domingo, 2 de setembro de 2018

Clockwork Angels - Os Anjos do Tempo [2012]


Por Micael Machado

Clockwork Angels é, ao que tudo indica, o último disco de estúdio da carreira do grupo canadense Rush. Lançado em 2012, o registro tem suas letras baseadas em uma história criada pelo baterista Neil Peart, e as músicas do mesmo serviriam para contar esta história, em um claro exemplo do que se costumou chamar de "álbum conceitual" no mundo da música. Acontece que, ao contrário de outros discos do mesmo estilo lançados ao longo do tempo, o conto imaginado por Peart é bastante difícil de ser compreendido quando escutamos apenas a versão musicada do mesmo. Para ajudar esta compreensão, além de expandir o universo do conto, o letrista do Rush uniu-se ao conceituado escritor norte-americano Kevin J. Anderson, e ambos escreveram juntos o livro de mesmo nome, lançado no mesmo ano do disco, e que no Brasil recebeu o título Os Anjos do Tempo (sendo lançado no país pela editora Belas Letras, em versões tanto brochura quanto com capa dura). É importante dizer que tanto as letras do álbum quanto a obra escrita foram escritas ao mesmo tempo, com uma influenciando a outra, e que o trabalho de confecção das mesmas levou muito mais tempo do que aquele efetivamente usado para gravações ou escritas por parte de ambos os grupos (no caso, o Rush e a dupla Peart/Anderson).

A história imaginada por Peart e ampliada e "arredondada" por Anderson narra a trajetória do jovem Owen Hardy, que vive em um pequeno vilarejo de um país chamado Albion, um local onde tudo ocorre com uma mesma rotina dia após dia, e onde os eventos são tão previsíveis que até mesmo o horário de começar a chover pode ser previsto com exatidão dias antes de acontecer. A estabilidade e a precisão dos acontecimentos são controladas pelo administrador do país, o misterioso e poderoso Relojoeiro, que, com a ajuda de seus monges alquimistas, controla tudo o que ocorre sob seus domínios, mantendo a todos felizes e bem sustentados em seus papéis nesta sociedade aparentemente justa e igualitária.

A versão em capa dura de Os Anjos do Tempo

Por impulso, curiosidade, destino ou pura estupidez juvenil (a resposta é dada mais adiante na obra), Owen aceita o convite de um estranho desconhecido, e parte rumo à Crown City, a capital do país, que ele sempre sonhara em conhecer, devido às histórias contadas a ele por sua mãe. Esta é a parte do conto que corresponde à música "BU2B", e, no trecho correspondente à faixa título, encontramos o jovem já na cidade grande, deslumbrado com as novas descobertas e com o quanto aquele lugar é diferente de seu pequeno povoado (algo com o qual consegui me identificar plenamente, pois também morei muito tempo em uma pequena cidade do interior para depois vir morar na "cidade grande", no caso, a capital do estado onde nasci, o Rio Grande do Sul). Algo que não aparece no disco é a amizade que Owen faz com uma trupe de circo, da qual passará a fazer parte, e com quem aprenderá conceitos que o tornarão em uma pessoa mais madura e adulta, como responsabilidade, lealdade, amizade e até o que ele julga ser o verdadeiro amor.

Os eventos vão se desenrolando até chegarmos ao trecho correspondente à faixa "Carnies" (que, no livro, vem antes de sua antecessora no disco, chamada "The Anarchist"). Neste ponto, eventos alheios à vontade de Owen fazem com que ele seja obrigado a deixar Albion, partindo em uma jornada (iniciada em "Halo Effect") que o levará a conhecer locais e conceitos bem distantes daqueles pregados e mantidos sob o domínio do Relojoeiro. A fome, o desprezo, a maldade, a exploração, a traição e o escárnio de um ser humano para com o outro são o que Owen encontra longe de sua terra, e apenas em poucas e raras ocasiões ele encontra simpatia ou apoio em seu período naquela terra desconhecida. Tudo isto leva Hardy a partir em novas jornadas, em busca não só de um local onde consiga se adaptar para viver, mas também de respostas para as aflições que passam a invadir sua mente ao perceber que o mundo no qual viveu até então não passava de uma espécie de fantasia artificial criada e mantida por seu antigo governante, e que seria necessário ele amadurecer e se fortificar para realmente sobreviver no "mundo real" onde agora se encontrava.

