domingo, 5 de dezembro de 2021

The Sisters Of Mercy – BBC Sessions 1982-1984 [2021]


Por Micael Machado

Os arquivos sonoros da rádio britânica BBC parecem ser infindáveis! Centenas (ou milhares) de bandas já se apresentaram ao vivo nos estúdios da emissora ao longo de décadas, e são incontáveis os registros destas apresentações que chegaram ao mercado em lançamentos cobiçados e valorizados pelos fãs de diversos estilos musicais. Um dos mais recentes lançamentos vindo desta fonte quase infinita é BBC Sessions 1982-1984, dos também britânicos The Sisters Of Mercy, lançado inicialmente exclusivamente em vinil (duplo, com o quarto lado sem gravações), para o Record Store Day deste ano, e, logo depois, em formato CD na Europa e, surpreendentemente, no nosso Brasil Varonil, através da gravadora Warner Music Brasil, constituindo-se no primeiro lançamento oficial da banda desde a coletânea Greatest Hits Volume One (A Slight Case Of Overbombing), de 1992, e no primeiro registro "ao vivo" de áudio do catálogo do grupo a ser lançado oficialmente, para alegria e deleite dos góticos remanescentes no país, e dos demais apreciadores da sonoridade das Irmãs da Piedade!

Sisters Of Mercy em 1982: Ben Gunn, Andrew Eldritch, Gary Marx e Craig Adams

Apreciadores estes que, talvez, não fiquem tão felizes assim... primeiro, porque, na época das gravações destes registros (como o próprio título entrega, entre 1982 e 1984, ou seja, antes ainda do primeiro full lenght oficial do grupo, First And Last And Alwayslançado apenas em 1985), o Sisters ainda não era o "monstro" pós punk que se tornaria pouco tempo depois (embora faixas como "Alice", "Valentine", "Walk Away" ou "Emma" possam ser consideradas verdadeiras pérolas do estilo), soando menos sombrio do que aquele que conquistaria o mundo a partir do citado LP de estreia, e, em maior escala, após Floodland, de 1987. Em segundo lugar, porque o Sisters of Mercy, formado, à época destas gravações, pelo vocalista Andrew Eldritch, pelo baixista Craig Adams, e pelos guitarristas Gary Marx e Ben Gunn (substituído nas gravações de 1984 por Wayne Hussey), tinha, no palco, algumas "limitações técnicas" por parte do "baterista" Doktor Avalanche (uma bateria eletrônica inicialmente bastante rudimentar, mas que, com o tempo, foi se expandindo e modernizando, chegando anos depois a assumir eventualmente as funções de "tecladista" e "baixista" da turma, além de ser o único "membro" presente em todas as formações, além de Eldritch), ficando impossibilitado de realizar muitas jams ou improvisos, o que faz com que as versões "live" de suas músicas acabem soando bem similares às versões de estúdio das mesmas, ainda mais em registros como estes, feitos sem a presença de público, e onde algumas faixas (como "Burn", "No Time To Cry" ou "Heartland") chegam até mesmo a contar com o recurso de "fade out", prática que eu considero lastimável em qualquer circunstância, mas quase criminosa quando é feita em um registro ao vivo.

Outro fator que pode causar desinteresse é que todas estas sessões já estavam disponíveis aos fãs mais dedicados em diversos bootlegs, tanto em CD quanto em vinil, lançados ao longo dos tempos, com este registro não trazendo nenhuma grande "novidade" para estes devotos seguidores, a não ser uma significativa melhora na qualidade dos áudios destas sessões, que iniciam-se em sete de setembro de 1982, em apresentação registrada para o programa do lendário John Peel, que compreende o lado A da versão em vinil. Aqui, temos as duas faixas do single Alice, do mesmo ano, mais uma cover para "1969", dos Stooges (que apareceria em versão diferente em 1983, em um EP também chamado Alice), além do primeiro registro oficial de "Good Things", uma composição interpretada pela banda desde seus primeiros shows em 1981, mas que nunca havia sido disponibilizada em nenhum dos lançamentos anteriores de sua vasta discografia (contando-se singles, EPs, álbuns e compilações), talvez por ser mais "roqueira" e menos "sombria' que suas colegas da época. Também foi no programa de John Peel, em 13 de julho de 1984, que o grupo, já com Hussey nas seis cordas, registrou a terceira sessão presente neste lançamento (compreendendo o lado C do vinil), a qual traz faixas registradas em estúdio nos singles Walk Away (do mesmo ano) e No Time To Cry (de 1985), além de uma versão para a faixa "Emma", canção que só seria disponibilizada oficialmente no single Dominion, de 1988, quando o Sisters já contava com uma formação bem diferente da que registrou aqui este clássico de sua discografia.

Sisters Of Mercy em 1984: Gary Marx, Andrew Eldritch, Craig Adams e Wayne Hussey

Completando o CD (e ocupando o lado B da versão em vinil), temos uma sessão gravada em seis de março de 1983 para o programa de David 'Kid' Jensen (portanto, ainda com Gunn na guitarra), que traz o lado B do single Temple Of Love (a já citada "Heartland") e duas faixas do EP The Reptile House (sendo ambos os lançamentos de 1983), além de uma curiosa versão para "Jolene", faixa originalmente gravada pela artista de country music Dolly Parton em 1973, e que acabou soando bastante "estranha" aos meus ouvidos, tanto por ter ficado bem diferente da original (e de várias das muitas versões desta música gravadas desde então), quanto por fugir um pouco ao estilo da sonoridade do Sisters à época...

