sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Review Exclusivo: Ratos de Porão (Porto Alegre, 11 de novembro de 2013)


Por Micael Machado

Pouco mais de um ano depois de sua mais recente aparição na cidade, o quarteto paulista Ratos de Porão retornou a Porto Alegre para participar da edição de novembro da "segunda maluca", festa que rola uma vez por mês no Bar Opinião, sempre às segundas-feiras, como o nome alude. Assim como em 2012, novamente o dia foi de uma chuva torrencial na cidade, causando alagamentos e transtornos de diversos tipos aos moradores da capital do Rio Grande do Sul. Talvez por isso, o público que compareceu ao local não tenha sido em número muito elevado, mas a vibração e a energia que rolava na imensa roda de pogo no meio da pista faziam parecer que a casa estava lotada!

Com o show marcado para as 23:15, a casa exibiria antes um espetáculo protagonizado pela atriz María Antonieta de las Nieves, que interpreta a Chiquinha do seriado Chaves, e o contraste entre o pessoal que saía da apresentação da  mexicana e o que chegava para o show do Ratos era bastante curioso de se ver. Com a casa liberada pelos fãs do famoso programa televisivo, a banda Tijolo Seis Furos (vinda de Santa Maria, no interior do estado) fez o "esquenta" do pessoal, em pouco mais de vinte minutos de um hardcore veloz e furioso, com destaque para o vocalista Homero, que frequentemente descia do palco chegando junto à grade que separava o pessoal, chegando até a pular a mesma e ir cantar e pogar no meio da pista, junto ao pessoal! Na estrada desde 1995, o quinteto já possui duas demos e um CD independente em seu currículo, e, mesmo no pouco tempo que lhe foi reservado, mostrou que tem condições de alçar voos mais altos no cenário hardcore nacional! 

Tijolo Seis Furos no palco do Opinião

Passava um pouco das 23:30 quando o telão à frente do palco se ergueu revelando Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria) já a postos, com João Gordo (vocais) entrando em cena logo depois, para iniciar a apresentação com "Igreja Universal", cantada em coro pelo pessoal! A partir daí, o que se viu foi uma sucessão de "porradas" do hardcore nacional, interpretadas quase sem intervalos por uma das principais bandas do estilo no país. Nas poucas vezes em que se dirigiu ao público, João aproveitou para agradecer o pessoal que compareceu "mesmo debaixo de toda essa chuvarada" (no dia anterior, uma apresentação do grupo na cidade serrana de Caxias do Sul teve de ser interrompida pouco depois de iniciada devido à queda de parte do telhado do local do show, causada pela intensa chuva que caiu na serra gaúcha), lembrou que o grupo "faz som de tiozinho, todo mundo aqui é pai de família, menos o Juninho, que é pai de um cachorro" (a uma garota que gritou que lhe amava, Gordo rebateu: "eu tenho idade para ser teu pai, menina"), declarou preocupação quanto ao futuro de seus filhos e de todas as crianças (antes de cantar "Testemunhas do Apocalipse"), criticou a classe politica nacional ("lugar de político corrupto é no caixão, mas não por assassinato, por intervenção divina, tem de sofrer de câncer de próstata, ataque cardíaco", antes de "Suposicollor", ou "vamos todo mundo votar nulo, não sustente parasitas", antes de "Velhus Decrepitus"), e declarou que "a banda hoje tem mais de trinta anos, e já foi acusada de muita coisa, mas nunca perdeu a dignidade". 