Os autores e sua obra: Kevin J. Anderson e Neil Peart

O livro corria muito bem até então, mas, quando Owen parte para suas mais audaciosas aventuras, a obra vira ficcional demais, perdendo, a meu ver, a verossimilhança que mantinha até ali, e adotando uma dose maior e mais fortemente presente de uma fantasia que, embora constante, ainda era bastante aceitável para o leitor do texto (ainda mais sendo este um fã de ficção científica, como no meu caso). Os trechos da obra que correspondem a "Seven Cities of Gold", "The Wreckers" e "Headlong Flight" soam forçados demais, com conveniências de roteiro (se é que se pode chamar assim, visto esta ser uma obra escrita, e não visual) desnecessárias e preguiçosas que, embora façam a história progredir de forma interessante e até mesmo empolgante em alguns trechos, me fez questionar várias vezes qual seria o motivo da dupla de escritores te escolhido seguir o caminho adotado, e não um mais simples e mais próximo da realidade, o que os tornaria mais aceitáveis ao meu paladar literário.

Os trechos correspondentes às músicas "BU2B2" e "Wish Them Well" encaminham o "final feliz" encontrado em "The Garden", algo já previsto pelo leitor devido ao revelador prólogo do livro, em mais uma solução fácil adotada pelos autores, mas que, surpreendentemente, não chega a ser de todo decepcionante. Ao tratar de temas como a passagem da adolescência para a fase adulta (com a necessidade de um amadurecimento não só físico, mas de caráter e personalidade), a forma como a população aceita ser governada por uma ditadura (aparentemente benéfica, mas de muitas formas castradora das liberdades individuais e de pensamento) apenas por não conhecer uma alternativa diferente, a eterna rivalidade ordem versus caos (e suas consequências tanto para um lado quanto para o outro), além de tópicos mais "comuns" como amizade, desilusões amorosas, desejo por aventuras e o eterno questionamento do papel do indivíduo no mundo e na sociedade, Os Anjos do Tempo torna-se, em seu sub-texto, bem mais profundo do que aparenta na superfície, onde se transforma apenas uma boa aventura de ficção com toques de magia e fantasia, mas que, devido a escolhas de roteiro que, a mim, não agradaram, poderia ter sido mais bem sucedida quando se pensa na premissa criada por seus idealizadores.

Contracapa de Os Anjos do Tempo

No final da obra, há um interessantíssimo posfácio escrito por Peart tratando sobre a confecção da mesma, suas fontes de inspiração e como os debates entre ele e o coautor Anderson foram mudando não só o texto, mas as músicas que resultaram no disco complementado pelo livro (também foi lançada uma história em quadrinhos baseada no tema, a qual, infelizmente, não tive acesso quando da escrita deste artigo). É neste posfácio que Peart confirma algo que percebi ao longo do texto (e que, felizmente, não foi arruinado pela bela tradução feita por Bruno Mattos, que ajudou a leitura e a compreensão do livro a fluírem com agilidade): as pequenas e espalhadas referências a letras, discos e músicas presentes em discos anteriores do Rush. São nomes de canções, frases completas ou apenas uma ou outra palavra que aparecem aqui e ali ao longo da escrita, e que, como Peart afirma, "não atrapalham a leitura daqueles que não pescarem, mas poderão entreter aqueles que perceberem". Se você for um fã da banda, como eu, é mais um ponto a ficar atento na leitura do obra, um livro, que, no mínimo, fará você finalmente compreender a história contada no disco de mesmo nome, além de lhe fornecer novas ideias sobre o significado de várias letras do mesmo. Boa diversão!

domingo, 8 de julho de 2018

Mick Pointer Band ‎– Marillion's "Script" Revisited [2014]


Por Micael Machado

O começo da década de 1980 não estava sendo fácil para os fãs ingleses de rock progressivo, com alguns dos gigantes do estilo se mantendo afastados da sonoridade tradicional do gênero, como o King Crimson (que se voltou para a new wave naquela que é conhecida como a "trilogia das cores", lançada entre 1981 e 1984), o Genesis (cada vez mais voltado ao pop em álbuns como Abacab e aquele que leva o nome da banda, lançado em 1983), o Yes (que quase trocou de nome para Cinema, e voltou aos estúdios também em 1983, com o álbum 90125 e um novo guitarrista, Trevor Rabin, além de uma sonoridade bastante diferente daquela que o caracterizou na década anterior) e o ELP (que estava em hiato, e só retornaria em 1986 com Cozy Powell na bateria e uma sonoridade também distante daquilo que faziam antes). Foi neste contexto que surgiu o Marillion, praticando um prog rock totalmente identificado com as origens do estilo na década de 1970, e, não sem toda a razão, muitas vezes acusado de ser um mero pastiche da fase clássica do Genesis. Seu primeiro álbum, Script For A Jesters Tear (também de 1983, vejam a coincidência), acabou se tornando um dos mais importantes do estilo na década, e ajudou a ganhar uma enorme legião de fãs e admiradores para o grupo ao redor do mundo.

