domingo, 28 de julho de 2013

Discografias Comentadas: Trace


Por Micael Machado

O tecladista holandês Rick van der Linden (nascido a 05 de agosto de 1946) começou a estudar piano ainda na infância, e, em 1966, juntou-se ao The Incrowd, que se tornaria o Ekseption, grupo com o qual alcançaria o sucesso, e de quem seria o principal compositor. Em 1973, com ciúmes das atenções dedicadas pela mídia ao seu tecladista (e também dos royalties a mais que ele ganhava por compor as músicas), os outros membros da banda pediram que ele saísse, deixando o prodígio das teclas livre para montar um grupo que satisfizesse plenamente suas intenções musicais.

A princípio com o baterista Peter de Leeuwe como parceiro, Rick formou o Ace, mas rapidamente julgou que Peter não estava no nível que ele desejava, e o substituiu por Pierre van der Linden, primo do tecladista, e recém saído do Focus, outro gigante do progressivo holandês. Com a chegada de Jaap van Eik para o baixo, Rick realizou o seu desejo de ter um grupo nos moldes do Nice (banda que revelaria o tecladista Keith Emerson), mas, após assinar um contrato com a gravadora Philips, descobriu que outro conjunto tinha os direitos do nome Ace. Rebatizado então como Trace, o grupo partiu para as gravações de seu primeiro álbum, um dos pilares do progressivo holandês em todos os tempos!

Confira agora a curta, porém qualificada, trajetória do Trace!

Trace [1974]

Precedida por um single com as canções "Progress" (que tem partes que lembram bastante o Focus, especialmente pelo uso do Hammond por parte de Rick) e a viajante "Tabu" (uma adaptação para a composição de Dizzy Gillespie, e onde todos os músicos se destacam, com os teclados em maior evidência), a estreia do Trace abre com uma obra em três atos chamada "Galliarde" (composta de um misto de um arranjo para uma peça de J.S. Bach e para uma tradicional dança polonesa), cuja primeira parte tem um começo muito animado, seguido de um tema com efeitos de teclados muito semelhantes aos que Keith Emerson costumava utilizar no ELP, impressão reforçada pelo arranjo da excelente "cozinha", culminando em um final mais calmo antes do início da segunda parte (intitulada "Gare le Corbeau"), apenas com baixo e bateria executando uma melodia de orientação jazzística, para a canção se concluir com a retomada de "Galliarde", que ressurge do ponto calmo, passando pelo tema que lembra o ELP e voltando então ao início de tudo. Outra faixa baseada em uma peça clássica (desta vez de Edvard Grieg) é "The Death of Ace", uma canção mais lenta, apresentando até um certo tom melancólico, com total destaque para os teclados de Rick, mas também dando o devido brilho a van Eik e a Pierre, que executa aqui um trabalho soberbo de bateria, como também acontece em "The Lost Past", seu "momento solo" no álbum, que vem intercalado entre as duas partes da melancólica "A Memory", comandada pelos teclados. "Once" apresenta novamente um andamento jazzístico em sua parte intermediária, com algumas vocalizações "estranhas" feitas pelo tecladista, e até citação à clássica "Hall of the Mountain King", deixando clara a influência deste estilo sobre o principal compositor do Trace. A longa "Progression" (mais de doze minutos) é outra que demonstra o quanto Rick van der Linden foi influenciado pelos compositores clássicos, além de o tecladista usar e abusar de seu arsenal de instrumentos, como também ocorre em "Final Trace", que fecha o disco original com um tom quase de hino sacro, em contraste com a divertida "The Escape of the Piper", onde o piano é o destaque, e que inclui algumas linhas executadas na gaita de foles. A edição em CD ainda acresceu as duas faixas saídas do single de estreia, não incluídas originalmente no álbum. Apesar de alguns efeitos de teclados soarem bastante datados hoje em dia, este disco ainda permanece como um marco dentro do rock progressivo, apresentando um tecladista no mesmo nível dos grandes ídolos do instrumento no estilo, e uma cozinha azeitada e eficiente. Pouco depois de uma excursão pela Inglaterra, Pierre, cansado da rotina de turnês e gravações que enfrentava desde sua época com o Focus, decide deixar o Trace, que foi buscar na própria Grã-Bretanha o substituto para seu baterista!

