domingo, 30 de novembro de 2014

Datas Especiais: 20 anos do show que reuniu Ramones e Sepultura em Porto Alegre


Por Micael Machado
(Fotos retiradas do site Sequela Coletiva)

Hoje completam-se vinte anos da única oportunidade que eu tive de assistir ao vivo minha banda favorita em todos os tempos, os americanos dos Ramones. No dia 09 de novembro de 1994, os "irmãos" novaiorquinos se apresentaram em Porto Alegre na turnê chamada "Acid Chaos", ao lado dos grupos brasileiros Sepultura e Raimundos. Uma data que, mesmo passados tantos anos, ainda permanece viva na memória de quem esteve no Ginásio Gigantinho naquela noite mágica!

Anúncio do show nos jornais

Na época, eu era (ou tentava ser) cantor em uma banda amadora da cidade de Esteio, na região metropolitana da capital gaúcha. Depois de alguns finais de semana tocando pelos barzinhos da região, um dos meus colegas de grupo reuniu a grana que havíamos juntado e se dirigiu a Porto Alegre para comprar os ingressos alguns dias antes da data marcada para o show dos Ramones, banda da qual eu e meus amigos éramos fãs incondicionais. Ele escolheu comprar os ingressos para as cadeiras numeradas (por caríssimos, à época, vinte e cinco reais, contra vinte do valor para arquibancadas e pista), de onde teríamos uma melhor visão do show, segundo seu pensamento, algo que realmente veio a se confirmar, embora na época eu tenha ficado bastante chateado de estar tão longe do palco, e sentado, ainda por cima. Sei que os dias que antecederam aquela quarta feira foram de muita expectativa, ainda mais que seria o meu primeiro show envolvendo uma banda internacional (e apenas o quarto de uma banda "grande"). Na época, eu não tinha muita ideia da capacidade de público do Gigantinho (em torno de dezoito mil pessoas), mas lembro que fiquei chocado ao constatar que havia naquela noite menos pessoas do que no show da Legião Urbana que eu havia assistido alguns meses antes (segundo o jornal Zero Hora, oito mil espectadores assistiram ao concerto naquele novembro). Afinal, como era possível que os Ramones não lotassem o local, se a Legião havia feito isto?


Ingressos do show

A abertura da noite ficou a cargo dos Raimundos. Com a "clássica" formação de Rodolfo (vocais), Digão (guitarra), Canisso (baixo) e Fred (bateria), os brasilienses haviam lançado seu disco de estreia pouco tempo antes, e estavam "com todo o gás" na data em questão. Confesso que lembro muito pouco do show, exceto que curti bastante todas as músicas tocadas, as quais eu já conhecia de cor, visto que o álbum dos brasilienses já fazia parte da minha coleção há algumas semanas. Não sei ao certo o que tocaram (com certeza, nos trinta minutos a que tiveram direito - segundo a matéria da Zero Hora citada antes - rolaram "Puteiro Em João Pessoa" e "Nêga Jurema", as primeiras canções de destaque do disco), mas lembro que o ginásio ainda estava bem vazio ao longo da apresentação do quarteto.

Cartaz de divulgação

Algo que mudaria radicalmente pouco antes do Sepultura entrar em cena. A pista ficou tomada por milhares de metalheads vindos sei lá de onde para curtir o som dos mineiros, que estavam em turnê de lançamento de Chaos AD, ainda hoje o meu disco favorito dos caras. Foi a única vez que tive a chance de ver o grupo com Max Cavalera nos vocais, ao lado de seu irmão Igor na bateria, de Andreas Kisser nas guitarras e de Paulo Jr. no baixo, e os caras não decepcionaram, despejando porrada após porrada (vinte, segundo o  texto do jornal) com sangue nos olhos. Também não lembro direito o que rolou (a Zero Hora fala em "Inner Self", "Polícia" e "Orgasmatron", além de uma participação dos Raimundos em "Kaiowas"), mas sei que conhecia tudo, e, em "Desperate Cry", minha preferida em sua longa discografia, quase entrei em êxtase! Assisti ao grupo várias vezes depois disso, já com Derrick nos vocais (e pelo uma vez já sem Igor), e o impacto que o Sepultura me causou nunca foi nem perto do que aconteceu daquela primeira vez, vinte anos atrás!


