sábado, 28 de janeiro de 2017

Oops… I Did It Again – Wander Wildner – Wanclub - Música Para Dançar Volume 59 [2016]


Por Micael Machado

O cantor e compositor Wander Wildner começou sua carreira no grupo de punk rock gaúcho Os Replicantes, que lançou seu álbum de estreia, O Futuro é Vórtex, em 1986. Em 1995, Wander saiu em carreira solo, que iniciou efetivamente com o lançamento do disco Baladas Sangrentas, no ano seguinte. Sendo assim, 2016 marca não só os trinta anos da estreia fonográfica de um dos mais importantes artistas do rock no Rio Grande do Sul, mas também os vinte anos do início da discografia solo do inventor do estilo punk brega. Talvez motivado por isso, além de sentir uma necessidade de se aproximar mais de seus fãs (que sempre lhe cobraram um álbum reunindo seus maiores sucessos), o músico decidiu regravar alguns temas de seu vasto repertório (desde a época dos "Repli" até seu momento atual), "atualizando" os mesmos para os arranjos que Wander e sua banda, os Comancheros, apresentam já há algum tempo pelos palcos do país inteiro. Para tal, Wildner recorreu a uma campanha de financiamento coletivo (também conhecido como crowdfunding) através do site Kickante. O valor pretendido para o projeto (R$ 39.000 reais) foi rapidamente conseguido, e esta meta foi inclusive superada, possibilitando a tranquilidade necessária para Wander e seus parceiros entrarem no estúdio Dreher,  em Porto Alegre, e saírem de lá com um registro que tem tudo para cair nas graças dos muitos admiradores de seu trabalho.

A escolha do repertório do disco foi feita por aqueles que participaram da campanha, através de uma votação feita por e-mail enviado diretamente a cada um dos que colaboraram com o financiamento (os quais ainda receberam uma cópia autografada do CD e tiveram o seu nome registrado no encarte do mesmo como forma de agradecimento). As possibilidades de escolha eram muitas, mas o repertório final acabou soando como um verdadeiro "best of" da carreira de Wander, que, sempre inquieto e irrequieto com relação à suas músicas, não se limitou a apenas regravar preguiçosamente seus grandes sucessos, mas registrou novos arranjos para praticamente todas as faixas selecionadas para o álbum. Em alguns casos, a mudança foi sutil, como as alterações na letra de "Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo", a bela e sombria linha de teclado adicionada a "Astronauta", a linha de sax muito bem encaixada em "Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro" (a cargo do convidado King Jim, ex-integrante dos Garotos da Rua, e que inclusive recebeu um vídeo clipe de divulgação), a leve injeção de peso dada a "Surfista Calhorda" ou o belo arranjo de piano de "Quase Um Alcoólatra", que conseguiu deixar a canção ainda mais brega que a original (o que, no caso das músicas de Wander, não é demérito algum).


O autógrafo de Wander e o nome deste que vos escreve no encarte, itens exclusivos de quem participou da campanha de crowdfunding.

Em outros casos, as mudanças causarão espanto a quem está acostumado apenas às versões originais das músicas escolhidas, especialmente àqueles que não costumam frequentar as apresentações do cantor (seja solo ou com sua banda). Os novos arranjos podem soar muito bem, como em "Sandina", um pouco mais lenta e com a primeira parte cantada por seu autor, o guitarrista Jimi Joe (que registrou as seis cordas na maioria das faixas do álbum); "Rodando El Mundo", transformada em um verdadeiro ska jamaicano, com direito ao trombone de Júlio Rizzo como um "molho" especial e uma parte mais calma e "viajante" no meio; "Mantra das Possibilidades", que ficou mais rápida e com mais participação das guitarras; "Hippie-Punk-Rajneesh", totalmente diferente da original, agora com uma batida de surf music e uma linha melódica que me remete a "Let's Lynch The Landlord", do Dead Kennedys; e, principalmente, "Amigo Punk", surpreendentemente transformada em um funkzão que não deve nada aos clássicos dos anos 1970, com um baixo cheio de groove, um belo órgão Hammond e uma guitarra altamente suingada a cargo do jovem prodígio Erick Endres, um dos maiores talentos surgidos nos últimos anos no rock gaúcho.

