sábado, 12 de dezembro de 2020

Dois Reis - Dois Reis [2017]


Por Micael Machado

Sebastião Reis (voz, violão e guitarra) e Theo Reis (voz), filhos do cantor e compositor Nando Reis, começaram o projeto 2 Reis em 2012, com a intenção de levar para o palco músicas que o pai havia composto mas, por um motivo ou outro, não costumava apresentar em seus shows. Aos poucos, a dupla foi inserindo em seu repertório canções autorais, e, em 2017, reuniu oito delas no seu álbum de estreia, autointitulado, lançado pelo selo independente Relicário e produzido por Fernando Nunes, conhecido por trabalhar ao lado de artistas como Cássia Eller e Zeca Baleiro. Para o disco, que teve a capa desenhada pela irmã dos rapazes, Zoé Reis, a dupla foi acompanhada por uma banda formada por Victor Barreto (guitarras), Pedro de Lahóz (teclados), Gabriel Gariba (baixo) e Rafinha Wer (bateria).

O "paizão" Nando compôs (ao lado de Sebastião e de Fernando Nunes) apenas uma música, "Seja Como For", mas várias faixas do álbum poderiam muito bem estar espalhadas por sua discografia solo. Tanto "A Sombra do Futuro" (que ganhou um clipe de divulgação), quanto "Repartir", "Abri As Portas" (com destaque para as teclas de Pedro de Lahóz) ou "O Sexo Mais Forte" (que conta com um dueto entre Theo e a cantora Luiza Lian) parecem saídas dos discos do Reis mais velho, seja por causa dos timbres escolhidos para os instrumentos, seja pela semelhança das vozes do pai com a de seus filhos, ou ainda pela forte presença do violão e do Hammond nos arranjos das canções.

Theo e Sebastião, a dupla Dois reis

O reggae "Se Prepare" já havia sido gravado pela banda anterior de Theo, o Zafenate, e a balançada "Curva dos 30" conta com uma participação do trombone de Willian "Bica" em seu arranjo. Mas o maior destaque, para mim, é o encerramento com "O Tempo", faixa mais longa do registro (e única a passar dos cinco minutos), com uma atmosfera hippie que lembra um pouco o que se costumou chamar de "rock rural" no Brasil, além de algo de psicodelismo em seu arranjo e uma levada que lembra a parte dos versos de "Mantra", canção escrita pelo pai da dupla.

Difícil dizer qual caminho Theo e Sebastião adotarão em um próximo registro, e se conseguirão ou não se afastar da "sombra" do pai em suas composições. Mas, para um disco de estreia, Dois Reis se sai muito bem, ainda que vá agradar, primordialmente, àqueles já convertidos à sonoridade e à poesia da carreira solo de Nando Reis. Vamos aguardar o que o futuro trará!

Contracapa do álbum Dois Reis

Track List:

1. Abri As Portas

2. Seja Como For

3. Se Prepare

4. Curva dos 30

5. A Sombra do Futuro

6. Repartir

7. O Sexo Mais Forte

8. O Tempo

domingo, 29 de novembro de 2020

Blues Pills - Holy Moly! [2020]

Por Micael Machado

Quando o Blues Pills lançou sua estreia em 2014, chamou a atenção do mundo devido em muito ao talento de Elin Larsson, uma loiraça sueca cuja voz carregada de soul fez muita gente chamá-la de "nova Janis Joplin", um certo exagero na minha opinião, apesar do fato de que a moça era realmente um sopro de renovação no meio de tantas cantoras de vozes mais tímidas/contidas ou voltadas para o lado lírico/operístico que infestavam a cena à época. Mas a banda contava também com o jovem guitarrista francês Dorian Sorriaux, então com apenas 16 anos, e que conquistou muitos fãs com seu talento e inventividade no instrumento. Por isso, quando Dorian anunciou sua saída do grupo em novembro de 2018, os seguidores do quarteto ficaram apreensivos quanto ao futuro da trupe, que imediatamente anunciou que o baixista Zack Anderson assumiria as seis cordas do conjunto, com Kristoffer Schander sendo anunciado como novo baixista em outubro de 2019 (sendo que o baterista André Kvarnström completa o time), embora o novo integrante não tenha efetivamente participado das gravações do novo disco, Holy Moly!, terceiro registro completo de estúdio da turma, lançado no final de agosto de 2020, e que, felizmente, afasta todas as preocupações dos fãs quanto ao futuro e o direcionamento musical da banda!

O trio que registrou Holy Moly!André Kvarnström, Elin Larsson e Zack Anderson

Isto porque Anderson (que, além das guitarras e baixo, também cuidou da engenharia de som e - ao lado de Elin e André - da produção, além de assumir o papel de principal compositor e letrista, nesta função novamente ao lado de Elin) conseguiu manter o estilo adotado pelo Blues Pills em seus primeiros anos, além de incorporar novas sonoridades à temática setentista do grupo. Se, nos primeiros discos, a música dos Pills parecia presa em algum ponto entre 1972 e 1974, desta vez a mesma avançou um pouco mais para o final da década, resultando no álbum mais variado do grupo até aqui: tem velocidade (em "Low Road", um dos destaques), hard rocks poderosos (como o manifesto feminista "Proud Woman", o ritmo "quebrado" de "Dreaming My Life Away" ou a agitada "Rhythm In The Blood"), groove em "Bye Bye Birdy", uma certa "malemolência" em "Kiss My Past Goodbye", baladas menos ("Dust") ou mais emotivas ("California" e, principalmente, "Wish I'd Known", com um belo coral no final) e até toques de psicodelismo presentes no solo de guitarra de "Song from A Mourning Dove", a mais longa do disco, sendo a única a passar dos cinco minutos, além do final com "Longest Lasting Friend", contando apenas com a guitarra limpa de Zack Anderson e a voz poderosa de Elin, que, ao longo do disco, assume novamente seu papel de destaque dentro da banda, com variações vocais desde tons mais suaves a graves marcantes, além de alternar volumes e tonalidades com maestria, fazendo com que seu canto não soe repetitivo ao longo das faixas.

