domingo, 9 de fevereiro de 2025

Children Of Bodom – A Chapter Called Children Of Bodom [2023]

Por Micael Machado

A banda finlandesa Children Of Bodom realizou seu último show no dia 15 de dezembro de 2019, na capital de seu país natal, Helsinque. A apresentação teve seu áudio lançado quatro anos depois, em dezembro de 2023, com o nome A Chapter Called Children Of Bodom (Final Show In Helsinki Ice Hall 2019), disco que saiu nas versões em vinil duplo (lá fora) e CD (sendo que a edição nacional foi lançada pela união das gravadoras Wikimetal Music e Oporto Da Música), além das hoje obrigatórias "plataformas digitais". Em novembro daquele ano, uma nota oficial havia sido divulgada afirmando que esta seria a última performance do grupo, com a banda se separando logo em seguida. Apesar disto, os membros do quinteto - a saber, o vocalista/guitarrista Alexi Laiho  (morto em 2020, e para quem o disco é dedicado), o também guitarrista Daniel Freyberg, o tecladista Janne Wirman, o baixista Henkka Seppälä e o baterista Jaska Raatikainen - fizeram uma apresentação que, pelo que se ouve na gravação, foi digna da carreira do grupo, com o lançamento do disco sendo, como declarou Freyberg em uma nota publicada no site Blabbermouth, em outubro de 2023, "para aqueles que compareceram, uma viagem no tempo de volta àquele momento. E para aqueles que não foram, uma oportunidade de vivenciar como o capítulo chamado Children Of Bodom foi encerrado". Na mesma nota, Wirman disse que "foi surreal estar naquele palco do Helsinki Ice Hall, pois eu sabia que provavelmente nunca mais tocaria com os caras nem me apresentaria para os incríveis fãs", enquanto Raatikainen acrescentou que "quando subi no palco, me senti calmo, provavelmente porque não sentia mais a necessidade de provar nada, mas sim de curtir a música e a presença de todos os fãs. Eu estava muito grato por ter feito parte de tudo isso, sabendo que nossa música não desapareceria mesmo se nunca mais tocássemos juntos". A plateia presente, aparentemente, também fez bem sua parte, embora sua participação não apareça com tanto destaque assim na gravação (pelo menos durante as canções).

Um dos expoentes mundiais do chamado "Death Metal melódico", o COB (como é muitas vezes chamado pelos fãs) lançou dez discos em vinte e dois anos de carreira, e todos eles estão representados ao menos por uma faixa em A Chapter Called Children Of Bodom, com destaque para Hate Crew Deathroll, de 2003 (que tem quatro músicas representadas no show), e Follow the Reaper, de 2000, do qual aparecem três faixas. Do disco que a banda promovia então, Hexed, daquele mesmo ano de 2019, aparecem duas faixas, "Under Grass And Clover" e "Platitudes And Barren Words", logo no início da apresentação. A partir de "In Your Face", começa então o "passeio" pela discografia do quinteto, o qual só vai se encerrar com "Downfall", faixa do segundo álbum, Hatebreeder (de 1999), totalizando pouco mais de setenta e sete minutos de música.

Contracapa da versão em vinil de A Chapter Called Children Of Bodom

Como o COB não era "chegado" a muitas mudanças ou improvisos no palco (pelo menos nesta turnê, onde os famosos "duelos" entre guitarra e teclado e os solos de bateria ou teclados foram substituídos por músicas "efetivas", ao que se ouve no álbum), é na força do repertório e das composições do quinteto que o disco se sustenta. Desta forma, fica difícil criticar um álbum que conta, em seu track list, com "clássicos" como "Everytime I Die" (precedida aqui por uma nova introdução bastante sombria e interessante), "Follow The Reaper", "Needled 24/7", "Hate Me!" ou "Lake Bodom", além daquela que é, possivelmente, a minha música favorita na discografia do COB, a "balada" "Angels Don't Kill" (que nem é tão lenta assim, mas, perto de suas colegas de set list, passa a impressão de ser uma leve "musiquinha romântica"). Ainda que alguns dos últimos discos do grupo não chamem tanto minha atenção quanto os do início de sua carreira, a banda teve a "sacada" de escolher faixas bem representativas de álbuns menos "interessantes" (ao menos para mim), optando normalmente pelas faixas título destes discos, com destaque para "Are You Dead Yet" e "Blooddrunk", que surgem em sequência lá pelo meio da apresentação.

