segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Datas Especiais: 20 anos de Degradation Trip Volumes 1 & 2


Por Micael Machado

Este dia 26 de novembro de 2022 marca os vinte anos do lançamento de um dos álbuns mais inusitados que o chamado "movimento grunge" legou ao mercado musical: a versão "completa" (com o subtítulo "Volumes 1 & 2") do disco Degradation Trip, segundo registro da carreira solo do vocalista e guitarrista Jerry Cantrell (também do Alice In Chains), o qual já havia sido disponibilizado no mercado em sua versão "simples" (ou "incompleta") em junho de 2002, mas que ganha uma dimensão completamente diferente quando ouvida em sua forma integral, imaginada anteriormente pelo artista, como ocorre nesta versão, inicialmente lançada em uma edição em CD duplo .

A história do disco começa ainda em 1998, quando Cantrell se isolou em sua própria casa por "três ou quatro meses, realmente não saindo para nada, mandando buscar comida comida fora e raramente me banhando durante este período", como ele declarou em uma entrevista de 2002. A separação (à época) dos membros do Alice In Chains e o final da banda (que, embora não oficializado, persistia na prática, com o grupo não se apresentando ao vivo desde 1996 por conta dos problemas de saúde do vocalista Layne Staley, que vivia praticamente recluso desde a morte de sua ex-noiva Demri Parrott no mesmo ano) afetaram muito ao guitarrista, que jogou em suas novas novas músicas todas as frustrações e sentimentos pelos quais estava passando. Durante este autoimposto período de reclusão, em um intenso processo criativo, o músico compôs perto de trinta composições novas, as quais seriam "aperfeiçoadas" em novas sessões de composição ao longo de 1999. No meio deste processo, Cantrell chegou a mostrar algumas de suas criações mais recentes para Staley, que acabou trabalhando em duas delas, as quais foram gravadas pela banda e se tornaram "Get Born Again" e "Died", ambas lançadas pela primeira vez ainda em 1999 no box Music Bank, e que viriam a se tornar as últimas gravações em vida do cantor junto ao Alice In Chains (sendo que ambas apareceriam em relançamentos e compilações posteriores do grupo ao longo dos anos).

Em abril de 2000, sem um contrato solo com uma gravadora, Jerry Cantrell decidiu bancar ele mesmo as gravações das faixas compostas durante seu isolamento, chamando para lhe ajudar a então "cozinha" da banda de Ozzy Osbourne, o baixista Robert Trujillo (ex-Suicidal Tendencies e Infectious Grooves, e futuro Metallica) e o baterista Mike Bordin (do Faith No More, e com curta passagem pelo Black Sabbath como parte da formação que se apresentou ao vivo em 1997). Dave Jerden, que já havia trabalhado com Cantrell no Alice In Chains, inicialmente seria o produtor, mas desavenças entre ele e o guitarrista fizeram com que Jerry assumisse a produção do registro, contando com a ajuda de seu amigo Jeff Tomei como co-produtor. Após o registro de vinte e cinco músicas, Cantrell intensificou as negociações com as gravadoras, chegando a um acordo com a Roadrunner, que, receosa em lançar um álbum duplo (com temas musicais e líricos tão intensos quanto aqueles, ainda por cima), propôs que o guitarrista selecionasse quatorze faixas para um lançamento simples (ocorrido em junho, como citado), mas com a promessa de disponibilizar a obra completa de alguma forma no futuro (li em algum lugar que esta condição dependeria do número das vendas da primeira versão, algo que não consegui confirmar quando fiz a pesquisa para este texto, portanto peço que considerem esta informação como um boato, não como um fato). O disco foi dedicado à memória de Layne Staley, que havia falecido em abril daquele ano por overdose de drogas.

Capa da versão "simples" de Degradation Trip

Esta primeira versão "incompleta" estreou no número 33 da billboard, ficando no TOP 200 por cinco semanas, e vendendo mais de 100 mil cópias até dezembro daquele ano. Sendo assim, em 26 de novembro de 2002 foi lançada a versão "completa", com as músicas na ordem original imaginada por Cantrell. Muitas de suas faixas poderiam facilmente se passar por gravações do Alice In Chains, mais notoriamente a abertura com "Psychotic Break" (com seus vocais dobrados e uma certa tristeza no arranjo, guiado em sua maior parte por um repetitivo riff de guitarra), "S.O.S." (lenta e melancólica, também com vocais dobrados por Cantrell), "Hellbound" (que alterna partes rápidas com outras mais cadenciadas), a agitada "Anger Rising" (primeiro single do álbum, e que conta com o guitarrista Chris DeGarmo, ex-Queensrÿche, como convidado especial) ou "Chemical Tribe", com muito uso do pedal wah-wah por parte do guitarrista na sua introdução e um excelente refrão (também com vocais dobrados pelo cantor). Outras faixas precisariam de poucas mudanças para se adequar ao track list de discos como Facelift (casos de "Owned", "Locked On" ou "She Was My Girl") e Dirt (como a arrastada e pesada "Bargain Basement Howard Hughes", "Spiderbite" e seu riff repetitivo, ou da pesada "Castaway"). O lado acústico das composições da banda, ainda que com passagens elétricas em maior ou menor quantidade, também não foi esquecido por Cantrell, seja em faixas que lembram as presentes no EP SAP (como as tristonhas "Solitude" e "Gone", "Thanks Anyway" e sua alternância entre melancolia e partes mais pesadas e rápidas, ou a quase balada "31/32") ou em outras que acabam remetendo ao EP Jar of Flies por causa de seus arranjoscomo é o caso de "Angel Eyes", talvez a faixa mais "comercial" deste lançamento (e da própria carreira de Cantrell), e que foi escolhida como segundo e último single do disco, da "quase alegre" "Give It A Name" (com seu refrão mais melancólico em contraste com o andamento dos versos), da bela instrumental "Hurts Don't It?" ou de "What It Takes", faixa lenta e melancólica mas sem explicitar totalmente sua tristeza ao longo de sua duração; ou ainda das densas "Pig Charmer" e "Dying Inside", que parecem sobras do autointitulado terceiro álbum do grupo, o popular "disco do cachorro de três pernas".