Jaap van Eik , Pierre van der Linden e Rick van der Linden

Birds [1975] 


Após testar quinze bateristas, Ian Mosley (ex-Wolf) foi o escolhido para o posto, e  o Trace gravou um álbum menos "progressivo" que o primeiro, onde os teclados e sintetizadores adotam timbres mais "modernos" para a época, fugindo um pouco da sonoridade presente no primeiro registro, como podemos conferir em "Snuff", um tema agitado, que lembra a trilha dos filmes do gênero blaxploitation  embora tenha uma parte mais "clássica" no meio, com destaque para o trabalho de Jaap e Mosley. Duas adaptações para obras de J.S. Bach aparecem no track list, sendo elas a bela "Opus 1065" (do "Concerto for Four Hands"), que conta em seus quase oito minutos com a participação especial do violinista Darryl Way (então membro do Curved Air, e que executa um interessante solo ao instrumento) e "Bourrée", onde não é interpretado o mesmo trecho que estamos acostumados a ouvir com o Jethro Tull, mas sim um outro tema mais rápido (onde o grito de um macaco é interpretado, segundo o encarte, pelo gerente de turnê do grupo, Coen Hoedeman). "Janny (In A Mist)" é um curto tema escrito em 1928 pelo músico de jazz Bix Beiderbecke, onde Rick toca solo ao piano, instrumento que também domina "Penny", com um arranjo jazzístico em sua melodia. "Trixie-Dixie" é uma curta vinheta quase sem sentido, uma simples brincadeira de estúdio que encerrava um dos lados da versão original em vinil. A suíte "King Bird" é dividida em onze partes, e, com quase vinte e dois minutos, ocupava todo o outro lado do vinil (encontrei versões com a faixa por vezes no lado A, em outras no lado B, embora o encarte do CD cite que ela compõe o lado B), com o enredo do "conto" imaginado por Rick representado em uma divertida história em quadrinhos no encarte original (o qual perdeu muito do atrativo visual quando passado para as reduzidas dimensões do disco digital), apresentando muitas variações ao longo de sua duração, e podendo ser considerada a única canção tipicamente "prog" do disco (talvez ao lado de "Opus 1065"). Curiosamente, é a única faixa dos dois discos a apresentar trechos de guitarra e letra nos vocais de sua melodia, ficando o instrumento e a voz a cargo de Jaap van Eik. A versão em CD inclui duas músicas bônus presentes apenas em um single lançado antes do álbum, sendo elas uma nova versão para "Tabu" e uma "short edition" de "Birds", com pouco mais de três minutos e meio. Apesar de bastante recomendável, não é um disco do mesmo nível do primeiro, e o baixo número de unidades vendidas à época repercutiu esta realidade. Com isto, a banda ficou sem a possibilidade de realizar uma turnê de divulgação (apesar de alguns poucos shows realizados logo após o disco ser colocado à venda), o que ocasionou a saída de Jaap van Eik e Ian Mosley, indo a dupla primeiro para o Chain of Fools, com o baixista depois unindo-se ao Vitesse, e o baterista indo tocar com o Footswitch, depois com o guitarrista Steve Hackett (ex-Genesis), e, futuramente, com o Marillion, onde permanece até hoje!


Rick van der Linden, Jaap van Eik e Ian Mosley


The White Ladies [1976]

Sem a "cozinha" que lhe acompanhava até ali, Rick assumiu de vez o papel de "dono" da banda (tanto que o disco é creditado a Rick van der Linden and Trace), e resoveu investir em uma sonoridade ainda mais sinfônica, e mais próxima à da música clássica. Com a presença dos ex-membros do Ekseption, Cor Dekker (baixo) e Peter de Leeuwe (bateria e guitarras, ele que havia sido o baterista original do Trace), e a presença de diversos outros músicos, como Dick Remelink (também ex-Ekseption, sax e flauta), Hetty Smit (vocais) e até um segundo tecladista (Hans Jacobse), a nova formação gravou um álbum bastante diferente dos anteriores, para contar, através de dezenove faixas (onde boa parte são pequenas vinhetas com menos de um minuto, e a maior não chega a quatro minutos), uma lenda local sobre a esposa de um fazendeiro "raptada" pelos espíritos das "white ladies" do local. Com a presença de uma orquestra e de um narrador (papel de Harry Schäfer, amigo de Rick e autor das letras) em algumas faixas, os dois lados do vinil original se desenvolvem no formato de suíte, como se fossem uma única composição. Sendo assim, é bastante difícil apontar destaques, mas me sinto compelido a citar "Dance of the White Ladies" (que poderia passar por uma composição da carreira solo do também tecladista Rick Wakeman, se não fosse a presença do saxofone), as duas adaptações para trechos de obras de Ludwig van Beethoven ("Pathétique" e "The Rescue"), "Back Home" (onde o saxofone retoma a sonoridade jazzística presente em algumas músicas dos primeiros discos), a agitada "Witches' Dance" e a calma "Meditation (for René)" (outra composição que lembra bastante o Focus, assim como "Doubts") para aqueles que quiserem "descobrir" o álbum, o qual, reitero, só será compreendido em sua totalidade quando escutado na íntegra. Para mim, este é o menos interessante dos três álbuns da banda, mas, mesmo assim, apresenta muitas qualidades.