Com pouco mais de quarenta minutos de duração, o CD saiu no Brasil pela Shinigami Records, mas lá fora foi lançado pela Nuclear Blast também em vinil (em diversas cores diferentes), em uma edição em CD duplo com uma reedição do EP Bliss, de 2012,  como bônus, e até mesmo em um box com o CD e o vinil de 12 polegadas de Holy Moly!, além de uma edição em vinil de 10 polegadas do citado EP. Se você já curtia o som do Blues Pills, pode conferir este novo álbum sem medo, e, se não conhece ainda, mas curte a sonoridade setentista do hard rock do período (que aqui, felizmente, foge da saturada cena de imitadores do Black Sabbath para buscar outras fontes de inspiração para sua música), então este disco é altamente recomendável, Confira!

Contracapa de Holy Moly!

Track List:

1. Proud Woman

2. Low Road

3. Dreaming My Life Away

4. California

5. Rhythm In The Blood

6. Dust

7. Kiss My Past Goodbye

8. Wish I´d Known

9. Bye Bye Birdy

10. Song From A Mourning Dove

11. Longest Lasting Friend

domingo, 4 de outubro de 2020

Datas Especiais - 35 anos do renascimento do The Cure


Por Micael Machado

O final do ano de 1984 não foi fácil para o guitarrista e vocalista Robert Smith, principal compositor do grupo inglês The Cure. Por motivos de saúde (física e mental), ele havia se forçado a sair do Siouxsie and the Banshees, onde atuava como um "simples" guitarrista, em uma busca de fugir da pressão e das responsabilidades de seu grupo principal. Este, por sua vez, apesar de ter acabado de lançar um álbum ao vivo (intitulado Concert), chegava esfacelado aquele final de ano, apos a demissão do baterista Andy Anderson (que, depois de muitas desavenças com outros membros do grupo, quebrou completamente um quarto de hotel no Japão e foi demitido ainda antes do final da turnê de divulgação do mais recente álbum de estúdio até então, The Top, também de 1984) e a saída voluntária do baixista e produtor Phil Thornalley (que, segundo suas próprias palavras, descobriu durante a excursão que "fazer turnês não é para os fracos de coração", e que se adaptava muito melhor aos ambientes fechados do estúdio do que à vida ao ar livre da estrada). Além disso, o guitarrista Porl Thompson (velho amigo de Robert, e que havia participado de uma das  primeiras formações do grupo) havia participado da turnê apenas com o status de "músico convidado", não fazendo realmente parte da formação do The Cure, que tinha em seu outro membro fundador, o tecladista Lol Tolhurst, um sujeito que passava mais tempo brigando com seus demônios pessoais (especialmente o álcool) do que contribuindo ativamente para a musicalidade da banda.

A entrada do baterista Boris Williams (ex-membro dos Thompson Twins) para completar a excursão acabou solucionando a parte percussiva do problema, mas faltava ainda resolver a questão da outra metade da seção rítmica do grupo. Um roadie da banda, Gary Biddles, acabou intermediando uma reunião entre Smith e Simon Gallup, ex-baixista do próprio Cure, com o qual havia gravado os discos mais bem sucedidos do conjunto até então (a "trilogia negra" formada pelos álbuns Seventeen Seconds, Faith, e Pornography), e que havia saído da banda após desentendimentos com Robert que chegaram até as "vias de fato" durante a última excursão de que o baixista participou. Segundo Biddles, os dois se encontraram perto de sua casa, foram até um bar e, "algumas cervejas depois, estavam conversando de novo". Smith fez então o convite para o retorno, Gallup aceitou, e as quatro cordas da banda ganhavam seu dono permanente desde então. Bastava apenas que Robert oficializasse a posição de Thompson como responsável pelas guitarras do grupo, e a entidade The Cure estava então pronta para renascer.

Em fevereiro de 1985, a nova formação em quinteto se reuniu no F2 Studios, na Inglaterra, onde Smith mostrou aos outros algumas ideias musicais que havia registrado sozinho, e que, desenvolvidas ao longo do primeiro semestre daquele ano, resultariam em The Head on the Door, lançado a 26 de agosto daquele ano, e que mudaria para sempre a história e o status do The Cure no mundo da música. Pela primeira vez, todas as faixas tiveram Robert como compositor exclusivo, sem a participação dos outros membros. "Bob" Smith já declarou que sua intenção era "gravar músicas sombrias e músicas pop e colocá-las no mesmo álbum", músicas que "criassem um tipo de tensão ao casar letras levemente amargas a melodias realmente doces". Um belo exemplo disso pode ser encontrado em "In Between Days", primeiro single lançado (ainda em julho) e faixa que abre o disco, com sua melodia alegre e divertida (conduzida pelo violão, algo raro na discografia da banda até então) emoldurada por uma letra onde Robert lamenta a perda de sua companheira e implora sua volta. A canção recebeu um icônico vídeo clipe dirigido por Tim Pope, que foi muito bem aceito na MTV dos Estados Unidos, e ajudou a catapultar o nome do grupo naquele país, com o sucesso apenas aumentando após o lançamento do segundo single (e clipe, do mesmo diretor), "Close to Me", outra canção pop e alegre, cujos versos dariam origem ao nome do álbum, e que, segundo Smith (em uma das várias repostas que ele deu ao longo dos anos tentando explicar este título, e que está presente no encarte da reedição de 2006), veio de um "pesadelo recorrente de infância, onde uma cabeça sem corpo me encarava de cima da porta de meu quarto"... dá para perceber que, apesar de tudo, Smith não estava tão alegre assim à época.