Apesar das ressalvas feitas ao longo do texto, para os fãs da banda que nunca tiveram a oportunidade de ter ou ouvir um dos citados bootlegs presentes no mercado com estas versões, este lançamento é extremamente recomendado, sendo muito importante louvarmos a iniciativa da gravadora de lançar em nosso país uma versão nacional do mesmo, em uma época em que poucos registros novos acabam chegando ao mercado, e ainda por cima a um preço dentro do praticado atualmente, e não em valores exorbitantes como ocorreu com lançamentos ao vivo de algumas bandas maiores recentemente (alguém aqui falou em S&M 2 do Metallica? Eu não...). Portanto, se você curte esta sonoridade "gótica", e já é devoto das irmãs, tire o sobretudo do armário, ajeite sua maquiagem e curta os pouco menos de cinquenta minutos propiciados por este belo registro de Andrew Eldritch e sua turma quase quarenta anos atrás. Que este lançamento sirva para motivar o eterno líder do Sisters a disponibilizar oficialmente outros registros ao vivo de sua banda, especialmente aqueles que contenham algumas das várias músicas inéditas que a banda vem apresentando ao longo dos anos, e que nunca foram lançadas com boa qualidade sonora aos sedentos fãs das irmãs, que ainda tem de se contentar com versões registradas de forma amadora por outros fãs, e que estão disponíveis apenas nas diversas plataformas digitais existentes por aí. Ficamos todos aguardando!

Contracapa de BBC Sessions 1982-1984

Track List (versão em CD):

John Peel Session 1982

1. 1969

2. Alice

3. Good Things

4. Floorshow


David 'Kid' Jensen Session 1983

5. Heartland

6. Jolene

7. Valentine

8. Burn


John Peel Session 1984

9. Walk Away

10. Poison Door

11. No Time To Cry

12. Emma

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

The Jimi Hendrix Experience - Miami Pop Festival [2013]

 


Por Micael Machado

Quando se pensa nos principais registros de Jimi Hendrix ao vivo, os mais lembrados certamente são os de sua apresentação no Monterey Pop Festival (onde ele, ritualisticamente, queimou sua guitarra e entrou definitivamente para a história), o show do Festival de Woodstock (e sua imortal versão para "The Star-Spangled Banner", o hino nacional norte-americano), e as quatro apresentações no Fillmore East na virada de ano de 1969 para 1970, que foram compiladas no LP Band of Gypsys (além de diversos outros lançamentos saídos da mesma fonte). Um registro que certamente mereceria estar entre estes é o da apresentação da Jimi Hendrix Experience no Miami Pop Festival. Ocorrido entre 18 e 19 de maio de 1968 em uma pista para corrida de cavalos chamada Gulfstream Park, na cidade de Hallandale, na Florida, o festival contou com nomes como The Mothers of Invention, Steppenwolf, The Crazy World of Arthur Brown e Blue Cheer, além dos legendários Chuck Berry e John Lee Hooker, com a Experience (que havia lançado seu segundo registo, Axis: Bold as Love, meses antes) tocando duas vezes no sábado, em uma apresentação à tarde e outra à noite, sendo esta apresentada na íntegra no disco lançado (em CD e vinil duplo) pela família do guitarrista em 2013.

Focando seu repertório nas faixas do disco de estreia (Are You Experienced?, de 1967), o trio composto, além de Hendrix (vocais, guitarra), por Noel Redding (baixo e backing vocals) e Mitch Mitchell na bateria, estava em uma noite inspirada, e, tanto em repertório quanto na qualidade das performances, o show pode ser categorizado, a meu ver, como uma das melhores apresentações do grupo já lançadas oficialmente. Em pouco menos de uma hora de concerto, a banda passa por clássicos como "Hey Joe", "Foxey Lady" e "Fire", além de registros mais "obscuros" como "Tax Free" (cujo registro oficial de estúdio, gravado no começo daquele mesmo mês de maio, só apareceria oficialmente anos depois no "disco de sobras" War Heroes, de 1972), e duas de minhas faixas favoritas da discografia do guitarrista, "I Don't Live Today" (que, sozinha, serve para mostrar que Mitchell é tão genial na bateria quanto Hendrix é na guitarra) e "Hear My Train A Comin'" (cuja primeira versão elétrica "oficial" só apareceria em 1975, no controverso lançamento Midnight Lightning). Até mesmo o improviso instrumental do trio que serve como introdução ao show já bastaria para demonstrar o imenso talento e musicalidade do trio sobre um palco, sendo tanto imperdível quanto curto demais!

Jimi Hendrix no palco do Miami Pop Festival 

Encerrando a noite, temos uma longa versão para "Red House" (com um extenso e maravilhoso solo de Hendrix), com tudo culminando em uma versão repleta de improvisos para "Purple Haze", em uma apresentação  que, certamente, agradou aqueles que, à época, já estivessem ligados no músico mais cool do momento nos Estados Unidos, com este disco sendo, definitivamente, um item obrigatório àqueles que, ainda hoje, apreciam a obra do maior guitarrista que já passou pelo planeta.

