domingo, 23 de abril de 2017

Ramones Too Tough To Die [1984]


Por Micael Machado

As coisas não andavam lá muito boas para os Ramones em 1983. Seus últimos álbuns não tinham se saído muito bem em termos de vendas, o baterista Marky Ramone havia sido afastado devido a seus problemas com o álcool, bandas confessamente influenciadas pelos brothers de Nova Iorque começavam a chamar a atenção e ultrapassar comercialmente seus inspiradores com sua interpretação mais vigorosa do punk rock conhecida como hardcore (assim como as primeiras bandas de thrash metal também estavam despontando pelo mundo), e, para piorar tudo, o guitarrista Johnny Ramone havia sido espancado por um sujeito (ao que consta, chamado Seth Macklin, membro da banda Sub-Zero Construction) na madrugada de quatorze de agosto daquele ano, e acabou parando no hospital com uma fratura no crânio, sendo submetido a uma operação e ficando com sua vida seriamente arriscada. Três meses depois, com a cabeça raspada e usando um capacete de beisebol como proteção, Johnny estava de volta à ativa, e decidido a provar que o seu grupo também podia competir com talento e competência no mesmo campo dos novos grupos que se espalhavam pela Grande Maçã, como a cidade natal da banda é conhecida.

A dupla de produtores Ed Stasium e Thomas Erdelyi (Tommy Ramone, primeiro baterista do grupo, recentemente falecido), que já haviam comandado os trabalhos no disco Road To Ruin, de 1978, foi chamada de volta para coordenar as gravações do novo álbum, o qual marcaria a estreia em estúdio do novo baterista, Richie Ramone (Richard Reinhardt, também conhecido como Richard Beau, ex-membro dos Velveteens). Com Johnny ainda se recuperando de seu trauma, e o vocalista Joey Ramone entrando e saindo de hospitais por causa de sua saúde (que nunca foi muito boa ao longo de toda a carreira do quarteto, mas na época andava um pouco pior), a maior parte do trabalho de composição acabou caindo sobre Dee Dee Ramone, e o baixista, é claro, não decepcionou!

Um dos registros feitos durante a sessão de fotos para a capa. Aqui, a banda aparece visível: Joey, Richie, Dee Dee e Johnny

Se a ideia era mostrar que os Ramones sabiam fazer música pesada tão bem quanto os "novatos" de sua vizinhança, a faixa de abertura, "Mama's Boy" (de Johnny, Dee Dee e Tommy), servia perfeitamente de exemplo, assim com a faixa título, cujo nome foi inspirado pelo incidente pelo qual o guitarrista havia passado, mas também servia para provar a determinação do grupo em não desistir, apesar dos fracassos recentes e da falta de um maior sucesso comercial. Já composições como "Wart Hog" (cuja letra, cantada por Dee Dee, não era citada no encarte original, sendo substituída por um grande ponto de interrogação), "Endless Vacation" (uma das coisas mais velozes gravadas pelos brothers em sua carreira, e também vociferada pelo baixista) e até mesmo a instrumental "Durango 95" (única do tipo na discografia do grupo, e que teve seu título inspirado por um restaurante frequentado pela banda, o qual, por sua vez, se inspirou no carro dirigido por Malcolm McDowell no filme "Laranja Mecânica", de 1971) provavam claramente que o quarteto também era capaz de tocar um punk rock tão rápido e agressivo quanto qualquer agrupamento novato de Nova Iorque. Os discos seguintes deixariam isto ainda mais evidente, mas estas cinco faixas já bastavam para que Johnny provasse o seu ponto quanto à relevância e ao lugar dos Ramones no cenário da musica à época. Cabe citar que as três últimas faixas citadas foram aquelas deste álbum que contaram com a colaboração do guitarrista em sua composição (as duas primeiras ao lado de Dee Dee), assim como a de abertura e "Danger Zone", outra faixa rápida e veloz, porém não tão próxima do hardcore quanto as demais contribuições de Johnny para o disco.

Parte do encarte original de Too Tough to Die. Bem acima à direita, o ponto de interrogação que substituía a letra de "Wart Hog"

Duas composições exclusivas de Dee Dee, "I'm Not Afraid of Life" e "Planet Earth 1988", são bem mais sombrias do que o restante do material, tanto musical quanto liricamente. Elas passam um sentimento de pessimismo quanto ao futuro do planeta e de seus habitantes, assim como a única contribuição de Richie para o repertório, "Humankind", a qual, apesar de se encaixar perfeitamente no conceito de punk rock (embora um pouco mais pesada que o padrão, conforme o conceito de Johnny para o álbum), está longe de ser uma faixa alegre e divertida, especialmente quando prestamos atenção à sua letra. Joey, apesar de não estar em sua melhor forma em termos de saúde, também arranjou espaço para contribuir, escrevendo o exemplo perfeito de poppy punk chamado "Daytime Dilemma (Dangers of Love)" ao lado do guitarrista Daniel Rey, e a quase rockabilly "No Go", que emanava o bubblegum da década de 1950 no encerramento do lado B do disco.