The Cure em 1985: Porl Thompson, Lol Tolhurst, Boris Williams, Robert Smith e Simon Gallup

Mas o lado "pop" de The Head on the Door não se resumia apenas a estas duas faixas. "Six Different Ways" tem uma leve a agradável melodia quase infantil, conduzida pelos teclados (que, aliás, foram quase todos tocados por Smith e Thompson, visto que Tolhurst passava efetivamente mais tempo embriagado do que tocando com o grupo), e "Push", uma das minhas favoritas na longa discografia do grupo, tocou (e ainda toca) muito nas rádios mundo afora, apesar de não ter sido lançada como single. "Screw" tem uma melodia que acaba soando estranha (mas ao mesmo tempo agradável) aos ouvidos, enquanto "The Baby Screams" traz de volta os experimentos eletrônicos da época em que o Cure era uma dupla formada por Bob e Lol, especialmente os contidos no single The Walk, de 1983 (aliás, não seria exagero dizer que os "experimentos" feitos pelo duo nesta época em busca de fórmulas mais "pops" para o som do Cure foram o que permitiram que The Head on the Door acabasse tendo a sonoridade que obteve ao final).

Mas é claro que, em se tratando de um álbum do The Cure, um lado sombrio, tristonho e depressivo acabaria eventualmente aparecendo. Este lado é representado por "Kyoto Song", onde melodias orientais aparecem no arranjo, pelos violões flamencos de "The Blood" (onde Smith clama estar paralisado pelo "Sangue de Cristo", que nada mais era do que uma variação de "Lágrimas de Cristo", nome de um fortíssimo vinho do Porto com o qual ele havia se embriagado na casa de Steven Severin, baixista e ex-colega de Bob tanto no Siouxsie and the Banshees quanto no The Glove), e, principalmente, na faixa que encerra o álbum "Sinking", onde Bob avalia a passagem do tempo e o avanço da idade em uma das mais memoráveis canções da história da banda. O track list se completa com a balada "A Night Like This", que casa perfeitamente o lado alegre e o lado sombrio do Cure em uma única faixa, e ainda tem um solo de saxofone gravado pelo músico convidado Ron Howe, que havia participado da banda Fools Dance, o grupo que Simon montou ao deixar o Cure em 1983.

Como já citei acima, em 2006, junto com os outros discos da discografia do grupo até 1987, foi lançada uma reedição "deluxe" de The Head on the Door, que veio com um CD bônus contendo as tais demos caseiras que Bob mostrou aos seus companheiros em fevereiro de 1985, outras demos gravadas pelo grupo em estúdio, e algumas faixas ao vivo. Neste CD aparecem versões alternativas para todas as músicas do álbum, além das quatro lançadas como B-sides à época e outras quatro inéditas até então, as instrumentais "Inwood" e "Innsbruck" (registradas apenas por Smith, com predominância dos teclados e arranjos bastante sombrios) e as mais alegres "Mansolidgone" (que lembra as faixas do Cure como dupla) e "Lime Time" (que traz versos que depois acabariam formando parte das letras de "In Between Days" e de "Six Different Ways"), gravadas pela banda inteira já no F2 Studios.

Contracapa de The Head on the Door

Como disse, o disco e (principalmente) os clipes acabaram fazendo muito sucesso nos Estados Unidos, levando o grupo para sua primeira grande excursão pelo país. O sucesso do Cure na América fez com que o resto do mundo abrisse os olhos para a banda, e o nome do quinteto atingiu um patamar até então sequer sonhado por seus membros, especialmente depois que a gravadora lançou, no ano seguinte, a coletânea de singles Standing on a Beach (chamada Staring at the Sea na versão em CD, sendo as duas frases os versos de abertura de "Killing an Arab", primeiro single do grupo, lançado em 1978), que reunia todos os "Lados A" da banda até então, com a versão em cassete original contando ainda com quase todos os respectivos "B-Sides", além de existir ainda uma versão em VHS com todos os vídeos oficiais, chamada Staring at the Sea: The Images, e o mesmo track list da versão em CD, que possui quatro faixas extras. Ao final da turnê promocional para The Head on the Door, o Cure fez dois shows no Théâtre antique d'Orange, na França (a 9 e 10 de agosto de 1986), que ficaram eternizados no VHS The Cure in Orange (lançado em 1987), na minha opinião ainda o melhor registro em vídeo do grupo, sendo que um lançamento oficial em DVD já foi anunciado muitas vezes, mas, infelizmente, nunca se efetivou. A turnê acabava com o The Cure em um nível de popularidade elevadíssimo, com seus membros (Smith principalmente) transformados em rock stars, e prontos para abraçar o estrelato daí em diante, posição da qual o grupo nunca mais sairia, mantendo o respeito e o apoio dos fãs do mundo todo até os dias de hoje, graças ao seu "renascimento" trinta e cinco anos atrás.

Track List (versão original):

Lado A:

1. "In Between Days"
2. "Kyoto Song"
3. "The Blood"
4. "Six Different Ways"
5. "Push"

Lado B:

1. "The Baby Screams"
2. "Close to Me"
3. "A Night Like This"
4. "Screw"
5. "Sinking"

Track List (CD bônus da reedição de 2006):

1. "In Between Days (RS Instrumental Home Demo 12/84)"
2. "Inwood (RS Instrumental Home Demo 12/84)"
3. "Push (RS Instrumental Home Demo 12/84)"
4. "Innsbruck (RS Instrumental Home Demo 12/84)"
5. "Stop Dead (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
6. "Mansolidgone (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
7. "Screw (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
8. "Lime Time (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
9. "Kyoto Song (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
10. "A Few Hours After This ... (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
11. "Six Different Ways (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
12. "A Man Inside My Mouth (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
13. "A Night Like This (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
14. "The Exploding Boy (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
15. "Close to Me (Fitz/F2 Studios Demo 2/85)"
16. "The Baby Screams (Live Bootleg Bercy Paris 12/85)"
17. "The Blood (Live Bootleg Bercy Paris 12/85)"
18. "Sinking (Live Bootleg Bercy Paris 12/85)"

Eluveitie - Live At Masters Of Rock [2019]