Há casos, porém, onde as mudanças são tamanhas que certamente causarão estranhamento mesmo ao mais dedicado fã. A tentativa de transformar "Boas Notícias" e "Bebendo Vinho" em skas acaba fazendo com que as mesmas fiquem soando como aquelas músicas tradicionais alemãs que se ouve em festas como a da Oktoberfest, especialmente a segunda, que ainda conta com Wander no kazoo. Já a batida e a linha de guitarra retiradas da surf music e incorporadas a "Um Lugar do Caralho" não casaram bem com este clássico do rock gaúcho, que ainda tem uma parte lenta bastante desconexa ali pelo meio. O reggae inserido em "Eu Queria Morar em Beverly Hills" também não se encaixou muito bem com a faixa, e causa estranheza em meio ao agito do resto da canção. Não quer dizer que estas mudanças "estraguem" as faixas (longe disso), mas será bastante difícil se acostumar a estas "novas" versões para aqueles que escutam os originais já há bastante tempo, como é o meu caso.

Ainda foram disponibilizadas apenas para download outras seis faixas, com destaque para a inédita "Colonos em Chamas", que também ganhou um vídeo clipe. O fato de estas faixas estarem disponíveis apenas em formato digital, na minha opinião, acabou sendo o único grande erro do projeto, pois, como o álbum acabou recebendo distribuição através do selo Deck Discos, elas poderiam ter sido disponibilizadas pelo menos nas versões entregues àqueles que colaboraram com a campanha de crowdfunding, que ganharam a exclusividade apenas de terem seu nome citado no encarte, pois o autógrafo de Wander qualquer um que for a um show do cantor tem a possibilidade de conseguir (e o encarte da versão "regular" do disco vem com um espaço reservado para isto, o mesmo que já está preenchido na edição entregue aos participantes). Como colecionador, gostaria muito de ter a versão "física" destas outras canções (algumas bastante interessantes, como a versão acústica de "Mares de Cerveja", o arranjo recheado de teclados de "Jesus Voltará!" ou a nova versão da clássica "Festa Punk"), e , certamente, seria um belo diferencial para aqueles que ajudaram na realização e gravação do álbum.

Contracapa de Wanclub - Música Para Dançar Volume 59

Mas esta minha bronca com as "faixas bônus" acaba sendo mais implicância de minha parte do que um problema de verdade, o que não impede Wanclub - Música Para Dançar Volume 59 de ser uma excelente coletânea do melhor do trabalho de Wander Wildner, e uma excelente porta de entrada para quem nunca se interessou por sua longa carreira musical ou não teve a chance de conhecer bem sua trajetória. O cantor e seus Comancheros estão rodando o país em shows que têm este disco como base, resultando em um belo espetáculo para quem tiver a oportunidade de conferir uma de suas apresentações. Se for o seu caso, não desperdice a chance. Garanto que vale a pena!

Track List:

01. Astronauta
02. Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo
03. Bebendo Vinho
04. Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro
05. Um Lugar do Caralho
06. Surfista Calhorda
07. Mantra das Possibilidades
08. Rodando El Mundo
09. Sandina
10. Amigo Punk
11. Hippie-Punk-Rajneesh
12. Quase Um Alcoólatra
13. Eu Queria Morar em Beverly Hills
14. Boas Notícias
15. Mares de Cerveja (Bonus Track Digital)
16. Colonos em Chamas (Bonus Track Digital)
17. Empregada (Bonus Track Digital)
18. Um Bom Motivo (Bonus Track Digital)
19. Jesus Voltará! (Bonus Track Digital)
20. Festa Punk (Bonus Track Digital)

Broken Jazz Society - Gas Station [2016]


Por Micael Machado

Formado na cidade mineira de Uberaba em 2013, o trio Broken Jazz Society (composto por Mateus Graffunder nos vocais e guitarra, João Fernandes no baixo e Felipe Araújo na bateria) lançou no ano seguinte seu primeiro registro, Tales From Purple Land, e, agora em 2016,  solta o EP Gas Station, que serve como aperitivo para o segundo disco de estúdio. Se o novo álbum seguir a linha da faixa título deste item, os fãs podem esperar por muita coisa boa vindo por aí!