Já outras composições soam meio como "estranhos no ninho" na discografia do compositor, se afastando mais de seu estilo "tradicional". É o caso, por exemplo, da experimental e esquisitíssima "Feel The Void", da quebrada e diferentona "Mother's Spinning In Her Grave (Glass Dick Jones)", de "Siddhartha", que tem alguns toques orientais dados pelo que soa como uma cítara tocada ao longo da melancolia de seus versos principais (embora seu refrão seja bastante agitado em contraste á tristeza de boa parte da duração da faixa), ou de "Pro False Idol", que, não fosse pelo excesso de distorção no timbre da guitarra, poderia se passar facilmente por um hard rock oitentista sem maiores problemas (pelo menos até o surgimento de uma parte totalmente psicodélica ali no meio, o que altera bastante o arranjo da faixa dali e diante). 

Robert Trujillo, Jerry Cantrell e Mike Bordin, o trio que registrou Degradation Trip Volumes 1 & 2

Na turnê de promoção do álbum, Cantrell foi acompanhado pela banda Comes with the Fall, que conta (ou contava, pois não achei registros de que o grupo continue na ativa) com o guitarrista/vocalista William DuVall, a quem Jerry havia conhecido ainda no ano de 2000. Começava ali uma relação que levaria a um convite para DuVall juntar-se a um reunido Alice In Chains em 2006, posto que seria efetivado em 2008, iniciando assim uma nova história na carreira tanto da banda quanto de seu principal guitarrista e compositor, a qual, arrisco a dizer, traz muito da influência dos estilos, timbres e arranjos utilizados por Cantrell neste disco (vide, por exemplo, músicas como "Your Decision" ou "Voices", as quais poderiam estar neste disco duplo sem maiores problemas, embora não se encaixem muito na produção musical anterior da Alice Acorrentada).

A versão abreviada do álbum foi lançada em vinil (duplo) pela primeira vez em janeiro de 2017, e a versão completa só seria lançada neste formato (em um disco quádruplo!) em fevereiro de 2019, com uma belíssima edição na cor laranja escuro (com pinceladas em preto e vermelho mescladas à cor predominante) disponível de forma limitada no mercado mundial em apenas duas mil cópias numeradas (a minha é a de número 1333, só para registro). Devido à temática das letras e à sonoridade mais depressiva/lamuriosa da maioria de suas composições, as quase duas horas e meia de Degradation Trip Volumes 1 & 2 não são exatamente um passeio fácil e agradável aos ouvidos menos acostumados à carreira de Jerry Cantrell antes ou depois deste álbum. Porém, aos fãs do guitarrista, o trajeto pelos sulcos do disco, ainda que com alguns percalços, será extremamente satisfatório ao final. Boa viagem aos que arriscarem!

Contracapa de Degradation Trip Volumes 1 & 2

Track List (versão simples):

1. Psychotic Break

2. Bargain Basement Howard Hughes

3. Anger Rising

4. Angel Eyes

5. Solitude

6. Mother's Spinning In Her Grave (Glass Dick Jones)

7. Hellbound

8. Give It A Name

9. Castaway

10. She Was My Girl

11. Chemical Tribe

12. Spiderbite

13. Locked On

14. Gone


Track List (versão completa):

Volume 1

1. Psychotic Break

2. Bargain Basement Howard Hughes

3. Owned

4. Angel Eyes

5. Solitude

6. Mother's Spinning In Her Grave (Glass Dick Jones)

7. Hellbound

8. Spiderbite

9. Pro False Idol

10. Feel The Void

11. Locked On

12. Gone


Volume 2

1. Castaway

2. Chemical Tribe

3. What It Takes

4. Dying InsideSiddhartha

5. Siddhartha

6. Hurts Don't It?

7. She Was My Girl

8. Pig Charmer

9. Anger Rising

10. S.O.S.

11. Give It A Name

12. Thanks Anyway

13. 31/32

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Datas especiais: 20 anos da primeira vez do Rush no Brasil

Por Micael Machado

Exatamente vinte anos atrás, em uma chuvosa noite de 20 de novembro de 2002, o trio canadense Rush se apresentava pela primeira vez no Brasil. E não, não foi no hoje famoso concerto do Rio De Janeiro que rendeu o DVD Rush In Rio pouco tempo depois, mas sim no hoje dilapidado Estádio Olímpico, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Mesmo passado tanto tempo, tenho certeza de que aquela  tarde/noite de quarta feira permanece marcada na memória da maioria das 35 mil pessoas que estavam lá, fazendo história junto com a banda em terras gaúchas.


Matérias em jornais locais repercutindo o show do Rush em Porto Alegre

Lembro que, para mim, foi o mesmo que a realização de um sonho. Eu uma época pré-internet, onde a maioria das informações sobre música chegava até mim através, basicamente, das revistas Bizz (depois ShowBizz) e Rock Brigade, em 2002 eu já curtia o Rush há pelo menos 12 ou 13 anos, desde que um amigo conseguiu a discografia inteira da banda (na época, até o álbum Presto) com alguém, com a promessa de devolver os discos no dia seguinte àquele em que os havia pego, o que me fez passar boa parte de uma madrugada e uma manhã e tarde inteiras de 1989 ou 1990 gravando os discos em fitas K7 sem nem mesmo ouvi-los antes, indo "curtir" e "entender" os mesmos a partir das fitinhas, nos dias subsequentes (experiência que, até hoje, me faz ter um pouco de medo da introdução de "Witch Hunt", faixa do disco Moving Pictures, depois de ouvi-la pela primeira vez às quatro da madrugada, nos fones de ouvido, num quarto escuro, com meu irmão dormindo ao lado e minha família em seus respectivos quartos, enquanto tentava manter o meu silêncio para não acordá-los, mesmo tendo experiências sonoras fascinantes à medida que a agulha percorria os sulcos de cada LP que ia para o toca discos... bons tempos...). Na verdade, eu já conhecia algo do grupo desde meados da década de 1980, quando "Spirit Of Radio" era tema do noticiário da TV estadual que passava na hora do almoço (e que, ainda hoje, se chama "Jornal do Almoço"), e, por isso, tocava bastante na rádio FM (e eu, que ouvia a música sem saber nada da banda, achava muito estranho o timbre de voz da "cantora" da banda... outros tempos)... e, claro, havia "Tom Sawyer", que era tema do seriado do MacGyver, que eu assistia religiosamente na TV nas sessões vespertinas da Rede Globo... Quando, anos depois disso tudo, os shows dos canadenses no Brasil foram anunciados, eu já tinha, não lembro como, o CD do Vapor Trails, álbum que a banda estava divulgando à época, e sabia que Peart havia passado por todos os problemas pessoais que hoje conhecemos bem, e que forçaram a banda a uma parada de quase seis anos, a qual quase acabou com a mesma. Sendo assim, a possibilidade de assistir ao vivo a uma banda tão importante para mim, já naquela época, era algo inimaginável, mas estava perto de acontecer.