O Marillion mudou muito desde então. Logo após a turnê de lançamento, o baterista Mick Pointer foi demitido, sendo substituído primeiro por membros provisórios como Andy Ward e Jonathan Mover, mas depois pelo definitivo Ian Mosley, que ocupa as baquetas até hoje. Anos depois, foi o vocalista Fish quem cedeu seu posto a Steve Hogarth, o que fez com que a banda mudasse de sonoridade, e se afastasse bastante daqueles anos iniciais tão importantes não só para si, mas também para o progressivo de uma forma geral.


Mick Pointer Band: Brian Cummings, Mick Pointer, Nick Barrett, Ian Salmon e Mike Varty 

Foi por isto que, quando Script For A Jesters Tear completou 25 anos em 2008, nem os membros que então compunham a banda que o lançou, nem o cantor que o registrou, demonstraram muito interesse na data. Coube então ao baterista do disco, o renegado Mick Pointer, reunir um grupo de amigos e fazer uma pequena excursão europeia celebrando o aniversário da obra mais importante de sua carreira (onde, fora do Marillion, obteve algum reconhecimento ao lado do também progressivo Arena, com quem toca desde 1995). Pointer uniu-se a Brian Cummings (vocais, membro do Carpet Crawlers), Nick Barrett (guitarras, membro do Pendragon), Mike Varty (teclados, integrante do Credo) e Ian Salmon (seu colega no Arena, tocando baixo), e o que era para ser algo de curta duração acabou ocorrendo algumas outras vezes através dos anos, como em 16 de março de 2013, quando o grupo interpretou a íntegra da estreia do Marillion (e mais algumas coisinhas) no clube Cultuurpodium Boerderij, na cidade de Zoetermeer, na Holanda. O show foi lançado em CD e vinil (colorido, numa bela coloração roxa escura, pelo menos na versão que eu possuo) duplos no ano seguinte, sob o nome Marillion's "Script" Revisited, e certamente cairá no agrado dos fãs do grupo original de Pointer.

O primeiro álbum traz a íntegra de Script, com as músicas na mesma ordem da versão original (embora alguns fade outs nos mostrem que talvez a execução no show não tenha seguido esta sequência). A preocupação com o respeito aos arranjos e timbres originais é enorme, o público participa bastante ao longo da maioria das faixas (seja cantando em alto e bom tom, seja acompanhando com palmas), e o ponto que seria mais preocupante, que são os vocais, acabam sendo bastante agradáveis, pois Cummings emula Fish de forma muito parecida com a voz do cantor original do Marillion (até mesmo imitando por vezes o forte sotaque escocês do outro músico), embora fique claro não serem os dois a mesma pessoa. A semelhança com as versões já conhecidas e o talento dos músicos na execução das seis músicas do track list original fazem com que o ouvinte tenha momentos de certa nostalgia ao escutar faixas que tanto Fish quanto o Marillion dificilmente interpretam ao vivo hoje em dia, transformando a audição da revisão de Script em algo bastante agradável e satisfatório, especialmente aos apreciadores da obra original.


Versão em vinil de Marillion's "Script" Revisited

O segundo disco conta com faixas lançadas apenas em singles durante o período de Pointer com o Marillion (seja antes ou depois do lançamento de Script For A Jesters Tear). Com ordens diferentes nas versões CD e vinil, este último abre com os quase 20 minutos da suíte "Grendel" (que ocupa integralmente o lado "C" da bolachona), inspirada pelo clássico literário Beowulf, e uma das melhores composições da carreira da banda, mostrando que o Marillion de então estava completamente comprometido com as regras e o estilo definidos pelo progressivo da década de 1970. Ainda aparecem a calma "Charting The Single", a mais voltada ao rock and roll tradicional "Margaret" (que aqui ganha um trechinho da obra "Hall of The Mountain King" em sua execução), a lindíssima "Three Boats Down From The Candy" (uma das minhas favoritas pessoais) e o hino "Market Square Heroes", outra que levanta a galera e leva a todos a uma celebração de uma fase que ficou no passado, mas não pode nem merce ser esquecida.

