quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Dream Widow – Dream Widow [2022]


Por Micael Machado

The Blues Brothers (Saturday Night Live, The Blues Brothers), The Commitments (The Commitments - Loucos pela Fama), The Wonders (The Wonders - O Sonho Não Acabou), Steel Dragon (Rock Star), Stillwater (Quase Famosos), The Lone Rangers (Airheads: Os Cabeças-de-Vento), Citizen Dick (Singles: Vida de Solteiro), são todas bandas fictícias criadas para filmes de Hollywood que acabaram tendo músicas reais lançadas nas trilhas sonoras de suas respectivas películas. Algumas chegaram até a gravar discos inteiros (tocados/cantados pelos próprios atores, ou por músicos contratados para tal), outras até a sair em turnês. A Dream Widow é mais um destes casos, "surgindo" para o mundo no filme Studio 666 (no Brasil, "Terror no Estúdio 666"), de 2022, uma mistura de comédia com terror (ou "terrir", como o gênero é conhecido em nosso país) protagonizada pela banda Foo Fighters, baseada em uma história criada pelo vocalista e guitarrista Dave Grohl.

Resumidamente, o roteiro do filme é o seguinte: o Foo Fighters se muda para uma mansão assombrada (sem saber que era assombrada) para gravar o que viria a ser o décimo álbum da banda. Depois de achar umas fitas de uma banda que gravou anteriormente no local (a Dream Widow - como curiosidade, a atriz que interpreta a baterista da banda é a hoje reconhecida Jenna Ortega, que participa de Wandinha, X e Beetlejuice Beetlejuice, dentre outros) e que acabou assassinada na casa (coisa que o FF também não sabe), Dave Grohl acaba possuído por uma entidade, que quer gravar uma música que vai “abrir um portal” para os demônios invadirem o mundo. Essa entidade também já havia possuído o ex-líder da Dream Widow, o cantor Greg Nole, levando-o a assassinar todos os membros do seu grupo e a se suicidar logo em seguida, antes que o disco de sua banda fosse concluído. Tomado pelo “coisa ruim”, Dave convence o resto do grupo de que o disco dos FF deve ter apenas uma música, instrumental, que no início deve ser "interminável", depois é "reduzida" para a duração de um CD triplo, com a banda finalmente concordando em uma "versão final" que dure por volta de 45 minutos (sendo esta a tal música que abriria o tal portal). A banda passa um bom tempo do filme compondo e gravando a sua “obra prima”, mas as dificuldades do sexteto em arranjar, tocar e finalizar a canção (que, além de tudo, foi composta baseada em um acorde inexistente, o L#, ou "L sustenido", sendo que as notas musicais são representadas apenas pelas letras de A a G) acabam "irritando" a entidade, e a partir daí acontecem diversos eventos que recomendo assistirem à película para saberem melhor do que se trata.

Dave Grohl "possuído" no filme Studio 666

Acontece que, quase ao mesmo tempo do lançamento do filme, Grohl divulgou também, nas "plataformas digitais", o que seria o "álbum perdido" da Dream Widow, que contém oito faixas compostas e interpretadas por ele (nos vocais, baixo, guitarras e baterias), sendo que cinco delas contam com a participação do músico Jim Rota (guitarrista do Fireball Ministry) nos solos de guitarra, e outras possuem as participações de Rami Jaffee (do próprio Foo Fighters) ou de Oliver Roman (que tocou com Dave no projeto Dee Gees, além de também gravar com o The Used e o Lamb Of God, dentre outros) nos teclados. Apesar de, no filme, a Dream Widow ser citada como uma banda do começo dos anos 1990 (época em que o grunge dominava o mundo da música), a sonoridade da "banda" é basicamente um heavy metal oitentista, com ecos de thrash e death metal em faixas como "Encino" (música com um clima de Slayer antigo ao longo de sua duração de pouco mais de um minuto e meio, e onde Grohl faz uns vocais rasgados que eu nunca pensei ouvir vindos de um músico com ele) ou "March Of The Insane" (que chegou a ganhar um lyric video, e me lembra algumas coisas do Possessed), enquanto a "lentona" "Cold" possui alguns riffs bem pesados (para os padrões de uma banda como o Foo Fighters) e uma "aura" a la Celtic Frost em algumas partes.