Geddy Lee, Alex Lifeson e Neal Peart em Porto Alegre 
(fotos retiradas de uma reportagem da época sobre o show, disponível no Youtube)

Não lembro muito das horas que antecederam o show, mas lembro de ir ao estádio (que é muito perto de onde moro ainda hoje) e encontrar alguns amigos que haviam vindo do interior junto com meu irmão, e outras pessoas que estavam junto com eles. Juro que foi a primeira vez que vi alguém pronunciar "uái uái zí" para se referir a "YYZ" (que, para mim, sempre havia sido "ípsilon ípsilon zê"), e "twenty-one twelve" para se referir a "2112" (que, obviamente, eu sempre havia chamado de "dois mil cento e doze"), mesmo que meus conhecimentos de inglês não fossem tão limitados assim à época. Outra dúvida pertinente entre o pessoal era a pronúncia do sobrenome do baterista: seria "Pírt" ou "Pãrt"? Lembro também que a expectativa de todos era enorme ("Quais músicas será que vão tocar? Será que rola "Hemispheres"?), especialmente pelo solo de Peart, que, todos sabíamos de antemão, seria sensacional. Curiosamente, não lembro de ter encontrado o Mairon (que foi com sua esposa à época ao show, e ficou afastado de mim durante o mesmo, junto dela), mas sei que nos falamos antes do show, e, rapidamente, por telefone, após o mesmo...

As lembranças de momentos específicos do espetáculo também não são claras para mim... lembro mais das sensações da data... a "pista VIP", na frente do palco, era separada da "pista comum" por uma grade muito baixa, e tinha cadeiras em sua extensão. O pessoal da VIP começou a subir nas mesmas, o que dificultou a visão para quem, como eu, estava na "pista comum". Fora que o pessoal da "comum", não entendendo por qual motivo estava tão "para trás", tentava forçar a passagem à frente, talvez por não ver a grade, e espremia cada vez mais contra a mesma aqueles que estavam próximos à grade de separação, como eu. A primeira parte do show eu fiquei tão desconfortável que, no intervalo (foram quase três horas de apresentação, separadas por um intervalo de vinte minutos, como seria tradição dali para a frente nos concertos da banda, mas era algo quase inovador à época), eu me forcei a sair da minha posição e tentei ir mais para trás no gramado, mas o pessoal, aglomerado em suas posições, acabava dificultando minha passagem, mesmo que, teoricamente, eles fossem ficar mais perto do palco do que onde estavam... foi algo que achei bastante estranho na época, e me fez perder parte do vídeo de introdução da segunda parte, mas não escapar do calor do fogo "lançado" pelo dragão da animação por sobre o público das pistas no início de "One Little Victory" (quem estava lá deve saber do que estou falando)...

Neil Peart relaxando no antigo Estádio Olímpico, momentos antes do show de 20 anos atrás

Foram muitos momentos de puro embasbacamento musical assistindo aqueles três gênios naquele estádio. Desde a abertura com a conhecidíssima "Tom Sawyer", passando pelo êxtase coletivo em "YYZ" (que, ao que lembro, não teve o pessoal cantando as linhas instrumentais, como ficaria eternizado no DVD do show do Rio), minhas surpresas com as execuções de "The Trees", "Freewill" e, principalmente, "Natural Science" (três de minhas faixas favoritas da carreira da banda, e que a falta de informações que existia à época não me fazia sequer supor que a banda fosse tocar), a minha alegria com "Driven", que eu sempre gostei muito, mas que o pessoal parecia não conhecer direito, e, claro, o espetacular solo de bateria de Peart, ainda hoje não superado em técnica, emoção e sentimento por nenhum outro baterista que eu já tenha assistido ao vivo (quem presenciou algum show da banda em alguma turnê, sabe do que estou falando). Afinal, como alguém já escreveu, depois de presenciar um solo de Peart ao vivo, deveria ser proibido a qualquer outro baterista de rock de fazer um solo em show, sob o risco de passar vergonha perto do que este saudoso mestre fazia. Quem viu, há de concordar!

O final do show trouxe mais momentos marcantes, com "La Villa Strangiato" (outra faixa que adoro) e "Spirit Of Radio", que todos ali conheciam bem demais, e o bis ainda trouxe "By-Tor e Snow Dog", a introdução da primeira parte de "Cygnus X-1" e "Working Man", mas, confesso,não lembro bem da execução destas, ao contrário de boa parte das demais, as quais posso revisitar com frequência, graças a outro fato inusitado para aquela época: poucos dias depois do show, o dono de uma loja de discos da cidade, que eu frequentava com bastante regularidade, me informou que possuía uma gravação pirata do show, feita da plateia não sei como e não sei por quem. Era o hoje "famoso" CD Porto Alegre Trails, que muitos à época compraram, e que eu, claro, também adquiri. Ouvindo hoje, acostumados aos recursos digitais que possuímos, a gravação pode ser considerada como "horrível": há muito barulho de vento nas músicas, falas do público entre as mesmas, e, algo que não soube por anos (a internet foi quem me "contou", já na década seguinte): o repertório está incompleto (faltam "Closer To The Heart", que a banda incluiu no repertório da turnê apenas nestes shows brasileiros, ao que eu sei, a própria "Natural Science", e todo o bis). Mesmo assim, considerando-se que, à época, não se conseguia entrar nos shows sequer com uma câmera fotográfica analógica (com filme de rolo!), o fato de alguém ter gravado, de forma relativamente decente, praticamente toda a apresentação, e ter a possibilidade de ouvir a mesma vinte anos depois com uma qualidade de certa forma aceitável, como consigo hoje, chega perto de ser surreal (não são muitos os registros de shows da época que se encontram por aí, ainda mais os acontecidos em Porto Alegre, que, já na época, não era assim tão "prioritária" em termos de rotas para shows em turnês nacionais,algo que melhorou "um pouco" atualmente).