Dick Remelink, Peter de Leeuwe, Rick van der Linden, Hans Jacobse e Cor Dekker

As parcas vendas do terceiro LP e a ausência de uma turnê promocional fizeram com que Rick desistisse de vez do Trace, organizando então uma volta do Ekseption, visto que alguns ex-membros do grupo já estavam ao seu lado. Em paralelo ao trabalho com este grupo, o tecladista manteve uma longa carreira solo ao longo dos anos, além de escrever algumas trilhas sonoras para filmes europeus, participar como convidado de diversos trabalhos e dos projetos Cum Laude e Mistral. O talentoso músico viria a sofrer um AVC em 2005, vindo a falecer a 22 de janeiro de 2006 em seu país natal, deixando para nós um enorme legado musical e uma obra que comprova que ele foi um dos maiores gênios do teclado do século XX, obra esta do qual o Trace foi uma parte importantíssima! 

Save Our Souls - Find The Way [2010]


Por Micael Machado

Quando o Nightwish começou a se destacar no cenário internacional, no final da década de 1990, serviu como inspiração para muitas bandas ao redor do mundo. Uma delas, com certeza, foi a gaúcha Save Our Souls, formada em 2007 e tendo na formação a vocalista e tecladista Melissa Ironn, o guitarrista e eventual vocalista Marlon Rivers, o baixista Diesel e o baterista Andrêss Fontanella. Com um estilo auto-denominado como “Gothic Prog Metal”, o grupo lançou seu EP de estreia em 2010, onde, em pouco menos de vinte e dois minutos, apresenta um excelente registro aos fãs do estilo.

O disco abre com "All The Lost Souls", de melodia cadenciada, onde a banda demonstra ser uma discípula dos finlandeses (principalmente quando, perto do final, entra um trecho em que a bateria faz uma marcação quase marcial), com a voz de Melissa sendo claramente influenciada por Tarja Turunen, embora sem o mesmo alcance da ex-cantora do Nightwish, pelo menos no demonstrado nas músicas deste EP. A composição conta com alguns backing vocals do guitarrista Marlon, os quais, ao fugirem do gutural (usual em vocais masculinos neste estilo), fazem um contraponto interessante às linhas cantadas por Melissa. O baixo tem destaque na introdução, e os teclados e a guitarra contribuem para tornar esta faixa um dos destaques do disco.

Diesel, Andrêss Fontanella, Marlon Rivers e Melissa Ironn

A faixa título vem em seguida, dando destaque ao piano e diminuindo o peso, soando bem ao estilo das baladas do Nightwish (para quem aliás, o Save Our Souls serviu de banda de abertura no show de Porto Alegre em dezembro de 2012). Novamente a voz de Melissa é o destaque, e a música ganha velocidade no final, tornando-se bastante interessante também, embora não supere a anterior.

"Inside" dá sequência ao EP, tendo um começo bem gótico, com destaque para o piano e os teclados. A música ganha um pouco de peso com a entradas das guitarras, mas continua tristonha e bastante melancólica. Perto dos quatro minutos, entra um tema de piano que me lembra bastante o famoso tema de abertura do antigo seriado Arquivo X, o que é bem interessante. A faixa também conta com a presença dos vocais de Marlon (aqui lembrando os de Marco Hietala, vocês sabem de qual banda), em um trecho onde até um som parecido com o de um acordeão é ouvido. Após isso, acontece uma mudança no andamento, com uma parte mais rápida, voltando ao ritmo inicial mais perto do final, em outra faixa bastante agradável.

Save Our Souls ao vivo

A surpreendente "Sweet Words" encerra o EP, sendo um inesperado blues, com destaque para o baixo e o piano. A voz de Melissa soa aqui mais natural, não apresentando o estilo lírico das anteriores, e mostrando que ela não precisa se esforçar muito para ser uma grande cantora. Ao final, o volume da música baixa e o som passa a soar como o de um vinil, encerrando a faixa e o disco (que, infelizmente, tem arte gráfica apenas na capa, sem fotos do grupo, encarte ou contracapa) de forma bastante diferente do usual.

