sábado, 18 de abril de 2020

Ministry ‎– Live Necronomicon [2017]


Por Micael Machado

Houve uma época em que o Ministry era um dos maiores grupos de heavy metal do mundo, sendo possivelmente o nome mais destacado do chamado "industrial metal" no começo da década de 1990. Isto ocorreu graças a dois álbuns de qualidade excepcional, The Mind Is A Terrible Thing To Taste, de 1989, e ΚΕΦΑΛΗΞΘ (popularmente conhecido como Psalm 69: The Way to Succeed and the Way to Suck Eggs), de 1992, os quais consolidaram o nome da banda mundialmente. Pois foi justamente entre estes dois registros que o Ministry colocou no mercado seu primeiro álbum ao vivo oficial (também lançado em vídeo), In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live), de 1990, gravado a 22 de fevereiro daquele ano em Merrillville, no estado norte-americano de Indiana, e que, apesar de conter menos de quarenta minutos e apenas seis faixas da apresentação daquela noite, conseguiu reconhecimento como um dos melhores discos ao vivo dos anos 90, ganhando imediatamente a simpatia e aprovação unânimes dos fãs da banda (particularmente falando, uma das primeiras camisetas "de banda" que comprei lá pelos meus 17, 18 anos, trazia a capa do disco estampada, o que deve servir para demostrar meu apreço pela obra). Vinte e sete anos depois, em 2017, um acordo com a gravadora Cleopatra Records colocou no mercado em edições tanto em CD como em vinil (ambos duplos), e também nas hoje obrigatórias plataformas digitais, uma versão ampliada daquele registro, chamada Live Necronomicon, e que, apesar de não contar com a íntegra do show executado naquela data, serve para mostrar um lado até então quase desconhecido da carreira da banda de Chicago.

O Ministry, à época, era formado em sua versão de estúdio pela dupla Alain "Al" Jourgensen (vocais, guitarra, programações) e Paul Barker (baixo, teclados, programações). Mas, ao vivo, além de tocar por trás de uma cerca de arame (repetidamente derrubada pelos fãs ao final das apresentações), a banda se transformava em um combo de dez pessoas, agregando às suas fileiras o recentemente falecido Bill Rieflin (à época, também membro do Revolting Cocks, do Pigface e do Lard, e futuramente integrante de grupos como KMFDM, Swans, R.E.M. e King Crimson) e o ex-PIL Martin Atkins (que depois faria parte do Nine Inch Nails) em duas baterias, um quarteto de guitarras formado pelo ex-Rigor Mortis Mike Scaccia (parceiro de Al tanto no Ministry quanto em diversos projetos paralelos até sua morte, em 2012), o ex-U.K. Subs Terry Roberts, o também membro do Pigface William Tucker, e o líder do Skinny Puppy Nivek Ogre (também responsável por teclados e vocais), além do tecladista e vocalista Chris Connelly (também do Revolting Cocks e do Pigface) e de Joe Kelly nos backing vocals. Nesta noite em particular, este aglomerado ainda contou com a participação especial de Jello Biafra (ex-Dead Kennedys, e parceiro de Al e Paul no Lard), e são as músicas de vários destes grupos "paralelos" citados aqui que tornam Live Necronomicon tão interessante.

In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live), a "versão original" do show lançado em Live Necronomicon

Isto porque, das quatorze faixas do disco, apenas oito são originais do Ministry, concentrado-se apenas nos álbuns The Land of Rape and Honey (de 1988) e o já citado The Mind Is A Terrible Thing To Taste, pois já naquela época Al renegava seus dois primeiros registros, With Sympathy (de 1983) e Twitch (de 1986), mais próximos do synth-pop que do industrial que a banda praticava então. As seis faixas de In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live) aparecem aqui em versões mais cruas, em certos casos ampliadas, e, de acordo com alguns artigos que li, sem os "overdubs" presentes na versão de 1990 (coisa que, honestamente, não sei afirmar, pois a música do Ministry é tão cheia de samplers e efeitos que é difícil dizer o que é pré-gravado e o que é efetivamente executado ao vivo), com destaques, ao menos para mim, para os hipnotizantes mais de onze minutos de "So What" e para aquela que talvez seja a minha música favorita da discografia da banda, a sensacional "Stigmata". As outras duas faixas originais do grupo aparecem na abertura (com uma longa versão para "Breathe") e no final do disco (uma pesada e apocalíptica redenção da faixa título de The Land of Rape and Honey, que parece se estender por bem mais que seus cinco minutos e meio, e que, no vídeo, conta com uma performance artística "especial" de Biafra).

Completando o track list de Live Necronomicon, temos seis covers de bandas e projetos dos músicos presentes no palco, algo que o Ministry raramente (ou nunca mais) faria em suas turnês posteriores, configurando assim o tal "lado desconhecido" que citei lá no início, pois, eu pelo menos, não tinha conhecimento desta faceta de "banda cover" que o grupo assumia ao vivo. As versões iniciam com as músicas "Man Should Surrender" e "No Bunny", ambas do Pailhead, projeto de Al e Paul ao lado de Ian MacKaye, membro do Minor Threat e do Fugazi (e que também contou com Bill Rieflin na bateria), duas faixas que, com um pouco mais de "sujeira", passariam fácil por composições originais do Ministry, e que, graças à ausência de maiores dados na ficha técnica, não tenho como dizer qual dos membros da banda está nos vocais, mas arrisco a dizer que não é Al. A coisa muda de estilo nas versões para "Smothered Hope", do Skinny Puppy (com  Nivek Ogre nos vocais) e "Public Image", do PIL, ambas trazendo um certo clima "punk" para o álbum, especialmente a segunda, onde o vocalista (mais uma vez não sei dizer quem) emula quase a perfeição o estilo de John Lydon. Fechando com chave de ouro, temos a presença de Jello Biafra na execução de duas faixas do Lard, "The Power Of Lard" (que começa como um funk pesado, com destaque para o baixo de Barker, e descamba em um furioso hardcore) e "Hellfudge", que, de alguma forma, sempre me lembrou o estilo adotado pelo Dead Kennedys em seus dois últimos álbuns.