Lembranças e memorabilias do show de 20 anos atrás

Dois dias depois, o trio se apresentaria em São Paulo, e, no sábado, 23 de novembro, acontecia o histórico show registrado no DVD (e hoje também disponível em CD e vinil - eu tenho os três formatos). Alguns anos depois, em 10/10/2010, tive a oportunidade de assistir ao grupo mais uma vez, daquela feita no Rio de Janeiro, na turnê Time Machine Tour. Mas as circunstâncias eram completamente diferentes, e aquela primeira vez no Olímpico ficaria marcada para sempre nos presentes àquela data tão especial, mesmo vinte anos depois. E, creio eu, ainda vai ficar por muito tempo ainda!


Capa e Contracapa do CD Porto Alegre Trails

Set list:

Set 1:

Tom Sawyer

Distant Early Warning

New World Man

Roll the Bones

Earthshine

YYZ

The Pass

Bravado

The Big Money

The Trees

Freewill

Closer to the Heart

Natural Science

Set 2:

One Little Victory

Driven

Ghost Rider

Secret Touch

Dreamline

Red Sector A

Leave That Thing Alone

Drum Solo

Resist (acoustic)

2112 Part I: Overture

2112 Part II: The Temples of Syrinx

Limelight

La Villa Strangiato

The Spirit of Radio

Encore:

By-Tor & The Snow Dog

Cygnus X-1 (Prologue)

Working Man



sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Camisa de Vênus - Duplo Sentido [1987]


Por Micael Machado

Há uma série de postagens aqui no site onde o nosso colaborador Mairon Machado associou um disco do chamado BRock dos anos 1980 para cada um dos sete pecados capitais. Como a ambição não faz parte da lista de "pecados maiores" condenáveis pela Igreja Católica, acabou ficando de fora daquela relação, mas, se um disco do período tivesse de "encarnar" este sentimento, não haveria, na minha opinião, um álbum mais adequado do que Duplo Sentido, último registro da formação clássica do grupo baiano Camisa de Vênus, composta então por Marcelo Nova nos vocais, Karl Hummel e Gustavo Mullem nas guitarras, Robério Santana no baixo e Aldo Machado na bateria. Os motivos para eu fazer esta afirmação são, pelo menos, três: em primeiro lugar, obviamente, por ser um disco em vinil duplo, o primeiro (e um dos únicos) deste tipo naquela geração do rock brasileiro, pois a Legião Urbana, por exemplo, só veio a ter seu "duplo" (a compilação de apresentações ao vivo Música Para Acampamentos) lançado em 1992, e grupos como Titãs, Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Hawaii, Ultraje A Rigor ou Ira! nunca tiveram LPs editados neste formato; em segundo, pela imensa quantidade de convidados especiais que participam ao longo das dezessete faixas do álbum, indo de ícones como Raul Seixas (que dispensa apresentações), Manito (à época já ex-membro de grupos como Os Incríveis, Som Nosso de Cada Dia e Mutantes, e que depois ainda viria a gravar com o Ultraje A Rigor e a Patrulha do Espaço, dentre outros) ou Luiz Carlos Batera (percussionista que tocou com gente do porte de Tim Maia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, além de ter feito parte da Banda Black Rio), além de músicos reconhecidos nacionalmente, como o pianista Sérgio Kaffa (que, dentre outros, tocou com gente como Sá & Guarabyra, O Terço, Cezar De Mercês e Arnaldo Baptista), o também pianista Paulo Calasans (que já acompanhou artistas do porte de Djavan, Gal Costa, Gilberto Gil e Roberto Carlos, entre outros), o músico e ator Chiquinho Brandão (que, dentre outros, acompanhou Elis Regina ao vivo em parte de sua carreira), os gaitistas Ricardo Henrique e Mica Griecco, além das "backing vocalistas" Vera Natureza, Maria Aparecida de Souza (Cidinha), Rita Kfouri e Nadir, e da própria esposa de Marcelo Nova à época, Inez Silva. O terceiro motivo, e, para mim, o mais importante, é a imensa variedade de estilos musicais que o quinteto abrange nos quatro lados do LP.

Conta a lenda (e Marcelo confirma no excelente livro O Galope do Tempo, de André Barcinski), que o cantor ficou muito decepcionado com as atitudes e posicionamentos de alguns dos membros do grupo após o estrondoso sucesso de Correndo o Risco, terceiro disco do Camisa, lançado em 1986, e que vendeu, à época, quase trezentas mil cópias, levando o quinteto ao primeiro patamar do Rock Nacional de então (o tão falado BRock). Decidido a partir para uma carreira solo onde pudesse fazer algo diferente do que vinha gravando com a banda, Marcelo comunicou a decisão de sua saída do Camisa a seus colegas ainda antes do início das gravações para o que viria a ser  Duplo Sentido. Como os baianos ainda deviam dois discos para sua gravadora à época, a Warner, o próprio cantor se reuniu com o diretor André Midani para explicar que a banda estava se dissolvendo, e propor um álbum duplo para cumprir o acordo ainda pendente com o selo. Com a aceitação dos termos pelo executivo, e como não havia a pressão de ter de  superar as vendas do disco anterior, visto que a banda iria acabar de qualquer forma, os músicos, a meu ver, pareceram se ver livres para explorar várias de suas ambições musicais naquele que seria, então, seu último registro. Pelos sulcos do vinil original, passamos pelo "rock de FM" tão comum à época, na forma de músicas como "Muita Estrela, Pouca Constelação" (primeira parceria de Marcelo Nova com Raul Seixas, que participa como cantor na faixa, a qual chegou a ser lançada como compacto simples à época - vale lembrar que Marceleza e Raulzito gravariam posteriormente A Panela do Diabo, que, inclusive, representou a "preguiça" naquela série dos pecados citada lá no início do texto), "O País do Futuro" (que ganhou clipe e boa repercussão nas rádios naquele ano, além de contar com a percussão de Luiz Batera e uma temática na letra que, infelizmente, soa relevante ainda hoje) ou "Vôo 985"; rock and roll tradicional ("Chamam Isso Rock and Roll", para mim, uma das melhores letras da carreira do grupo, recheada por solos de gaita e sax, este a cargo de Manito, e cujo ritmo vai ganhando velocidade à medida que o arranjo se desenvolve); rocks mais "agitados" como "Lobo Espiatório" (com letra em solidariedade ao músico Lobão, à época constantemente perseguido pela polícia, e que abre com falas de Al Pacino retiradas do filme Scarface) ou "Ana Beatriz Jackson" (cuja temática da letra, muitos apontam, lembra a de "Billy Jean", de Michael Jackson); ecos da origem punk da banda (em "Após Calipso", que conta com inusitados solos de flauta, sax e violino a cargo de Manito); algo do pós punk reinante em certos períodos dos anos 1980 (em "O Suicídio Parte II", que retoma a temática lírica de "Pronto pro Suicídio", do autointitulado disco de estreia da banda, e na instrumental "Chuva Inflamável", a segunda deste formato lançada pela banda em toda a sua carreira - sendo a primeira uma versão para o tema da Pantera Cor de Rosa presente no segundo disco, Batalhões de Estranhos, de 1985); balada romântica acústica ("Deusa da Minha Cama", outra que conta com a percussão de Luiz Batera, e com a rápida participação da esposa de Marcelo em um "Bom Dia" falado em seu início); blues (na excelente "Me Dê uma Chance", um blues "rasgado" interpretado ao vivo no estúdio, e permeado por solos tanto de guitarra como de piano, por Paulo Calasans, sax, a cargo de Manito, e gaita, a cargo de Mica Griecco); e até uma versão moderna do tango argentino, em "O Último Tango" (que conta com Chiquinho Brandão no serrote).