Se você curte o gothic metal com vocais femininos líricos, esta banda é ideal para você. O grupo se encontra em estúdio (já com o novo baixista Jackson Harvelle) registrando seu primeiro full lenghto qual, se mantiver a qualidade desta estreia, tem tudo para transformar o Save Our Souls em uma das melhores formações do estilo em nosso país. Resta-nos aguardar e conferir, pois talento para isso os músicos possuem.

Track List:

1. All The Lost Souls
2. Find The Way
3. Inside
4. Sweet Words

DVD: Santana - In Concert [2012]


Por Micael Machado

Em 1987, a carreira do guitarrista Carlos Santana não andava em seus melhores dias. Seus álbuns mais recentes não haviam tido uma boa recepção tanto por parte da crítica quanto do público, mas a aparição no Live Aid dois anos antes havia recuperado um pouco de seu prestígio. Por isso, ele resolveu dar um tempo em sua carreira solo para reunir a Santana Band e gravar um álbum com uma sonoridade mais próxima de seus primeiros discos, ainda no início dos anos 1970. Com a participação dos antigos chapas Chester Thompson  e Gregg Rolie (teclados), Armando Peraza, Orestes Vilató e Raul Rekow (percussão), mais o monstro do baixo Alphonso Johnson (ex-Weather Report), o baterista Graham Lear (ex-REO Speedwagon) e o competentíssimo Buddy Miles (baterista da Band Of Gypsies, ao lado de Jimi Hendrix e Billy Cox, e com quem Santana já havia gravado em 1972), aqui apenas nos vocais, o grupo lançou o álbum Freedom naquele ano, e saiu em turnê de promoção pelo mundo (menos Gregg, que acabou substituído pelo vocalista e ocasional guitarrista Alex Ligertwood).

Um dos shows da tour, ocorrido no Palast Der Republik, na então Berlin Oriental, a 06 de abril de 1987, é o objeto deste DVD lançado recentemente no mercado brasileiro pela gravadora USA Records. Já bem conhecido dos colecionadores de bootlegs, o disco é uma excelente opção para aqueles que acham que a carreira do guitarrista resume-se a hits como "Maria Maria" ou "Smooth" conhecerem um pouco do seu trabalho anterior, muito mais relevante. Para os fãs de longa data, é uma oportunidade de visitar um período meio nebuloso de sua carreira, mas que, neste show, brilha quase tanto como nos anos 1970.

Carlos Santana em Berlin Oriental, no ano de 1987

Santana, além de atacar como vocalista em "Before We Go", está tocando muito ao longo do show, como se pode conferir nas clássicas "She's Not There" e "Incident At Neshabur". Mas, apesar disso (e da banda levar seu nome), ele não fica o tempo todo sob os holofotes, abrindo espaço para os outros músicos do grupo, como no solo alucinado de Chester Thompson em "One" ou no momento solo de Alphonso Johnson (que, sozinho no palco, se dá ao direito de usar até o pedal Taurus, instrumento muito mais próximo do rock progressivo do que do pop latino da Santana Band - além de também dar um show na já citada "One", e de mandar muito bem na bela "Cavatina", onde leva a música inteira ao Stick, com o acompanhamento de Santana na guitarra). Os nove instrumentistas no palco soam realmente como uma banda, e não como músicos de apoio para o guitarrista, algo que acontece com várias outras feras da guitarra que dão seus nomes aos seus grupos.

Mas, para mim, o maior destaque do DVD é a figuraça chamada Buddy Miles. Escalado como um dos vocalistas principais (além de, eventualmente, atacar alguns instrumentos de percussão), ele arrasa em canções como "Open Invitation" ou "Praise", demonstrando todo o poder de sua voz recheada de soul. No blues "Just Got Back From Texas" e nas suas "Them Changes" e "We Gotta Live Together", ele também mostra habilidade na guitarra, sendo um instrumentista canhoto, assim como seu ex-colega de banda nos anos 70 (porém, obviamente, não tão talentoso quanto Hendrix). Buddy começa o show todo arrumadinho, com terno, gravata e camisa social cheia de babados. Mas, lá pelo meio da apresentação, já está todo desorganizado, com a camisa aberta, o nó da gravata desfeito e o suor tomando conta de seu corpo rechonchudo. Além disso, ver o gorducho Miles "sensualizando" com as fãs da primeira fila durante "Once Its Gotcha" é, involuntariamente, hilário de tão ridículo. Buddy viria a falecer em 2008 de problemas cardíacos, mas seu talento ficou marcado para sempre na história da música, e alguns momentos memoráveis de sua trajetória podem ser encontrados aqui.

