sábado, 26 de outubro de 2013

Datas Especiais: 20 anos de Counterparts


Por Micael Machado

O álbum Signals, de 1982, marcou uma mudança de direcionamento musical para o trio canadense Rush (formado desde 1974 por Geddy Lee no baixo, teclados e voz, Alex Lifeson nas guitarras e Neil Peart na bateria e percussão), com o acréscimo cada vez maior de teclados e sintetizadores às composições do grupo. Esta tendência teve um crescendo exponencial durante os álbuns seguintes, durando até 1989 com o lançamento de Presto. Durante este período, os fãs da fase setentista da banda meio que se afastaram do trio, ao mesmo tempo que muitos outros se viram atraídos pela sonoridade mais acessível que estes registros apresentavam.

Assim como boa parte de seus admiradores, quem também estava descontente com o excesso de teclados no som do Rush era Lifeson, que viu seu papel na música dos canadenses perder espaço para os sons eletrônicos de seu colega. A gravadora Atlantic, que havia adquirido o "passe" do grupo junto à Mercury alguns anos antes, também estava cobrando uma explicação pela redução nos números de vendas, o que ajudou a dar força aos argumentos de Alex, que desejava um "retorno ao básico" no som do grupo. Roll The Bones, de 1991, foi uma espécie de "ensaio" para isto, com uma sensível diminuição das teclas em relação aos discos anteriores. Mas a volta à uma sonoridade mais direcionada ao formato "baixo/guitarra/bateria" se daria de vez com Counterparts, que completou vinte anos no último dia 19 de outubro.


Lee, Peart e Lifeson em foto promocional da época de Counterparts

Gravado entre abril e junho de 1993, com produção de Peter Collins (que já havia trabalhado com o grupo anteriormente, e que aqui teve como assistente o depois renomado Kevin Shirley), o disco abre com o baterista Neil Peart fazendo uma contagem, para então sua bateria explodir na introdução de "Animate", faixa que traz na letra o conceito do título do registro (algo como o "oposto que nos completa"), e que mostra em seu arranjo que esta história de deixar os teclados totalmente de lado não era bem assim, embora aqui eles fiquem mais ao fundo, sem se expor muito aos holofotes! Marcada por um brilhante trabalho de Lee e Peart, além de um belo solo de Lifeson, a canção rapidamente ganhou a aprovação dos fãs (mesmo aqueles mais antigos), bem como a faixa seguinte, "Stick It Out", uma das coisas mais pesadas que o Rush já gravou, e que ganhou um vídeo de divulgação, da mesma forma que "Nodoby's Hero", que fala de pessoas comuns que praticam atos rotineiros, mas que acabam sendo marcantes na vida de quem convive com elas. Como há insinuações de que um dos personagens do texto teria morrido de AIDS, logo surgiram rumores de que Neil (autor da imensa maioria das letras do trio) estaria contaminado pelo vírus, algo que se provou apenas boataria com o passar do tempo.

"Cut To The Chase", apesar de pouco lembrada pelos fãs e pela própria banda (sendo que acredito que ela nunca tenha sido executada ao vivo), é uma das minhas favoritas do disco, assim como "Double Agent" e "Cold Fire", duas composições que, até onde sei, só foram incluídas nos set lists da turnê de divulgação do álbum (onde a primeira contava com vocais pré-gravados onde a voz de Lee apresenta alguns efeitos que a tornam grave e distorcida). Quem não teve a mesma oportunidade foram "Alien Shore" e "The Speed of Love", duas músicas mais melódicas, mas que não chegam a se configurar em baladas (sendo a segunda um pouco longa e repetitiva demais, em um dos poucos pontos baixos do play).

"Between Sun & Moon" retoma a parceria do trio com o poeta Pye Dubois, que já havia colaborado nas letras do grupo em anos anteriores. O belo poema de Pye foi combinado com uma agradável composição, que acabou ficando meio esquecida na memória dos fãs com o passar do tempo. Algo que já não aconteceu com a magnífica instrumental "Leave That Thing Alone", espécie de continuação de "Where's My Thing?", do álbum anterior, e que volta e meia é interpretada no shows do grupo, como ficou registrado no DVD Rush In Rio"Leave That Thing Alone" chegou a ser indicada ao grammy na categoria "Best Rock Instrumental Performance", mas perdeu para "Marooned", do Pink Floyd.