O álbum ainda conta com duas faixas bônus retiradas da performance vespertina, uma excitante "Fire" e uma versão estendida e com diversos improvisos para "Foxey Lady", servindo para nos deixar com "água na boca" para ouvirmos o registro completo daquele show, infelizmente, ainda inédito em formato físico (estas duas faixas também foram lançadas em um single de 45rpm de forma limitada no Record Store Day de 2013, além de uma filmagem oficial de "Foxey Lady" ter sido lançada oficialmente pela família naquele mesmo ano), e também traz um belíssimo encarte repleto de fotos inéditas e um interessante texto relatando algumas histórias sobre a concepção do festival e a participação da Experience no mesmo (além de revelar que deveriam ter acontecido outros dois shows do trio no domingo, no segundo dia do  festival, mas uma tempestade de verão acabou cancelando várias apresentações, dentre elas a de Jimi, que, no caminho de volta ao hotel, no banco de trás de uma limusine, compôs a letra do que viria a ser "Rainy Day, Dream Away", faixa presente no disco Electric Ladyland, também de 1968). Como já coloquei, o álbum Miami Pop Festival traz uma das melhores performances que já ouvi de Hendrix ao vivo, e é, a meu ver, extremamente recomendado aos fãs daquele que, ainda hoje, é reverenciado como um dos maiores mestres da guitarra elétrica a passar pelo planeta. Se você também faz parte do culto a Jimi e ainda não conhece este registro, é seu dever ouvir este disco e corrigir esta falha. Faça-o, imediatamente!

Contracapa de Miami Pop Festival 


Track List:

1. Introduction

2. Hey Joe

3. Foxey Lady

4. Tax Free

5. Fire

6. Hear My Train A Comin'

7. I Don't Live Today

8. Red House

9. Purple Haze

Bonus Performances:

10. Fire [Afternoon Show]

11. Foxey Lady [Afternoon Show]

Neil Young - The Times [2020]


Por Micael Machado

"Os tempos estão mudando"! Esta frase, uma tradução livre do título de uma das mais conhecidas canções de Bob Dylan, poucas vezes foi tão adequada ao momento da raça humana quanto a tudo o que ocorreu no ano de 2020, com a ameaça da COVID-19 e todas as restrições que o coronavirus impôs a todos nós (e, em alguns casos, especialmente em certos países sul-americanos liderados por negacionistas da pandemia, continua impondo). Uma das classes trabalhadoras mais afetadas foi a dos músicos, que, impossibilitados, de uma hora para outra, de excursionar e fazer shows, se viram obrigados a partir para soluções alternativas para continuar em relevância, ou mesmo, em alguns casos, conseguir pagar as contas. Muitos preferiram resgatar antigas apresentações (inéditas ou não) e transmiti-las em seus canais oficiais para seu sedento (e confinado em casa) público ao redor do mundo, enquanto outros partiram para a transmissão de "lives" pelas redes sociais, fossem elas realmente "ao vivo" ou apresentações especiais pré-gravadas.

Um dos artistas que adotou esta alternativa foi o bardo canadense Neil Young, que transmitiu através de seu site, ao longo daquele ano, uma série de vídeos chamados "The Fireside Sessions" ("Sessões ao Lado do Fogo", em tradução livre), onde o músico, isolado em seu rancho no Colorado, acompanhado apenas por sua nova esposa, a atriz Daryl Hannah (responsável pela captação tanto do áudio quanto das imagens em seu iPad), e tendo por audiência um gato, alguns cachorros e outro tanto de aves completamente desinteressadas, como galinhas e gansos, interpretava algumas de suas muitas composições no esquema "voz e violão" (e, ocasionalmente, harmônica - ou gaita de boca, como também é conhecida), algo comum à trajetória de Young desde antes de se lançar como artista solo, ainda na década de 1960. Uma destas sessões, realizada no início de julho de 2020, teve seu lançamento oficial em setembro daquele ano no formato do EP The Times, primeiro apenas através de streaming no site de Neil e pelo serviço Amazon Music HD, mas depois também nos formatos CD e LP, pela gravadora de longa data de Young, a Reprise Records.

O bardo canadense Neil Young, na varanda de seu rancho no Colorado

Pode-se dizer que os pouco menos de vinte e sete minutos de The Times o tornam no lançamento mais "político" de Young desde Living With War, de 2006, cujas letras e o conceito traziam duras críticas à administração de George W. Bush. Foi daquele álbum que Neil resgatou "Lookin' for a Leader", que teve título (virou "Lookin' for a Leader 2020") e letra atualizados para se tornar uma pesada crítica à administração de Donald Trump (em versos como "América tem um líder / Construindo muros ao redor de nossas casas / Ele não sabe que vidas negras importam / E nós temos que votá-lo para fora") e em apoio à candidatura de Joe Biden ("Sim, tivemos Barack Obama / E nós realmente precisamos dele agora /O homem que estava atrás dele / Tem que tomar seu lugar de algum jeito", lembrando que Biden era vice-presidente durante a administração Obama), que viria, felizmente, a vencer as eleições daquele ano nos EUA. A temática política também está presente nas letras de clássicos como "Alabama" e "Southern Man" (ambas com pesadas críticas ao modo de vida e mentalidade cultural no sul dos EUA, com fortes tendências de segregação racial e absolutismo religioso tanto nos anos 1970, quando foram escritas, quanto hoje em dia) ou "Ohio", o protesto do bardo ao massacre da Universidade de Kent State em 1970, e "Campaigner", onde o músico cita o ex-presidente norte-americano Richard Nixon, dizendo que "mesmo ele tinha uma alma", e que aqui aparece em uma rara interpretação ao vivo.