Robério Santana, Aldo Machado, Gustavo Mullem e Marcelo Nova "apresentando" seu último registro juntos

No lado D, naquele que seria o último lado de um disco de vinil da banda ainda hoje (visto que os álbuns lançados após a "volta" do Camisa não foram editados neste formato), uma seleção de covers escolhidos apenas "para preencher o disco", como Marcelo coloca no livro citado acima. Se a correta e quase literal versão para "Aluga-se", de Raul Seixas (que inicia com o famoso "bordão" "Brasileiros e Brasileiras", do então presidente José Sarney) ou "A Canção do Martelo" (versão em português para "Hammer Song", da The Sensational Alex Harvey Band, que ficou ainda mais soturna que a sombria versão original, além de contar com um excelente solo de Órgão Hammond por parte de Manito) não chegam a ser surpresa para quem conhece os gostos musicais de Marceleza, também não o deveriam ser escolhas como "Farinha do Desprezo", de José Carlos Capinam e Jards Macalé (afinal, o Camisa já havia gravado "Gotham City", dos mesmos autores, no Batalhões de Estranhos), a qual, neste disco, ganhou tons de punk rock inusitados perto da acústica e "balançante" versão original, "Enigma" (composta por Adelino Moreira, a qual teve letra alterada por Marcelo, e também ganhou uma sonoridade quase punk), canção que ficou famosa na voz de Nelson Gonçalves (sendo que o Camisa já havia gravado no essencial Viva uma versão para "My Way", consagrada na voz inigualável de Frank Sinatra - e seria assim tão absurdo afirmar que Nelson Gonçalves é o equivalente brasileiro de Sinatra? Então, por que não gravá-lo em um disco de uma banda como esta?) ou "Canalha", de Walter Franco, outro artista que Marcelo sempre disse admirar (vale citar que a versão do Camisa, um rock agitado e "pegado", soa para mim muito superior àquela que os Titãs registrariam décadas depois no disco Nheengatu. Curiosamente, os mesmos Titãs também gravariam, anos depois do Camisa, uma versão para "Aluga-se", assim como os baianos fizeram neste disco aqui - e, para mim, com resultados também inferiores).

Segundo Marcelo, no livro citado acima, o disco "foi gravado num clima melancólico. Os integrantes da banda não se encontravam no estúdio (para gravar) ... e depois o Peninha foi juntando as partes (registradas em separado por cada músico) para completar o disco", referindo-se ao lendário produtor Pena Schmidt, um dos principais responsáveis por muitos dos discos de sucessos lançados pelo BRock naquela década, e que ficou com a "batata quente" nas mãos de produzir este registro que, ainda de acordo com Marceleza, seria "triste, melancólico, de final de etapa. Ali não tinha mais nada, só um contrato a cumprir". Apesar das palavras do vocalista, eu não o considero assim. Há, para mim, momentos muito interessantes ao longo de sua audição, e é inegável que o Camisa encontra-se em seu momento mais maduro, tanto musical quanto liricamente falando, no momento da gravação deste último registro. Eu quase incluí este disco na categoria dos "Discos Que Parece Que Só Eu Gosto" aqui do site, mas, honestamente, dos cinco registros da primeira fase dos baianos (os quatro de estúdio mais o fantástico ao vivo), este talvez seja o que menos me atrai, justamente por causa de sua pluralidade de estilos, que, a meu ver, deixam o álbum como um todo meio sem foco, sem direção, com boas e excelentes canções ao lado de outras que não me atraem tanto.


Contracapa da versão original em LP

Talvez o público da época tenha pensado o mesmo, pois o disco vendeu muito pouco (não consegui encontrar um número preciso, mas alguns sites falam em 40 mil cópias vendidas, quantidade muito abaixo das 300 mil do disco anterior), sem ter propriamente uma turnê de divulgação para ele (apenas algumas poucas entrevistas e outros poucos shows, sendo que um deles, no Ginásio do Ibirapuera em São Paulo, inclusive foi transmitido pela TV Cultura na época, e hoje encontra-se disponível no youtube), com este álbum duplo nunca tendo o reconhecimento que merece, aparentemente, nem mesmo por parte da banda. Tanto que, quando do "retorno" em 1995 (sem Gustavo e Aldo, que culminou no disco Quem É Você?, do ano seguinte), ou no show de 2004 que rendeu o DVD Ao Vivo No Festival De Verão Salvador (apenas com Marcelo, Karl e Gustavo da formação original), ou ainda na "volta" á ativa em 2015 (apenas com Marcelo e Robério), que já rendeu discos de estúdio e ao vivo, apenas a faixa "Muita Estrela, Pouca Constelação" acabou sendo lembrada nos palcos, com o grupo (ou seria apenas Marceleza?) desprezando totalmente as demais composições de seu "último registro". Uma pena, pois é um álbum que merece ser redescoberto, ainda mais agora que está próximo de completar 35 anos de idade (a serem "festejados" agora em outubro, em data incerta, segundo a página da wikipedia). E você, está disposto a dar mais uma chance a este registro de duplo sentido?