Parte do encarte de Counterparts

Encerrando com a cadenciada "Everyday Glory" (outra de fraca lembrança junto aos seguidores dos canadenses, apesar do belo refrão), Counterparts se tornou o álbum do Rush a alcançar a mais alta colocação na parada dos Estados Unidos na carreira do trio, chegando à segunda colocação da Billboard (o primeiro lugar ficou para Vs, do Pearl Jam), sendo certificado como disco de ouro nos EUA e disco de platina no Canadá, e é, em minha opinião, o melhor trabalho do grupo desde o citado Signals, não tendo sido superado desde então na discografia dos canadenses até o momento.

A turnê de promoção foi muito bem recebida, sendo que um dos shows (ocorrido no Palace, em Auburn Hills, Michigan, em 22 de março de 1994) seria transmitido pela televisão, sendo facilmente encontrado no youtube hoje em dia. Este mesmo registro ganhou há pouco uma edição em DVD (bootleg), lançada no Brasil pela gravadora USA Records, da qual recomendo que os apreciadores do grupo se afastem, devido à baixa qualidade tanto de imagem quanto de áudio, bem como a diversas falhas na hora de "montar" o menu do mesmo, alem da edição deplorável de algumas partes do show, como a exclusão das falas de Lee entre as músicas. Algo que a banda nunca aprovaria, em uma falta de respeito e preocupação com os fãs do Rush que os canadenses certamente não tiveram quando lançaram Counterparts, este sim, totalmente recomendável.


Contracapa da versão em CD

"My counterpart - my foolish heart; a man must learn to gently dominate"

Track List:

1. "Animate"
2. "Stick It Out"
3. "Cut to the Chase"
4. "Nobody's Hero"
5. "Between Sun and Moon"
6. "Alien Shore"
7. "The Speed of Love"
8. "Double Agent"
9. "Leave That Thing Alone"
10. "Cold Fire"
11. "Everyday Glory"

Izzy Stradlin - River [2001]


Por Micael Machado

Mesmo em seus tempos de Guns and Roses, era fácil perceber que a "praia" musical do guitarrista Izzy Stradlin era diferente da de seus companheiros de banda. Se Axl e Slash sempre apreciaram canções no estilo do Aerosmith, o músico nascido na cidade de Lafayette, no estado americano de Indiana, parecia curtir mais uma sonoridade a la Rolling Stones, e até com um pezinho no southern rock, como se percebe em algumas músicas de sua autoria quando integrante do grupo, como "You Ain't the First", "Bad Obsession", "14 Years"  "Double Talkin' Jive" ou a própria balada "Patience". Ao deixar a banda em 1991, Izzy (que também assumiu o vocal principal de suas canções) se viu livre para criar as melodias que queria, primeiro com o apoio do Ju Ju Hounds (com quem gravou apenas um aclamado disco em 1992), e depois abrindo espaço a seu lado para outros parceiros.

River é seu quarto álbum solo, o terceiro a contar com Duff McKagan, outro ex-gunner, no baixo, e o quarto com a colaboração do guitarrista solo Rick Richards, ex-membro do Georgia Satellites, e que também integrou o Ju Ju Hounds. Com o line up completo pelo baterista Taz Bentley e o lendário tecladista Ian McLagan (ex-Faces e Small Faces, além de acompanhante em turnês dos Rolling Stones), é um disco simplesmente de rock and roll, perfeito para ouvir com uma cerveja gelada na mão e a expectativa da mais pura diversão musical.

Detalhe do encarte do CD

São assim faixas como as agitadas "Jump In Now" (com destaque para a dupla de guitarristas) e "Get Away" (onde o teclado chama as atenções), além das estradeiras "Head On Out" (com um toque de Rolling Stones no arranjo), "What I Told You" e "Underground" (um pouco mais pesada que as demais), músicas que, apesar do arranjo simples e da execução sem muitas firulas, agradam ao ouvinte logo de cara, lembrando um tempo onde o rock não tinha por intenção revolucionar o mundo, mas apenas divertir e alegrar a quem o ouvisse.