Como escrito acima, a banda se separou pouco depois desta apresentação, com Laiho montando o Bodom After Midnight (ao lado de Daniel Freyberg) no ano seguinte, vindo a morrer em 29 de dezembro daquele mesmo 2020, de problemas no fígado e no pâncreas causados por anos de abuso de uso de álcool, deixando para trás um legado que, como preconizou Raatikainen, certamente não desaparecerá tão cedo da memória de seus fãs. Dos outros membros do grupo, aparentemente apenas Janne Wirman segue na ativa, tendo lançado também em 2023 o sexto álbum de seu projeto Warmen, intitulado Here for None, sendo que não obtive mais informações sobre a carreira pós-COB de seus outros integrantes. 

Contracapa da versão em CD de A Chapter Called Children Of Bodom

Ainda que alguns "fade outs" aqui e ali possam indicar que a íntegra da apresentação daquela noite não está presente neste disco (e, obviamente, alguns ajustes posteriores de estúdio devam ter sido feitos - embora, se ocorreram, não são tão evidentes assim), A Chapter Called Children Of Bodom (Final Show In Helsinki Ice Hall 2019) serve como uma celebração da carreira de uma das mais interessantes bandas de heavy metal em ação nas duas primeiras décadas deste século (mesmo que seus melhores álbuns ainda tenham sido lançados no século XX), e, para quem curte a banda (ou o próprio death metal melódico que ela representou tão bem) é mais do que indicado. Tive a chance de assistir a uma apresentação do grupo em Porto Alegre no ano de 2004, e até hoje considero este um dos grandes shows a que assisti. A audição do concerto representado neste disco (por vários motivos, a maioria sentimentais) pode não ser tão intensa e satisfatória quanto a daquela noite, mas, certamente, não é algo a ser desprezado. Longa vida aos "ceifadores" do Lago Bodom!

Track List

1. Under Grass And Clover

2. Platitudes And Barren Words

3. In Your Face

4. Shovel Knockout

5. Bodom Beach Terror

6. Everytime I Die

7. Halo Of Blood

8. Are You Dead Yet

9. Blooddrunk

10. I Worship Chaos

11. Angels Don't Kill

12. Follow The Reaper

13. Deadnight Warrior

14. Needled 24/7

15. Hate Me!

16. Hate Crew Deathroll

17. Lake Bodom

18. Downfall

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Dream Widow – Dream Widow [2022]


Por Micael Machado

The Blues Brothers (Saturday Night Live, The Blues Brothers), The Commitments (The Commitments - Loucos pela Fama), The Wonders (The Wonders - O Sonho Não Acabou), Steel Dragon (Rock Star), Stillwater (Quase Famosos), The Lone Rangers (Airheads: Os Cabeças-de-Vento), Citizen Dick (Singles: Vida de Solteiro), são todas bandas fictícias criadas para filmes de Hollywood que acabaram tendo músicas reais lançadas nas trilhas sonoras de suas respectivas películas. Algumas chegaram até a gravar discos inteiros (tocados/cantados pelos próprios atores, ou por músicos contratados para tal), outras até a sair em turnês. A Dream Widow é mais um destes casos, "surgindo" para o mundo no filme Studio 666 (no Brasil, "Terror no Estúdio 666"), de 2022, uma mistura de comédia com terror (ou "terrir", como o gênero é conhecido em nosso país) protagonizada pela banda Foo Fighters, baseada em uma história criada pelo vocalista e guitarrista Dave Grohl.