Track List da versão original em LP:

Lado A:

01. Lobo Espiatório

02. O País do Futuro

03. Ana Beatriz Jackson

04. Vôo 985

05. Após Calipso

Lado B:

01. Me Dê uma Chance

02. Deusa da Minha Cama

03. Chamam Isso Rock and Roll

Lado C

01. Muita Estrela, Pouca Constelação

02. O Último Tango

03. O Suicídio (Parte II)

04. Chuva Inflamável

Lado D

01. Enigma

02. Farinha do Desprezo

03. A Canção do Martelo

04. Aluga-se

05. Canalha

domingo, 4 de setembro de 2022

Neil Young and Crazy Horse - Toast [2022]


Por Micael Machado

No ano de 2000, o bardo canadense Neil Young estava enfrentando alguns problemas com seu longínquo casamento junto à sua então esposa Pegi Young (os dois viriam, efetivamente, a se divorciar em 2014), quando levou o seu melhor grupo de apoio em todos os tempos, o Crazy Horse (formado à época por Frank "Poncho" Sampedro nas guitarras e backing vocals, Billy Talbot no baixo e backing vocals, e Ralph Molina na bateria e também nos backing vocals), para dentro do estúdio Toast, em San Fancisco, visando registrar um novo álbum de composições inéditas. Mas os problemas pessoais de Neil acabaram transparecendo tanto nas letras quanto nas músicas registradas nestas sessões, e nem uma pausa nas gravações para uma turnê pela América do Sul no começo do ano seguinte (onde, dentre outros concertos, o canadense e o Cavalo Doido se apresentariam pela primeira - e, até agora, única - vez no Brasil, no Rock in Rio 3 de 2001) animou muito as coisas para o cantor, que acabaria abandonando em seus arquivos as faixas gravadas ao lado de seus velhos comparsas, e iniciando um novo projeto ao lado do lendário grupo de soul music Booker T. & the M.G.'s, que viria a ser lançado em 2002 sob o nome Are You Passionate?, trazendo, em algumas faixas, novas versões para algumas das músicas trabalhadas com o Cavalo Doido no ano anterior, sendo que o maior destaque do álbum (ao menos para mim), a faixa "Goin' Home", foi registrada durante aquelas sessões, sendo, desta forma, a única do álbum citado a contar com a participação do Crazy Horse (ainda que Frank Sampedro também faça parte do time de músicos que gravou o restante do álbum de 2002).

Ao longo dos anos, Neil chegou a comentar algumas vezes sobre a possibilidade de lançar oficialmente aquelas gravações abandonadas registradas em San Francisco, sendo que a ideia ganhou mais força quando o canadense e seus fiéis aliados voltaram a se reunir em 2011 para as sessões que resultariam nos álbuns Americana (do mesmo ano) e Psychedelic Pill (de 2012). Mas, como tantas vezes aconteceu ao longo da extensa carreira de Young, o lançamento do disco acabou sendo adiado várias e várias vezes, sendo que apenas em 2022 Toast, o álbum oficial com aquelas faixas registradas em 2000, viria a ser lançado no mercado, nas versões CD, vinil duplo (com o quarto lado em branco, ou "etched") e nas hoje obrigatórias plataformas digitais.

Neil Young e o Crazy Horse ao vivo no Rock In Rio 3 de 2001

Das sete faixas de Toast, apenas três não apareceram em versões diferentes em  Are You Passionate?. Uma delas, a "suingada" "Gateway of Love" (e seus mais de dez minutos), até constou na contracapa daquele álbum, embora efetivamente não fizesse parte do disco. Esta música chegou a ser executada diversas vezes ao vivo por Young desde então, assim como a agitada "Standing in the Light of Love", um dos grandes destaques de Toast, e da qual é possível encontrar várias versões ao vivo no youtube, inclusive uma apenas com a voz e o violão do bardo canadense, mas não menos interessante. Assim sendo, apenas o rockão "Timberline" (que me lembra algumas faixas de álbuns como Ragged Glory ou Broken Arrow) acaba sendo realmente "inédito" neste novo registro, sendo, as três, a melhor parte deste novo disco, ao lado de "Goin' Home", que reaparece aqui na mesma versão já disponibilizada antes no álbum de 2001.

Daquele disco, reaparecem "Quit" (em uma versão um pouco mais crua daquela que, para mim, é um "destaque menor" o registro de 2001, e que aqui perdeu o subtítulo "Don't Say You Love Me"), "Mr. Disappointment" (rebatizada como "How Ya Doin'?", com uma duração maior e alguns solos de guitarra adicionais) e "She's a Healer" (que virou "Boom Boom Boom", ganhou quase quatro minutos - passando, assim, dos treze ao total - e alguns solos de guitarra bastante interessantes, mas que ainda não fizeram com que ela se destacasse aos meus ouvidos).

Contracapa da versão em CD de Toast

Ao final da audição, fiquei com a impressão de que os pouco mais de cinquenta minutos de Toast acabam sendo válidos mesmo pelas três faixas "inéditas", todas com destaque dentre tantas faixas medianas que o bardo canadense lançou ao longo deste século. Mas o mérito maior é colocar "Goin' Home" ao lado de outras músicas do mesmo nível que ela, além de tornar praticamente dispensável a audição de Are You Passionate? daqui em diante (não fosse a presença de outra faixa interessante lá, a roqueiraça "Let's Roll", depois de conhecer estas "novas versões" para as músicas citadas certamente o álbum de 2001 não sairia tão cedo da prateleira para circular no meu CD player). Como já disse recentemente em uma resenha sobre o álbum BarnToast acaba sendo um disco "menor" na extensa carreira do bardo canadense, mas pode ser considerado um dos destaques dentre os lançamentos de Neil Young neste século. Confira!

Track List:

1. Quit

2. Standing In The Light Of Love

3. Goin' Home

4. Timberline

5. Gateway Of Love

6. How Ya Doin'?

7. Boom Boom Boom

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Neil Young and Crazy Horse - Barn [2021]


Por Micael Machado

Em 2019, Neil Young voltou a se reunir com sua melhor banda de apoio, o Crazy Horse, depois de sete anos separados, para a gravação e subsequente lançamento do álbum Colorado, do mesmo ano. Com o baixo e a bateria, respectivamente, a cargo de Billy Talbot e Ralph Molina, como sempre, o "Cavalo Doido" se viu desfalcado do guitarrista Frank “Poncho” Sampedro, que se aposentou do mundo da música, sendo substituído por um velho conhecido tanto do grupo como de Neil, o guitarrista/tecladista Nils Lofgren, que já havia tocado com o Crazy Horse antes do grupo se unir a Neil Young, e que participou como músico de apoio de diversos registros do canadense desde a década de 1970, não sendo, portanto, nenhum "estranho no ninho" em uma turma que toca junto, com esporádicas separações, desde o início dos anos setenta. Após poucos shows de divulgação ainda em 2019, a turnê conjunta de Neil e o Cavalo Doido foi suspensa, com planos de ser retomada em 2020, algo que se tornou impossível devido à pandemia do novo coronavírus.