Buddy Miles, um dos destaques do DVD

Uma das melhores partes do disco é a sequência "Black Magic Woman" (com citações a "Are You Experienced", de Jimi Hendrix, e onde jogam uma rosa em Buddy, o que faz com que ele se atrapalhe momentaneamente com a letra, para logo se recuperar e fazer graça com a flor), "Gypsy Queen", "Oye Como Va", "Evil Ways" e "Jingo", todos clássicos da primeira fase da Santana Band, e que mostram toda a musicalidade e o talento do grupo, com as percussões "comendo soltas" e o guitarrista "fritando" as cordas de sua guitarra com solos incendiários. Se você nunca ouviu a fase setentista de Carlos Santana, comece por esse trecho, e perceba que passou anos sem conhecer alguns dos melhores momentos que o rock setentista já produziu!

Freedom não conseguiu alavancar novamente a carreira de Santana (algo que ele só conseguiria no final dos anos 1990, com o multi-platinado Supernatural), e, desde então, o guitarrista vive uma constante de altos e baixos na carreira, como aliás já enfrentou em outros tempos. Um destes altos com certeza foi o show registrado aqui, onde a imagem e o som estão bastante aceitáveis, e alguns cortes de edição entre as canções, apesar de "quebrarem" a sequência do show, não chegam a atrapalhar. Uma pena o final estar editado, e o show acabar em um decepcionante fade out, constituindo um dos poucos pontos negativos deste DVD.

"Once it's gotcha, you'll lose your head in the clouds"

Track List:


01. The Beat of my Drum/Veracruz
02. Primeira Invasion / Open Invitation
03. She's not There / Incident at Neshabur
04. One
05. Samba Pa'ti
06. Songs of Freedom
07. The Healer/Saja
08. Super Bodgie/Hong Kong Blues
09. Just Got Back from Texas (B. Miles - For Indio Blues)
10. Them Changes / We Gotta Live Together
11. Bass Solo (Alphonso Johnson)
12. Cavatina
13. Black Magic Woman / Gypsy Queen
14. Oye Como Va / Evil Ways / Jingo
15. Once its Gotcha
16. Europa
17. Soul sacrifice
18. Aranjuez / El Mar
19. Before We Go
20. Praise
21. Deeper, Dig Deeper

DVD: Bad Company - Live At Wembley [2011]


Por Micael Machado

Nunca fui lá muito fã do Bad Company, mas não reconhecer o talento de seus membros ou a importância do grupo para a música dos anos 70, especialmente, seria um absurdo de minha parte. Formado em 1973, o quarteto foi um dos primeiros "supergrupos" do rock, tendo em suas fileiras o vocalista Paul Rodgers e o baterista Simon Kirke (ambos ex-membros do Free),  ao lado do guitarrista Mick Ralphs (ex-Mott the Hoople) e do baixista Boz Burrell (ex-King Crimson). Auxiliados pelo poderoso empresário Peter Grant (também manager do Led Zeppelin, cuja gravadora, a Swan Song, contratou os rapazes pouco depois de se unirem), fizeram um enorme sucesso com seis discos até 1982, quando a pressão da vida na estrada e os excessos da fama fizeram com que o grupo se separasse. Kirke e Ralphs mantiveram a banda na ativa ao longo das duas décadas seguintes, porém com muito menos sucesso e prestígio, lançando álbuns que não se equiparavam aos seus primeiros trabalhos.

Eis que, em 2008, o trio Rodgers, Kirke e Ralphs (Burrell, infelizmente, faleceu em 2006 devido a um ataque cardíaco) se apresentou nos Estados Unidos em um show que resultaria no CD e DVD Hard Rock Live, em 2010. Daí em diante, mesmo com o vocalista compromissado com o projeto Queen + Paul Rodgers, a banda continuou fazendo apresentações esporádicas, como a acontecida em 11 de abril de 2010, na Wembley Arena de Londres, espetáculo registrado neste excelente DVD, lançado no mercado brasileiro pela gravadora ST2.