A faixa título e "Far Below Me Now" tem um toque de southern rock no arranjo, algo que, como dito, já havia aparecido antes na carreira do músico, assim como o reggae, que aqui aparece na forma de "Run-In" (mais "malemolente") e "Shall Walk" (espécie de versão "enfumaçada" da citada "Underground"), que soam surpreendentemente agradáveis tendo em vista os músicos envolvidos. O track list ainda possui a acústica "Feelin’ Alright", uma semi-balada com um toque country e refrão empolgante, que encerra o álbum com um clima "para cima" muito agradável.

Contracapa do CD

Izzy continuou em carreira solo após River, recusando convite para juntar-se ao então iniciante Velvet Revolver (grupo que conta com Slash, Duff e Matt Sorum, todos ex-membros do Guns), e até fazendo algumas aparições em shows de sua ex-banda famosa alguns anos depois. Outros sete discos foram lançados desde então (muitos apenas pelo iTunes, outros apenas no Japão), apesar do guitarrista se manter meio que afastado dos holofotes na maior parte do tempo. Mas sua ausência da mídia não tem muita importância, afinal, de um músico com tanto talento, não se espera escândalos ou assuntos mais adequados a colunas sociais e de fofocas, mas sim grandes e empolgantes músicas. E, isso, Izzy é mestre em fazer!

"It all comes right back, you'll see / And when it does then it will be"

Track List:

01. Jump In Now

02. Head On Out

03. River

04. Far Below Me Now

05. What I Told You

06. Get Away

07. Underground

08. Shall Walk

09. Run-In

10. Feelin’ Alright

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Review Exclusivo: Humberto Gessinger (Porto Alegre, 04 de outubro de 2013)


Por Micael Machado

O cantor e multi-instrumentista Humberto Gessinger sempre foi a alma e a voz dos Engenheiros do Hawaii, sem dúvidas o grupo gaúcho de rock que mais reconhecimento recebeu até hoje. Depois de quase trinta anos de carreira, e de participar de projetos como o Humberto Gessinger Trio ou o Pouca Vogal, o também escritor resolveu se lançar em carreira solo, com a gravação do disco Insular, que teve show de lançamento na última quinta feira, em um auditório Araújo Vianna praticamente lotado na cidade de Porto Alegre.

Sem banda de abertura, às 21:05h (apenas cinco minutos depois da hora marcada), e durante a execução de uma música andina a título de "intro", Humberto entrou no palco do Araújo acompanhado de Rafael Bisogno (bateria e percussão) e Rodrigo "Esteban" Tavares (guitarras e vocais, ele que já foi baixista da banda Fresno, e hoje também toca no projeto Esteban). Iniciando os trabalhos com "Tudo Está Parado", principal single do novo álbum (e que, curiosamente, já havia recebido uma versão anterior pelo Jota Quest), o trio logo emendou uma versão diferente (mas não tão desconhecida) de "Toda a Forma de Poder", mostrando que, apesar de assinar o show com seu próprio nome, a principal criação musical do dono da noite não seria deixada de lado. Após anunciar seus colegas de palco e a si mesmo, Humberto iniciou uma sequência sem interrupções que iniciou com as "quase clássicas" "A Montanha" e "Até o Fim" (a primeira a agitar a plateia, que cantou junto quase toda a letra), para encerrar com o "lado B" "Armas Químicas & Poemas". Quinze minutos que empolgaram a todos, e mostravam que a noite prometia!

O melhor de ter assistido a uma apresentação solo de Humberto (que, ao longo do espetáculo, se dividiu entre baixo, teclados, harmônica, acordeão e guitarra, esta em um lindo instrumento de dois braços cujo outro era um baixo fretless) e não a um show dos EngHaw foi a possibilidade de conferir canções que, normalmente, não constariam em um set list normal do cantor. Destas, a maior surpresa foi, sem dúvidas, "A Violência Travestida Faz Seu Trottoir", registrada no lado B do disco O Papa é Pop, e que, para mim, foi o ponto alto da noite, além de, surpreendentemente, ter sido reconhecida por boa parte dos presentes, mostrando que poucos estavam ali apenas pelo "evento", e que a maioria do pessoal era composto por aqueles que acompanham de perto a obra do músico, que às vezes é tratado com um certo deboche por seus detratores, devido a suas letras de tons "messiânicos", que agradam tantos quantos aqueles que as detestam. Como estou no time dos que apreciam o trabalho de Gessinger, não tive problema algum em ouvir faixas como "Surfando Karmas & DNA", "A Revolta dos Dândis I" (que teve citações à letra da segunda parte), "3x4", "O Exército de Um Homem Só I" (emendada à parte 2) ou "De Fé", que até poderiam ser conhecidas pelos fãs presentes ao auditório, mas soaram como "novidades" em meio a tantas outras composições consagradas que (felizmente, me atrevo a dizer) foram preteridas na noite, como "Infinita Highway", "O Papa é Pop" ou "Era Um Garoto...".