Marillion's "Script" Revisited é um bom álbum e certamente agradará aos fãs da obra original (e daquele período inicial do Marillion). O grande problema é que estes mesmos fãs já possuem praticamente tudo isso, e em versão superior, no CD e no DVD Recital of the Script, lançados em diferentes versões entre 1983 e 2009. Nestes registros, temos a banda original, tocando o disco na época de seu lançamento, com a garra e a jovialidade de um grupo que precisava ainda conquistar seu espaço, e não uma banda cover (embora competente) interpretando canções com trinta anos de vida, já então bem conhecidas e algumas delas elevadas ao status de clássicos. De toda forma, se você encontrar a versão "revisitada" por um preço compatível (como eu, que dei a sorte de adquirir a versão em vinil por meros dez dólares, ou cerca de quarenta reais na data em que escrevo), pode se jogar sem medo, que a alegria é garantida, Caso contrário, pode ficar com o Recital original, e certamente você não terá nenhum prejuízo.


Contracapa da versão em vinil de Marillion's "Script" Revisited

Track List (versão CD):

Disco 1:

1. Script For A Jesters Tear
2. He Knows, You Know
3. The Web
4. Garden Party
5. Chelsea Monday
6. Forgotten Sons

Disco 2:

1. Three Boats Down From The Candy
2. Charting The Single
3. Grendel
4. Market Square Heroes
5. Margaret

Olga From The Toy Dolls ‎– OlgAcoustic [2015]


Por Micael Machado

O inglês Michael Algar é um injustiçado. Há quase 40 anos a frente do Toy Dolls, uma das melhores e mais divertidas bandas existentes no punk rock mundial, o sujeito pouquíssimas vezes teve reconhecido o mérito de qualidade dos álbuns que gravou com sua banda, e menos vezes ainda viu seu enorme talento como guitarrista ser citado em alguma destas listas de "melhores" que vez por outra aparecem por aí, e que frequentemente revelam apenas gostos pessoais, e não critérios realmente técnicos ou algo que o valha. O certo é que, além de excelente compositor, vocalista marcante (com um timbre que poderia muito bem ser utilizado para algum personagem de desenhos do cartoon networks) e um excelente performer, Olga (como é conhecido desde sempre por seus fãs) é um instrumentista de mão cheia, sendo um daqueles raros casos que comprovam que não é preciso ser um músico tosco para tocar música punk.

Depois da "trolagem" geral aplicada em seus fãs com Our Last Album?, de 2004 (onde muitos realmente acreditaram que a carreira dos Dolls havia finalmente chegado ao fim), e do retorno com The Album After the Last One, em 2012, Olga surpreendeu seus fãs com OlgAcoustic, de 2015, onde interpreta treze canções (e duas vinhetas) de sua banda no esquema "voz e violão", tão comum a muitos artistas bem mais famosos espalhados por aí. Mas não pensem que Algar "acalmou" suas criações para adaptá-las ao formato. De forma alguma. Pouquíssimas foram as mudanças nos arranjos das canções, e, mesmo com a ausência de baixo, bateria e dos marcantes backing vocals utilizados pelo grupo (muitos destes, inclusive, incorporados pelo próprio Olga nestas novas versões), as músicas continuam fortes, mostrando que, quando uma composição é boa de verdade, você pode deixá-la "em um formato acústico totalmente nu" (como estampado na contracapa), que ainda assim ela será relevante.


Anúncio oficial do lançamento de OlgAcoustic

A escolha do repertório passa longe de obviedades. Praticamente todos os clássicos da carreira do Toy Dolls foram limados na hora de selecionar o que entraria no disco, sendo que possivelmente apenas "Dig That Groove Baby" e "Idle Gossip" talvez se enquadrem nesta categoria. Os fãs mais atentos certamente lembrarão de "She'll Be Back With Keith Someday", "The Death Of Barry The Roofer With Vertigo", "Deidre's A Slag" e "My Wife's A Psychopath", e eu, particularmente, fiquei bastante feliz ao ver "Olga I Cannot" no track list, sendo ela uma das minhas composições favoritas da banda. Mas mesmo estes fãs terão de tirar as teias de aranha da memória para lembrar de "Poor Davey" (presente no álbum de estreia, Dig That Groove Baby, de 1983), "PC Stoker" (que faz parte de Idle Gossip, de 1986) ou da recente "Dirty Doreen", gravada no citado The Album After the Last One, que mostram que o gosto pessoal do músico prevaleceu sobre critérios como popularidade ou apelo mercadológico para escolher as músicas selecionadas para o disco.