Fechando o track list do EP, há uma versão para a canção citada no início deste texto (para quem não "captou", a música é "The Times They Are A-Changin’", lançada por Dylan em 1964 - e uma composição com os versos "Venham senadores e congressistas / Por favor, atendam ao chamado / Não fiquem parados na porta / Não bloqueiem o corredor / Há uma batalha furiosa lá fora" certamente se adapta ao conceito deste lançamento) e uma raríssima rendição ao vivo para "Little Wing", faixa lançada originalmente em 1980 (no álbum Hawks & Doves) e, a princípio, a única a fugir da temática deste disco. Mas, quando se pensa que a mesma, segundo algumas interpretações, é um simbolismo para o ressurgimento da vida na natureza após a passagem do inverno (citado na letra como "a melhor das estações"), a faixa, que encerra o EP, acaba soando como uma esperança de novos tempos, longe da obscuridade e das trevas culturais trazidas aos EUA com a administração Trump, a qual, por mais malévola e destrutiva que tenha sido, infelizmente ainda influencia governos em outras partes do mundo, especialmente, como citado antes, em certos países sul-americanos liderados por negacionistas da pandemia. Tenhamos todos, enfim, esperança de tempos melhores, afinal, "The Times, They Are A-Changin’".


Contracapa de The Times

Track List:

1. "Alabama"

2. "Campaigner"

3. "Ohio"

4. "The Times They Are A-Changin’"

5. "Lookin’ for a Leader 2020"

6. "Southern Man"

7. "Little Wing"

sábado, 8 de maio de 2021

Renaissance – The Other Woman [1994]


Por Micael Machado

Em 1987, após dois discos mais voltados para a música pop (Camera Camera, de 1981 e Time Line, de 1983, verdadeiros "fiascos" aos ouvidos dos antigos fãs e também em termos comerciais) e de um período de relativa inatividade após a saída do baixista Jon Camp, em 1984, a parceria musical entre a vocalista Annie Haslam e o violonista e compositor Michael Dunford chegava ao final, acabando assim com a trajetória gloriosa do grupo britânico Renaissance, com a última apresentação da turma ocorrendo em 6 de junho de 1987 em New Jersey, nos Estados Unidos. Annie investiu em sua carreira solo (iniciada ainda em 1977, mas cujo segundo disco sairia apenas em 1989), e Dunford dedicou-se a elaborar um musical baseado na suíte "Song of Scheherazade", lançada por sua então ex-banda no álbum Scheherazade and Other Stories, de 1975. Durante workshops para selecionar o elenco de seu novo empreendimento, o músico conheceu a cantora americana Stephanie Adlington, cujo talento fez Michael desistir da ideia do musical e montar uma banda para gravar algumas de suas novas composições instrumentais, chamando para compor a parte lírica a antiga parceira Betty Thatcher Newsinger, letrista da maioria das composições do Renaissance desde a primeira encarnação do grupo, em 1969. Com Phil Mulford no baixo, Dave Dowle na bateria, Stuart Bradbury nas guitarras e Andy Spillar nos teclados e programações, gravaram então um álbum com o sugestivo título de The Other Woman em 1994, disco responsável por trazer o Renaissance de volta à vida!

Com uma sonoridade ainda mais contestada pelos fãs do que os dois equivocados "últimos" registros da banda, as canções de The Other Woman podem, de forma simplificada, serem divididas em dois grupos, sendo o primeiro deles o das músicas com tendências mais "pop" e "dançantes", recheadas de efeitos de teclados e alguns sons de bateria que já soavam datados antes mesmo de serem gravados. Dentre esta turma, o maior destaque vai para a faixa de abertura, "Deja Vu" (composição "balançada" que talvez tivesse chance de emplacar na onda "disco" do final da década de ouro do grupo, mas soava totalmente deslocada em uma época que via o declínio do grunge e a consagração do rock alternativo e do rap no meio musical), e para a longa "Somewhere West Of Here", única do disco a ultrapassar os seis minutos, com trechos de teclados e violões que chegam a lembrar, bem de longe, algo do trabalho da banda na década de 1970. "Quicksilver" conta com a participação do guitarrista convidado Rory Wilson (ex-integrante do Broken Home, grupo britânico totalmente desconhecido para mim), e "Don't Talk" é capaz de causar crises em quem sofrer de diabetes, com o alto nível de "açúcar" e "sacarose" de seu arranjo.