Desta forma, Neil acabou, ao longo de esporádicas sessões ao longo de 2020 e 2021, colocando o cavalo doido dentro de um dos celeiros de uma de suas propriedades nos Estados Unidos, e registrando um novo álbum de estúdio, adequadamente chamado Barn (que significa "celeiro", em inglês, imóvel que, aliás, aparece na capa do disco), seu quadragésimo primeiro álbum de estúdio, e décimo quarto ao lado da Crazy Horse (segundo informações da wikipedia), lançado em dezembro de 2021 em diversos formatos, como vinil (nas edições "simples" e "limited", a qual vem com seis fotos tiradas durante as sessões de gravação), CD, cassete, além de uma edição "deluxe" com o vinil, o CD e um blu-ray (que apresenta um filme registrado ao longo das gravações, dirigido pela esposa de Young, a atriz Daryl Hannah), como pode ser visto na foto que abre esta matéria, além, claro, de estar disponível em todas as hoje obrigatórias plataformas digitais.

Billy Talbot, Ralph Molina e Nils Lofgren (ou o Crazy Horse atual) ao lado de Neil Young

Da união do bardo canadense com o Cavalo Doido, os fãs mais atentos logo esperam sons conduzidos por guitarras distorcidas e rascantes, além de solos e mais solos de guitarra longos e empolgantes por parte de Neil. Surpreendentemente, para mim, Barn oferece pouco desta "receita tradicional" da união destas duas forças. "Human Race" talvez seja a mais próxima desta expectativa que eu tinha para o disco, bem como a autobiográfica "Canerican", cujo solo final foi abruptamente "encerrado" por um fade out indevido, no maior pecado musical de todo o disco. A longa (mais de oito minutos) e tristonha "Welcome Back" me lembrou, por algum motivo, a clássica "Change Your Mind", de Sleeps with Angels, disco de 1994 de Young e do Crazy Horse (e sendo, também por isto, um dos destaques do track list para mim), sendo a também autobiográfica "Heading West" outra faixa que se encaixa nesta "receita", embora seja curta demais para se destacar no meio das demais.

No restante do disco, parece que temos um "passeio" ao longo de alguns momentos da discografia de Neil separado do Crazy Horse. Desta forma, poderíamos dizer que a balada acústica "Song of the Seasons", música de abertura e primeiro single do disco, não soaria deslocada no track list de Harvest Moon, de 1992, assim como outra balada balada tristonha, "They Might Be Lost", desta vez conduzida pelo piano e a harmônica, se encaixaria perfeitamente em um disco como Silver & Gold, de 2000. O blues de "Change Ain't Never Gonna" poderia muito bem estar em This Note's for You, de 1988, assim como a agitada "Shape of You", com seu piano rocker e a harmônica de Neil, precisaria de poucas mudanças para se ajustar às faixas de Everybody's Rockin', de 1983, enquanto tanto "Don't Forget Love" quanto "Tumblin' Thru the Years" (esta, conduzida por Neil ao piano) não soariam deslocadas em Are You Passionate?, de 2002.

Contracapa da edição em CD de Barn

Pelas citações a tantos discos do passado, parece claro que Barn não soará estranho ao fã mais atento à discografia do bardo canadense. Porém, este mesmo fã, dependendo do seu grau de devoção à obra de Young, há de perceber que nenhum dos álbuns citados na matéria se encontra na categoria de "clássico" na extensa discografia do canadense. Por razões como esta, posso afirmar que, na minha opinião, apesar de ser um dos melhores registros de Neil neste século (e olha que a concorrência é grande), os pouco menos de quarenta e três minutos de Barn formam um disco apenas "OK", e um dos mais fracos registrados pelo canadense ao lado do Cavalo Doido (excetuando-se, é claro, alguns "desvios de rota" cometidos ao longo da década de 1980). Mesmo assim, se você curte a obra desta verdadeira instituição do rock mundial que é o "canericano" Neil Young (como ele se refere a si mesmo em "Canerican"), é um disco que vale conferir, pois, certamente, não irá lhe decepcionar.

Track List:

1. Song of the Seasons

2. Heading West

3. Change Ain't Never Gonna

4. Canerican

5. Shape of You

6. They Might Be Lost

7. Human Race

8. Tumblin' Thru the Years

9. Welcome Back

10.Don't Forget Love

Dead Kennedys – Iguana Studios Rehearsal Tape - San Francisco 1978 [2018]

Por Micael Machado

Um dos principais álbuns do hardcore norte-americano (e, para mim, o melhor), Fresh Fruit For Rotting Vegetables, registro de estreia dos Dead Kennedys lançado em 1980, é, sem sombras de dúvidas, um clássico do punk rock mundial. Mas, como já se provou muitas vezes no mundo das artes, clássicos nem sempre nascem prontos, precisando de muito refino e trabalho para chegarem a este elevado patamar. Uma evidência de que isto também ocorreu com este disco está em Iguana Studios Rehearsal Tape - San Francisco 1978, lançamento especial em vinil do Record Store Day de 2018 (no ano seguinte, também disponibilizado em CD, devido à demanda do público) que finalmente disponibiliza oficialmente parte de uma sessão de ensaios da banda feita, como indicado no título, nos estúdios Iguana, de San Francisco (cidade natal do grupo) no ano de 1978, antes ainda do lançamento de seu primeiro single, a também clássica "California Über Alles", e quando os Kennedys ainda eram um quinteto, com a formação do primeiro disco (Jello Biafra nos vocais, East Bay Ray nas guitarras, Klaus Flouride no baixo e backing vocals e Ted na bateria) complementada pelo guitarrista base 6025, que deixaria a turma logo depois destas gravações (as quais, segundo o excelente livro Fresh Fruit For Rotting Vegetables - Os Primeiros Anos, de Alex Ogg, foram registradas em fita cassete por East Bay Ray no último ensaio de 6025 com a banda, "porque queríamos ter tudo o que sabíamos gravado para a posteridade", segundo Jello Biafra - o mesmo texto ainda afirma que a sessão teria ocorrido em 1979, e não em 1978, como se acredita). Clandestinamente, estas gravações circulavam entre os fãs do grupo já há algum tempo, mas foram "oficializadas" pela primeira vez para este lançamento especial, e, pelo que se pode ouvir, sem muitos tratamentos digitais ou aperfeiçoamentos técnicos para "mascarar" as limitações tecnológicas da época (o som é, no geral, abafado e por vezes bem embolado, como seria de esperar de uma gravação amadora de um ensaio de uma banda também praticamente amadora, e o som, por vezes, chega a "enrolar", como se houvesse uma falha na reprodução da fita K7, num "efeito de som" bastante comum àqueles criados ouvindo este tipo de mídia nos anos de 1980).