Por Micael Machado

Poucas são as bandas que conseguem sobreviver à saída de um ou mais membros importantes de sua formação. Mas o grupo suíço de folk metal Eluveitie, liderado pelo vocalista e multi-instrumentista Chrigel Glanzmann, tem convivido com este tipo de percalço praticamente desde sua fundação, ainda em 2002. Sendo assim, depois das traumáticas partidas do baterista Merlin Sutter, do guitarrista Ivo Henzi e da vocalista Anna Murphy (esta também responsável pelo hurdy-gurdy, ou viola de roda, como é conhecido no Brasil) em 2016 (trio hoje reunido no Cellar Darling), o grupo se remontou com a chegada de Alain Ackermann para a bateria, Jonas Wolf para as seis cordas, Michalina Malisz para o hurdy-gurdy e Fabienne Erni para os vocais e harpa, além de trazer de volta a violinista Nicole Ansperger, que, junto com o guitarrista Rafael Salzmann, o baixista Kay Brem e o responsável pelos instrumentos de sopro Matteo Sisti, transformaram o conjunto num exército de nove peças pronto para retomar seu lugar no mundo metálico, primeiro com a gravação de um álbum acústico chamado Evocation II: Pantheon (que serviu como uma espécie de "respiro" para dar fôlego ao que estava por vir), em 2017, e depois com um de seus melhores registros de estúdio na carreira, Ategnatos, de 2019. Foi na turnê de promoção deste disco que o grupo tocou no festival Masters Of Rock, na República Tcheca, no dia 11 de julo de 2019, onde foi registrado o segundo disco ao vivo da extensa carreira da banda (descontados aqueles que vieram como bônus em edições especiais de alguns álbuns anteriores ou até mesmo um registro lançado como brinde da revista alemã Legacy em 2014).

Em um set de uma hora e quinze minutos de duração, é claro que muitas músicas marcantes acabaram ficando de fora da apresentação, mas o grupo conseguiu reunir no seu show, além de um solo de bateria (que, felizmente, não é muito extenso, possuindo pouco menos de três minutos e meio, mas que poderia, para o meu gosto, ter sido substituído por uma música "de verdade" dentre tantas que faltaram), cinco faixas de seu então novo disco (com destaque para a abertura com a faixa título, a agressiva "Deathwalker" e a variada "Rebirth", já no bis) junto a algumas faixas um pouco mais antigas (como "Helvetios" ou "Havoc") aquelas "favoritas de sempre" que já se tornaram obrigatórias nas apresentações dos suíços, como "Thousandfold", "A Rose For Epona",  "The Call Of The Mountains" ou "King", estas duas, apesar de mais recentes, já consideradas clássicas pelos fãs.

Foto da banda presente no encarte de Live At Masters Of Rock

Fãs estes que, tenho certeza, tinham como curiosidade principal saber como Fabienne Erni  conseguiria se sair ao desempenhar seu papel no palco. Pois (visto que ainda não tive, infelizmente, a oportunidade de assistir ao vivo a esta formação do grupo para formar uma opinião através de minhas próprias observações "in loco") se os vídeos disponíveis no youtube mostram que Fabienne ainda terá que evoluir muito para chegar ao nível de presença de palco, carisma e empatia que Anna Murphy possuía, pelo menos a parte vocal do grupo está garantida sem ressalvas, como comprovam aquelas composições que exigem um destaque maior da cantora, como as citadas "The Call Of The Mountains" e "A Rose For Epona", ou as mais novas "Epona" e "Artio", esta, especialmente, quase um "número solo" talhado para a vocalista mostrar toda sua extensão vocal e sua bela voz.

Fica difícil recomendar uma ou outra faixa para o ouvinte ocasional que pretenda conhecer o Eluveitie através deste álbum, devido ao largo espectro musical do grupo, indo de momentos quase death metal (como parte da abertura de "Worship") a momentos onde parecemos ser transportados às tavernas de filmes medievais (como em partes de "Thousandfold" ou da citada "Epona"), passando por temas que remetem às tantas bandas de gothic metal com vocais femininos que temos por aí (como em partes de "Breathe"), momentos quase pop (em "The Call Of The Mountains", aqui apresentada com sua letra em inglês, sendo que Anna frequentemente a cantava em sua versão com letras em alemão, uma das várias versões em que a faixa chegou a ser registrada) ou temas mais introspectivos e belos como "A Rose For Epona". Mas é claro que, neste disco e na extensa discografia da banda, um dos maiores destaques sempre será "Inis Mona", há anos escolhida para o encerramento dos shows da banda, e que aqui, mantendo a tradição, fecha tanto o bis quanto o álbum.

Contracapa da versão em vinil de Live At Masters Of Rock

Disponível, é claro, nas muitas versões em formato digital obrigatórias nos dias atuais, Live At Masters Of Rock foi lançado lá fora em vinil duplo e CD simples, sendo que a versão nacional (disponível apenas neste segundo formato, pela gravadora Shinigami Records) traz um adesivo indicando ser uma edição limitada a trezentas cópias (não numeradas, infelizmente). Sendo assim, se você curte a complexa sonoridade desta quase orquestra musical de folk metal, não perca a oportunidade de garantir sua cópia do álbum, pois a satisfação será garantida. Com a pandemia que assola o mundo e as incertezas para o futuro que ela traz, fica difícil prever o futuro desta formação do Eluveitie, mas, se depender do mostrado neste registro, ele tem tudo para ser tão ou mais brilhante que a estrada que o grupo já percorreu com seus antigos membros. Quem sobreviver à "gripezinha", verá!

