domingo, 1 de setembro de 2013

Livro: Barulho - Uma Viagem Pelo Underground Do Rock Americano [1992]


Por Micael Machado

O ano era 1991. O pop dominava as paradas, mas o grunge estava a ponto de estourar e revolucionar o rock alternativo pelo mundo. Foi neste contexto que um jornalista brasileiro chamado André Barcinski, então com 23 anos, embarcou para os Estados Unidos e, em menos de dois meses, assistiu a diversos shows, comprou pilhas de discos, e ainda conversou com alguns ídolos do mundo da música, alguns, à época, ainda praticamente desconhecidos.

O resultado desta viagem foi parcialmente publicado em alguns números da revista Bizz (ou Showbizz, sei lá) ao longo de 1992, e compilado no livro Barulho, do mesmo ano. Suas pouco mais de 130 páginas são um relato único até hoje no jornalismo musical brasileiro, além de servirem de testemunhas de um período de importância crucial para o rock do final do século XX.

Uma das páginas iniciais do livro

A viagem inicia por San Francisco, onde, após assistir a alguns shows no clube Gilman Street, Barcinski se encontrou com Jello Biafra, o ex-líder dos Dead Kennedys e dono da gravadora Alternative Tentacles, para um jantar indiano e um bate papo repleto de esclarecidas e controversas opiniões politicas por parte do cantor ('acho que o presidente Bush é o maior responsável pelo tráfico de crack na América"), música brasileira ("Adoro o Trio Elétrico de Dodô e Osmar, além dos Mutantes"), o passado com a ex-banda de Jello ("O Dead Kennedys assustava em cima de um palco"), e seu papel como dono de gravadora ("Eu estou sempre atento às bandas novas que surgem. Ouço todas as fitas demo que chegam para a Alternative"). O vocalista se revela uma pessoa fácil de conversar, com pensamentos claros e uma postura forte contra o governo Bush (que liderava o país na época) e as ditaduras sul-americanas (algo que ele também demonstrou quando tocou em Porto Alegre em 2012). Um belo começo!

Ainda em San Francisco, André se encontrou com os Cramps antes de um show do grupo, o qual servia de "aquecimento" para a turnê de promoção de Look Mom, No Head, que estava para ser lançado. O papo gira em torno da história da banda, e da maior paixão de Lux Interior e Poison Ivy (vocalista e guitarrista do quarteto, respectivamente), os filmes de terror B que o casal tanto adorava. O jornalista relata a experiência de assistir à apresentação dos americanos, e também um bate-papo ocorrido dias depois no aeroporto da cidade. "Sabe, há vinte anos que eu ouço as mesmas coisas, há muito tempo que Lux e eu assistimos aos mesmos filmes de terror. Vamos fazer isso até o fim!", afirma Ivy. E os dois fizeram (Lux faleceu em 2009)!

Após ter de cancelar uma entrevista com John Lydon devido às exigências de "rock star" do ex-vocalista dos Sex Pistols e do PIL, Barcinski vai a Los Angeles assistir a um ensaio do Red Hot Chili Peppers, então se preparando para iniciar a turnê de divulgação do álbum Blood Sugar Sex Magic. O papo com Flea e Anthony Kiedis é em um total clima "hippie bicho grilo" ("a banda é uma ação de irmãos, onde tudo tem de ser feito com energia positiva e união de pensamento", "Acho que as pessoas devem deixar seu espírito guiar a criatividade, e não ficar tentando captar as energias de outros"), e mostra uma banda ainda longe dos superastros que se tornariam logo depois, falando com esperanças de que seu mais recente lançamento fosse "o disco" que os levaria ao mainstream, algo que realmente ocorreu.

Entrevista com Joey Ramone

Indo para a costa leste, o autor se encontra com o vocalista Joey Ramone em sua cidade natal (Nova Iorque) para um dia de bom papo, boa música e muitas fitas de vídeo com raridades dos Ramones. Ainda em fase de pré-produção do que viria a ser o álbum Mondo Bizarro, e com a banda recém assimilando a saída do baixista Dee Dee e a chegada do novato CJ, Joey mostra ao brasileiro uma fita K7 com as demos doq ue viriam a ser "Cabbies on Crack"  "It's Gonna Be Alright" e "I Won't Let It Happen"  todas presentes no vindouro disco do quarteto, além de "Make Me Tremble" e "There's Got to Be More to Life"  que só seriam lançadas oficialmente em 2012, no álbum póstumo Ya Know. Para um fã dos Ramones (o jornalista confessa no livro ter três posters do grupo em sua sala), uma experiência inesquecível!

Há também uma conversa com seis bandas representativas da cena do hardcore nova-iorquino. Em entrevistas curtas de uma ou duas páginas cada, membros do Agnostic Front, Murphy's Law, Sick Of It All, Rest In Pieces, Sheer Terror e Lunachicks relembram a era de ouro da cena musical da cidade em meados dos anos 1980, e reclamam da apatia e da falta de oportunidades para os grupos locais naquele começo de década. São entrevistas sinceras, que mostraram bem as dificuldades pelas quais os grupos passavam, sendo que alguns deles logo estariam desfeitos devido a este fator.

A próxima parada do escritor é em um estúdio de Chicago, conversando com Al Jourgensen e Paul Barker, a dupla que encabeçava o Ministry, bem durante o processo de gravação do que viria a ser o álbum Psalm 69. Barcinski deve ter sido uma das primeiras pessoas a assistir à versão finalizada do vídeo clipe para "Jesus Built My Hotrod" (segundo ele, sentado no meio de duas caixas de som gigantescas e em frente a uma TV de umas 30 polegadas, algo enorme para a época). O papo com a dupla gira em torno de seus projetos paralelos, sua alucinada rotina de trabalho e o passado até certo ponto vergonhoso do Ministry, que partiu de uma banda de dance music eletrônica para se tornar uma das maiores máquinas de barulho do mundo da música, principalmente a partir do disco que André viu surgir naquele estúdio.

Contracapa do livro

A viagem acaba na meca musical do início daquela década, a chuvosa Seattle. Iniciando pela descrição de um show do então recém estourado Nirvana no dia das bruxas no Paramount Theatre (o mesmo espetáculo que viria a ser lançado em CD e DVD anos depois) - onde o que era para ser uma entrevista exclusiva com Krist Novoselic virou um rápido bate papo quase ininteigível com o baixista e o baterista Dave Grohl, devido ao assédio de fãs e imprensa nos bastidores -, o passeio continua em uma entrevista com os membros do Mudhoney antes do mesmo concerto (que foi aberto pelo grupo de Mark Arm e companhia), e encerra com uma interessante conversa com o quarteto TAD, onde o vocalista que dá nome ao grupo foi o que menos falou. 

O livro termina com uma sensação de "quero mais", mas também como um interessantíssimo registro da época, além de ser, como afirma o também jornalista André Forastieri no texto de prefácio, "um livro sobre rock de nível internacional, talvez o primeiro escrito por um brasileiro". E que, a meu ver, ainda não foi superado!

2 comentários:

  1. caramba li esse livro em 96, encontrei ele agora em uma caixa de livros e discos antigos... com certeza um dos melhores livros que já li sobre o meio musical da época

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    1. Valeu, ricadisouza! Certamente, é um livro que vale muito a leitura!

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