Detalhe do encarte de The Other Woman, com total destaque para a cantora Stephanie Adlington

O segundo grupo é o das baladas com maior ou menor intensidade de emoções. Nesta área, Dunford se sai bem melhor, pois a bela voz de Adlington (bastante agradável, preciso reconhecer, mas longe do alcance fantástico de sua antecessora) aparece com mais destaque, e as faixas não soam tão deslocadas no tempo quanto suas colegas de track list. "Lock In On Love" tem um belo e emocionante arranjo, enquanto a curtinha "May You Be Blessed" (cuja duração nem chega a dois minutos) é levada por camas de teclados e alguns trechos esparsos de piano que a tornam realmente bela. Levada ao violão, "So Blasé" possui elementos que a tornam mais "comum" dentro de seu estilo de composição, enquanto a faixa título trata dos problemas pessoais que Thatcher estava enfrentado naquele momento, com o final de um relacionamento (tema que também aparece, com menos ênfase,  em outras faixas do álbum). O disco ainda conta com uma versão para "Love Lies, Love Dies", curiosamente lançada (com resultados melhores) por Annie Haslam naquele mesmo ano, no álbum Blessing In Disguise, e um novo arranjo para "Northern Lights", que já havia aparecido no disco A Song for All Seasons, de 1978, cujo single da versão original se tornou o de maior sucesso na carreira do Renaissance até hoje (e cuja regravação presente aqui a torna, obrigatoriamente, também a faixa de maior destaque deste registro, embora, a meu ver, inferior àquela com os vocais de Haslam).

Com o álbum tendo sido lançado pela gravadora britânica HTD Records (segundo o Discogs, apenas em CD, sem edições em vinil ou cassete), a arte gráfica da versão original é toda focada em Stephanie Adlington, com várias repetições da mesma foto de seu rosto ao longo das páginas do encarte, além de uma foto sua à beira da água na contracapa e uma outra mais "posada" no início do livreto. O disco não teve destaque nas paradas, o que não impediu Dunford e Adlington de lançarem um segundo registro, Ocean Gypsy, em 1997, contendo versões acústicas de destaques anteriores da carreira do grupo, que aqui aparece sob o nome Michael Dunford's Renaissance (o que também acontece na compilação Trip To The Fair, de 1998, que traz um apanhado de faixas dos dois lançamentos anteriores da dupla), o que fez com que a banda nos três álbuns passasse a ser chamada deste modo por fãs e imprensa, algo que não é indicado na capa de The Other Woman, creditado apenas ao Renaissance. 

Contracapa da versão original de The Other Woman

Michael Dunford e Annie Haslam voltariam a se reunir em 1998 em uma nova encarnação do Renaissance (que também trazia o baterista Terence Sullivan e o pianista John Tout da "formação clássica" dos anos 1970, e que viria a lançar o álbum Tuscany em 2001), o que "enterrou" de vez o trabalho da parceria entre Dunford e Adlington, com a cantora retornando aos Estados Unidos para ensinar canto na Nashville’s Belmont University, além de ter uma quase inexpressiva carreira solo mais voltada para o jazz. Já Dunford excursionou junto a Haslam e o Renaissance naquele 2001, com a dupla continuando a trabalhar junta nos anos seguintes, mas com Michael infelizmente vindo a falecer de hemorragia cerebral em 2012, época em que trabalhava no que viria a ser Grandine il Vento, disco lançado em sua memória no ano seguinte. Annie segue à frente de uma nova encarnação do Renaissance, sem o acompanhamento de nenhum dos membros da "época de ouro", e parece que a "chama" do grupo não irá se apagar tão cedo, apesar de contar com alguns momentos onde brilhou de forma mais fraca, como neste The Other Woman.

Track List:

1. Deja Vu

2. Love Lies, Love Dies

3. Don't Talk

4. The Other Woman

5. Lock In On Love

6. Northern Lights

7. So Blasé

8. Quicksilver

9. May You Be Blessed

10. Somewhere West Of Here

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Sex Pistols - Filthy Lucre Live [1996]



Por Micael Machado

Durante pouco mais de dois anos entre 1976 e 1978, os Sex Pistols escandalizaram a Grã-Bretanha falando palavrões ao vivo na televisão, criticando a monarquia, proclamando que "não havia futuro" para a juventude inglesa, sendo presos algumas vezes, literalmente cuspindo na cara da sociedade e chocando por diversas vezes os conservadores cidadãos da ilha. Após uma bem sucedida (e cheia de confusões) turnê pelos Estados Unidos, o quarteto se separou, com seus membros originais seguindo carreiras mais (no caso do vocalista Johnny Rotten, "rebatizado" John Lydon após sair da banda) ou menos (no caso do guitarrista Steve Jones, do baixista Glen Matlock e do baterista Paul Cook) bem sucedidas no ramo da música, mas conquistando novos fãs a cada geração surgida após os anos 1970, além do profundo impacto no mundo da música que causaram não só naqueles que os viram ao vivo em sua curta primeira era de atividades, mas também naqueles que ouviram seu único disco de estúdio (Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols, de 1977) durante os anos de inatividade do grupo. Um boato de reunião da turma era levantado vez por outra na imprensa, mas Lydon sempre deixou claro que não tinha interesse em um retorno, a não ser que muita grana fosse paga aos membros ainda vivos dos Pistols (isso porque, como é sabido, o carismático baixista Sid Vicious, que substituiu Matlock em 1977, morreu de overdose no começo de 1979).

