sábado, 29 de fevereiro de 2020

Rainbow ‎– Boston 1981 [2016]


Por Micael Machado

Entre 2013 e 2016, a banda Rainbow teve vários bootlegs "oficializados" no mercado, passando por pelo menos três fases de sua existência (aquelas onde os vocalistas Graham Bonnet, Joe Lynn Turner e Doogie White empunharam o microfone do grupo liderado pelo sempre marrento, mas genial, guitarrista Ritchie Blackmore), sendo estes, coincidentemente ou não, interrompidos quando do anúncio do "retorno" da turma (em uma nova formação, mantendo apenas o chefão Blackmore de algum dos antigos line-ups) para alguns poucos shows na Europa em 2016 (os quais renderam, por si só,  outros três registros ao vivo, pelo menos até agora). 

Um destes "lançamentos" que chegaram ao mercado foi Boston 1981, cuja versão oficial chegou ao mercado poucos meses antes dos shows de "retorno" de 2016. Registrado no Orpheum Theatre de Boston em 07 de maio de 1981, o disco, lançado tanto em CD quanto em vinil duplo, captura o grupo no meio de sua primeira excursão com Turner à frente, sendo a formação completada então por Roger Glover no baixo, Don Airey nos teclados, Bob Rondinelli na bateria e o big boss Blackmore nas seis cordas, e, pelo menos para mim, pode ser considerado um dos mais fracos "ao vivo" da carreira da banda, muito disto, em parte, pelo repertório escolhido para o show.

Detalhe do encarte da versão em vinil de Boston 1981

Na época, o Rainbow já havia abandonado sua sonoridade "hard rock" de origem europeia em favor de outra mais "comercial", "americanizada" e "pasteurizada" (processo que começou, a bem da verdade, já na formação anterior, com a entrada de Graham Bonnet em 1979). A chegada de Turner levou a mudança ainda mais adiante, e os anos que viriam mostrariam uma descaracterização ainda maior do som "tradicional" do grupo, aproximando-o do chamado AOR e gerando discos horrorosos como Bent Out of Shape, de 1983, último lançamento antes da separação oficial. Neste show de 1981, músicas das formações anteriores do grupo ainda são presença constante (formando mais da metade do repertório do disco), e é aí que o bicho pega, pois fica impossível não comparar estas versões com aquelas registradas pelas encarnações anteriores do Rainbow (e que contavam com músicos como Ronnie James Dio, Cozy Powell, Jimmy Bain e Tony Carey, para citar apenas alguns). E aí, o bicho pega de verdade...

Bob Rondinelli, por exemplo, é um baterista bastante seguro e pesado, conseguindo manter bem o ritmo e a fluidez de seu instrumento. Mas, quando comparado a seu antecessor na banda (o já citado Powell, que na época já tinha uma carreira consagrada, especialmente por sua passagem no grupo de Jeff Beck, e que depois só iria aumentar seu currículo e fama ao lado de formações como Michael Schenker Group, Whitesnake, Black Sabbath e Emerson, Lake & Powell, dentre muitos outros), soa muito "quadrado" e "reto", algo facilmente perceptível nas músicas onde Cozy era o instrumentista original. Roger Glover, ex-colega (e desafeto) de Blackmore no Deep Purple, tem aqui um repertório bem menos exigente que o de seu antigo grupo, e faz o seu "feijão com arroz" bem temperadinho ao longo do show, sem muitos arroubos ou momentos de glória, o que chega a ser pouco para um músico tão tarimbado quanto ele.