Das quatorze faixas de Fresh Fruit For Rotting Vegetables, seis aparecem em versões embrionárias aqui. A mais "surpreendente" delas é "Holiday In Cambodia", onde Jello canta num tom muito mais grave que no disco de estreia, e em um volume muito baixo, como se ainda não tivesse a letra finalizada ou decorada, e estivesse ainda "experimentando" com a mesma e sua melodia (a não ser no refrão, onde sua voz soa alta e potente). A citada "California Über Alles" também traz vocais mais graves do cantor, e sua parte final não é tão acelerada quanto as versões posteriores. Outra que tem sua velocidade bastante reduzida é "Kill The Poor", que também possui um solo de guitarra bem mais simples que o de sua versão posterior. Em "I Kill Children", alguns trechos da letra foram alterados, e falta a controversa frase inicial "God told me to skin you alive" ("Deus me disse para esfolá-lo vivo", em tradução livre), assim como alguns trechos de guitarra foram suprimidos (enquanto outros foram acrescidos) em "Forward To Death", mas as duas soam bem próximas de suas "versões finais" no disco de estreia, assim como "Your Emotions", que, das seis, é a que mais se aproxima de sua versão mais conhecida e apreciada pelos fãs.

O Dead Kennedys ao vivo como quinteto, em imagem presente na capa interna da versão em CD de Iguana Studios Rehearsal Tape - San Francisco 1978

"Man With The Dogs", que seria regravada para ser o "lado B" do primeiro single, também não apresenta muitas diferenças em relação à sua versão posterior, assim como a versão para "Rawhide", que seria regravada posteriormente para o primeiro EP da banda, o também indispensável In God We Trust, Inc., de 1981. Outra faixa deste EP, "Kepone Factory", tem uma espécie de "rascunho" neste registro, na forma de "Kepone Kids", e o pastiche debochado ao reggae (estilo abominado pelos Kennedys, mas que estava em alta à época pelo mundo) na forma de "Dreadlocks Of The Suburbs" já era há tempos conhecido pelo fãs que escutaram o bootleg Live at The Old Waldorf 1979. Sendo assim, as únicas faixas realmente "inéditas" deste ensaio são "Cold Fish", uma espécie de mistura de punk rock com rockabilly, permeada por muitos mini-solos de East Bay Ray, "Kidnap", um veloz hardcore que se encaixaria muito bem no primeiro registro da banda, caso tivesse sobrevivido até lá (e que tem um trecho no meio onde aparece um "hey hey hey" que parece copiado diretamente de um dos primeiros discos dos Ramones) e a estranha, sombria, quebrada, experimental e longa (uma das poucas na carreira da banda a passar dos cinco minutos de duração) "Mutations Of Today", totalmente diferente das demais, mas que, curiosamente, não soa totalmente estranha aquilo que os Kennedys fariam em seus dois últimos registros de estúdio. O citado livro de Alex Ogg ainda afirma haver algumas outras músicas "inéditas", como "B-Flag", "Take Down" "Undercover" e a instrumental "Psychopath", as quais, por motivos que desconheço, acabaram de fora dos pouco menos de trinta e oito minutos que compõem este lançamento.

As versões de Iguana Studios Rehearsal Tape - San Francisco 1978 deixam à mostra várias considerações sobre este Dead Kennedys em quinteto: East Bay Ray ainda não tinha desenvolvido plenamente seu estilo particular de solos de guitarra (onde, segundo li certa vez, cada solo de seu instrumento deveria soar como uma música independente dentro de sua própria música), Klaus e Ted formavam uma bela "cozinha" para o grupo (embora o baixo do primeiro tenha aqui um destaque menor do que aquele registrado no disco de estreia), Jello Biafra ainda não tinha desenvolvido seu característico vocal de "personagem de desenho animado" (cantando, como citado algumas vezes, em tons muito mais graves que posteriormente, e sem a mesma segurança e os característicos tons debochados que adotaria em sua versão posterior), e que 6025, como guitarrista base, infelizmente não acrescentava muito à banda, limitando-se a maior parte do tempo a copiar as mesmas linhas do baixo de Klaus, e aparecendo sem muito destaque na execução da músicas, mesmo durante os solos de East Bay Ray. Um pouco depois destas gravações, ainda segundo o livro de Ogg, ele faria mais um show com a banda (a três de maio de 1979, no Deaf Club de San Francisco, em gravação também disponibilizada em um registro oficial em 2004) e "abandonaria o barco", embora tenha retornado como convidado durante as gravações de Fresh Fruit For Rotting Vegetables (ele aparece como guitarrista base na versão de "Ill in the Head" daquele disco).

Contracapa da Versão em vinil de Iguana Studios Rehearsal Tape - San Francisco 1978

Se você for fã dos Dead Kennedys, Iguana Studios Rehearsal Tape - San Francisco 1978 é altamente recomendável, ainda mais se você for apreciador de Fresh Fruit For Rotting Vegetables (e existe algum fã dos Kennedys que não idolatre este disco?). Se você não conhece a banda, melhor começar por um dos outros registros citados ao longo do texto, deixando a audição destes ensaios para depois de ter feito sua "lição de casa" no que se trata da banda. Para mim, pessoalmente, que escuto várias dessas músicas há mais de trinta anos, é um prazer enorme conhecer "novas versões" para canções tão familiares a mim, e tão importantes para a minha formação musical na adolescência. Longa vida aos Kennedys Mortos!

Track List (versão em vinil):

Lado A:

1. Man With The Dogs

2. Kepone Kids

3. Forward To Death

4. Kill The Poor

5. Your Emotions

6. Dreadlocks Of The Suburbs

7. I Kill Children

Lado B:

1. Cold Fish

2. Holiday In Cambodia

3. Kidnap

4. Mutations Of Today

5. Rawhide

6. California Über Alles