Track List:

1. Ategnatos
2. King
3. The Call Of The Mountains
4. Deathwalker
5. Worship
6. Artio
7. Epona
8. A Rose For Epona
9. Thousandfold
10. Ambiramus
11. Drumsolo
12. Havoc
13. Breathe
14. Helvetios
15. Rebirth
16. Inis Mona

domingo, 19 de julho de 2020

The Nice - The Thoughts of Emerlist Davjack [1968]


Por Micael Machado

Todo fã de rock progressivo tem a obrigação de conhecer ao menos de nome o excepcional tecladista Keith Emerson, que ganhou fama como membro do supergrupo Emerson, Lake & Palmer. O que talvez alguns não saibam é que, antes do ELP, Emerson também obteve fama e sucesso ao lado do The Nice, com quem tocou entre 1967 e 1970. Aqueles que não conhecem o som da banda, e resolvam iniciar pelo seu disco de estreia registrado em 1968, com o curioso nome The Thoughts of Emerlist Davjack (algo como "os pensamentos de Emerlist Davjack", em tradução livre), certamente serão surpreendidos pela sonoridade completamente diferentes entre as duas bandas de seu membro mais conhecido...

Mas antes de tratarmos do disco em si, um pouquinho de história. Como disse, o grupo iniciou sua trajetória em 1967, inicialmente como banda de apoio à cantora norte-americana P. P. Arnold, que estava na Inglaterra acompanhando a dupla Ike a Tina Turner em uma excursão pelo país. Quando a turnê acabou, Arnold decidiu continuar no país, mas pediu ao seu manager, Andrew Loog Oldham (também empresário dos Rolling Stones, e co-proprietário da gravadora Immediate Records) que lhe arrumasse um novo grupo como suporte, pois estava descontente com os músicos que lhe acompanhavam então. Emerson foi convidado para a empreitada, e rapidamente se uniu ao baixista Lee Jackson, ao guitarrista David O'List e ao baterista Ian Hague em uma digressão onde também apareciam, apenas os quatro, como "banda de abertura" para a cantora principal. Após uma apresentação de destaque (sem Arnold) no National Jazz and Blues Festival daquele ano, e, com o retorno da cantora a seu país de origem ao final da temporada inglesa, Oldham ofereceu ao grupo (já devidamente denominado como The Nice) um contrato com sua própria gravadora, o que foi logo aceito pelo quarteto, que efetivou Jackson nos vocais (além de continuar no baixo) e substituiu Hague (que estava descontente com os rumos musicais que o grupo queria seguir) pelo baterista Brian Davison, e partindo para a gravação de seu registro de estreia.

Algumas sessões de composição e gravações foram feitas entre o final de 1967 e o início de 1968 (muitas delas aparecendo anos depois na compilação Autumn '67 – Spring '68, que contém versões alternativas para quase todas as faixas do primeiro disco), mas o álbum oficial só sairia em março de 1968. Àquela época, o Nice estava completamente inserido na cena "psicodélica" inglesa (então representada por grupos tão díspares quanto Pink Floyd, Jimi Hendrix Experience, The Crazy World of Arthur Brown, Yardbirds e muitos outros, e que também fazia muito sucesso na costa oeste dos Estados Unidos, especialmente em San Francisco), como pode ser constatado nas faixas "Tantalising Maggie",  "Flower King of Flies", "The Cry of Eugene" ou a própria "The Thoughts of Emerlist Davjack" (sendo que o nome do personagem principal, caso você não tenha percebido, é uma junção dos sobrenomes dos membros do grupo), sendo que as duas últimas, com o benefício do tempo e da história, acabam soando bastante genéricas, e muito parecidas a diversas outras composições do período (o que não contribui, de forma alguma, para diminuir a sua qualidade, que fique bem claro).

The Nice em 1968: Lee Jackson, Brian Davison, Keith Emerson e David O'List

Mas isto não significa que o quarteto estava preso a uma única forma de compor ou a um único estilo. "Bonnie K", por exemplo, tem um pezinho e meio firmemente plantado no blues, enquanto "War and Peace" e partes da citada "The Cry of Eugene" já adiantam o estilo progressivo que Emerson adotaria mais adiante em sua carreira, sendo que a primeira conta com um verdadeiro show do músico em seu instrumento. Mas o grande destaque do álbum ficou, sem dúvidas, para "Rondo", onde, ao longo de mais de oito minutos (um verdadeiro exagero para a época), Emerson faz misérias sobre um arranjo diferente elaborado por ele para a clássica "Blue Rondo à la Turk", do Dave Brubeck Quartet, e inseriu definitivamente seu nome na história da música. A faixa fez um enorme sucesso, levando o Nice a excursionar pela Europa e os Estados Unidos, sendo anos depois incorporada ao repertório do Emerson, Lake & Palmer, onde, amparado pela base mais sólida construída por seus então parceiros, Emerson atingia voos musicais altíssimos na performance de suas teclas ao longo da faixa.

O sucesso de "Rondo" e das apresentações ao vivo do grupo, onde Emerson já tinha o costume de "maltratar" seu teclado, seja o arrastando pelo palco, jogando-o por cima de si ou mesmo atirando adagas no coitado (estas, segundo a Wikipedia, legítimos artigos originais da SS de Hitler, emprestadas ao músico por um de seus roadies, um certo Ian Kilmister, também conhecido como Lemmy -  sim, este mesmo que vocês estão pensando) foi seguido por um novo single, uma versão para a peça "America", de Leonard Bernstein, mas, em setembro daquele ano, o grupo acaba se separando de O'List, sendo que ainda hoje é discutido se o guitarrista saiu voluntariamente por questões particulares e de saúde (como consta, inclusive, nas "liner notes" do relançamento do primeiro disco de 2007), ou se foi expulso por Emerson após alguns desentendimentos entre os outros três membros e o titular das seis cordas. O certo é que a carreira do The Nice seguiria em frente, com o agora trio avançando cada vez mais no terreno do rock progressivo, estilo no qual, a meu ver, atingiu seu ápice no álbum Five Bridges, de 1970, gravado ao lado da orquestra The Sinfonia Of London. Naquele mesmo ano, Keith Emerson chegou à conclusão de que, musicalmente falando, o trio havia atingido o máximo de evolução possível, e decidiu abandonar o barco para formar o já citado ELP. Jackson formou o Jackson Heights, com quem tocou entre 1970 e 1973, e depois se reuniria brevemente com Davison em 1974 no projeto Refugee, onde tocaram ao lado do tecladista Patrick Moraz (que naquele mesmo ano se uniria ao Yes, o que foi o final do trio Jackson, Davison e Moraz). O quarteto "Emerlist Davjack" não tocaria junto de novo, mas o trio Emerson, Jackson e Davison ainda faria uma última excursão em 2002 (que resultou no álbum ao vivo Vivacitas, daquele mesmo ano), antes das mortes de Davison em 2008 e de Emerson em 2016.