O trio no palco, em foto retirada dá página oficial de Humberto Gessinger no facebook

Não que tenham faltado hits. Pouco a pouco, HG e seus comparsas iam soltando "Somos Quem Podemos Ser", "Vida Real" ou "Prá Ser Sincero", para alegria daqueles que não faziam parte do séquito de seguidores do porto-alegrense, os quais, durante boa parte das canções menos conhecidas, preferiam conversar e tirar fotos (ou até mesmo gargalhar em alto e bom tom) a curtir o espetáculo, em uma atitude ridícula mas, infelizmente, bastante comum em espetáculos como este, que atrai um público que normalmente não está acostumado a frequentar este tipo de apresentação. Uma das muitas alterações de improviso que o cantor normalmente faz em suas letras durante os shows (pequenas trocas que transformam versos consagrados em novidades únicas), feita no meio da citada "...Exército...", me pareceu, aqui, dedicada especialmente a este tipo de gente: "Não importa se só ouvem a primeira frase da canção, a gente escreve o resto sem muita pressa". Outras alterações viriam em "Eu Que Não Amo Você", que ganhou um "Porto Alegre é meu lugar", "Terra de Gigantes" ("tem uns gaúchos cantando comigo", "Porto Alegre é uma ilha"), "Piano Bar" (onde quem "deu razão" ao vocalista no "táxi que me trouxe até aqui" foi Renato Russo, em citação que, particularmente, me agradou muito) ou "De Fé", onde Esteban cantou "só tenho vocês", se dirigindo ao público, ao invés de à musa inspiradora da canção.

Esteban, aliás, foi a grande revelação da noite. Apesar de originalmente baixista, o músico mandou muito bem na guitarra, especialmente nas músicas mais antigas dos Engenheiros, onde conseguiu a dificílima proeza de não nos fazer sentir falta de Augusto Licks, interpretando suas frases com talento e dedicação. Além disso, ainda demonstrou competência nos backing vocals, e chegou a assumir o microfone em faixas como "Tchau Radar, A Canção", a citada "De Fé" ou outra canção inesperada, uma versão para "O Sonho é Popular", mais uma que dificilmente seria escolhida para aparecer em um show da banda que a registrou. Rafael também foi bastante competente, tanto na bateria quanto no bumbo leguero (instrumento tradicional da música latino-americana), e, por estranho que pareça, não chegou a parecer deslocado o fato de tocar pilchado durante a noite inteira (com direito a calçar botas de cano longo e usar um reluzente lenço vermelho no pescoço). Só o tempo dirá se esta dupla terá uma longa duração ao lado de Gessinger (no disco solo, vários músicos participam), mas, pelo menos nesta apresentação, se mostrou mais do que satisfatória.

Já que citei Insular, o álbum, como não poderia deixar de ser, teve várias faixas interpretadas ao longo do espetáculo. As mais "importantes" foram as que contaram com os convidados especiais (assim como as respectivas versões de estúdio) Luiz Carlos Borges (músico tradicionalista do RS, e que participou com seu acordeão e sua voz de "Recarga"), Nico Nicolaiewsky (mais conhecido pela sua participação na dupla Tangos e Tragédias, e que também colocou acordeão e voz em "Segura a Onda DG") e Bebeto Alves (lenda do rock gaúcho que nesta noite cantou com Humberto "A Ponte Para o Dia"), mas não posso deixar de mencionar as execuções da faixa título, "Sua Graça", "Essas Vidas da Gente" ou "Tchau Radar, A Canção", sobre a qual já comentei antes, todas recebidas com respeito por boa parte do público presente (exceto aqueles poucos aos quais me referi alguns parágrafos atrás).