Paul Rodgers comandando a banda e o público

Abrindo com a clássica "Can't Get Enough", o show mostra que o trio original continua em excelente forma, acompanhados pelos "novatos" Howard Leese (ex-Heart) na guitarra e Lynn Sorensen no baixo, sujeito que me lembrou muito Geezer Butler, do Black Sabbath, tanto na aparência como na maneira de se portar no palco (embora o som que saia de seu baixo seja muito mais leve). A musicalidade do quinteto é latente, assim como a experiência dos músicos, o que faz com que o conjunto domine facilmente tanto o palco quanto a plateia que lotava a Arena.

O Bad Company é conhecido como uma banda de hard rock, mas seu estilo musical é muito mais "leve" do que o de um Deep Purple, um Cactus ou um Mountain, outros "representantes" do estilo. Para mim, o Bad Co. é puro rock setentista (vide "Movin' On", "Shooting Star", onde diversas imagens de ídolos do rock que já foram para outro plano são apresentadas no telão atrás da banda, ou "Deal With the Preacher", que encerra a apresentação), tendo também um pezinho no country caipira (como em "Honey Child", que não soaria deslocada em um disco do Lynyrd Skynyrd, por exemplo) e a capacidade de compor lindas baladas, visto "Seagull", apenas com Rodgers e Ralphs aos violões, ou a linda "Simple Man", com um jeitão de "épico" em seu arranjo. O grupo também coloca um pé e meio no que viria a ser chamado de AOR, como se confere na semi-pesada "Gone Gone Gone" (dedicada ao saudoso Burrell), na própria "Can't Get Enough" ou na semi-balada "Ready for Love".


A dupla de guitarristas: Howard Leese e Mick Ralphs


Individualmente, Rodgers é o grande destaque, com sua performance de palco ainda compatível com sua fama de ser um dos melhores frontman da história do rock, além de tocar piano (como em "Run With the Pack", que conta com excelentes trechos de guitarra, e na clássica "Bad Company", minha favorita dentre as que conheço das canções do grupo) e violão (na citada "Seagull"), mas Ralphs e Leese também aparecem bastante, com o segundo, apesar de ser um músico "contratado", tendo uma grande participação sob os holofotes, seja por sua jaqueta estilosa (ao estilo de um General da guerra de Secessão), seja por seu talento ao instrumento, chegando inclusive a tocar um mandolin em "Feel Like Makin' Love" (música que conta com Rodgers na harmônica). Kirke, apesar de grande baterista, é meio discreto em seu kit, e a citada semelhança de Sorensen com um dos meus ídolos no instrumento fez com que minha capacidade avaliativa ficasse prejudicada enquanto assistia ao vídeo.

O track list ainda conta com a clássica "Rock and Roll Fantasy" (cuja linha de baixo me lembrou algo de Disco Music - lembrando que a versão original é de 1979), "Young Blood" e "Electric Land", duas canções que não me agradaram muito, além da rockeira "Burnin' Sky", que não está presente na versão em CD lançada junto ao DVD, e que tem um rótulo muito legal, imitando um vinil.

A qualidade de som e imagem é excelente, e o DVD ainda conta com quase vinte minutos de uma entrevista com a banda falando sobre a turnê e o show de Wembley em si, tanto antes quanto depois de estarem no palco, bem como algumas palavras dos fãs que estavam lá para assistir ao concerto. Cabe ressaltar que o forte sotaque britânico da entrevistadora e dos três membros originais (os outros dois são americanos) pode ser um complicador para quem assiste, ainda mais que o DVD não tem opções de legendas em português, apenas em inglês, alemão, francês e espanhol.

Live at Wembley é um item bastante recomendável mesmo para aqueles que, como eu, não são profundos conhecedores da carreira do grupo, mas curtem a sonoridade típica da década de setenta. Se você for fã da "má companhia", então já deve ter o mesmo em sua prateleira, caso contrário, está perdendo um excelente item!

Contracapa do DVD

"Bad Company, it's the way I play / Bad company, till the day I die"

Track List:

01. Can't Get Enough
02. Honey Child
03. Run With the Pack
04. Burnin' Sky
05. Young Blood
06. Seagull
07. Gone Gone Gone
08. Electric Land
09. Simple Man
10. Feel Like Makin' Love
11. Shooting Star
12. Rock and Roll Fantasy
13. Movin'on
14. Ready for Love
15. Bad Companyk
16. Deal With the Preacher

Blue Öyster Cult - Fire of Unknown Origin [1981]


