segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Dee Dee Ramone - I Hate Freaks Like You [1993]


Por Micael Machado

No final da década de 1980, o baixista e compositor Douglas Colvin (mais conhecido como Dee Dee Ramone) estava fascinado pela cultura do rap e do hip hop. Adotando o pseudônimo Dee Dee King, gravou e lançou um álbum com este estilo musical (Standing in the Spotlight, 1989), quase ao mesmo tempo em que anunciava sua saída dos Ramones, grupo primordial do punk rock, e do qual ele foi um dos fundadores. A saída de Dee Dee e o seu novo rumo musical chocaram os fãs da banda, que, por outro lado, não conseguiram ouvir virtudes no novo projeto de um dos maiores ícones que o punk já produziu.

Com o fracasso de seu novo projeto, e sem possibilidades de retorno ao seu grupo original (embora os Ramones ainda gravassem composições suas, como "Poison Heart", "Strength to Endure" e "Main Man", presentes em Mondo Bizarro, primeiro disco dos "brothers" nova-iorquinos sem Dee Dee), o músico acabou se envolvendo em alguns projetos de curta duração, chegando inclusive a integrar a banda do lendário GG Allin por pouquíssimo tempo! Em uma reunião dos Alcoólicos Anônimos, Dee Dee conheceu o também baixista Johnny Carco (ex-integrante do grupo de hardcore Misguided), e a dupla passou a compor junta, com Ramone assumindo agora a guitarra e os vocais, aliás, seus papéis originais no antigo grupo do músico. Após alguns shows com bateristas provisórios, Dee Dee e Johnny se mandaram para Amsterdam, onde registraram (junto ao baterista holandês Danny Arnold Lommen) um EP (intitulado Chinese Bitch) e um álbum completo, I Hate Freaks Like You, lançado em 1993 pela gravadora Rough Trade Records, com o trio se chamando Dee Dee Ramone I.C.L.C. (sigla para "Inter-Celestial Light Commune", ou "Comuna da Luz Inter-Celestial", seja lá o que isto signifique), e que marcou o retorno do (agora ex-)baixista à sonoridade do punk rock que o consagrou como ídolo!

Johnny Carco e Dee Dee Ramone, em foto presente no encarte de I Hate Freaks Like You

Das quatorze faixas do álbum, "All's Quiet on the Eastern Front" é uma regravação de uma composição de Dee Dee utilizada anteriormente pelos Ramones no álbum Pleasant Dreams (de 1981), e que aqui aparece bem mais rápida que sua versão original. Já "I'm Making Monsters for My Friends" (que neste registro aparece em duas versões, uma abrindo o álbum, e outra o encerrando, tendo nesta a participação especial da cantora Nina Hagen, e algumas frases cantadas em alemão) e "It's Not for Me to Know" apareceriam depois no último álbum dos "brothers", ¡Adios Amigos! (de 1995), sendo que a segunda perde bastante força sem os característicos vocais de Joey Ramone, mas a primeira, especialmente na versão em dueto, acaba superando a versão posterior, a qual conta com o substituto de Dee Dee, CJ Ramone, nos vocais. Já em outras composições, o baixista "revisita" seu passado para criar novas faixas, como "I Hate Creeps Like You" (cujo riff principal lembra muito o de "Psycho Therapy") ou "Chinese Bitch", que possui aquela pegada de surf music que os Ramones por vezes usavam, além do riff inicial lembrar em muito o de "Sheena Is A Punk Rocker" (sendo que o "break" de "Beat On The Brat" também aparece claramente ali pelo meio).

A pesada "Curse on Me", a acelerada "I Hate It" e a quase hardcore "Don't Look in My Window" poderiam facilmente integrar qualquer disco dos Ramones dos anos 80, mas conseguem soar diferentes das composições que os "brothers" registraram neste período, assim como as mais calmas "Trust Me" (que não chega a ser uma balada, mas fica muito perto disso) e "Runaway" (com partes mais "intensas" e um excelente refrão), que lembram aquelas baladas clássicas que Joey compunha, mas, por terem a assinatura de Dee Dee, acabam soando distintas daquelas cantadas pelo eterno vocalista dos Ramones.

Se "Lass Mich in Ruhe" (que também conta com a participação especial de Nina Hagen nos vocais) é um poppy punk divertido e animado, "Life Is Like a Little Smart Alleck", é bem mais rápida e suja, lembrando as bandas de garage rock dos anos 60. E a maior "surpresa" do álbum acaba ficando com "I'm Seeing Strawberry's Again", uma composição pesada e mais arrastada, que lembra algo da geração grunge (especialmente Stone Temple Pilots, que ficou na minha mente durante toda a audição da faixa), em um estilo bastante diferente do que que Dee Dee costumava compor, e pelo qual ele não viria a se arriscar dali em diante no restante de sua carreira.