A variada "Come All Ye Unfaithful" é uma das únicas que traz um vocal "reconhecível" por parte de Grohl (embora as linhas vocais também contem com umas partes rasgadas ali pelo meio), contrapondo a "The Sweet Abyss", faixa mais "direta", e que possui um refrão que remete ao Ghost, banda que Grohl já produziu (e para quem chegou a gravar partes de bateria e guitarras) no EP If You Have Ghost (chegando também, de acordo com a lenda, a se apresentar ao vivo como um dos Nameless Ghouls). Outra faixa cujo refrão me remete ao Ghost é "Angel With Severed Wings", talvez a que tenha a sonoridade mais "moderna" no track list, e que possui um dos melhores solos de Rota ao longo do álbum. Outro destaque vai para a longa "Becoming" (com mais de sete minutos), que tem uma introdução "climática" que ultrapassa os dois minutos, para cair em um riff pesado e repetitivo que logo remete (outra vez) ao Celtic Frost (sensação aumentada pelos vocais de Grohl), e um refrão com uso de "coral" que soa bastante interessante.

Mas o grande destaque do disco é, sem sombra de dúvidas, sua canção de encerramento. "Lacrimus Dei Ebrius" é a tal "faixa interminável" que deveria "abrir o portal" e liberar o mal no mundo. Infelizmente, a versão "finalizada" desta composição instrumental não conta com os quarenta e cinco minutos insinuados pelo filme, mas "apenas" com pouco mais de dez (!) minutos de duração, onde Grohl compôs uma faixa bem diferente das demais deste disco (mais voltada ao stoner e mais "setentista" do que "oitentista", como suas colegas de track list), com um arrastado riff inicial que remete aos melhores momentos do Black Sabbath setentista, ganhando velocidade a partir de dois minutos (sem perder a "aura" de anos 1970 que carrega), para voltar ao riff inicial, passar por uma parte que novamente remete ao death metal oitentista, e partir daí para diversas variações de velocidade e estilo musical, chegando até mesmo a possuir um trecho acústico mais perto do final. Boa parte da faixa é apresentada ao longo do filme (onde, como escrevi acima, acompanhamos a banda compondo, ensaiando e gravando a canção), mas a "versão finalizada" da música é bem melhor do que a película deixa supor, sendo ela uma das melhores composições de Dave Grohl que eu, particularmente, já ouvi.

Contracapa da versão em vinil de Dream Widow

Embora não seja um disco (ou uma "banda") "de verdade" como outros que Grohl já lançou em sua carreira, este álbum pode, de certa forma, ser considerado uma "continuação" do projeto Probot, também idealizado pelo líder dos Foo Fighters, e que contava com vários de seus ídolos musicais em um dos melhores álbuns de heavy metal lançados neste século (ao menos para mim). O registro completo do Dream Widow ganhou uma versão especial em vinil no Record Store Day de 2022, limitada a doze mil cópias. Se você encontrar uma (ou se quiser apenas conferir as versões digitais), garanto que valerá a audição! Só fique "esperto" caso alguns fatos "sinistros" passem a ocorrer depois de ouvir "Lacrimus Dei Ebrius". Afinal (spoiler do filme adiante), a "entidade" que possuiu Grohl ainda não terminou sua missão!

Track List (versão em vinil):

Lado A
1. Encino
2. Cold
3. March Of The Insane
4. The Sweet Abyss
5. Angel With Severed Wings

Lado B
1. Come All Ye Unfaithful
2. Becoming
3. Lacrimus Dei Ebrius

domingo, 1 de dezembro de 2024

The Allman Brothers Band – Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972 [2024]


Por Micael Machado

Existem vários discos ao vivo no mercado registrando apresentações ao vivo da Allman Brothers Band, seja com o saudoso Duane Allman nas guitarras, seja com as diversas formações que compuseram o grupo depois da passagem de um dos seus músicos mais carismáticos. Porém, há um curto período de tempo na história da banda que, oficialmente, ainda não havia aparecido em disco. São os meses em que o grupo atuou como quinteto entre 1971 e 1972, ou seja, depois da morte de Duane (ocorrida em 29 de outubro de 1971, sendo que, ao que conta a história, o grupo voltaria aos palcos apenas três semanas depois da tragédia) e antes da entrada de Chuck Leavell nos teclados. Neste período, Gregg Allman (vocais e teclados), Dickey Betts (guitarra), Berry Oakley (baixo), Jaimoe (bateria e percussão) e Butch Trucks (bateria) compuseram e gravaram as músicas que fariam parte de Eat A Peach, álbum duplo lançado em fevereiro de 1972, o qual seria o primeiro registro do grupo sem Duane (embora com várias faixas ao vivo registradas ainda com o saudoso guitarrista em shows no Fillmore East ainda em 1971), e excursionou pelos EUA para divulgar o seu então "novo" disco. Pois esta lacuna na história da banda foi sanada em janeiro de 2024, com o lançamento de Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972, álbum que já era "velho conhecido" dos bootleggers de plantão, mas que ganha o mercado em uma versão "oficial" em CD duplo com áudio remasterizado e lançado pela The Allman Brothers Band Recording Company, gravadora responsável ao longo dos anos por resgatar outros registros de importância histórica deste lendário grupo da Flórida.