E a grana oferecida aos músicos deve ter sido realmente boa, pois os "quatro cavaleiros" originais do punk britânico acabaram se unindo para uma turnê mundial de seis meses em 1996, passando por quatro continentes em 78 datas, na excursão "Filthy Lucre Tour" (ou "Turnê do Lucro Sujo", em tradução livre), com Lydon berrando aos quatro ventos que a digressão aconteceria apenas pelo dinheiro que cada um ganharia (reportagens da época falavam em 1,2 milhão de dólares para cada um), excursão esta que inclusive chegou a passar pelo Brasil (com shows no Rio de Janeiro e em São Paulo em novembro daquele ano), e deixou para a posteridade o álbum Filthy Lucre Live, gravado em um festival no Finsbury Park de Londres a 23 de Junho de 1996, no primeiro concerto dos Pistols em sua terra natal em dezoito anos, o qual atraiu mais de trinta mil fãs, segundo reportagens da época - as quais, é claro, consideraram esta volta meramente pela grana como um mero pastiche, onde a banda estaria "envergonhando seu passado", algo do qual discordo, pelo menos na parte musical da coisa toda.

Os Sex Pistols no palco em Finsbury Park: Glen Matlock, Paul Cook, Johnny Rotten e Steve Jones 

Afinal, como alguém escreveu certa vez, os músicos dos Pistols realmente parecem ter aprendido a tocar seus instrumentos durante o período em que ficaram separados, pois comparar os pouco mais de cinquenta minutos de Filthy Lucre Live a qualquer um dos muitos bootlegs do grupo em sua primeira encarnação chega a ser covardia, visto que, se a fúria, a garra, o espírito ofensivo juvenil e o "sangue nos olhos" dos garotos de 1977 já não existem nos "senhores" de 1996, o profissionalismo, o nítido ganho em termos de experiência nos palcos e a segurança nas execuções dos temas (todas as musicas de Never Mind the Bollocks, mais dois B-Sides do disco e uma faixa de The Great Rock 'n' Roll Swindle, a trilha sonora do amalucado filme imaginado e concebido pelo ex-empresário Malcolm McLaren, o verdadeiro cérebro por trás da formação do grupo ainda no final de 1975) compensam com sobras a falta de "agressividade punk" da primeira encarnação da banda. Temas como "God Save the Queen", "EMI", "Anarchy in the U.K." e "Pretty Vacant" são interpretados de forma honesta e empolgante - e talvez um pouco "corretos" demais para uma banda punk, mas, ainda assim, conseguindo cativar a quem os escuta neste disco. Mesmo canções "menores" como "Seventeen" (onde Lydon atrasa sua entrada, aparentemente para ficar apenas curtindo o pessoal cantar os primeiros versos), "Did You No Wrong", a cover para "(I'm Not Your) Steppin' Stone" ou a "lenta" "Submission" (uma de minhas favoritas na curta discografia do grupo) são executadas com respeito e dedicação às suas versões originais (algo do qual o punk nunca precisou ou se importou, mas que é legal de ouvir em uma banda aparentemente movida apenas por motivações financeiras para tocar junta), além de umas poucas mudanças de arranjo aqui e ali, que só fazem mostrar a evolução técnica dos músicos nos quase vinte anos em que estiveram separados.

Contracapa de Filthy Lucre Live

O show foi transmitido à época pela BBC britânica, podendo ser encontrado por aí em algumas versões bootlegs (as quais possuem a encore "No Fun", por alguma razão desconhecida para mim não incluída neste CD, além de, dizem as más línguas, não contar com tantas "edições de estúdio" quanto a versão oficial, algo que não posso confirmar), e, após o término da excursão, cada membro voltou a seguir seu próprio caminho musical, reunindo-se ainda vez por outra para alguma ocasião especial (e, certamente, para encher ainda mais os bolsos de grana, suja ou não), sendo que as últimas aparições públicas do quarteto, pelo menos por enquanto, foram em uma série de festivais europeus em 2008. Mas, sabem como é, se a crise apertar ou se a grana jorrar, certamente os "punks ingleses originais" não irão se negar a sair de suas jacuzzis e subir em um palco para trazer alegria, diversão e boa música aos fãs dos Pistols. Esses itens, certamente, você encontrará em Filthy Lucre Live, um belo registro de uma volta aos palcos que, mesmo tendo acontecido apenas por razões comerciais (e quantas outras não foram exatamente assim nos últimos anos, embora não de forma tão escancarada?), com certeza conseguiu agradar a quem pôde participar de alguma de suas escalas (alguém que os viu no Rio ou em Sampa pode confirmar nos comentários?). Infelizmente, eu não tive esta oportunidade na época, então, me contento apenas com a audição deste belo registro, que, segundo o Discogs, ainda saiu em uma rara versão "box", contendo um CD extra com cinco faixas do álbum Never Mind the Bollocks e alguns itens exclusivos, como uma garrafinha de água, uma camiseta e uma nota assinada por Lydon, mas da qual nunca tive a chance de encontrar.