Os teclados sempre foram um instrumento importante na sonoridade do Rainbow desde seus primeiros anos, e o excepcional Don Airey (que, anos depois, se uniria a Glover em uma nova encarnação do Purple), não deixa a bola cair em momento algum. Apesar de seus "momentos de brilho" serem menores que os de seus antecessores em épocas passadas da banda, a "cama" para os solos e riffs do chefão do grupo é sempre precisa, e os próprios solos do teclado (como os que aparecem em "Difficult To Cure", "I Surrender" ou já na abertura com "Spotlight Kid") são invariavelmente talentossísimos e agradáveis de ouvir, embora, no geral, o músico acabe ficando meio que "à sombra" do "dono da porra toda", o Sr. "Ricardinho Maispreto", que não precisa se esforçar tanto aqui como na sonoridade da primeira fase de sua banda, e, sem ninguém para competir consigo pelas luzes do estrelato, acaba nos entregando uma penca de solos com sua legítima assinatura, como em "Love's No Friend", na já citada instrumental "Difficult To Cure" (sua interpretação própria para a nona sinfonia de Beethoven), no momento "quebra tudo" que antecede o solo final de "Lost In Hollywood" ou em uma surpreendente versão de "Smoke On The Water", visto que as encarnações anteriores do Rainbow sempre passavam longe dos clássicos da antiga banda de seu patrão.

Contracapa e encarte da versão em vinil de Boston 1981

Já Joe Lynn Turner se sai muito bem nas músicas que registrou em estúdio, pois possui uma voz perfeitamente adequada ao estilo que a banda adotava na época.  Mas, mesmo nas canções da "fase Bonnet", já se nota alguma falta de identificação do cantor com as melodias. Naquelas originalmente cantadas por Dio, então, a coisa se aproxima bastante da chamada "vergonha alheia, e sua voz é a grande responsável por tornar maravilhas como "Man On The Silver Mountain", "Long Live Rock N Roll" ou (principalmente) a fantástica "Catch The Rainbow" em canções pouco mais que comuns, ao invés do status de "clássicos" que o baixinho mais talentoso que já empunhou o microfone da banda conseguia lhes conferir. Por isso digo que o repertório não favorece este disco, pois, em excursões futuras (onde Turner já tinha mais material próprio registrado ao lado de Blackmore e seus asseclas), as músicas de formações anteriores foram gradualmente sendo substituídas a outras mais adequadas à voz e ao estilo do cantor, tornando a coisa toda mais "palatável" a quem frequentava os shows do Rainbow, e não expondo tanto seu front man a dificuldades (vale lembrar que, mais à frente no tempo, Turner iria reencontrar Ritchie e Roger em uma das mais controversas formações do Deep Purple, responsável pelo contestadíssimo Slaves and Masters, de 1990).

Acusado por alguns de possuir grandes edições em comparação às versões "não oficiais" disponíveis no mercado anteriormente (algo que, infelizmente, não posso confirmar ou negar, pois não conheço tais versões), Boston 1981 possui um belíssimo trabalho gráfico, completado por um longo encarte (em forma de livro na versão em vinil, lançado nas versões preto, azul, verde e vermelho) onde as fotos predominam sobre o texto, em uma embalagem bastante atraente, mas cujo conteúdo, infelizmente, vai depender muito da relação do ouvinte com a voz de Joe Lynn Turner para ter sua qualidade avaliada. Eu, posso confessar, nunca fui muito fã deste cantor, e, embora tenha encontrado bons momentos ao longo da audição, me senti bastante desconfortável em outros tantos, especialmente aqueles onde o saudoso Ronnie James Dio já havia mostrado como fazer aquele trabalho com muito mais qualidade. De toda forma, ouça por si mesmo, e tenha certeza que, se a voz de Turner nunca lhe perturbou, não será o restante do material contido neste disco que irá fazê-lo. Afinal, ainda não foi nesta época que Ritchie Blackmore iria fazer algo que não orgulharia seus seguidores... mas isto é papo para outra matéria, deixemos assim...

Contracapa da versão em CD de Boston 1981

Track List:

01. Spotlight Kid
02. Love's No Friend
03. I Surrender
04. Man On The Silver Mountain
05. Catch The Rainbow
06. Can't Happen Here
07. Lost In Hollywood
08. Difficult To Cure
09. Long Live Rock N Roll
10. Smoke On The Water

Nenhum comentário:

Postar um comentário