 Matérias no jornal antes do show

E então era chegada a hora tão esperada: meus heróis musicais estariam finalmente a poucos metros de distância de mim, e tocando as minhas canções preferidas! Para meu espanto, muita gente que havia entrado no ginásio para assistir ao Sepultura foi embora assim que a apresentação acabou, e a pista acabou ficando bem vazia, talvez com metade do público que havia no show dos mineiros. Mas isso não pareceu ser empecilho para Joey (vocais), Johnny (guitarra), CJ (baixo) e Marky, visto que, ao que consta, os talvez quatro mil espectadores que sobraram ainda eram muito mais do que as poucas centenas a que eles estavam acostumados a enfrentar em suas apresentações nos Estados Unidos. Só que, infelizmente, este já não era o melhor momento para ver o grupo em ação. Apesar de estarem divulgando o disco de covers Acid Eaters (e, se ninguém percebeu, o nome da turnê é a junção de parte dos nomes dos "novos discos" das duas bandas), o show foi muito parecido com o que se ouve no ao vivo Loco Live, com as músicas bem mais rápidas que as versões de estúdio, e o set inteiro durando pouco mais de uma hora. Apesar de eu vibrar como um doido, não deixei de perceber que o quarteto parecia cansado e burocrático (não foi à toa que se separariam apenas dois anos depois), tocando meio no "piloto automático", sem tanta empolgação. Lembro de ter lido na época (se não me engano, na revista Bizz, uma das poucas fontes que tínhamos então, visto que não havia internet nem tanto acesso à informação quanto temos hoje) uma declaração de Joey de que os Ramones sempre pretendiam que você saísse de uma apresentação deles com a certeza de ter visto o melhor show de sua vida. Eu ainda era inexperiente nesse ramo, mas, já então, não foi o melhor concerto que eu havia presenciado. Mesmo assim, longe de mim falar que foi ruim, embora eu esperasse bem mais!

Matéria no jornal depois do show

Como eu disse, vi Andreas, Paulo e Igor algumas vezes depois disso, assim como os Raimundos com e sem Rodolfo à sua frente (ou Fred nas baquetas). Também pude assistir Marky outras três vezes desde então (com o Intruders em 2000 no Bar Opinião, em uma participação especial no show do Pearl Jam em 2005 no mesmo Gigantinho, e novamente no Opinião em maio deste 2014, junto do Marky Ramone's Blitzkrieg). E levaria quase vinte anos para rever CJ (em setembro deste ano) e Max (a quem assisti em 2013 à frente do Soulfly, e de novo em 2014, desta vez ao lado de seu irmão no Cavalera Conspiracy). Mas nunca mais pude assistir a um concerto com Joey ou Johhny no palco. É também por isso que aquele 09 de novembro de 1994 é tão especial (tanto que foi lembrado no palco por Max Cavalera em ambas as recentes apresentações que fez em Porto Alegre, citadas acima, e eram um dos principais assuntos dentre os que assistiram a estes shows do Soulfly e do Cavalera Conspiracy, assim como o do Marky Ramone's Blitzkrieg de 2014), e, com certeza, ficará para sempre na minha memória como um dos mais memoráveis espetáculos a que já assisti. Tenho convicção que aqueles que estiveram lá naquela noite hão de concordar comigo!

Hey Ho, Let's Go!

domingo, 2 de novembro de 2014

Banda do Mar - Banda do Mar [2014]


Por Micael Machado

O casal Marcelo Camelo (ex-Los Hermanos) e Mallu Magalhães finalmente resolveu levar, definitivamente, a relação para o campo musical. Mesmo que os caminhos dos dois já tenham se cruzado antes (com participações de Mallu nos dois discos solo do cantor e a produção deste para Pitanga, terceiro álbum dela), foi apenas em maio deste 2014 que os músicos anunciaram estarem formando um novo projeto ao lado do baterista português Fred Ferreira (membro das bandas Buraka Som Sistema e Orelha Negra), intitulado Banda do Mar, cujo primeiro disco (auto-intitulado) saiu no final de agosto, no Brasil e em Portugal, lançado pela gravadora Sony Music, e que teve audição integral disponibilizada no aplicativo Spotify. Fui conferir, e, posso afirmar, gostei muito!

Apesar de não ser assim tão diferente da produção anterior do casal, fica bem claro que a Banda do Mar não é uma continuação das carreiras solo dos músicos, nem uma espécie de "reencarnação" do Los Hermanos. Ainda que a quase pop “Cidade Nova”, que abre o álbum tendo a voz de Camelo, até pudesse estar em um disco da ex-banda do cantor, ou que a tristonha “Pode Ser”, a linda balada acústica “Dia Clarear” (ambas com os vocais principais a cargo de Marcelo) ou “Me Sinto Ótima” e a balada “Seja Como For” (as duas com voz principal de Mallu) não soassem deslocadas nos discos solo de seus cantores, fica claro que esta é uma nova banda, com sonoridade diferente dos trabalhos anteriores da dupla.