Track List:

01. Bodies

02.  Seventeen

03. New York

04. No Feelings

05. Did You No Wrong

06. God Save The Queen

07. Liar!

08. Satellite

09. (I'm Not Your) Steppin Stone

10. Holidays In The Sun

11. Submission

12. Pretty Vacant

13. EMI

14. Anarchy In The Uk

15. Problems

domingo, 28 de março de 2021

Pit Passarell - Praticamente Nada [2020]


Por Micael Machado

O músico Pit Passarell fez história no Heavy Metal nacional como fundador, principal compositor, baixista e depois vocalista do grupo paulistano Viper, responsável por alguns dos mais emblemáticos registros do gênero já lançados no país. Mas o artista também possui um lado mais leve, e suas composições de estilo mais próximo ao BRock dos anos 80 vem aparecendo aqui e ali em discos de outros grupos (principalmente o Capital Inicial, aproximação que se aprofundou ainda mais com a entrada do irmão de Pit, o guitarrista Yves Passarell, para a banda de Brasília em 2001) desde o final do século passado, pelo menos, além de compor boa parte do disco Tem pra Todo Mundo, lançado pelo próprio grupo original de Pit em 1996. Pois, em 2020, o ainda integrante do Viper resolveu juntar algumas destas composições a outras ainda inéditas, e lançar seu primeiro registro solo, intitulado Praticamente Nada, em um belo disco de "rock nacional", como atesta uma espécie de "obi" que acompanha a edição em CD lançada pelo selo Encore Music com apoio do site Wikimetal. Nesta empreitada, Pit se dedica apenas aos vocais, tendo a companhia de Flávio Simões no baixo, Wesley Maldonado na bateria, Cris Simões nos teclados e violões (além de assinar a produção do álbum), e conta com a presença dos guitarristas Eduardo Simões, Sílvio Vartan e Augusto Nogueira (além do já citado Yves) se alternando nas guitarras (infelizmente, o encarte não especifica quem toca em qual faixa).

Mais da metade do repertório já apareceu ao longo da carreira do Capital Inicial, sendo certamente as mais conhecidas as faixas "O Mundo" (escolhida como o primeiro single de divulgação de Praticamente Nada, tendo aparecido em Atrás dos Olhos, de 1998, e que na versão do autor soa bastante curiosa sem o característico "tchu ru ru" da introdução, substituído por um interessante fraseado de guitarra) e "Depois da Meia-Noite", inicialmente lançada em Das Kapital, de 2010 (e que aqui ganha um arranjo um pouco mais pesado que a versão do grupo candango). "Algum Dia", que apareceu com destaque no disco Rosas e Vinho Tinto, de 2002, ganha um novo arranjo, com a presença de violões e um vocal mais agressivo por parte de Pit, enquanto "Instinto Selvagem" (que já tinha uma atmosfera quase punk com o Capital, mas que ganha mais "sujeira" aqui, além de um excelente solo de guitarra) e "Seus Olhos" (que se distancia da forma mais pop do registro dos brasilienses, sem se descaracterizar totalmente, e também lançada como single) são duas faixas que apareceram em Gigante!, lançado em 2004. "Vamos Comemorar" (outra de Das Kapital) e "Poucas Horas" (do disco Saturno, de 2012) ganham letras diferentes na versão de seu compositor original, especialmente a segunda, que manteve praticamente apenas o seu refrão marcado pelo característico e repetitivo "tudo vai ficar bem". Para o meu gosto, estas "novas" versões com Pit acabam soando mais agradáveis que as "antigas", pois não possuem um viés tão "pop rock" quanto aquelas registrada pelo grupo de Brasília, além da voz de Pit ser bem mais "roqueira" que a de Dinho Ouro Preto, se encaixando melhor à cara mais "pesada" que o compositor deu às suas próprias versões.

Pit Passarell: o músico que fez história com o Viper lança seu primeiro registro solo, apostando no rock nacional.

Algumas faixas já haviam sido registradas por outros projetos capitaneados por Passarell, como o Metanol (com quem o músico gravou "Revolução na Cidade", que apresenta uma certa pegada punk) e os The Lucratives, banda formada por boa parte dos músicos envolvidos no CD, e com quem Pit lançou, ainda em 2008, além de algumas das faixas que também integram Praticamente Nada citadas no parágrafo acima, a veloz "Veloset", uma das duas únicas faixas deste álbum com versos em inglês (a outra é a semi balada "Love of My Life", única cuja maioria das frases principais são gravados na língua que consagrou a banda principal de Pit). A balançada  "A Minha Vida Vai Ser Bem Melhor" (com algo de rock clássico dos anos 50 no refrão), a faixa título e a cadenciada "Que Seja Eterno o Nosso Amor" (lançada como segundo single de Praticamente Nada) - estas duas, composições que, apesar de também apresentarem algo de punk rock em seu arranjo, não se diferenciam tanto assim de outras músicas compostas por Pit e já registradas anteriormente pelo Capital - são as únicas das quais não consegui encontrar um registro anterior, e servem, assim como as demais faixas do álbum, para mostrar que Passarell tem um dom para compor faixas marcantes não só no heavy metal clássico que o consagrou, mas também na seara do rock nacional de viés mais oitentista (e, cabe dizer, a quantidade de refrões marcantes que este disco apresenta é, sem dúvidas, muito acima da média).