Contracapa da versão original de The Thoughts of Emerlist Davjack

The Thoughts of Emerlist Davjack foi relançado várias vezes, com a inclusão de diversas e diferentes faixas bônus registradas naquele período a cada nova versão, como a já citada "America" ou o lado B do single para a faixa título, intitulado "Azrial (Angel of Death)", e permanece ainda hoje como um marco na carreira de um dos músicos mais importantes da história do rock progressivo. Se tiver a oportunidade, procure conhecer este trabalho, que já mostra o talento de Emerson nas teclas, mesmo que ele fosse evoluir ainda mais posteriormente em sua carreira. Só não espere os grandes arroubos instrumentais do músico em sua fase ELP. A banda, aqui, é outra, mas ainda é uma "nice band" (é, não consegui resistir a este infame trocadilho, perdoem-me).

Track List (versão original):

Lado A
1. "Flower King of Flies"
2. "The Thoughts of Emerlist Davjack"
3. "Bonnie K"
4. "Rondo"

Lado B
1. "War and Peace"
2. "Tantalising Maggie"
3. "Dawn"
4. "The Cry of Eugene"

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Rainbow ‎– Long Island 1979 [2015]


Por Micael Machado

Há pouco tempo atrás, abordei aqui no site o álbum ao vivo Boston 1981um dos vários bootlegs do grupo inglês Rainbow "oficializados" no mercado entre 2013 e 2016. Devido à boa repercussão da resenha (agradeço sinceramente aos vários comentários que o texto recebeu e ao engajamento dos nossos leitores com o mesmo), hoje gostaria de abordar outro disco que faz parte deste "pacote" licenciado pelo chefão Ritchie Blackmore à gravadora Purple Pyramid, uma divisão da Cleopatra Records. Trata-se de Long Island 1979 - Down To Earth Tour, registrado a 30 de Novembro de 1979 no Calderone Concert Hall, na cidade de Hempstead, no estado norte-americano de Nova Iorque, apenas dez dias antes do final da turnê americana do grupo naquele ano, e na mesma data do trigésimo quarto aniversário do baixista Roger Glover. A resenha será feita baseada na versão em vinil deste registro, pois o disco, ao que apurei, foi lançado separadamente apenas neste formato (ainda que em diferentes versões nas cores laranja, amarelo e preta), sendo que em CD o mesmo aparece apenas como parte de um box set chamado Down To Earth Tour 1979, que traz a íntegra deste show e do realizado em Denver apenas alguns dias antes (o qual também ganhou uma versão em vinil duplo), além de parte da apresentação em Chicago em outubro daquele ano, não podendo nenhum dos três ser adquirido de forma isolada neste formato de mídia física.

Contando em seu line-upà época, com o baterista Cozy Powell, o tecladista Don Airey e o cantor Graham Bonnet (que havia substituído Ronnie James Dio alguns meses antes, e registrado o disco Down To Earth naquele mesmo ano), além dos citados Blackmore e Glover, e impulsionado pelo sucesso do single da canção "Since You've Been Gone" (sexto lugar na Inglaterra e presente no Top 100 dos Estados Unidos), o grupo fazia sua mais bem sucedida excursão ate então, em termos financeiros e de reconhecimento, nos Estados Unidos (curioso saber que parte dela foi como grupo de abertura do Blue Oyster Cult, o que nos dá uma ideia do "tamanho" do Rainbow no país à época), e o concerto registrado neste disco mostra uma banda já bastante entrosada e adaptada ao material executado, "azeitada" pelo longo período na estrada com seu novo "lead singer". Infelizmente, a qualidade sonora do álbum em questão é bastante ruim, com o som muito baixo e abafado, os pratos de Powell "sibilando" constantemente nas caixas de som (dá a impressão de um rádio FM ligeiramente fora da sintonia ideal, consigo me fazer entender?), a voz de Bonnet "abafada" em meio aos demais instrumentos e o baixo de Glover por vezes quase sumido na mixagem. Seria possível imaginar que Blackmore e a gravadora simplesmente pegaram um dos muitos bootlegs do show existentes por aí, colocaram algumas fotos do guitarrista nas capas externas e internas (à exceção das capas de três singles da época, a imagem do "poderoso chefão" do Rainbow é a única de um membro da banda a aparecer no disco) e "soltaram" o mesmo no mercado em uma versão diferente das anteriores. Mas um detalhe nos faz pensar diferente: em todas as faixas, a guitarra do Sr. “Ricardinho Maispreto” está alta e cristalina, brilhando à frente da massa sonora dos demais instrumentos, o que nos mostra que alguma coisa em termos de mixagem deve ter sido feita antes da "oficialização" do concerto ao público em geral. Claro que, para os colecionadores de verdade, acostumados a bootlegs mal gravados cujo valor histórico é muito maior do que a qualidade cristalina das gravações digitais atuais, esta alegada "falta de qualidade" na gravação não chegará a atrapalhar muito a audição (eu, por exemplo, tenho discos não oficiais em meu acervo muito mais difíceis de ouvir do que estes, e não me furto de escutá-los e apreciá-los com o mesmo entusiasmo que um disco oficial "ao vivo" lançado pelos artistas), e, lá pela terceira ou quarta música do álbum, este fator já não será mais um problema aos ouvidos menos sensíveis.