Como as músicas do Ratos são, em sua maioria, bastante curtas, e a maneira de cantar de João por vezes torna as letras ininteligíveis, mais uma vez, foi impossível apurar um set list correto da apresentação, visto que, muitas vezes, quando eu estava tentando reconhecer uma canção, a próxima já havia começado! Sei é que boa parte dos "crássicos" dos mais de trinta anos de carreira foram tocados com garra de iniciantes nesta noite! "Beber Até Morrer", "Sofrer", "Morte Ao Rei", "Paranoia Nuclear", "AIDS, Pop, Repressão", "Mad Society", todas tiveram sua vez ao longo da apresentação, e até mesmo algumas "surpresas" surgiram no repertório escolhido, como "Amazônia Nunca Mais", "Máquina Militar", "Sentir Ódio e Nada Mais" e "Realidades da Guerra". Ainda houve espaço para "O Dotadão Deve Morrer", cover dos Cascavelletes registrada no disco Feijoada Acidente - Brasil, que acaba de ser relançado pelo selo do próprio João Gordo, o Bruak Records, pelo qual já está prometido o novo álbum de estúdio do grupo, a se chamar Século Sinistro, e do qual eu achei que o grupo tocaria alguma composição nesta noite, algo que não aconteceu, assim como ficou ausente o "momento couve" do espetáculo (onde o Ratos interpreta covers de outros grupos), ficando o mesmo restrito à citada "Dotadão" e a "Work For Never", original do Extreme Noise Terror, mas cuja versão dos paulistas já merece ser considerada um "crássico" do conjunto!

Jão, Gordo, Boka e Juninho no palco do Opinião

Depois de pouco mais de cinquenta minutos, "Crise Geral" encerrou a apresentação, mas o quarteto logo voltou para um bis recheado de dez minutos de pancadaria pura, onde executaram "Agressão/Repressão", "Obrigado A Obedecer", a esperada "Crucificados Pelo Sistema", "Pobreza", "Caos" e a surpreendente "F.M.I.", se eu estiver correto na ordem que apurei. Foi o que bastou para acabar com as energias do pessoal que estava na pista, e nos mandar a todos para casa com um enorme sorriso aberto!

Show do Ratos é certeza de bom divertimento, "porradaria" musical e satisfação garantida! Se você gosta de hardcore, e tiver a oportunidade de comparecer a uma apresentação deste lendário grupo, não deixe a chance passar, ou poderá se arrepender amargamente!

Foto do final da apresentação, retirada do facebook oficial do grupo. Este que lhes escreve aparece ao fundo, entre João e Jão, com a camiseta do disco Anarkophobia

"Viver feliz é ilusão e nada mais! Será?"

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

The Allman Brothers Band - Live at the Atlanta International Pop Festival [2003]


Por Micael Machado

Pergunte a vários fãs de rock and roll qual o melhor disco ao vivo da história. Se eles tiverem os ouvidos abertos aos diversos ritmos que compõem o estilo, certamente o disco At Fillmore East do Allman Brothers estará entre as possíveis respostas. Lançado em 1971, originalmente em vinil duplo, este registro histórico captura o sexteto, então formado por Gregg Allman (órgão, vocais), Duane Allman e Dickey Betts (guitarras), Jai Johanny Johanson e Butch Trucks (baterias) e Berry Oakley (baixo), em pleno auge, durante shows gravados em março de 1971 na lendária casa de shows de Nova Iorque que batiza o álbum. Uma versão ampliada em CD duplo chamada Fillmore Concerts, lançada em 1992, consegue melhorar o que já era perfeito, sendo, para mim, a resposta daquela pergunta lá do início.

Mas mesmo esta versão possui um forte concorrente ao posto que lhe dediquei, e gravado pelo mesmo grupo! Lançado em CD duplo em 2003, The Allman Brothers Band Live at the Atlanta International Pop Festival captura o mesmo sexteto citado acima (com o acréscimo do amigo Thom Doucette na harmônica) durante dois shows registrados no festival ocorrido ao longo do final de semana comemorativo do quatro de julho (data da independência dos EUA) de 1970, ou seja, pouco mais de oito meses antes dos shows no Fillmore!