Contracapa da versão em vinil de Live Necronomicon

Tendo algumas edições limitadas em vinil colorido vermelho, branco e azul (além do tradicional preto), Live Necronomicon deixou de fora algumas faixas executadas naquela noite, como um interlúdio chamado "Country Interlude", uma cover para "Stainless Steel Providers", do Revolting Cocks (outro dos muitos projetos de Al e Paul) e dois discursos (chamado em inglês de "spoken words") de Jello, "Message from our Sponsor" e "Pledge of Allegiance". Mesmo assim, é um álbum obrigatório para os fãs da banda e do estilo, pois eleva em muito o nível apresentado em In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live), além de capturar o Ministry no auge de sua forma, a qual ainda se manteria na excursão seguinte, mas nunca mais atingiria este mesmo patamar nos anos futuros. Confira!

Track List:

CD 1

1. Breathe
2. The Missing
3. Deity
4. Man Should Surrender
5. No Bunny
6. Smothered Hope
7. So What
8. Burning Inside

CD 2

1. Thieves
2. Stigmata
3. Public Image
4. The Power Of Lard
5. Hellfudge
6. The Land Of Rape & Honey

domingo, 5 de abril de 2020

Gorilla - Treecreeper [2019]


Por Micael Machado

Confesso que, apesar de ser admirador do chamado estilo Stoner, nunca tinha ouvido falar do trio inglês Gorilla, hoje formado por Johnny Gorilla nos vocais e guitarras, Sarah Jane no baixo e Ryan Matthews na bateria, mesmo o pessoal estando na estrada desde o início da década de 1990, e já tendo lançado três registros antes deste Treecreeper. O fato deste ser seu primeiro full-length desde 2007 talvez contribua para isto, mas a verdade é que, quando o registro caiu em minhas mãos, não nutria grandes expectativas quanto à sua audição, apesar do mesmo vir muito bem recomendado a mim por pessoas nas quais confiro.

E, aos meus ouvidos, realmente os conselhos foram sábios. O grupo investe no chamado "stoner rock", e, apesar de ter algumas partes mais lentas em suas músicas, sabiamente foge quase por completo da definição de "imitadores do Black Sabbath" que tantas outras bandas sob o amplo rótulo "stoner" carregam (a não ser por uma pequena escorregadela em "Terror Trip", onde uma parte mais rápida no meio da faixa lembra e muito "Electric Funeral", do disco Paranoid, dos mestres de Birmingham), apostando em canções mais velozes e "rock and roll", quase uma mistura de Motörhead (especialmente por causa dos vocais de Johnny) com as bandas de hard rock do início da década de 1970, como Buffalo ou Dust (para entender melhor, confira "Ringo Dingo", com o baterista Matthews nos vocais principais, ou "Gorilla Time Rock N Roll", onde algum ouvinte mais incauto pode jurar que está ouvindo o eternamente saudoso Lemmy Kilmister ao microfone, e uma inusitada harmônica surge para fazer o solo principal da canção).

O trio Gorilla: Ryan Matthews, Johnny Gorilla e Sarah Jane

"Scum Of The Earth" e "Killer Gorilla" seguem bem esta fórmula, mas é quando o trio investe na psicodelia que consegue os resultados mais agradáveis, na minha opinião. Apesar de uma certa "fórmula pronta" adotada a cada composição (início mais lento, solos lisérgicos e partes mais aceleradas e "aditivadas" no meio ou no final da faixa), músicas como "Last In Line" ou a faixa-título (onde suaves sons de passarinhos aparecem no início tentando nos enganar quanto à potência da sonoridade da banda) mostram que a banda consegue ser bastante criativa e arranjar soluções diferentes para que seus registros não soem maçantes ou muito similares entre si. Neste mesmo estilo "psicodélico com partes agitadas", a épica "Cyclops" (em seus mais de seis minutos) acaba sendo o grande destaque do registro para mim, ao lado de "Mad Dog", com uma longa e interessante intro (repetida ao final) e um contagiante ritmo quebrado.

Lançado em CD e em algumas versões diferentes de vinil (amarelo, laranja, preto e uma limitada edição splatter), além das inevitáveis plataformas digitais que hoje dominam o streaming de música, Treecreeper, em seus pouco mais de quarenta e sete minutos, é uma bela pedia aos fãs de Stoner Rock, mas também é muito recomendado aos saudosos admiradores da sonoridade do Motörhead e de um rock and roll pegado e furioso, com um pezinho no metal sim, mas o outro firmemente plantado na psicodelia e na "aura setentista" de alguns dos melhores grupos da história. Confira!

Contracapa da versão em vinil de Treecreeper

Track List:

01. Scum Of The Earth
02. Cyclops
03. Gorilla Time Rock N Roll
04. Treecreeper
05. Mad Dog
06. Ringo Dingo
07. Terror Trip
08. Last In Line
09. Killer Gorilla