Por Micael Machado


No início dos anos 80, o quinteto norte americano Blue Öyster Cult já havia passado por momentos melhores em sua carreira. Formado por Eric Bloom (guitarra base e vocais), Donald 'Buck Dharma' Roeser (guitarra solo e vocais), Allen Lanier (teclados e guitarra), Joe Bouchard (baixo e vocais) e seu irmão Albert Bouchard (bateria), o grupo vinha de dois lançamentos com vendas praticamente inexpressivas perto de seu catálogo anterior, o mais comercial Mirrors, de 1979, e Cultösaurus Erectus, de 1980, que falhou na tentativa de ser o retorno da banda à sonoridade mais pesada de seus primeiros lançamentos, mas levou o BÖC (como é conhecido pelos fãs) a excursionar ao lado do então revigorado Black Sabbath (que estreava o vocalista Ronnie James Dio em sua formação) na famigerada Black And Blue Tour, a qual gerou muita confusão e um vídeo até hoje inédito em DVD, que tem o mesmo nome da turnê. Devendo muito dinheiro à gravadora, e vendo seu prestígio decair cada vez mais, eles sabiam que precisavam fazer um novo álbum que resgatasse a imagem e a popularidade do Culto da Ostra Azul (bem como as vendas de outora). Assim sendo, em 1981, gravaram Fire of Unknown Origin, produzido pelo lendário Martin Birch (Iron Maiden e Deep Purple, dentre muitos outros), o disco responsável por trazer de volta os "velhos tempos" de glória, e afastar as preocupações tanto dos músicos quanto dos seguidores do Culto!

Começo a tratar do disco falando de "Veteran of the Psychic Wars", a terceira faixa, que também é uma de suas melhores composições, trazendo de volta o clima "misterioso" dos antigos registros do BÖC, além de um peso evidentemente maior que o das demais canções do track list, evidenciado pela marcação da bateria de Albert Bouchard. Com letra composta pelo consagrado escritor de ficção científica Michael Moorcock (que já havia trabalhado com o grupo anteriormente em faixas como "The Great Sun Jester", de Mirrors, e "Black Blade", de Cultösaurus Erectus), e cantada por Eric Bloom (como a maioria das outras músicas deste play), esta é uma das melhores canções da história do grupo, em muito graças ao clima de tensão criado pelos teclados e pelos excelentes solos de guitarra. Foi lançada em single, atingindo o número 24 da "Billboard Rock Tracks" dos EUA, além de aparecer na trilha sonora do filme de animação "Heavy Metal", também de 1981, para o qual o grupo, ironicamente, escreveu uma canção baseada em um dos subtemas da trama, a interessante "Vengeance (The Pact)", que foi preterida pelos produtores do filme, e acabou abrindo o lado B do disco sobre o qual estamos lendo. Tendo os vocais divididos entre Joe Bouchard e Buck Dharma, esta canção é praticamente separada em duas partes independentes, tendo em seu início uma sonoridade que mostra as influências do então iniciante estilo AOR na nova metodologia de composição do grupo (sempre atenta ao mercado), além de apresentar um dos mais belos solos de guitarra presentes neste registro. Pouco depois deste, após uma parte mais "macabra" executada pelos teclados, ocorre uma guinada, e a faixa ganha peso e velocidade, para depois voltar ao seu ritmo inicial e terminar em alta após mais uma execução do refrão. A pesada, porém não muito rápida, "Heavy Metal: the Black and Silver", escrita por Albert e Eric junto ao seu empresário Sandy Pearlman, e que originalmente fechava o lado A, também foi inspirada pelo mesmo filme citado, e novamente foi deixada de lado pela equipe responsável pela animação.

Allen Lanier, Buck Dharma, Eric Bloom, Albert Bouchard e Joe Bouchard



Iniciando com um interessante tema somente ao piano, "Joan Crawford", apesar dos toques comerciais que carrega, é outro destaque no track list deste álbum. Com um refrão impecável, daqueles que grudam na cabeça por um bom tempo depois de apenas uma audição, e letra inspirada no livro "Mommie Dearest", escrito por Christina Crawford, filha adotiva da personagem que dá título à música (para aqueles que não sabem, uma das maiores estrelas do cinema americano no século XX), a canção tem uma parte totalmente insana lá pelo meio, onde diversos efeitos sonoros são ouvidos, como freadas de carros, telefones tocando, um bebê chorando, sirenes, buzinas e até uma espécie de corneta militar como a dos filmes de cavalaria do velho oeste, além da fantasmagórica voz da falecida atriz chamando por sua filha após voltar do tumulo, como afirma a arrepiante letra, e uma breve citação a "In the Hall of the Mountain King", do compositor norueguês Edvard Grieg. Seu clipe (que aparentemente tem exibição restrita no Brasil em todos os canais da internet) passava com frequência no extinto programa Fúria Metal da MTV, e foi um dos responsáveis por apresentar este que vos escreve à sonoridade do Culto da Ostra Azul (sendo, não só por isso, considerada por mim como a melhor faixa deste lançamento). Lançada em single, ficou apenas na posição 49, o que considero muito pouco para sua qualidade. O final desta faixa é emendado ao início de "Don't Turn Your Back", que fecha o álbum com toques mais comerciais, e que nunca me agradou muito, tendo a presença da cantora Sandy Jean nos backing vocals, e sendo uma das duas canções deste registro onde o vocal principal é feito por Buck Dharma.