A Allman Brothers Band no palco do Atlanta Pop Festival

Recém saídos das sessões de gravação do que viria a ser seu segundo disco, Idlewild South, lançado no mesmo ano, o grupo estava literalmente em casa (segundo as informativas liner notes presentes no encarte, a área onde ocorreu o festival ficava a menos de quatorze milhas da Big House, local onde os músicos moravam), e abriu o Atlanta Pop às três da tarde da sexta-feira, três de julho, em apresentação registrada ao longo do primeiro CD. Iniciando o set com a clássica "Statesboro Blues", a banda apresentaria quase setenta e dois minutos de uma musicalidade maravilhosa, com todas as características que os fãs do grupo se acostumaram a ouvir, sendo os maiores destaques os duelos de guitarra entre Duane e Betts, sempre amparados pelos teclados de Gregg, que, com seu vozeirão, comanda o microfone do grupo com a competência de sempre.

Nesta primeira parte, as maiores diferenças em relação aos "famosos" shows do ano seguinte (além dos improvisos que sempre mudavam de apresentação para apresentação) estão na inclusão de uma bela versão para "Hoochie Coochie Man", de Willie Dixon (com os vocais a cargo do baixista Berry Oakley), uma execução furiosa de "Every Hungry Woman" (que já havia aparecido na coletânea Micology: An Anthology, de 1998), e uma viajante "Dreams", clássico do primeiro disco da ABB, que aqui se aproxima dos dez minutos de puro prazer a nossos ouvidos, todas ausentes das versões gravadas nos shows do Fillmore. Também chama a atenção dos mais atentos as mudanças no arranjo de "In Memory Of Elizabeth Reed", que dão a impressão de que o grupo ainda buscava a forma final para este clássico instrumental, e o fato de "Mountain Jam" estar dividida em duas partes, separadas por uma faixa intitulada "Rain Delay", nada mais nada menos que um anúncio de que a banda sairia do palco devido a uma fortíssima tempestade de verão que se abateu sobre o festival, além do pedido de que todos na audiência buscassem abrigo, pois ainda haveria "muito som a rolar" ao longo do dia. A chuva causou uma interrupção de trinta minutos na apresentação do septeto, mas, acalmada a fúria das nuvens, o ABB simplesmente voltou ao palco, retomou a jam de onde haviam parado, e seguiu tocando por mais sete minutos como se nada tivesse ocorrido! Outros tempos aqueles!

Momento da apresentação da ABB no festival

No segundo CD, está a apresentação que encerrou o festival, registrada dia cinco de julho (ou, como cita o encarte, tecnicamente no dia seis, visto o show ter começado às 3:50h da manhã daquela segunda-feira, devido aos diversos atrasos ocorridos). Com os mesmos músicos, o ABB tocou por praticamente o mesmo tempo do concerto anterior, embora tenha interpretado três músicas a menos! Neste disco, é "Stormy Monday" quem chama a atenção, ao lado daquela que talvez seja a melhor versão de "Whipping Post" que já tive o prazer de ouvir (e que, assim como o registro de "Statesboro Blues" presente aqui, havia saído em uma versão editada e com mixagem diferente no disco The First Great Festivals of the Seventies, de 1971, com faixas gravadas no Atlanta Pop e no Isle of Wight Festival do mesmo ano), e de uma redenção de quase vinte e nove minutos para "Mountain Jam", onde Johnny Winter se juntou ao grupo na terceira guitarra para uma apresentação simplesmente acachapante, que encerra o disco e o festival de forma soberba, mostrando toda a força da melhor banda de southern rock da história!

Como disse, Live at the Atlanta International Pop Festival pode não ter a mesma fama do disco registrado no Fillmore no ano seguinte, mas, em termos de qualidade (tanto de execução quanto de gravação, cujas remixagens e masterização para este lançamento tiveram a supervisão e aprovação do grupo), não fica em nada a dever para as clássicas faixas registradas no palco novaiorquino. E, já que aquelas estão no "melhor disco ao vivo já gravado", segundo alguns, você já tem uma ideia do que encontrará aqui! Satisfação musical garantida!

I wonder for dreams I've never seem...