Contracapa de I Hate Freaks Like You

I Hate Freaks Like You pode até não ser o melhor registro solo de Dee Dee (posto que talvez fique com seu registro posterior, Zonked!, gravado ao lado do guitarrista e produtor Daniel Rey e do baterista Marky Ramone, além de contar com as participações especiais de Joey Ramone e Lux Interior, o lendário vocalista dos Cramps - embora eu goste muito do único registro dos Ramainz, o ao vivo Live in N.Y.C., onde o músico revisita seu passado com os Ramones ao lado de Marky e de sua esposa Barbara Zampini, que também participa como baixista em Zonked!), mas foi bastante importante por ter trazido o compositor de volta ao punk rock, estilo do qual ele foi um dos principais ícones por muito tempo, e que ajudou a consolidar ao lado dos seus "irmãos" de banda. O álbum hoje em dia é bastante difícil de encontrar (eu tive a incrível sorte de achar uma cópia por um preço bem acessível em uma loja aqui de Porto Alegre algum tempo atrás), especialmente no nosso Brasil Varonil, onde nunca foi lançado por nenhuma gravadora. Se você ficou curioso e quiser conferir a bolachinha, lhe sugiro a versão lançada na vizinha Argentina, a qual vem com as quatro faixas do EP Chinese Bitch como bônus! Boa diversão!

Track List:

01. I'm Making Monsters for My Friends
02. Don't Look in My Window
03. Chinese Bitch
04. It's Not for Me to Know
05. Runaway
06. All's Quiet on the Eastern Front
07. I Hate It
08. Life Is Like a Little Smart Alleck
09. I Hate Creeps Like You
10. Trust Me
11. Curse on Me
12. I'm Seeing Strawberry's Again
13. Lass Mich in Ruhe
14. I'm Making Monsters for My Friends

Yes - Progeny: Highlights from Seventy-Two [2015]


Por Micael Machado

Durante décadas, o triplo ao vivo Yessongs permaneceu como o melhor documento "ao vivo" daquele que talvez seja o período mais criativo e o ápice técnico do quinteto inglês Yes. Lançado em 1973, o disco compreende gravações feitas durante a turnê de promoção do álbum Close to the Edge, onde o baterista Alan White fez sua estreia junto a Jon Anderson (vocais), Chris Squire (baixo e backing vocals), Steve Howe (guitarras e backing vocals) e Rick Wakeman (teclados), mas também apresenta três músicas registradas durante a tour anterior (em suporte a Fragile, de 1971), estas ainda com o antigo dono das baquetas, Bill Bruford, que deixou o Yes para juntar-se a outro gigante do progressivo inglês, o King Crimson. Com mais de duas horas de duração, Yessongs é puro deleite aos apreciadores do estilo, e um dos melhores registros ao vivo de todos os tempos, especialmente em se tratando de rock progressivo.

Pois o "domínio" do mítico "álbum triplo" pareceu ter sido seriamente ameaçado em 2015, quando o grupo anunciou o lançamento de um box set contendo sete shows completos registrados na mesma turnê que originou Yessongs. As fitas em rolo, encontradas por acaso quando o staff da banda buscava material extra para incluir como bônus em futuras edições remasterizadas do catálogo do grupo, foram exaustivamente trabalhadas em estúdio usando a melhor tecnologia disponível hoje em dia, melhorando em muito as precárias condições das gravações feitas na época, e sendo lançadas no mercado com o nome de Progeny: Seven Shows from Seventy-Two, em uma luxuosa caixa com quatorze CDs que causaram água na boca dos fãs do quinteto. Infelizmente, esta água acumulada fez com que os mesmos se engasgassem quando conferiram o elevado preço do material, especialmente aqui no nosso Brasil Varonil, onde o mesmo sequer chegou a ser lançado, visto as poucas gravadoras que ainda restam preferirem investir em artistas mais "rentáveis" como Pabllo Vittar ou Anitta do que em música de real qualidade como a do Yes.

O Yes em 1972: Alan White, Steve Howe, Rick Wakeman, Chris Squire e Jon Anderson

Mas, felizmente, uma forma de "compensação" a esta ausência apareceu sob o nome de Progeny: Highlights from Seventy-Two, onde, em um CD duplo com meros noventa minutos de duração (ou em um novo vinil triplo, mantendo a mítica do disco de 1973) foi compilado o "melhor" da caixa original, dando, pelo menos, um "gostinho" do prato original aos fãs, e gerando mais um disco ao vivo absurdamente bom para o catálogo do quinteto inglês (e, como não poderia deixar de ser, com mais uma belíssima arte gráfica a cargo do mestre Roger Dean, responsável pela maioria do material do grupo, e que, aqui, parece expandir o universo criado em Yessongs, de certa forma encaixando Progeny no mesmo contexto do disco ao vivo mais antigo).