A outra é "Burnin' for You", a grande responsável pelo sucesso estrondoso do disco. Com letra escrita pelo crítico musical Richard Meltzer, e musicada por Buck, a canção seria inicialmente utilizada no álbum solo em que o guitarrista estava trabalhando na época (e que viria a ser Flat Out, lançado em 1982). Mas o grupo lhe convenceu de que ela poderia ser o single que recuperaria a credibilidade do BÖC junto a seus fãs, o que, de fato, aconteceu. Embora bem mais leve do que outras músicas lançadas anteriormente pelo quinteto, ela caiu no gosto do pessoal ligado ao rock daquele início de década, com sua sonoridade pegajosa, refrão fácil e teclados e guitarras bem encaixados. O single atingiu o número 1 da mesma parada citada anteriormente, e levou o álbum a receber o certificado de platina nos EUA. Uma bela forma de recuperar o prestígio perdido em algum lugar do passado.

Tendo os vocais de Eric, a faixa título (cuja letra foi escrita pela cantora e poetisa Patti Smith, à época namorada de Allen Lanier) abre o álbum apresentando riffs pesados e teclados climáticos em seu início, caindo depois em um desinteressante clima mais "balançado", que contrasta com o excelente refrão e a bela sessão de solos de guitarra no meio da canção (aliás, solos excelentes de guitarra são uma constante não só neste, mas em outros lançamentos da carreira do BÖC). A veloz "After Dark" dá destaque ao baixo de Joe Bouchard e aos teclados de Allen (além de possuir um interessante riff e outro solo magistral de Buck), mas não chega a ser um grande destaque perto das demais canções, assim como "Sole Survivor", que considero muito comercial e melosa, e que tem a presença da cantora e atriz Karla DeVito nos backing vocals. A capa criada pelo artista gráfico Greg Scott resgata o clima "misterioso" que a banda carregava em seus primeiros álbuns, com a presença do que parecem ser os "seguidores" do Culto da Ostra Azul, vestidos como druidas (o que está mais à frente exibe em seu manto o símbolo do quinteto, presente de alguma forma em todas as capas do grupo), com uma expressão vidrada como se tomados pelo fanatismo religioso, e segurando, cada qual, a sua própria ostra azul. Um clássico, e possivelmente a melhor arte já exibida em um disco da banda.

Contracapa de Fire of Unknown Origin

A turnê resultante ficou registrada no duplo ao vivo Extraterrestrial Live, de 1982, além de marcar a demissão do baterista Albert Bouchard, substituído por Rick Downey, ex-roadie e técnico de iluminação do próprio grupo. O BÖC havia novamente voltado ao topo do rock mundial, mas, infelizmente, não conseguiu manter a posição tão arduamente conquistada. Seus próximos lançamentos (o mais recente é Curse of the Hidden Mirror, de 2001) não conseguiram manter a popularidade adquirida, e as contantes trocas de membros e direcionamento musical também não ajudaram em nada ao conjunto. Eric Bloom e Buck Dharma continuam excursionando e mantendo o nome da banda vivo, embora seu significado mais importante esteja, inevitavelmente, ligado a um tempo que ficou para trás, e do qual Fire of Unknown Origin pode ser considerado como o último momento de brilho. O que, para um grupo de tal relevância, é lamentável.

I've been living on the edge so long, and far too old to see

Track List:

1. "Fire of Unknown Origin"
2. "Burnin' for You"
3. "Veteran of the Psychic Wars"
4. "Sole Survivor"
5. "Heavy Metal: the Black and Silver"
6. "Vengeance (The Pact)"
7. "After Dark"
8. "Joan Crawford"
9. "Don't Turn Your Back"