Contracapa do CD

Track List:

Disco um ("7/3/1970"):

1. "Introduction"
2. "Statesboro Blues"
3. "Trouble No More"
4. "Don't Keep Me Wonderin'"
5. "Dreams"
6. "Every Hungry Woman"
7. "Hoochie Coochie Man"
8. "In Memory of Elizabeth Reed"
10. "Mountain Jam" Part 1
11. "Rain Delay"
12. "Mountain Jam" Part 2

Disco Dois ("7/5/1970")

1. "Introduction"
2. "Don't Keep Me Wonderin'"
3. "Statesboro Blues"
4. "In Memory of Elizabeth Reed"
5. "Stormy Monday"
6. "Whipping Post"
7. "Mountain Jam"

domingo, 10 de novembro de 2013

Review Exclusivo: Rodrigo Amarante (Porto Alegre, 02 de novembro de 2013)


Por Micael Machado

O palco é um local sagrado. Uma vez nele, o artista tem o direito de fazer tudo o que estiver a seu alcance para passar sua mensagem. inclusive frustrar as expectativas do público que "saiu de casa para vir aqui hoje à noite, o que não é uma coisa pequena", como fez o músico Rodrigo Amarante no palco do Bar Opinião no último sábado, na capital gaúcha. Como parte da turnê de divulgação de seu primeiro álbum solo, Cavalo, lançado recentemente, o ex-integrante do Los Hermanos e do Litte Joy passou por Porto Alegre para um show intimista, onde fez questão de esquecer o seu passado musical em nome das novas composições. O resultado, apesar de interessante, acabou não tendo a recepção merecida.

Subindo sozinho ao palco pouco depois da hora marcada, Amarante iniciou a apresentação com "Irene", tocada por ele ao violão, e cuja letra foi acompanhada quase inteira por uma boa parte da audiência. Já na segunda música, "Nada em Vão", a banda composta por Rodrigo Barba (bateria e percussão, também ex-Los Hermanos). Gabriel Bubu (baixo, guitarra, teclado, percussão e voz, outro que costumava tocar junto com Rodrigo em seu ex-grupo), Gustavo Benjão (guitarra, MPC, percussão, voz) e Lucas Vasconcellos (teclado, MPC, percussão, voz) veio ao seu apoio, iniciando um entra-e-sai que por vezes deixava Amarante sozinho em cena, ou acompanhado apenas de parte dos músicos, em algo que se repetiu ao longo de toda a apresentação. Como eu não havia lido nenhuma resenha dos shows anteriores da turnê (assim como muitos dos presentes, acredito), não sabia o que esperar do repertório, mas, como a imensa maioria das mais de 1500 pessoas que tomaram o Opinião, esperava uma mistura das músicas do disco novo com os sucessos de seu ex-grupo. Como disse, não foi este o caminho escolhido por Rodrigo, pois, após agradecer ao público presente, o quinteto emendou "O Cometa", e, a partir daí, abriria poucas exceções no repertório para músicas ausentes do Cavalo.

Rodrigo Amarante e banda em Porto Alegre, em foto retirada da página da Opinião Produtora no facebook

Mostrando-se à vontade no palco, Amarante por vezes brincava com o público, formado em grande parte de meninas que não perdiam a oportunidade de gritar "lindo" ou "gostoso" para o cantor. Quando uma delas berrou "tá gato hein, vem ni mim, te pagava um café, Amarante", ele se dirigiu ao microfone e, entre risos, respondeu: "depois a gente conversa, minha linda". Em outro momento, uma menina próxima a mim gritou "casa comigo", e uma outra mais distante berrou a mesma coisa logo em seguida. Amarante então chegou ao microfone para declarar: "para de mudar de lugar que eu caso", arrancando gargalhadas da plateia. Também disse que o pessoal tem reclamado que ele não muda de roupa, e que "não estava falando muito" pois o pessoal do Conselho Administrativo (os membros de sua banda) havia lhe dito que ele "andava falando muita besteira". Nem mesmo suas famosas "dancinhas esquisitas" ficaram ausentes, embora tenham sido restritas a curtas "performances" durante "Hourglass" e "Maná", já mais para o final da apresentação. Com tudo isso, o carioca aos poucos foi conquistando o pessoal, que estava louco de vontade para soltar a voz em músicas mais conhecidas, aplaudindo com vontade a cada final de cada composição nova, mas parecendo sempre esperar "aquela" canção especial, que não vinha nunca.