Duas composições totalmente fora do contexto "hardcore" de Too Tough to Die acabaram também se incluindo dentre seus pontos mais altos. Fechando o lado A, a descaradamente pop "Chasing the Night" (uma parceria de Joey e Dee Dee, com a ajuda do baixista Busta Cherry Jones, que tocou, entre outros, com Gang Of Four e Talking Heads) soava completamente deslocada quando comparada ao restante do track list, além de apresentar os teclados e sintetizadores de Jerry Harrison, também dos Talking Heads. Mas, curiosamente, esta faixa encontrava parceria na primeira música do lado B, "Howling at the Moon (Sha-La-La)", único single e vídeo retirado do álbum, e que teve o envolvimento, em sua produção, do músico Dave Stewart, da banda Eurythmics, agenciada pela mesma equipe de gerenciamento dos Ramones, e sugerido pelo empresário dos brothers à época, Gary Kurfirst. Foi Stewart quem trouxe o tecladista do Tom Petty and the Heartbreakers, Ben Tench, para tocar na faixa, que atingiu a modesta posição de número 85 na parada britânica (o single não foi lançado nos Estados Unidos). Já o álbum, cuja capa teve seu conceito inspirado pelo mesmo filme "Laranja Mecânica" que deu nome para "Durango 95", e que apresenta apenas a sombra dos músicos em frente a um fundo azul, em um "erro" causado por uma falha dos flashes durante o registro das fotos para as capas (em outras fotografias daquela sessão a banda é perfeitamente visível), apesar de sua qualidade, conseguiu naufragar nas paradas ainda mais do que seus antecessores, não passando da posição 171 da Billboard.

Contracapa da versão original em vinil de Too Tough to Die

Em 2002, a gravadora Rhino lançou uma edição "expandida e remasterizada" do disco, que acrescentou outras doze faixas às treze composições originais. Dentre elas, o excelente cover para "Street Fighting Man", dos Rolling Stones, e a poppy punk "Smash You" (outra composição de Richie), ambas "lados B" da versão de doze polegadas do single para "Howling at the Moon (Sha-La-La)". Há também as inéditas "Out Of Here" (música em mid tempo onde a voz de Joey, infelizmente, ficou muito baixa na mixagem final) e "I'm Not an Answer", mais veloz e selvagem do que a versão que aparece no relançamento de Pleasant Dreams, e que, aqui, conta com vocais a cargo de Dee Dee, assim como as versões demo de "Planet Earth 1988", "Danger Zone" e "Too Tough to Die", que mostram que o baixista era perfeitamente capaz de encarar os microfones neste novo estilo musical que os Ramones estavam abraçando. As demais faixas desta edição são demos para musicas que acabaram integrando o track list original de Too Tough to Die, e, apesar de interessantes (especialmente "Howling at the Moon", totalmente descaracterizada sem a presença dos teclados, e "Endless Vacation", com Dee Dee entoando repetidamente "Deutschland" ao seu final), não consigo apontar destaque maior para nenhuma delas em relação às versões "oficiais".

Too Tough to Die (que também conta com a presença do guitarrista Walter Lure, dos Heartbreakers, como músico de apoio em algumas faixas) marcaria o início da colaboração de Richie Ramone com o quarteto de Nova Iorque, na minha opinião (e parece que apenas para mim) o melhor período dos brothers, onde a influência do hardcore foi primordial para a criação dos meus dois discos favoritos na carreira do grupo, Animal Boy, de 1986, e Halfway to Sanity, de 1987, embora, assim como no disco de 1984, o grupo também mostrasse outras facetas de sua sonoridade ao longo dos sulcos destes três vinis, os quais, infelizmente, ainda carecem de um maior apreço e compreensão por parte do fãs do conjunto. Um fato, a meu ver, incompreensível!

"On my last leg, just gettin' by, halo round my head, too tough to die..."

Contracapa da versão expandida de Too Tough to Die

Track List:

1. Mama's Boy

2. I'm Not Afraid of Life

3. Too Tough to Die

4. Durango 95

5. Wart Hog

6. Danger Zone

7. Chasing the Night

8. Howling at the Moon (Sha-La-La)

9. Daytime Dilemma (Dangers of Love)

10. Planet Earth 1988

11. Humankind

12. Endless Vacation

13. No Go

Faixas Bônus da edição expandida de 2002:

14. Street Fighting Man

15. Smash You

16. Howling at the Moon (Sha-La-La) (Demo Version)

17. Planet Earth 1988 (Dee Dee vocal version)

18. Daytime Dilemma (Dangers of Love) (Demo Version)

19. Endless Vacation (Demo Version)

20. Danger Zone (Dee Dee vocal version)

21. Out of Here

22. Mama's Boy (Demo Version)

23. I'm Not an Answer

24. Too Tough to Die (Dee Dee vocal version)

25. No Go (Demo Version)

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