Após encerrar a parte regular com a dobradinha "Exército I e II", o trio voltou para um rápido bis com "Dom Quixote" e "Refrão de Bolero" (onde, no refrão, HG voltou a pronunciar o nome da inspiradora da canção, ausente da letra há anos durante os shows do EngHaw), e se retirou do palco ao som de outra faixa com sonoridades andinas ressoando no sistema de som. Mas o público não arrastou pé do auditório, fazendo com que Humberto retornasse ao palco sozinho, para interpretar ao acordeão a linda "Parabólica". Com Esteban e Rafael de volta, tocaram a citada "De Fé" (com uma escolha de instrumentos bastante curiosa para um show de rock: violão, acordeão e bumbo leguero), para HG então anunciar "Ando Só", ao que parece, atendendo ao pedido de um fã, a qual finalmente encerrou a noite após quase duas horas de uma apresentação que ficará marcada na memória de muitos que ali estiveram.

Vista geral do auditório, em foto retirada dá página oficial de Humberto Gessinger no facebook

Para encerrar, alguns registros fora do espectro musical. O primeiro é um elogio à equipe da loja virtual Stereophonica, que montou uma "lojinha" de souvenirs no local abarrotada de itens interessantíssimos para os fãs (apesar dos salgados preços), como camisetas que remetiam a várias fases da carreira de Humberto, livros de autoria do músico, canecas com estampas relacionadas aos grupos por onde ele passou, chaveiros e até um calendário personalizado, os quais atraíram muitos dos presentes ao auditório nesta noite. Depois, gostaria de fazer uma crítica ao pessoal da administração do Araújo Vianna, local histórico de espetáculos memoráveis na capital gaúcha, mas que, depois da longa reforma pela qual passou, ficou com o inconveniente de ter cadeiras de um tamanho muito reduzido para quem está, digamos assim, "acima do peso". Aparentemente sabedores do problema, os arquitetos reservaram, de tanto em tanto, assentos "especiais" para obesos, os quais são indicados no mapa do local na hora da compra. Tudo estaria muito bem se, nesta noite ao menos, TODOS os locais reservados estivessem ocupados por pessoas que não tinham a necessidade de estar ali, obrigando quem precisava (como é o meu caso) a se apertar em um assento "normal". Felizmente, após muito diálogo e conversações, consegui assistir ao espetáculo de um local confortável, mas tenho certeza que muitos "gordinhos" não conseguiram o mesmo, e tiveram de se espremer em suas cadeiras para conseguir ver o show, enquanto as cadeiras reservadas a eles eram ocupadas por pessoas de peso dentro do considerado "normal" por quem as projetou.

Um último aspecto, e me perdoem se estou sendo chato ou repetitivo, diz respeito ao mau comportamento de boa parcela do público. Além das conversas paralelas e das gargalhadas que citei antes, pegou muito mal o excessivo uso de celulares e filmadoras durante o show (alguns respeitavam o limite entre registrar o espetáculo e incomodar quem estava logo atrás, mas a maioria parecia nem ligar), o "vai e vem" de pessoas pelos corredores do auditório no meio do show (atrapalhando não só quem estava na fileira por onde o caminhante passava, mas aqueles que estavam atrás, mesmo que distantes) e alguns sem noção que falavam ao celular durante as canções! Não consigo entender este tipo de gente que paga um caro ingresso para uma apresentação musical e simplesmente a ignora, não fazendo jus ao que pagou e não deixando quem quer se divertir aproveitar o momento. Acho isto um fato lamentável assim como alguns mais eufóricos que passaram a noite pedindo "Infinita Highway", "Era um Garoto..." ou "Anoiteceu em Porto Alegre" (este último sujeito, especialmente, particularmente irritante), dentre outras. Foi para estes que Humberto se dirigiu, a certa altura e de forma bastante irônica, com a frase "tocaremos todas estas e sairemos daqui na semana que vem", o que causou uma explosão de contentamento por parte do pessoal, que, obviamente, não entendeu a crítica feita pelo cantor. É este tipo de público que consegue estragar o prazer de assistir uma apresentação impecável como a desta noite, e  que torna o ato de frequentar um show cada vez mais decepcionante! Infelizmente, ao invés de ficar em casa assistindo um DVD, eles são a maioria dos frequentadores de apresentações de artistas mais "populares" (como é o caso de Gessinger), e parece que não irão se conscientizar tão cedo!

Este que vos escreve, aproveitando os produtos da "lojinha" da Stereophonica

Mas, como diria a canção, "eu não vim até aqui para desistir agora", por isso, ainda os enfrentarei muitas vezes, mesmo que eu tenha de ser um "exército de um homem só"! Por espetáculos como o desta noite, certamente, vale a pena!