Além da íntegra do novo disco, ainda houve espaço para composições não registradas em disco por Rodrigo, algumas escritas depois do lançamento de Cavalo, como "Iddle Eyes" e "Dancing", que foram precedidas por uma das três únicas músicas que eu conhecia na noite, a tristonha "Um Milhão", que já havia sido apresentada junto ao Los Hermanos nos dois shows que o grupo fez em Porto Alegre no ano passado. Me deixando com a insolúvel dúvida do porquê de estar ausente do álbum, esta versão voz e violão, apesar de manter a melodia, acabou perdendo muito de sua intensidade, embora ainda possua sua beleza e seu ar de solidão e desamparo. Bem diferente de outra canção que reconheci, a cover para "Satellite of Love", de Lou Reed, anunciada como "uma homenagem a vocês". Tenho certeza que muitos ali não conheciam este clássico, e não compreenderam que a homenagem era na verdade ao músico nova-iorquino falecido poucos dias antes, julgando que a mesma fosse apenas "mais uma canção esquisita do Amarante". Uma lástima!

Assim como no álbum, as músicas foram executadas em um clima bastante intimista, muitas delas apenas com Rodrigo ao violão ou teclado (quase sempre configurado para soar como um piano). Ficou bastante difícil dissociar o espetáculo do executado por seu ex-colega de grupo Marcelo Camelo no Theatro São Pedro, em duas apresentações que acabaram registradas no DVD Mormaço. A diferença é que Camelo executou músicas já conhecidas do pessoal, sem abrir mão daquelas registradas pelos Hermanos, e, fato importante, todas cantadas em português. Já as músicas de Rodrigo, além de aparentemente desconhecidas da maior parte do público, ainda contam com o inconveniente de se alternarem entre o português, o inglês e o francês, além da falta de refrões que chamem a galera para cantar junto. O resultado era um silêncio quase palpável durante a execução das mesmas, quebrado por um constante zum-zum-zum das conversas paralelas daqueles que pareciam não querer dedicar seus ouvidos a novas experiências sonoras. Chegou a ser constrangedor um momento onde uma dupla de garotas próximas a mim começou a gargalhar em alto e bom som, enquanto Amarante tocava seu violão calmamente lá no palco. Algo lamentável!

Rodrigo Amarante no palco, em foto retirada da página da Opinião Produtora no facebook

A coisa chegou a tal ponto que, logo no início de "Tardei", que viria a ser a música de encerramento, Amarante se dirigiu a um pequeno grupo na pista e declarou: "Já ta acabando gente, só falta mais uma. Daí vocês contam aquela história, se não for pedir muito. Só mais uma, aguenta?”, em uma atitude drástica que mostra o quanto o público em geral ainda está despreparado para um show deste tipo. Retornando sozinho ao palco para um curto bis, que teve a também inédita "Noster Nostri" (levada pelo teclado) e a terceira canção "conhecida", "Evaporar", que encerra o auto-intitulado único disco do Little Joy (e que, nesta noite, foi cantada quase que em uníssono pelos presentes), Rodrigo Amarante terminou o show após pouco mais de setenta minutos, que se não foram esquecíveis, também não deixarão grandes lembranças, além de, certamente, terem frustrado grande parte dos presentes ao Opinião. É louvável e compreensível (embora questionável) a decisão do músico de seguir em frente com sua carreira musical sem olhar para o passado, mas uns quinze minutos a mais e algumas poucas músicas de sua ex-banda não fariam mal a ninguém, além de dar a oportunidade a todos de soltar a voz represada ao longo da noite, e que, devido à decisão do cantor, acabou presa na garganta da maioria do pessoal. 

Poderia ter sido de outra forma, mas foi a forma que Amarante utilizou para passar sua mensagem no local sagrado que é o palco. Talvez não tenha sido a mais eficiente, e cabe a cada um decidir o que achou da apresentação. De minha parte, gostei, mas esperava por algo diferente!