Praticamente Nada não é (nem pretende ser) um disco de Heavy Metal, e, se você for um "metaleiro" com a mente mais fechada a outros estilos, sugiro que fuja da audição deste álbum. Mas, se, como eu, tiver alguma ligação com o BRock dos anos 80, ou for fã do estilo musical do próprio Capital Inicial, certamente encontrará aqui um álbum bastante agradável de ouvir. Confira!

Contracapa de Praticamente Nada 


Track List:

1. Veloset

2. Algum Dia

3. Praticamente Nada

4. O Mundo

5. Seus Olhos

6. Instinto Selvagem

7. Poucas Horas

8. Vamos Comemorar

9. Revolução na Cidade

10. Que Seja Eterno o Nosso Amor

11. Depois da Meia-Noite

12. A Minha Vida Vai Ser Bem Melhor

13. Love of My Life

domingo, 21 de fevereiro de 2021

The Doors - Live at London Fog 1966 [2016]


Por Micael Machado

Considerado o mais antigo registro do The Doors sobre um palco, o disco Live at London Fog 1966 foi lançado em 2016 para coincidir com as celebrações pelos 50 anos da estreia fonográfica da banda, em uma luxuosa (e limitada) embalagem contendo um vinil de 10", um CD e vários itens de memorabilia do grupo, sendo que apenas em 2019 foi receber uma nova edição, desta vez em um CD digipack, com um encarte mais simples do que o original e sem os "mimos" da caixa anterior (além, claro, das hoje obrigatórias plataformas digitais). Gravado em maio de 1966 no bar de Los Angeles que lhe dá nome, pelo espectador Nettie Peña, que declara no encarte ser amigo de Jim Morrison (vocais) e Ray Manzarek (teclado e vocais - se alguém ainda não sabe, completavam o grupo o guitarrista Robby Krieger e o baterista John Densmore) desde os tempos da faculdade de cinema (Peña também foi responsável pelas fotos que aparecem no encarte), o álbum mostra, em pouco mais de trinta minutos, um grupo ainda embrionário, se adaptando ao palco (a estreia da banda no local havia sido em fevereiro daquele ano), e longe do "monstro" que se tornaria apenas poucos meses depois.

Curiosamente, nenhuma faixa do autointitulado primeiro álbum (lançado em janeiro de 1967) aparece no repertório, embora Peña escreva no encarte que chegou a gravar, em uma fita de rolo diferente da que deu origem a este disco, uma versão de quinze minutos "épica" para "The End", considerada por ele "absolutamente genial", e John Densmore tenha dito em uma entrevista à revista Billboard quando do lançamento de Live at London Fog 1966 que "o que se ouve no disco é apenas metade da apresentação daquela noite", e que, certamente, uma versão inicial de "Light My Fire" teria sido executada naquele show. Das sete faixas do disco (duas outras são "ajustes de equipamentos" e conversas entre os músicos no intervalo das canções), cinco são covers para standards do blues como "Baby, Please Don't Go", de Joe Williams, e "I'm Your Hoochie Coochie Man", de Willie Dixon (esta com Ray Manzarek no vocal principal e Jim na harmônica), e apenas duas são originais dos conjunto, versões embrionárias para "Strange Days", que seria a faixa título do segundo registro do quarteto, e "You Make Me Real", que, curiosamente, só receberia uma versão oficial de estúdio em 1970, no álbum Morrison Hotel.

O Doors no palco do bar London Fog, em foto presente no encarte: Ray Manzarek, John Densmore, Jim Morrison e Robby Krieger

O The Doors surge ainda "verde" nestas gravações, embora o trio instrumental já demonstre o entrosamento e a força que conquistariam milhares de fãs ao longo da curta trajetória do conjunto, e Morrison apareça cantando em um tom um pouco mais agudo que o normal, ainda não apresentando o vocal de barítono que arrebatou multidões antes e depois de sua precoce morte. A gravação está em um nível bastante aceitável, sendo muito melhor que a de um bootleg "comum", mas longe da qualidade de outros registros oficias do grupo disponíveis por aí (e, claramente, não era esta a intenção de Peña quando fez as gravações), e certamente irão agradar aos fãs do grupo que tiverem acesso ao CD.

E parece ser para estes já convertidos devotos de Morrison e companhia que o álbum é indicado. Aqueles que, porventura, não estejam tão familiarizados com a obra do conjunto, não encontrarão aqui a melhor porta de entrada para a sonoridade do grupo. Já os fãs de longa data certamente terão muito a aproveitar aqui, pela possibilidade de conferirem o quarteto em um estágio ainda inicial, mesmo há poucos meses do lançamento de sua autointitulada estreia (que o transformaria em um dos maiores expoentes musicais da história), demonstrando mais uma vez que poucos gênios nascem prontos, e a maioria, como é o caso aqui, precisa de um período de aperfeiçoamento e evolução para atingir o seu máximo. É exatamente neste período embrionário que Live at London Fog 1966 foi registrado, e o resultado é, após a audição, bastante satisfatório. Confiram!

Contracapa de Live at London Fog 1966 


Track List:

Lado A

1. Tuning (I)

2. Rock Me Baby

3. Baby, Please Don't Go

4. You Make Me Real

Lado B

1. Tuning (II)

2. Don't Fight It

3. I'm Your Hoochie Coochie Man

4. Strange Days

5. Lucille