A primeira coisa que me chamou a atenção quando peguei a coletânea foi verificar a ausência, no track list, das faixas gravadas por Bruford presentes em Yessongs (a saber, "Perpetual Change", "Long Distance Runaround" e "The Fish (Schindleria Praematurus)"). A segunda foi notar que a duração do mesmo, como já citei, era de pouco mais de uma hora e meia. Será que não haveria espaço para colocar estas faixas em uma coletânea dupla, ainda mais que a fonte original compreende sete shows completos para se montar o repertório deste compilado? A resposta veio quando percebi que o track list de Progeny é o mesmo de cada show presente na caixa, ou seja, as músicas onde Bruford participa no disco de 1973 não foram tocadas na primeira turnê com Alan White, e não haviam músicas diferentes a serem colocadas na coletânea além daquelas selecionadas, a não ser que tivéssemos mais de uma versão de cada canção, o que, obviamente, tiraria um pouco o caráter representativo da compilação. Sendo assim, me restou aceitar que o "novo" triplo ao vivo, mesmo menor, era o melhor que se podia obter a partir da caixa original (como, aliás, o próprio título sugere), e passar a curtir estas novas versões de alguns clássicos que me acompanham há tanto tempo.

Parte da arte gráfica de Progeny: Highlights from Seventy-Two

É sabido por quem acompanha o Yes que o grupo não é dado a improvisos ou "jams" em cima do palco, limitando-se a reproduzir praticamente nota por nota seu material de estúdio, sem usar das tradicionais "viagens" que outros grupos progressivos gostam de adotar. Porém, este "reproduzir nota por nota" de forma alguma se torna tedioso ou previsível, pois a habilidade e a técnica do grupo para reproduzir material tão rico e complexo musicalmente é de deixar o ouvinte com o queixo no chão, especialmente no período compreendido nestas gravações, onde o grupo executava na íntegra seu então mais recente álbum, o já citado Close to the Edge, considerado por muitos não apenas o melhor álbum da banda, mas também o melhor do estilo progressivo em todos os tempos. Além da performance do disco, ainda faziam parte do repertório faixas retiradas dos dois registros anteriores do quinteto, o também excelente Fragile, citado acima, e The Yes Album, de 1971, além de um "momento solo" de Wakeman, onde o tecladista apresentava um medley com trechos de seu álbum solo The Six Wives of Henry VIII, lançado em 1973 (ou seja, depois dos shows registrados aqui), além de outras composições clássicas e alguns improvisos.

Se, ao longo da audição, não é surpresa perceber como Anderson, Squire e Howe executam suas partes com perfeição e muita técnica, chama a atenção como White, apesar do pouco tempo de ensaio junto ao grupo, consegue executar de forma mais do que aceitável as complicadíssimas partes criadas em estúdio pelo "desertor" Bruford, sabidamente um baterista mais técnico e inventivo que seu sucessor, mas cuja ausência quase não chega a ser sentida quando da audição de Progeny (não a toa, White manteria seu posto nas baquetas do Yes até hoje, colocando seu estilo e sua classe nos registros posteriores do grupo). Mas o maior destaque da compilação, pelo menos para mim, vai para Rick Wakeman, o músico que mais "fugiu ao script" das músicas originais durante a execução ao vivo destas faixas, colocando o seu toque pessoal e algumas bem vindas variações em trechos de certas canções (vide o final de "And You and I", o solo de "Close to the Edge" ou o trecho intermediário de "Roundabout"), seja acrescentando algumas passagens inexistentes em estúdio ou utilizando alguns timbres diferentes daqueles que nos acostumamos a escutar, especialmente levando-se em conta as muitas versões "live" destas canções lançadas no mercado nos mais de quarenta anos que separam Yessongs de Progeny. O próprio "momento solo" do tecladista é visivelmente diferente de tantos outros presentes nos discos ao vivo do Yes, o que torna o material mais atraente e aprazível mesmo para aqueles que já decoraram nota por nota o "triplo ao vivo" original, ou alguns dos live albums dos ingleses lançados posteriormente.

Contracapa de Progeny: Highlights from Seventy-Two

Ainda não tive a oportunidade de ouvir o box set que originou esta compilação (espero um dia conseguir), mas, pelo menos por enquanto, Progeny: Highlights from Seventy-Two me parece um paliativo satisfatório, com um excelente material de uma banda no auge executando canções que viriam a se tornar clássicos do estilo, mas que, devido a ausência das músicas registradas com Bruford, e de toda a carga sentimental que o álbum de 1973 tem sobre mim, ainda não conseguiu superar Yessongs na minha preferência auditiva (embora chegue perto). Tudo bem, afinal, não se trata de uma competição, mas de dois grandes discos que temos disponíveis para escutar e nos deleitarmos com alguns dos melhores momentos musicais desta instituição do rock inglês chamada Yes! Boa diversão!

Track List (versão em CD duplo):

CD 1

1. Opening (Excerpt from Firebird Suite)/Siberian Khatru         

2. I've Seen All Good People

3. Heart of the Sunrise

4. Clap/Mood for a Day

5. And You and I


CD 2

1. Close to the Edge

2. Excerpts from "The Six Wives of Henry VIII"

3. Roundabout

4. Yours Is No Disgrace