucas vezes foi tão adequada ao momento da raça humana quanto a tudo o que ocorreu no ano de 2020, com a ameaça da COVID-19 e todas as restrições que o coronavirus impôs a todos nós (e, em alguns casos, especialmente em certos países sul-americanos liderados por negacionistas da pandemia, continua impondo). Uma das classes trabalhadoras mais afetadas foi a dos músicos, que, impossibilitados, de uma hora para outra, de excursionar e fazer shows, se viram obrigados a partir para soluções alternativas para continuar em relevância, ou mesmo, em alguns casos, conseguir pagar as contas. Muitos preferiram resgatar antigas apresentações (inéditas ou não) e transmiti-las em seus canais oficiais para seu sedento (e confinado em casa) público ao redor do mundo, enquanto outros partiram para a transmissão de "lives" pelas redes sociais, fossem elas realmente "ao vivo" ou apresentações especiais pré-gravadas.

Um dos artistas que adotou esta alternativa foi o bardo canadense Neil Young, que transmitiu através de seu site, ao longo daquele ano, uma série de vídeos chamados "The Fireside Sessions" ("Sessões ao Lado do Fogo", em tradução livre), onde o músico, isolado em seu rancho no Colorado, acompanhado apenas por sua nova esposa, a atriz Daryl Hannah (responsável pela captação tanto do áudio quanto das imagens em seu iPad), e tendo por audiência um gato, alguns cachorros e outro tanto de aves completamente desinteressadas, como galinhas e gansos, interpretava algumas de suas muitas composições no esquema "voz e violão" (e, ocasionalmente, harmônica - ou gaita de boca, como também é conhecida), algo comum à trajetória de Young desde antes de se lançar como artista solo, ainda na década de 1960. Uma destas sessões, realizada no início de julho de 2020, teve seu lançamento oficial em setembro daquele ano no formato do EP The Times, primeiro apenas através de streaming no site de Neil e pelo serviço Amazon Music HD, mas depois também nos formatos CD e LP, pela gravadora de longa data de Young, a Reprise Records.

O bardo canadense Neil Young, na varanda de seu rancho no Colorado

Pode-se dizer que os pouco menos de vinte e sete minutos de The Times o tornam no lançamento mais "político" de Young desde Living With War, de 2006, cujas letras e o conceito traziam duras críticas à administração de George W. Bush. Foi daquele álbum que Neil resgatou "Lookin' for a Leader", que teve título (virou "Lookin' for a Leader 2020") e letra atualizados para se tornar uma pesada crítica à administração de Donald Trump (em versos como "América tem um líder / Construindo muros ao redor de nossas casas / Ele não sabe que vidas negras importam / E nós temos que votá-lo para fora") e em apoio à candidatura de Joe Biden ("Sim, tivemos Barack Obama / E nós realmente precisamos dele agora /O homem que estava atrás dele / Tem que tomar seu lugar de algum jeito", lembrando que Biden era vice-presidente durante a administração Obama), que viria, felizmente, a vencer as eleições daquele ano nos EUA. A temática política também está presente nas letras de clássicos como "Alabama" e "Southern Man" (ambas com pesadas críticas ao modo de vida e mentalidade cultural no sul dos EUA, com fortes tendências de segregação racial e absolutismo religioso tanto nos anos 1970, quando foram escritas, quanto hoje em dia) ou "Ohio", o protesto do bardo ao massacre da Universidade de Kent State em 1970, e "Campaigner", onde o músico cita o ex-presidente norte-americano Richard Nixon, dizendo que "mesmo ele tinha uma alma", e que aqui aparece em uma rara interpretação ao vivo.

Fechando o track list do EP, há uma versão para a canção citada no início deste texto (para quem não "captou", a música é "The Times They Are A-Changin’", lançada por Dylan em 1964 - e uma composição com os versos "Venham senadores e congressistas / Por favor, atendam ao chamado / Não fiquem parados na porta / Não bloqueiem o corredor / Há uma batalha furiosa lá fora" certamente se adapta ao conceito deste lançamento) e uma raríssima rendição ao vivo para "Little Wing", faixa lançada originalmente em 1980 (no álbum Hawks & Doves) e, a princípio, a única a fugir da temática deste disco. Mas, quando se pensa que a mesma, segundo algumas interpretações, é um simbolismo para o ressurgimento da vida na natureza após a passagem do inverno (citado na letra como "a melhor das estações"), a faixa, que encerra o EP, acaba soando como uma esperança de novos tempos, longe da obscuridade e das trevas culturais trazidas aos EUA com a administração Trump, a qual, por mais malévola e destrutiva que tenha sido, infelizmente ainda influencia governos em outras partes do mundo, especialmente, como citado antes, em certos países sul-americanos liderados por negacionistas da pandemia. Tenhamos todos, enfim, esperança de tempos melhores, afinal, "The Times, They Are A-Changin’".


Contracapa de The Times

Track List:

1. "Alabama"

2. "Campaigner"

3. "Ohio"

4. "The Times They Are A-Changin’"

5. "Lookin’ for a Leader 2020"

6. "Southern Man"

7. "Little Wing"