Set List:

1. Tudo Está Parado
2. Toda Forma de Poder
3. A Montanha
4. Até o Fim
5. Armas Químicas & Poemas
6. Recarga
7. Surfando Karmas & DNA
8. Eu Que Não Amo Você
9. Sua Graça
10. A Revolta dos Dândis I
11. Segura a Onda DG
12. Somos Quem Podemos Ser
13. Insular
14. Terra de Gigantes
15. A Ponte Para o Dia
16. A Violência Travestida Faz Seu Trottoir
17. Piano Bar
18. 3x4
19. Tchau Radar, A Canção
20. Vida Real
21. Prá Ser Sincero
22. Essas Vidas da Gente
23. O Exército de Um Homem Só I/O Exército de Um Homem Só II

Bis:

24. Dom Quixote
25. Refrão de Bolero

Segundo Bis:

26. Parabólica
27. De Fé
28. O Sonho é Popular
29. Ando Só

sábado, 5 de outubro de 2013

Cinco Discos Para Conhecer: O Rock Gaúcho dos anos 1980


Por Micael Machado
Arte por Pablo Ribeiro

O 20 de setembro de 1835 marca o início da Revolução Farroupilha, data até hoje lembrada e comemorada no Rio Grande do Sul. Com cinco colaboradores gaúchos, e (afirmo pretensiosamente) centenas de leitores identificados com o estado, seja por afeição ou nascimento, este post vem trazer algumas novidades para aqueles que pensam que no RS apenas Engenheiros do Hawaii e Nenhum de Nós pegaram "em armas" durante a explosão do Rock Brasileiro nos anos 80 do século passado. Cinco discos (sendo três coletâneas, os famosos "paus-de-sebos" da época) que repassam bem o panorama da época, servindo de apresentação do rock gaúcho a quem não o conhece, e uma forma de relembrar os "bons tempos" para aqueles que viveram a época!

Quero também afirmar que este post não tem nenhuma intenção de ofender os outros estados da Nação ou seus habitantes, muito menos passar a ideia de que o Rio Grande do Sul seja de alguma forma melhor do que os outros. Aqui no Consultoria do Rock, sempre falamos de bandas de todas as partes do país (e de fora) com o mesmo respeito, pois acreditamos que exista apenas música boa e música ruim, independente do estilo ou de onde foi feita! Da mesma forma, ele serve como homenagem aos "gaúchos e gaúchas de todas as querências" (como diria um famoso apresentador da TV local) nesta data marcante, e para aqueles que gostam de rock "do bom", independente de onde ele tenha sido composto!

Dando sequência à matéria de hoje, amanhã o Consultoria do Rock irá apresentar diversas bandas praticamente desconhecidas do rock feito no Rio Grande do Sul, complementando assim esta edição da coluna "Cinco Discos Para Conhecer"!

Com vocês, cinco discos para conhecer o rock feito "Longe Demais das Capitais"!

Vôo Livre - Vôo Livre [1981]

Surgido no final dos anos 1970, este trio da cidade de Pelotas se mudou para Porto Alegre no começo da década seguinte, e lançou em 1981 este que é considerado o primeiro disco de rock totalmente gravado e produzido na capital gaúcha. Com muitas influências do rock setentista em suas seis faixas, destaco as longas instrumentais "PZ4429" (que parece sintetizar as influências do grupo, com partes de fusion, hard rockprogressivo e até blues) e "Viagem" (que tem cara de hard rock dos anos setenta), sendo que "Hey" e "Pôr Do Sol" lembram as faixas mais "roqueiras" do Terço e dos Mutantes em suas fases dedicadas ao rock progressivo. "Visão" tem traços mais progs, com um belo solo de guitarra ao final, e "Chuva Forte" equilibra os lados hard e prog do grupo. O vinil original virou uma raridade, mas a gravadora Editio Princeps lançou uma edição remasterizada em CD do mesmo em 2011, acrescendo duas faixas bônus resgatadas das sessões para o que seria o abortado segundo disco do trio em 1985 ("Vôo Livre" e "Chamada A Cobrar"), além de "Tempo Futuro", música retirada da também rara coletânea Porto Alegre/Rock, lançada no mesmo ano de 1985.