Capa interna e discos de uma das versões de Long Island 1979

E, por falar em "valor histórico", o deste registro em questão é bastante relevante, Apesar de não contar com a tradicional abertura com a fala de Dorothy no filme do Mágico de Oz e a banda tocando um trecho da canção "Somewhere Over The Rainbow" (ambos citados no texto da capa externa, mas ausentes da versão final do disco), substituídos por alguns "sons eletrônicos" dos teclados de Airey, quando estes revelam os primeiros acordes de "Eyes Of The World" a senha está dada para um belo álbum ao vivo do Rainbow. Seguida pela mais cadenciada "Love's No Friend", as duas canções possuem alguns dos melhores solos de Blackmore no disco, e tem na sequência (intercaladas por pequenos trechos instrumentais da citada "Somewhere Over The Rainbow" e da clássica composição de Beethoven "Für Elise") os dois maiores "hits" de Down To Earth, "Since You've Been Gone" e "All Night Long", que completam o primeiro disco da versão em vinil duplo. Ao final da última, Bonnet anuncia o aniversário de Glover à audiência, e Airey puxa um "Parabéns a Você" cantado entusiasticamente pelo público americano, fazendo o baixista "corar um pouco debaixo de seu tradicional chapéu", segundo o texto da capa interna.

Os quase vinte e sete minutos de "Lost In Hollywood" ocupam todo o lado C do vinil, e são maiores do que a soma de dois de quaisquer outros lados do disco. Claro que a faixa é um espaço para improvisos, solos e passagens dos músicos por trechos de outras composições. Um dos muitos bootlegs do show encontrados no mercado, chamado Roger's Birthday Party, lista estes trechos separadamente em seu track list, sendo eles "Lost In Hollywood - Part I", um trecho de "Beethovens Ninth" (em versão mais lenta, mas com arranjo semelhante, àquela registrada como faixa título do álbum Difficult to Cure), "Keyboard Solo", "Drum Solo", "1812 Overture" e "Lost In Hollywood - Part II". Como visto, a faixa dá espaço para quase todos brilharem individualmente, além de já apontar os caminhos que o Rainbow seguiria logo em seguida em seus próximos registros.

Na última parte do concerto temos uma volta ao passado do grupo e de seu líder. Iniciando com um breve improviso de Blackmore à guitarra (chamado de "Richi's Tune" no bootleg citado acima) e um curto trecho instrumental de "Lazy", um dos muitos clássicos do Deep Purple (banda que contava, cabe alertar aos desavisados de plantão, com Ritchie e Roger em suas fileiras), canção citada com entusiasmo na capa interna como "tendo trazido suspiros extras às hordas presentes na beira do palco", apesar de durar apenas alguns segundos, a "volta no tempo" continua com a vinheta "Blues", passagem instrumental que Ritchie já executava nos palcos desde seus tempos no Púrpura Profundo, que aparece separando as clássicas "Man On The Silver Mountain" e "Long Live Rock 'N' Roll", ambas remetendo aos tempos em que o baixinho Ronnie James Dio empunhava o microfone do Rainbow, e nas quais a performance de Graham Bonnet, apesar de compreensivelmente inferior à do fantástico cantor anterior, não soa nada decepcionante, pois, mesmo com estilos bastante diferentes entre eles, Graham consegue colocar sua personalidade nas faixas, ao contrário do que ocorreria com seu substituto, como escrevi na resenha do show de Boston citado no começo deste texto. As duas faixas aparecem no lado D do vinil, completando um show que, apesar de contar oficialmente com apenas sete canções, tem mais de uma hora de duração, e deve agradar aos verdadeiros fãs da banda, principalmente Àqueles que conseguirem superar mais facilmente a falta de uma qualidade sonora mais cristalina ressaltada acima.

Contracapa de Long Island 1979

Menos de nove meses depois, o Rainbow se apresentaria no Monsters Of Rock Festival em Castle Donington, na Inglaterra, naquele que seria o último show de Bonnet e Powell com o grupo, abrindo caminho para uma nova e exitosa (financeiramente falando) fase com Bob Rondinelli na bateria e Joe Lynn Turner nos vocais. O show do Monsters também teve seu lançamento oficializado neste "pacote" de discos, mas isto é conversa para um outro momento...

Track List:

Lado A

1. Eyes Of The World
2. Love's No Friend

Lado B

1. Since You've Been Gone
2. All Night Long

Lado C

1. Lost In Hollywood

Lado D

1. Man On The Silver Mountain
2. Long Live Rock 'N' Roll

sábado, 18 de abril de 2020

Ministry ‎– Live Necronomicon [2017]


Por Micael Machado

Houve uma época em que o Ministry era um dos maiores grupos de heavy metal do mundo, sendo possivelmente o nome mais destacado do chamado "industrial metal" no começo da década de 1990. Isto ocorreu graças a dois álbuns de qualidade excepcional, The Mind Is A Terrible Thing To Taste, de 1989, e ΚΕΦΑΛΗΞΘ (popularmente conhecido como Psalm 69: The Way to Succeed and the Way to Suck Eggs), de 1992, os quais consolidaram o nome da banda mundialmente. Pois foi justamente entre estes dois registros que o Ministry colocou no mercado seu primeiro álbum ao vivo oficial (também lançado em vídeo), In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live), de 1990, gravado a 22 de fevereiro daquele ano em Merrillville, no estado norte-americano de Indiana, e que, apesar de conter menos de quarenta minutos e apenas seis faixas da apresentação daquela noite, conseguiu reconhecimento como um dos melhores discos ao vivo dos anos 90, ganhando imediatamente a simpatia e aprovação unânimes dos fãs da banda (particularmente falando, uma das primeiras camisetas "de banda" que comprei lá pelos meus 17, 18 anos, trazia a capa do disco estampada, o que deve servir para demostrar meu apreço pela obra). Vinte e sete anos depois, em 2017, um acordo com a gravadora Cleopatra Records colocou no mercado em edições tanto em CD como em vinil (ambos duplos), e também nas hoje obrigatórias plataformas digitais, uma versão ampliada daquele registro, chamada Live Necronomicon, e que, apesar de não contar com a íntegra do show executado naquela data, serve para mostrar um lado até então quase desconhecido da carreira da banda de Chicago.

