sexta-feira, 18 de março de 2016

Livro: Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia


Por Micael Machado

O jornalista, compositor, escritor, roteirista, produtor musical e letrista paulista Nelson Motta esteve presente em muitos dos momentos importantes da música brasileira nos últimos cinquenta anos (pelo menos), às vezes como testemunha, e outras como protagonista de fatos que, mais tarde, seriam considerados históricos em termos musicais. Em uma destas ocasiões, foi responsável por apresentar Tim Maia à "pimentinha" Elis Regina, em 1969. O encontro dos dois cantores gerou a gravação da canção "These Are The Songs", que catapultou a carreira de Tim para o estrelato. A partir daí, o músico carioca e Motta criaram uma amizade que duraria, entre altos e baixos, até o falecimento do cantor, em 1998. Por isso, quando a biografia de Tim Maia foi lançada em 2006, não foi surpresa descobrir que o autor do livro (intitulado Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maiaera o amigo de longa data de Maia.

Sebastião Rodrigues Maia (nome de batismo de Tim) foi um dos mais importantes e controversos artistas da música brasileira da segunda metade do século passado. Sua história cheia de fatos pitorescos rendeu, através da excelente prosa de Motta, um livro agradabilíssimo de ler, divertido, instrutivo, detalhado e, por vezes, até mesmo emocionante. Da infância entregando marmitas no Rio de Janeiro aos primeiros passos musicais em grupos vocais de seu bairro (alguns ao lado de Roberto e Erasmo Carlos - sim, esses mesmos em que você está pensando!), do sofrimento com a morte do pai ao período passado nos Estados Unidos (onde acabou preso por, entre outros delitos menores, dirigir um carro roubado de Nova Iorque a Miami, mas onde também conheceu o soul e o funk norte-americanos, os quais traria de forma precursora ao país anos depois), dos tempos de pindaíba quando da volta ao Brasil (deportado pela justiça americana) ao sucesso retumbante na década de 1970, do conturbado período de ostracismo nos tempos em que se dedicou à seita do Racional Superior (que rendeu muitas decepções ao músico, mas também dois dos melhores discos da MPB em todos os tempos) à volta triunfante aos holofotes da mídia nos anos 80, da entrega às drogas e ao álcool durante o final daquela década e o começo da próxima (onde faltava com tanta frequência aos compromissos assumidos que chegava a causar surpresa quando comparecia a um de seus próprios shows) às tentativas de retomar a saúde e o sucesso nos anos imediatamente anteriores à sua morte, as quase quatrocentas páginas de Vale Tudo formam um relato imperdível não só para os fãs do cantor, mas também para todos aqueles interessados em saber o que de importante aconteceu na música produzida no país entre 1965 e o final do século XX.


Nelson Motta e Tim Maia juntos em Nova Iorque

As histórias e relatos (por vezes beirando o inverossímil, mas quase sempre engraçadas, e todas muito interessantes, graças à forte personalidade de Tim, que, como declara Motta, era um personagem de tal feita que nenhum ficcionista seria capaz de criar) sucedem-se de forma natural, bem como as análises feitas pelo autor da discografia do cantor e dos bastidores de suas gravações. A vida particular de Tim também não é deixada de lado, e a importância de sua família, de seus amigos e de suas (várias) mulheres é ressaltada ao longo de toda a narração da trajetória do "síndico" (apelido que recebeu de Jorge Benjor, eternizado na música "W/Brasil (Chama O Síndico)"). Destaca-se ainda, ao longo da leitura, as inclusões de termos "peculiares" do vocabulário do cantor, como "Bauret" (gíria para maconha eternizada pelos Mutantes no disco Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets, e cuja origem é esclarecida no livro), "Garrastazu" (um local no prédio onde estivesse no qual ele poderia se esconder e "queimar um bauret"), "Levadinho" (o cachê de seus trabalhos, que poderia ser um "levado" ou um "levadão" dependendo do tamanho) ou "Estratégia", comando que, quando dado por Tim a seus músicos, significava algo como "abandonar o navio", independente das consequências que a debandada fosse causar.

Chama a atenção também a quantidade de hits que o cantor gravou ao longo de sua carreira (mesmo eu, que nunca fui o mais dedicado fã deste artista, ao ler o nome das músicas de destaque em sua trajetória citadas por Motta ao longo da obra, lembrava quase que imediatamente a melodia e/ou a letra - ou pelo menos o refrão - de praticamente todas elas), assim como o grande número de personalidades que surgem aqui e ali ao longo das páginas do livro, em interações por vezes fugazes, por outras duradouras e permanentes na vida de Maia. Músicos, artistas, políticos, jogadores, muitas e muitas figuras conhecidíssimas, as quais normalmente não seriam associadas a um cantor tão popular quanto o biografado, acabam marcando presença em situações as mais variadas, e cujos rumos a personalidade forte e decidida de Tim poderia mudar rapidamente!



Algumas imagens das páginas do livro Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia

Depois de saber tudo isto a respeito do livro, o caro leitor há de estar pensando: "Ok, pode até ser interessante, mas eu já assisti ao filme (ou ao musical, ou ainda à minissérie exibida na televisão) baseado nesta obra aí, então já conheço a história, e não preciso perder meu precioso tempo me dedicando a conhecer um registro tão comprido (400 páginas, por favor, né?)". Ledo engano, meu estimado amigo: o que você viu na tela (ou no palco) não corresponde, arrisco a dizer, a vinte por cento daquilo que consta nas páginas da biografia. E mesmo aquilo que foi selecionado para ser filmado (ou encenado) surge de forma mais extensa e detalhada no livro, tornando a leitura deste bastante prazerosa (e, sobretudo, indicada) mesmo aqueles que já tiveram a oportunidade de estar presentes às três mídias que usaram Vale Tudo como fonte de inspiração. Confira lá, e depois venha aqui me dizer que estou errado, caso tenha coragem!

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