O vinil e o CD de Cavalo, junto ao ingresso para o show

"O que ele vê, só não vê quem não quer!"

Set List:

1. Irene
2. Nada em vão
3. O Cometa
4. I´m Ready
5. Mon Nom
6. Cavalo
7. Fall Asleep
8. Um Milhão
9. Iddle Eyes
10. Dancing
11. Satellite of Love
12. Hourglass
13. Maná
14. The Ribbon
15. Tardei

Bis

16. Noster Nostri
17. Evaporar

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Review Exclusivo: Titãs (Porto Alegre, 01 de novembro de 2013)


Por Micael Machado

Passada a turnê comemorativa aos trinta anos de banda (da qual você pode ler uma resenha aqui), é hora dos Titãs seguirem em frente com sua carreira. Desta forma, na última sexta-feira, o agora quinteto realizou o show "Titãs Inédito" em Porto Alegre, no auditório Araújo Vianna. A proposta do espetáculo é apresentar dez composições ainda não registradas pelo grupo, e que podem vir a fazer parte de um novo disco de estúdio, prometido para o ano que vem, em uma espécie de "teste" das mesmas junto ao público dos paulistas.

Desta forma, com os tradicionais vinte minutos de atraso tão comuns no Brasil, Paulo Miklos (voz e guitarra), Branco Mello (voz e baixo), Sérgio Britto (voz, teclados e baixo), Tony Bellotto (guitarra) e Mário Fabre (bateria) adentraram o palco com "Eu Me Sinto Bem", um ska acelerado com guitarras um pouco mais pesadas que o normal em se tratando do grupo. Logo ao término desta, já se pode ouvir pedidos de "Polícia" e "Marvin", obrigando Sérgio a ir ao microfone e anunciar que, "como vocês sabem", a primeira parte seria composta de dez canções inéditas, mas "depois a gente toca tudo o que vocês pedirem". O show continuou com "Fala, Renata", que já havia sido apresentada na capital gaúcha em 2012, e seguiu desfilando as novas "crias" do quinteto, sendo a cada final educadamente aplaudidas pelo público (que não chegou a lotar o local, embora tenha comparecido em bom número), o qual, porém, parecia desconfortável por não estar conferindo os "sucessos", sendo que conversas e outros burburinhos podiam ser entreouvidos durante as execuções das músicas.

Quanto a estas, posso dizer que, apesar de novas, são canções típicas dos Titãs. A meu ver, são, compreensivelmente, inferiores à produção oitentista do grupo, mas estão em um patamar acima daquele alcançado com os dois últimos discos de estúdio (Como Estão Vocês, de 2003, e Sacos Plásticos, de 2009). Embora eu tenha gostado muito de "Mensageiro da Desgraça" (com letra "de protesto" cantada por Miklos) e "Terra À Vista" (outro ska agitado, cantada por Branco), é complicado afirmar que alguma delas pode se tornar um clássico da banda. Caso o disco seja mesmo composto por elas, diria que seria um álbum mediano na carreira dos Titãs, apesar de ser, possivelmente, o melhor lançamento do grupo desde Domingo, de 1995. Um fato que achei curioso foi que, quando Paulo anunciou "Flores Para Ela", a galera (perceptivelmente, estando em sua maioria em uma faixa de idade acima dos trinta e cinco anos, mostrando que o quinteto tem certas dificuldades para renovar o seu público) deve ter pensado que viria "Flores", e vibrou intensamente, se calando logo em seguida ao perceber seu equívoco, em um certo retrato do que foram os primeiros trinta minutos da apresentação....