O Ministry, à época, era formado em sua versão de estúdio pela dupla Alain "Al" Jourgensen (vocais, guitarra, programações) e Paul Barker (baixo, teclados, programações). Mas, ao vivo, além de tocar por trás de uma cerca de arame (repetidamente derrubada pelos fãs ao final das apresentações), a banda se transformava em um combo de dez pessoas, agregando às suas fileiras o recentemente falecido Bill Rieflin (à época, também membro do Revolting Cocks, do Pigface e do Lard, e futuramente integrante de grupos como KMFDM, Swans, R.E.M. e King Crimson) e o ex-PIL Martin Atkins (que depois faria parte do Nine Inch Nails) em duas baterias, um quarteto de guitarras formado pelo ex-Rigor Mortis Mike Scaccia (parceiro de Al tanto no Ministry quanto em diversos projetos paralelos até sua morte, em 2012), o ex-U.K. Subs Terry Roberts, o também membro do Pigface William Tucker, e o líder do Skinny Puppy Nivek Ogre (também responsável por teclados e vocais), além do tecladista e vocalista Chris Connelly (também do Revolting Cocks e do Pigface) e de Joe Kelly nos backing vocals. Nesta noite em particular, este aglomerado ainda contou com a participação especial de Jello Biafra (ex-Dead Kennedys, e parceiro de Al e Paul no Lard), e são as músicas de vários destes grupos "paralelos" citados aqui que tornam Live Necronomicon tão interessante.

In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live), a "versão original" do show lançado em Live Necronomicon

Isto porque, das quatorze faixas do disco, apenas oito são originais do Ministry, concentrado-se apenas nos álbuns The Land of Rape and Honey (de 1988) e o já citado The Mind Is A Terrible Thing To Taste, pois já naquela época Al renegava seus dois primeiros registros, With Sympathy (de 1983) e Twitch (de 1986), mais próximos do synth-pop que do industrial que a banda praticava então. As seis faixas de In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live) aparecem aqui em versões mais cruas, em certos casos ampliadas, e, de acordo com alguns artigos que li, sem os "overdubs" presentes na versão de 1990 (coisa que, honestamente, não sei afirmar, pois a música do Ministry é tão cheia de samplers e efeitos que é difícil dizer o que é pré-gravado e o que é efetivamente executado ao vivo), com destaques, ao menos para mim, para os hipnotizantes mais de onze minutos de "So What" e para aquela que talvez seja a minha música favorita da discografia da banda, a sensacional "Stigmata". As outras duas faixas originais do grupo aparecem na abertura (com uma longa versão para "Breathe") e no final do disco (uma pesada e apocalíptica redenção da faixa título de The Land of Rape and Honey, que parece se estender por bem mais que seus cinco minutos e meio, e que, no vídeo, conta com uma performance artística "especial" de Biafra).

Completando o track list de Live Necronomicon, temos seis covers de bandas e projetos dos músicos presentes no palco, algo que o Ministry raramente (ou nunca mais) faria em suas turnês posteriores, configurando assim o tal "lado desconhecido" que citei lá no início, pois, eu pelo menos, não tinha conhecimento desta faceta de "banda cover" que o grupo assumia ao vivo. As versões iniciam com as músicas "Man Should Surrender" e "No Bunny", ambas do Pailhead, projeto de Al e Paul ao lado de Ian MacKaye, membro do Minor Threat e do Fugazi (e que também contou com Bill Rieflin na bateria), duas faixas que, com um pouco mais de "sujeira", passariam fácil por composições originais do Ministry, e que, graças à ausência de maiores dados na ficha técnica, não tenho como dizer qual dos membros da banda está nos vocais, mas arrisco a dizer que não é Al. A coisa muda de estilo nas versões para "Smothered Hope", do Skinny Puppy (com  Nivek Ogre nos vocais) e "Public Image", do PIL, ambas trazendo um certo clima "punk" para o álbum, especialmente a segunda, onde o vocalista (mais uma vez não sei dizer quem) emula quase a perfeição o estilo de John Lydon. Fechando com chave de ouro, temos a presença de Jello Biafra na execução de duas faixas do Lard, "The Power Of Lard" (que começa como um funk pesado, com destaque para o baixo de Barker, e descamba em um furioso hardcore) e "Hellfudge", que, de alguma forma, sempre me lembrou o estilo adotado pelo Dead Kennedys em seus dois últimos álbuns.

Contracapa da versão em vinil de Live Necronomicon

Tendo algumas edições limitadas em vinil colorido vermelho, branco e azul (além do tradicional preto), Live Necronomicon deixou de fora algumas faixas executadas naquela noite, como um interlúdio chamado "Country Interlude", uma cover para "Stainless Steel Providers", do Revolting Cocks (outro dos muitos projetos de Al e Paul) e dois discursos (chamado em inglês de "spoken words") de Jello, "Message from our Sponsor" e "Pledge of Allegiance". Mesmo assim, é um álbum obrigatório para os fãs da banda e do estilo, pois eleva em muito o nível apresentado em In Case You Didn't Feel Like Showing Up (Live), além de capturar o Ministry no auge de sua forma, a qual ainda se manteria na excursão seguinte, mas nunca mais atingiria este mesmo patamar nos anos futuros. Confira!

Track List:

CD 1

1. Breathe
2. The Missing
3. Deity
4. Man Should Surrender
5. No Bunny
6. Smothered Hope
7. So What
8. Burning Inside

CD 2

1. Thieves
2. Stigmata
3. Public Image
4. The Power Of Lard
5. Hellfudge
6. The Land Of Rape & Honey