Banda do Mar: Marcelo Camelo, Fred Ferreira e Mallu Magalhães

Algo que se percebe bem nas duas primeiras músicas divulgadas pelo trio, “Hey Nana” (escolhida como primeiro single, e que possui um ritmo balanceado e meio preguiçoso, com voz de Camelo e guitarra e bateria trazendo ecos de surf music aos ouvidos, algo que também ocorre em outras composições do trio) e, principalmente, “Mais Ninguém”, com um delicioso ritmo suingado (levado pela guitarra e capitaneado pela voz doce e suave de Mallu), a qual já nasceu com cara de hit, tanto que gerou o primeiro clipe extraído do álbum (onde a cantora aparece deslumbrante, como sempre). Outra canção que destoa do repertório anterior do casal é “Mia”, de ritmo agitado e toques de MPB, tendo Mallu na voz principal. “Solar” também apresenta tons de MPB no seu arranjo, e, não sei bem por quê (talvez pela entonação de Camelo em algumas partes), me trouxe à mente a versão para "A Palo Seco", de Belchior, que o Los Hermanos de vez em quando apresentava ao vivo. Há ainda duas letras que parecem se completar e enfatizar a relação que o casal possui: em Faz Tempo” (que traz ecos de Los Hermanos ao ouvinte), Marcelo parece se declarar a Mallu, que "aceita" o "pedido de casamento" do músico na ensolarada “Muitos Chocolates”, onde a cantora exige "cafuné, massagem no pé e muitos chocolates" para viver ao lado de seu amor. 

Um ponto diferente fica com o encarte, o qual traz, junto das letras, as cifras de cada uma, além de uma ilustração feita pela própria Mallu Magalhães na página inicial. Alternando canções hora na voz de Camelo, hora na de Mallu (cada um sendo responsável por cantar em suas próprias composições), e com capa trazendo uma imagem da modelo Camilla Baldin N. Lima (de autoria da fotógrafa Bruna Valença), o álbum se encerra com a linda e singela “Vamo Embora” (a mais longa de todas, beirando os cinco minutos e meio), cantada por Marcelo com uma breve participação na melodia da voz de Mallu (algo que também ocorre na citada “Pode Ser”), canção que é forte candidata a melhor faixa de um disco que, se não é o melhor lançamento nacional do ano, fica vários pontos acima dos registros tanto da carreira solo de um quanto de outro dos dois cantores da banda. Aos fãs da dupla (e, claro, aos fãs eternamente saudosos pelo Los Hermanos), este é um lançamento altamente recomendável!

Ah, só para terminar: a turnê de estreia do grupo inicia em Porto Alegre, dia 10 de outubro, com apresentação no Auditório Araújo Vianna. Meu ingresso, claro, já está na mão!

"É só você querer que tudo pode acontecer"...

Track List:

1. Cidade Nova
2. Mais Ninguém
3. Hey Nana
4. Muitos Chocolates
5. Pode Ser
6. Mia
7. Dia Clarear
8. Me Sinto Ótima
9. Faz Tempo
10. Seja Como For
11. Solar
12. Vamo Embora

Lugh - Quando os Canecos Batem [2014]


Por Micael Machado

O estilo conhecido como Celtic Punk (mistura do punk rock com sonoridades tradicionais de países como Irlanda, Escócia e País de Gales) tem alguns representantes fortes no estrangeiro, como Flogging Molly, Dropkick Murphys, Fiddlers Green e The Real McKenzies, mas, aqui no Brasil, eu tinha dificuldades em indicar um grupo do gênero. Isto até conhecer a música dos gaúchos da Lugh, que lançaram em março deste ano seu álbum de estreia, intitulado Quando os Canecos Batem, de forma totalmente independente.