Os Titãs no palco do Araújo Vianna

"Lugar Nenhum" iniciou a segunda parte da apresentação, sendo seguida por "Aluga-se", de Raul Seixas, onde o show começou "de verdade" para boa parte do pessoal, que levantou das cadeiras e cantou e agitou junto com o grupo. "AA UU" deu início então a uma sequência de hits que seguiria até "Comida", agradando em cheio aquela parcela do público que queria apenas ouvir suas músicas favoritas e "chacoalhar o esqueleto", como parecia ser o caso de uma tiazona à minha frente que, ao lado do marido barrigudo, balançava as pelancas e jogava as mãos para cima no maior clima "deixei as crianças em casa com a babá e vim aqui curtir um rock, baby!". "Desordem", segundo Britto "de 1989, mas que, por incrível que pareça, parece que foi escrita para os dias de hoje", foi o momento em que a tiazona e boa parte do pessoal aproveitou para tirar fotos, conferir o facebook ou transitar entre as fileiras de assentos para ir ao bar buscar uma bebida. "Vossa Excelência" foi dedicada aos políticos corruptos e "àqueles que não vestem a carapuça, mas na qual ela serve perfeitamente bem", precedida por um discurso sarcástico de Miklos onde ele parecia imitar a Presidente Dilma, e "Cabeça Dinossauro", outra que não teve a repercussão merecida por parte do pessoal, parecia antever que a banda enveredaria de vez pelos lados B de sua discografia, algo que já havia sido insinuado antes por Sérgio.

Mas aí, infelizmente, o mesmo Britto iniciou os acordes de "Epitáfio", que, compreensivelmente, teve ovação geral por parte da imensa maioria do público, tão "bunda mole" quanto esta canção cheia de sacarose. Foi o "momento romântico" da noite, sendo cantada em uníssono, com direito a mãozinhas "para lá e para cá" e tudo mais. "A Melhor Banda..." não conseguiu baixar a adrenalina do pessoal, que, em "Marvin", já estava amontoado à beira da grade de proteção do palco, jogando para o espaço os limites estabelecidos pelo auditório entre as diferentes seções de plateia. Recuperando um pouco a raiva da turnê anterior, a apresentação caminhou para o final com três músicas de Cabeça Dinossauro, as quais, hits que são, deixaram todos contentes, até a tiazona aquela do início do relato.

Após o tradicional "vai e volta" do palco, o grupo retornou com "Família" (surpreendentemente cantada por Britto), invertendo a ordem prevista para o bis. Branco assumiu a voz em "O Pulso", e Miklos encerrou tudo com "É Preciso Saber Viver" (outra canção feita sob encomenda para o tipo de público presente na noite, que, é claro, a recebeu com entusiasmo), música do rei Roberto Carlos, que o cantor chamou de "um dos nossos maiores ídolos", dizendo que estes não precisam se preocupar com "biografias não-autorizadas, pois elas não irão manchar aquilo que nosso coração sente por eles", em referência à polêmica que tomou conta das manchetes na semana que passou. Curioso é que o set list oficial contava com outras três músicas (sendo duas mais "desconhecidas" e "agressivas"), as quais a banda preferiu não tocar, por certo entendendo que o público "família" e "bunda mole" do local não se interessaria por elas. Talvez este não tenha sentido sua ausência, mas eu senti!

Flyer e Set List do show, do qual três músicas foram ignoradas

Ficou a sensação de ter presenciado uma banda lutando bravamente para continuar relevante, mas obrigada a viver das glórias de um passado remoto (à exceção das inéditas, apenas cinco músicas foram gravadas depois de 1989) para agradar um público que parece ter parado de escutar os discos novos do grupo ainda no século passado. Uma pena!

"Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?"

Set List:

1. Eu Me Sinto Bem
2. Fala, Renata
3. Terra À Vista
4. Senhor
6. Mensageiro da Desgraça
7. Quem São os Animais?
8. Não Pode
9. Flores Para Ela
10. República dos Bananas
11. Lugar Nenhum
12. Aluga-se
13. AA UU
14. Diversão
15. Flores
16. Soníera Ilha
17. Comida
18. Desordem
19. Vossa Excelência
20. Cabeça Dinossauro
21. Epitáfio
22. A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana
23. Marvin
24. Homem Primata
25. Polícia

Bis

27. Família
28. O Pulso
29. É Preciso Saber Viver

domingo, 3 de novembro de 2013

Lou Reed (02/03/1942 - 27/10/2013)


Por Micael Machado


Faleceu no último domingo, dia 27, aos 71 anos de idade, o cantor e letrista nova-iorquino Lou Reed. Mais conhecido por seu trabalho liderando o grupo Velvet Underground no final dos anos 1960, e também por uma errática carreira solo após sair da banda na década seguinte, Reed era considerado um dos mais talentosos e ásperos compositores de sua geração.