O repertório do CD compreende as sete faixas já presentes na versão original do sensacional álbum ao vivo At Fillmore East (lançado em 1971) mais duas faixas presentes em Eat A Peach ("Ain't Wastin' Time No More", aqui contando com um trabalho sensacional de Betts no slide, e o cover para "One Way Out", faixa que já era executada ao vivo pelo grupo ainda nos tempos com Duane na formação), além de uma versão para "Midnight Rider" (faixa do segundo registro da ABB, e que só foi aparecer em algumas das versões estendidas de At Fillmore East) e de uma jam improvisada que, apesar de ter quase seis  minutos de duração, é pouco mais que uma introdução, já no bis, para o encerramento do concerto com uma linda rendição de "Hot 'Lanta".

A Allman Brothers Band em 1972: Jaimoe, Dickey Betts, Berry Oakley, Butch Trucks e Gregg Allman

É claro que a maior curiosidade ao escutarmos o CD é saber como a ABB soa no palco sem um de seus principais músicos. Honestamente, os únicos momentos em que senti falta da guitarra de Duane ao longo do disco foram na hora das "guitarras gêmeas" em "In Memory of Elizabeth Reed", e em algumas partes durante os improvisos de "Whipping Post" (que, aqui, assim como em At Fillmore East, passa dos vinte minutos de duração). No restante das faixas, Gregg parece ter ganho mais espaço para solar em seu Hammond B3, e o próprio baixo de Oakley (mixado com um volume bem alto e claro neste registro, o que faz com que o trabalho do músico se destaque em relação a outros trabalhos ao vivo do grupo) parece querer "tapar o buraco" deixado pela guitarra do saudoso Allman. Mas é Dickey Betts quem ganha os principais méritos pela ausência de seu parceiro de seis cordas não ser tão sentida quanto poderia ser. Se "virando nos trinta" para dar conta de suas partes e das de Duane, o músico (que viria a falecer também em 2024, poucos meses depois do lançamento deste álbum ao vivo) é o maior destaque deste show, executando solos e mais solos com sua reconhecida competência, além de segurar as bases quando necessário para Gregg cantar ou solar nos teclados. Tenho certeza que mesmo o maior fã de Duane há de reconhecer que Betts "dá conta do recado" de manter a música do grupo viva apesar da falta de uma segunda guitarra, instrumento tão marcante no grupo tanto com o sexteto original quanto com as formações que vieram posteriormente a este registro.

Com uma qualidade sonora que, apesar de "melhorada" para o lançamento oficial, não deixa de soar como um "bootleg oficial" (embora qualquer "incômodo" que o registro analógico original possa causar aos ouvidos mais sensíveis - e mais acostumados às "gravações digitais" da era moderna - suma logo depois de uma ou duas faixas), Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972 é, como já escrevi, um registro histórico de uma curta e marcante época na história da Allman Brothers Band, e que foi muito importante para permitir sua continuidade ao longo das décadas que se seguiram. Poucos meses depois desta apresentação, em setembro de 1972, a ABB voltaria a ser um sexteto com a entrada de Chuck Leavell nos teclados, apenas para, no começo de novembro daquele ano, perder tragicamente mais um de seus membros, desta vez o baixista Berry Oakley, morto, assim como Duane, em um acidente de motocicleta. O grupo seguiria em frente, entre altos e baixos, até se aposentar em 2014, com Gregg Allman e Butch Trucks vindo a falecer em 2017, e deixando um legado enorme ao mundo da música, especialmente ao gênero southern rock. Que sua música nunca morra!

Contracapa de Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972

Track List:

Disco 1

1. Introduction

2. Statesboro Blues

3. Done Somebody Wrong

4. Ain't Wastin' Time No More

5. One Way Out

6. Stormy Monday

7. You Don't Love Me

Disco 2

1. In Memory of Elizabeth Reed

2. Midnight Rider

3. Whipping Post

4. Syracuse Jam

5. Hot 'Lanta