Naturais da cidade de Santa Maria, o quinteto formado por Rafael Miranda (voz,violão,violino), Leonardo Nasr (gaita ponto), Lucas "Bala" Odorizzi (baixo,voz), Daniel Jardim (guitarra,mandolim,voz) e George Sá (bateria) já havia lançado um EP em 2010 (com três faixas e intitulado Coisas, Músicas, Ceva ... Vida) e, ao invés de abordar questões políticas ou de desigualdades sociais, como muitas outras aglomerações punk por aí, calca suas letras na velha combinação "diversão-bebedeira-festas", enaltecendo o valor da amizade e de um bom caneco de cerveja gelada como o único motivo para um proveitoso final de semana, ou uma bela maneira de esquecer dos problemas da rotina estressante do dia-a-dia de trabalho, tudo regado a músicas divertidas e dançantes, com peso na medida certa e aqueles backing vocals contagiantes que te convidam a cantar junto com eles após umas poucas audições. São assim "Grito Na Noite" (cuja introdução, levada pela gaita e pelo violão, dá a impressão de que vai descambar em uma canção tradicionalista do Rio Grande do Sul, algo que se mostra completamente ao contrário quando os demais instrumentos aparecem), "O Que Eu Preciso" (com uma interessante introdução a cargo do mandolim, e que mereceu um vídeo clipe), "Sexta-Feira" (regravação do tema presente no EP anterior), "Dias Atuais" ou "Tudo Que Há Para Viver", que chega a lembrar o som dos Inocentes, e é um dos destaques do disco.

A Lugh em seu ambiente natural: George Sá, Rafael Miranda, Lucas Bala, Daniel Jardim e Leonardo Nasr

O grande diferencial da Lugh é a presença da gaita ponto, que se destaca nos arranjos, assumindo inclusive, em muitas passagens, o papel de condutor da melodia, algo que, geralmente, fica a cargo da guitarra, e que traz às músicas do grupo uma sonoridade diferenciada em relação a outras formações nacionais. É este instrumento, por exemplo, que dá ares de polca a canções como "Sete Mares" (primeiro single divulgado, que também ganhou um vídeo clipe, e tem letra tratando de piratas e viagens pelo mar)  ou "Jack", em uma mistura inusitada, mas que soa muito agradável. É a gaita também quem dá um tom um tanto melancólico a "Vida Seca", uma das poucas cuja temática é mais "séria", abordando os problemas de um relacionamento (ou uma lição de vida a ser adotada, dependendo da interpretação), e descambando em um dos melhores refrões do registro. A letra de  "Chinaski" é inspirada pelo personagem de mesmo nome (um anti-herói misantropo e desajustado) criado pelo escritor Charles Bukowski , e a de "Do Outro Lado do Mar" (uma das que eu mais gostei) fala dos amigos que foram "pro outro lado do mar com muitos sonhos prá realizar", e que, quando a saudade bate, tem apenas "o rock prá tocar e a cerveja para acompanhar", tudo embalado por uma das melhores linhas de gaita do registro.

O início da faixa título lembra bastante o Charlie Brown Jr., mas, quando entra uma melodia conduzida pela gaita e pelo violino, tudo muda, e a atmosfera de pub irlandês volta a reinar, em mais um destaque do track list, que se completa com "Nosso Clã", uma das mais longas do disco (sem chegar a três minutos e meio), a qual também vai agradar em cheio aos fãs do rock nacional dos anos 1990. O álbum (cuja duração total mal ultrapassa os trinta minutos) está disponível para download neste link, e também pode ser ouvido na íntegra no canal oficial da  banda no youtube (acompanhado inclusive de uma interessante animação com a temática da capa), onde há vários vídeos retirados de apresentações ao vivo da Lugh, inclusive uma apresentação acústica bastante interessante e alguns covers para algumas das bandas que serviram de inspiração para o quinteto.

Ilustração com uma espécie de "mascote" do grupo, presente nos produtos de merchandise

A arte do encarte (a cargo de Daniel Malako, com ilustrações de Mateus de Castro) ficou muito legal, e a produção (assinada por Ray Z, com engenharia de Gilberto Jr.) está bem mais que aceitável levando-se em conta ser o primeiro registro completo do quinteto. Alguns arranjos poderiam ser melhor trabalhados (como o final de certas canções, que acabam de forma meio "abrupta"), mas isto é algo que a experiência e a estrada, certamente, trarão aos gaúchos, e não chega a denegrir de forma alguma o trabalho do grupo. Se este texto lhe chamou a atenção de alguma forma, dê uma chance para a música dos rapazes, e seja mais um a, como diz a letra de "Nosso Clã", "gritar em coro curtindo o som da Lugh, que a vida vai melhorar". Eu já estou fazendo a minha parte!

Track List:

1. Grito Na Noite
2. Sete Mares
3. O Que Eu Preciso
4. Dias Atuais
5. Chinaski 
6. Sexta-Feira
7. Quando os Canecos Batem
8. Nosso Clã
9. Vida Seca
10. Do Outro Lado do Mar
11. Tudo Que Há Para Viver
12. Jack