O próprio grupo rotula seu estilo como "stoner rock", mas a sonoridade dos rapazes vai bem mais além do que a mera cópia dos riffs imortalizados pelo Black Sabbath na década de 1970, coisa que muitas bandas do estilo se limitam a fazer. No caso do BJS, a palavra "jazz" no nome da banda pode levar a expectativas errôneas sobre o tipo de música que os mineiros fazem, mas serve para lembrar que, assim como o tradicional estilo que lhe empresta o epíteto, a música do Broken Jazz Society também não precisa ser limitada pelas convenções do nicho sonoro onde se abrigam. "Gas Station", a música, apesar de começar com um belo riff arrastado e de afinação baixa, como manda a cartilha do Stoner (e que remete ao Corrosion of Conformity da fase Deliverance / Wiseblood), logo ganha ares mais variados, possuindo um refrão bem mais animado que 90% das músicas de seus colegas de estilo. Os vocais de Graffunder podem causar certa estranheza no começo, sendo um pouco mais agudos que o comum em bandas deste gênero, mas se deixam ouvir sem dificuldades depois que nos "acostumamos" a ele. O bom nível da gravação (feita na própria cidade natal dos músicos, com a produção de Ricardo Barbosa e mixagem e masterização a cargo de Gustavo Vazquez, que já trabalhou com bandas como Uganga e Hellbenders) também ajuda no impacto que a faixa causa, dando uma boa impressão do trabalho do trio logo no início da audição além da mesma ter ganho um vídeo clipe de divulgação muito bem feito, e que agrega bastante à sonoridade da canção.

O trio Broken Jazz Society em cena do clipe da música "Gas Station"

"Mean Machine", a faixa que encerra o EP, pode ser qualificada como uma semi-balada, fugindo um pouco do stoner tradicional e agregando algo de southern rock à sua melodia, mostrando mais uma vez que, na hora de compor suas canções, o trio não se limita às convenções do gênero que decidiram abraçar. O refrão mais energético surge como um contraponto ao ritmo calmo das estrofes, em uma composição que tem tudo para agradar quem é fã das saudosas baladas das bandas do hard rock oitentista, desde que o peso da guitarra não lhes assuste ou espante.

No meio das duas faixas citadas, fechando o track list deste EP (cujo único problema está justamente em sua curta duração, de pouco mais de onze minutos), temos "Riot Spring", uma regravação da faixa de mesmo nome presente no debutMais arrastada e soturna que as demais, mas com um refrão rápido e empolgante, a canção dá destaque ao peso do baixo de João Fernandes, além de contar com um solo final por parte de Mateus que causará empolgação aos fãs do instrumento. A música também ganhou um vídeo de divulgação (bastante elaborado, diga-se de passagem), e é mais uma faixa de destaque no repertório de Gas Station.

Broken Jazz Society: João Fernandes (baixo), Felipe Araújo (bateria) e Mateus Graffunder (vocais e guitarra)

Particularmente, sou um grande apreciador do gênero Stoner (ou retro rock, como alguns preferem chamar), e descobrir um talento do estilo surgido aqui no Brasil é bastante agradável, pois não conheço tantos nomes relevantes desta vertente no nosso país. Se o próximo full lenght tiver a mesma qualidade deste EP, o Broken Jazz Society tem tudo para cravar seu nome dentre os principais do estilo no Brasil, e deverá colher excelentes frutos ao longo de sua trajetória! Vamos esperar e conferir!

Track List:

01. Gas Station

02. Riot Spring

03. Mean Machine