Abrindo e fechando com uma reinterpretação de "Theme Tune" (que também iniciava e finalizava o citado disco de estreia), OlgAcoustic (que, segundo o encarte, foi registrado no quarto do Olga, algo do qual eu não duvido nem um pouco) se ressente da falta dos demais componentes da musica do Toy Dolls, mas abre generosos espaços para Algar mostrar seus dotes ao violão, especialmente em alguns solos, onde por vezes ele reinterpreta de forma acústica o que havia feito na guitarra elétrica, e, em outras, cria novas melodias em substituição às versões já consagradas antes. Não é um álbum recomendado para iniciantes, mas sim para aqueles já familiarizados com a discografia e o estilo das canções do Toy Dolls, os quais poderão, a princípio, estranhar este "novo formato" de algumas velhas companheiras de estrada, mas, passado o impacto inicial, certamente irão se divertir com este belo registro idealizado, composto e gravado por este gênio chamado Olga, que, não custa nada lembrar, estará em turnê pelo Brasil com sua banda no mês de agosto (em formato elétrico, é bom lembrar), passando por Curitiba (dia 10),  Goiânia (dia 11) e São Paulo (dia 12 - será que nenhum promotor pensou em trazer o grupo a Porto Alegre desta vez? Putz...). Se tiver a chance de conferir, não perca. Você não irá se arrepender!


Contracapa de OlgAcoustic

Track List:

01. Theme Tune
02. Dig That Groove Baby
03. She'll Be Back With Keith Someday
04. Idle Gossip
05. The Death Of Barry The Roofer With Vertigo
06. PC Stoker
07. Dirty Doreen
08. Deidre's A Slag
09. Olga I Cannot
10. You Won't Be Merry On A North Sea Ferry
11. Poor Davey
12. My Wife's A Psychopath
13. Alfie From The Bronx
14. Bitten By A Bed Bug
15. Theme Tune

Livro: Infinita Highway - Uma carona com os Engenheiros do Hawaii - Alexandre Lucchese


Por Micael Machado

Em 2014, o jornal Zero Hora encarregou o repórter Alexandre Lucchese a fazer uma matéria especial sobre a carreira dos Engenheiros do Hawaii. A pesquisa do jornalista rendeu um material muito maior do que aquele que viria a ser publicado nas páginas do periódico, sendo oferecido à editora Belas Letras, e compilado em Infinita Highway - Uma carona com os Engenheiros do Hawaii, livro publicado em 2016. Com muitas entrevistas feitas com o trio da "formação clássica" dos EngHaw (Humberto Gessinger - voz, baixo, guitarra e teclados, Augusto Licks - guitarra, teclados e vocais, e Carlos Maltz - bateria, percussão e vocais), além de "cerca de uma centena de fontes", como o autor cita na introdução, o livro abrange desde a formação do grupo, ainda com Marcelo Pitz no baixo e Carlos Stein (que depois seria membro fundador do Nenhum de Nós) na guitarra, até a saída de Maltz após a gravação e a turnê de Simples de Coração, em 1995. Desta forma, em pouco mais de trezentas páginas, Lucchese conta a trajetória de quase onze anos da estrada de um dos mais importantes grupos do chamado "BRock" (e, seguramente, o maior do estilo já surgido no Rio Grande do Sul), período que os fãs consideram como o mais interessante e relevante de sua carreira, e que ajudou a banda a se tornar um verdadeiro fenômeno pelos quatro cantos do país.

Apesar de admitir que considera a formação com Gessinger, Licks e Maltz como a sua preferida e a mais importante do grupo, Alexandre despende muitas páginas da obra para tratar da formação do grupo (montado inicialmente para durar apenas uma noite, abrindo uma apresentação do grupo Ritual na faculdade de Arquitetura de Porto Alegre, em 11 de janeiro de 1985, mesmo dia do início do primeiro Rock In Rio), da infância e juventude de seus membros, dos primeiros e únicos meses ao lado de Pitz (Stein sairia pouco depois daquela primeira apresentação), da cena roqueira e musical de Porto Alegre na época (inclusive com muitos depoimentos dos participantes de tal cena, em trechos bastante interessantes, mas que fogem um pouco ao tema principal da obra), da gravação e turnê de divulgação do registro de estreia, Longe Demais das Capitais, de 1986, da relação dos músicos entre si, com os fãs e com a vida na estrada, do início da chegada do "sucesso" na vida dos rapazes, e da complicada e até hoje ainda não muito bem explicada saída do primeiro baixista em meados de 1987. Nesta parte, alguns depoimentos são mais longos do que o necessário, e os relatos e fatos apresentados acabam sendo tratados com uma profundidade talvez mais detalhada do que a recomendável, tornando a leitura um tanto arrastada e difícil, embora muita coisa apresentada seja bastante interessante.