Tendo nascido Lewis Allan Reed a 02 de março de 1942, Lou iniciou-se na carreira musical como compositor para a Pickwick Records em 1964. Após gravar um single para a canção “The Ostrich” no mesmo ano, que obteve uma boa repercussão, formou o grupo The Primitives para promovê-lo. Isto o levou a conhecer o músico galês John Cale, a quem se uniria para formar o Velvet, grupo que não conseguiu muito reconhecimento à época, mas hoje em dia é considerado como um dos mais importantes e influentes da história do rock. Durante aproximadamente cinco anos, Reed lançou quatro álbuns com o grupo, sendo que os dois primeiros, The Velvet Underground and Nico, de 1967, e White Light/White Heat, de 1968, foram recentemente eleitos dentre os dez melhores lançamentos de seus respectivos anos nas eleições efetuadas aqui mesmo no site Consultoria do Rock.


Lou Reed (acima à esquerda) nos tempos do Velvet Underground

Após deixar o Velvet, Lou iniciou uma carreira solo, a princípio apadrinhado por David Bowie e sua poderosa produtora Main Man. Mergulhando de cabeça na onda glam, Reed lançou Transformer em 1972, disco que continha aquela que seria sua composição mais conhecida, chamada “Walk On The Wild Side”. Em 1973, veio Berlin, álbum conceitual que trouxe enorme reconhecimento ao seu talento como compositor. A partir de então, seguiria uma carreira inconstante nas décadas seguintes, alternando álbuns reconhecidos a outros incompreendidos ou quase inaudíveis, como o duplo Metal Machine Music, de 1975, composto apenas de ruídos de feedback e registrado em forma de protesto contra sua gravadora à época.


Lou durante o período em que se dedicou ao Glam Rock

Após uma reaproximação com Cale em 1990, lançou Songs For Drella, dedicado a Andy Warhol, padrinho musical e artístico do Velvet em seus primeiros anos, o que o levou a uma turnê ao lado de seu antigo grupo em 1993, em um retorno que acabou frustrado devido às diversas diferenças pessoais entre os integrantes do conjunto, com Reed retornando então à sua carreira solo.

John Cale e Lou Reed, na época de Songs For Drella

Em 2011, atraiu a atenção da mídia mundial ao ter o Metallica como grupo de apoio no álbum conceitual Lulu, que recebeu pesadas críticas da imprensa especializada, que não compreendeu a ideia nem a forma “falada” que Lou utilizou para recitar suas letras no disco, algo que não era, de forma alguma, novidade para seus fãs. Não que o álbum fosse assim uma maravilha, ou que as críticas tenham sido completamente infundadas, mas o preconceito com o registro acabou não dando oportunidades a algumas boas composições, como “Iced Honey” ou “The View”.

Reed (ao centro) e o Metallica, grupo com quem registrou um de seus últimos trabalhos

Casado com a compositora e instrumentista Laurie Anderson (com quem se relacionava desde a década de 1980) desde 2008, Reed havia passado por um transplante de fígado em maio deste ano, e sido internado em julho com um severo quadro de desidratação. Embora a causa oficial de sua morte ainda não tenha sido anunciada, tudo indica que estas duas situações tenham contribuído para seu falecimento. Parte um músico extremamente talentoso, muitas vezes incompreendido, com um talento ímpar e enorme no mundo do rock. Mas, com certeza, morre com ele uma parte da história do estilo, sem deixar um substituto à altura para tomar seu lugar.

Laurie Anderson e Lou Reed

Tenha uma boa caminhada no lado selvagem, Lou!

Doo, doo-doo, doo-doo, doo, doo-doo, doo...