Faixas:

01. Hey 
02. Visão 
03. Viagem
04. Chuva Forte 
05. PZ4429 
06. Pôr Do Sol 
07. Vôo Livre [Faixa bônus na edição em CD] 
08. Chamada A Cobrar [Faixa bônus na edição em CD] 
09. Tempo Futuro [Faixa bônus na edição em CD]

Rock Garagem [1984] 


Produzida por Ricardo Barão, que era apresentador da então iniciante Rádio Ipanema FM (sem dúvidas a mais importante rádio rock da capital gaúcha), e sempre dava uma força para as bandas locais em seus programas, esta coletânea foi a primeira oportunidade de ter uma música gravada para dez grupos que se destacavam na cena de Porto Alegre, e traz uma interessante mistura de estilos, como o blues de Moreirinha e Seus Suspiram Blues, a new wave do Fluxo (com toques de pós-punk) e do Urubu Rei (que registrou aqui o clássico cult "Nega", e tinha nos vocais Carlos Eduardo Miranda, que depois viraria crítico e empresário musical, sendo um dos responsáveis pelo lançamento dos Raimundos), o rock a la Stones dos Garotos da Rua e do Taranatiriça (que contava com os vocais de uma lenda do rock gaúcho, Alemão Ronaldo, ex-Bixo da Seda e futuro Bandaliera), o punk básico d'Os Replicantes e o heavy metal de Frutos da Crise, Valhala, Leviaethan (que, como todos os outros grupos presentes na bolachinha, tinha na época letras em português, mas depois passaria a cantar em inglês, e registraria dois dos melhores discos do metal gaúcho, Smile, de 1990, relançado em CD em 2012, e Disturbed Mind, de 1992) e Astaroth (que comparece com "Deuses Vencidos", depois incluída no LP Na Luz da Conquista, do ano seguinte, clássico do heavy metal gaúcho, relançado em CD em 2011). Poucas bandas conseguiram manter uma carreira constante após este lançamento, mas ele é um marco por ter sido idealizado, produzido, gravado e lançado por uma rádio (a citada Ipanema FM) e uma gravadora (a ACIT) totalmente gaúchas, sem interferências e influências do centro do país. No ano seguinte, sairia o segundo volume, e, já nos anos 1990, um terceiro, este voltado para as bandas que estavam surgindo na época.

Faixas:

01. Rockinho (Taranatiriça)
02. Nega (Urubu Rei)
03. Levaram Ele (Garotos da Rua)
04. Nosso Amor Dançou (Fluxo)
05. Expresso dos Blues (Moreirinha e Seus Suspiram Blues)
06. Deuses Vencidos (Astaroth)
07. Satânica Viagem (Frutos da Crise)
08. Terra de Ninguém (Valhala)
09. Guerreiros das Ruas (Leviaethan)
10. Principio do Nada (Os Replicantes)


Rock Grande do Sul [1985]

Este é considerado o disco que possibilitou que o rock gaúcho atravessasse as fronteiras do estado em direção ao resto do país! Lançada em 1985 pela gravadora multinacional RCA, esta coletânea foi uma forma do selo testar a popularidade de alguns artistas gaúchos em que pensava investir. Assim, foram selecionados os novatos Engenheiros do Hawaii (que aqui comparecem com "Sopa de Letrinhas" e "Segurança", em versões diferentes das presentes no disco de estreia, Longe Demais das Capitaisdo ano seguinte), DeFalla (aqui mais próximos do rock inglês e do punk, sendo que o grupo seguiria diversas tendências ao longo da carreira, chegando a registrar de heavy metal funk carioca em sua discografia), TNT (com seu rock com toques de anos 50), Os Replicantes (com a primeira versão do hino "Surfista Calhorda") e Garotos da Rua (com outro hino do rock gaúcho, "Tô de Saco Cheio") - sendo que estas duas últimas também estavam presentes na coletânea citada acimaCom a repercussão e o sucesso do disco, todas as bandas acabaram tendo suas estreias "solo" lançadas pelo selo no ano seguinte (menos o Defalla e o TNT, que tiveram seus primeiros full lenghts lançados apenas em 1987), sendo que, inegavelmente, os Engenheiros foram os que conquistaram mais sucesso a nível nacional, embora as demais sejam cultuadas até hoje no Rio Grande do Sul!