O autor entrevistando Humberto Gessinger para o livro

Por conta desta "dedicação" aos detalhes, a entrada de Licks na banda vai ocorrer apenas na página 165, deixando assim pouco menos de metade da obra para a descrição de quase nove anos de trajetória dos EngHaw. Com o espaço limitado, as histórias se tornam menos detalhadas e os depoimentos mais curtos, mas a leitura se torna mais dinâmica, com o texto ganhando mais agilidade e "prendendo" mais a atenção do leitor às páginas da obra do que a primeira parte do relato. Desta forma, o livro passa pelas gravações dos demais discos do grupo, por relatos de shows marcantes como o Alternativa Nativa, ainda em 1987, e o Rock in Rio II, em 1991, a mudança do trio de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, a turnê pela antiga União Soviética em 1989, algumas polêmicas com jornalistas e outros músicos da cena musical nacional, e pela relação cada vez mais complicada entre as três fortes personalidades que compunham a formação mais adorada do grupo por parte de seus fãs. Como se vê, é muito pouco espaço para tanto assunto, ainda mais se levarmos em conta que Lucchese não se furta de tratar um pouco mais demoradamente da saída de Licks e do consequente processo gerado pelo insatisfeito guitarrista contra a dupla remanescente (com o livro trazendo alguns detalhes que eu, pessoalmente, desconhecia a respeito da "briga" entre os integrantes do Engenheiros). Mesmo assim, o autor acaba se saindo bem em sua missão "quase impossível" de condensar tantos fatos em tão poucas páginas, conseguindo trazer ao leitor muitas informações importantes e nem tão conhecidas ou "manjadas" sobre a carreira do trio até ali.

Após tratar rapidamente da junção do quinteto que viria a gravar Simples de Coração e do desgaste e consequente rompimento da relação entre  Gessinger Maltz, que chegaria até mesmo às vias de fato entre os dois e culminaria na partida do baterista, o livro termina deixando uma grande sensação de "quero mais", não só pela "pressa" como a parte mais interessante acaba sendo relatada, mas também porque a trajetória do grupo (e de seu principal compositor) seguiu adiante (com algumas formações diferentes, mas sempre com Humberto à frente), e fica a vontade de saber mais desta parte da carreira do grupo, à qual o autor preferiu ignorar, mas que, mesmo assim, traz histórias bastante interessantes para quem é seguidor de Gessinger e seus asseclas (sejam eles quais forem no momento).

Contracapa do livro

O livro conta ainda com várias fotos interessantes, um belo projeto gráfico (com destaque para a capa, que tem um "rasgo" em formato de círculo que revela uma espécie de "capa interna" para a obra), além de uma discografia comentada do período tratado e de três depoimentos de fãs colocados em momentos "estratégicos" da trajetória do grupo, e que ajudam a explicar um pouco porque três caras sem muita pretensão no mundo da música acabaram se tornando referência em termos de rock and roll não só no seu estado de origem, mas também para muitos e muitos fãs espalhados pelos quatro cantos do país . Estes depoimentos, aliás, talvez sejam a parte mais interessante de toda a obra, pois mostram como os fãs do grupo são parecidos, sendo fácil ao leitor se identificar com pelo menos algumas das situações contadas neles, ou talvez perceber que ele mesmo já passou por algo parecido enquanto "devoto" da banda, tornando sua leitura bastante atraente e, em algumas partes, até mesmo um pouco emotiva.

Infinita Highway - Uma carona com os Engenheiros do Hawaii não é a biografia definitiva dos EngHaw (e nem se pretende ser), mas, apesar de algumas falhas, é bastante recomendável, e com certeza irá agradar aos fãs de Humberto Gessinger e companhia. Os detratores, estes não se interessarão pela obra de toda forma, então melhor que nem leiam, pois podem acabar percebendo que a banda é muito mais que os "sucessos de FM" e as letras "messiânicas" de seu cantor. Que assim seja!