Faixas:

01. Sopa de Letrinhas (Engenheiros do Hawaii)
02. Surfista Calhorda (Os Replicantes)
03. Entra Nessa (TNT)
04. Sozinho Outra Vez (Garotos da Rua)
05. Você Me Disse (DeFalla)
06. Tô de Saco Cheio (Garotos da Rua)
07. Segurança (Engenheiros do Hawaii )
08. Estou na Mão (TNT)
09. Instinto Sexual (DeFalla)
10. A Verdadeira Corrida Espacial (Os Replicantes)

Rio Grande do Rock [1988] 


Talvez a última coletânea realmente relevante lançada nesta década, este disco traz uma "segunda geração" do rock gaúcho, criada a partir do sucesso obtido pelas bandas presentes nos "paus-de-sebos" abordados acima. Com a presença do estilo totalmente particular de Julio Reny & Expresso Oriente, a estreia do rock safado d'Os Cascavelletes, a new wave da Prize e o pós-punk do Apartheid (cujas duas faixas lembram muito o The Cure pré-1985) e da Justa Causa (que depois penderia mais para o hard rock em suas músicas), serviu para mostrar que as sementes plantadas três ou quatro anos antes começavam a dar frutos, e que o rock gaúcho já tinha condições de gerar e manter bandas de muita qualidade, fato que só continuou nos anos e décadas seguintes!

Faixas:

01. Expresso Oriente (Julio Reny & Expresso Oriente)
02. Roleta Russa (Apartheid)
03. Forças do Interesse (Prize)
04. Exilados (Justa Causa)
05. Estou Amando Uma Mulher (Os Cascavelletes)
06. Morte Por Tesão (Os Cascavelletes)
07. Status (Justa Causa)
08. Críticos (Apartheid)
09. Anita (Julio Reny & Expresso Oriente)
10. Brasil (Prize)

Bandaliera - Ao Vivo [1991]

Apesar de formada nos anos 1980, a Bandaliera teve apenas um EP com quatro faixas lançado naquela década, sendo que este é seu primeiro full lenght. Registrado na lendária Taj Mahal (famosa casa de shows da época na capital gaúcha), Bandaliera - Ao Vivo é considerado o primeiro disco ao vivo de rock gravado e produzido no RS (o Engenheiros já havia lançado Alívio Imediato em 1989, mas o álbum foi gravado no Rio de Janeiro), e traz clássicos do porte de "Campo Minado" e "Nosso Lado Animal" (única do primeiro EP a comparecer na bolachinha). O hard rock com toques de Stones perpetrado pelo grupo aparece bem na mais pesada "Via A Sua Imagem", em "Arreda" e "Nova América" (que conta até com linhas de sax em seu arranjo), além de o disco ainda ter espaço para a balada "Viva a Nossa Vontade", que chegou a ser bem executada nas rádios gaúchas. A versão em CD conta com uma faixa escondida, na verdade um solo de quase quatro minutos do saudoso guitarrista Marcinho Ramos, falecido em 1994. Com diversas formações, mas sempre com o lendário Alemão Ronaldo à frente, o grupo seguiu uma carreira constante ao longo da última década do século passado, com o cantor depois partindo para uma carreira solo, sem nunca esquecer de executar em seus shows os grandes hits de sua mais importante criação!

Faixas:

01. Via A Sua Imagem
02. Tempo Feiticeiro
03. Erosão
05. Caminhos e Algo Mais
06. Arreda
07. Nova América


Ao longo da década de 1990 e de todo o século XXI, o Rio Grande do Sul seguiu produzindo rock de qualidade, em diversos estilos. Grupos como Apocalypse, Poços e Nuvens, Van Züllath, Raiz de Pedra, Panic, Krisiun, Hangar, Sceleratta, Tequila Baby, Procurado Vulgo, Reação em Cadeia, Pata de Elefante, Ultramen, Cidadão Quem, Maria do Relento, Papas da Língua, Comunidade Nin-Jitsu e infindáveis outros deram sequência a uma estrada iniciada lá atrás pelo Liverpool e o Bixo da Seda, e que ainda hoje é trilhada por muitos gauchinhos iniciantes em seus instrumentos, dispostos a atravessar as fronteiras do estado "detonando o rock and roll", como dizia o hino da Bandaliera! Força a todos eles! 

Estamos longe demais das capitais!