Resumidamente, o roteiro do filme é o seguinte: o Foo Fighters se muda para uma mansão assombrada (sem saber que era assombrada) para gravar o que viria a ser o décimo álbum da banda. Depois de achar umas fitas de uma banda que gravou anteriormente no local (a Dream Widow - como curiosidade, a atriz que interpreta a baterista da banda é a hoje reconhecida Jenna Ortega, que participa de Wandinha, X e Beetlejuice Beetlejuice, dentre outros) e que acabou assassinada na casa (coisa que o FF também não sabe), Dave Grohl acaba possuído por uma entidade, que quer gravar uma música que vai “abrir um portal” para os demônios invadirem o mundo. Essa entidade também já havia possuído o ex-líder da Dream Widow, o cantor Greg Nole, levando-o a assassinar todos os membros do seu grupo e a se suicidar logo em seguida, antes que o disco de sua banda fosse concluído. Tomado pelo “coisa ruim”, Dave convence o resto do grupo de que o disco dos FF deve ter apenas uma música, instrumental, que no início deve ser "interminável", depois é "reduzida" para a duração de um CD triplo, com a banda finalmente concordando em uma "versão final" que dure por volta de 45 minutos (sendo esta a tal música que abriria o tal portal). A banda passa um bom tempo do filme compondo e gravando a sua “obra prima”, mas as dificuldades do sexteto em arranjar, tocar e finalizar a canção (que, além de tudo, foi composta baseada em um acorde inexistente, o L#, ou "L sustenido", sendo que as notas musicais são representadas apenas pelas letras de A a G) acabam "irritando" a entidade, e a partir daí acontecem diversos eventos que recomendo assistirem à película para saberem melhor do que se trata.

Dave Grohl "possuído" no filme Studio 666

Acontece que, quase ao mesmo tempo do lançamento do filme, Grohl divulgou também, nas "plataformas digitais", o que seria o "álbum perdido" da Dream Widow, que contém oito faixas compostas e interpretadas por ele (nos vocais, baixo, guitarras e baterias), sendo que cinco delas contam com a participação do músico Jim Rota (guitarrista do Fireball Ministry) nos solos de guitarra, e outras possuem as participações de Rami Jaffee (do próprio Foo Fighters) ou de Oliver Roman (que tocou com Dave no projeto Dee Gees, além de também gravar com o The Used e o Lamb Of God, dentre outros) nos teclados. Apesar de, no filme, a Dream Widow ser citada como uma banda do começo dos anos 1990 (época em que o grunge dominava o mundo da música), a sonoridade da "banda" é basicamente um heavy metal oitentista, com ecos de thrash e death metal em faixas como "Encino" (música com um clima de Slayer antigo ao longo de sua duração de pouco mais de um minuto e meio, e onde Grohl faz uns vocais rasgados que eu nunca pensei ouvir vindos de um músico com ele) ou "March Of The Insane" (que chegou a ganhar um lyric video, e me lembra algumas coisas do Possessed), enquanto a "lentona" "Cold" possui alguns riffs bem pesados (para os padrões de uma banda como o Foo Fighters) e uma "aura" a la Celtic Frost em algumas partes.

A variada "Come All Ye Unfaithful" é uma das únicas que traz um vocal "reconhecível" por parte de Grohl (embora as linhas vocais também contem com umas partes rasgadas ali pelo meio), contrapondo a "The Sweet Abyss", faixa mais "direta", e que possui um refrão que remete ao Ghost, banda que Grohl já produziu (e para quem chegou a gravar partes de bateria e guitarras) no EP If You Have Ghost (chegando também, de acordo com a lenda, a se apresentar ao vivo como um dos Nameless Ghouls). Outra faixa cujo refrão me remete ao Ghost é "Angel With Severed Wings", talvez a que tenha a sonoridade mais "moderna" no track list, e que possui um dos melhores solos de Rota ao longo do álbum. Outro destaque vai para a longa "Becoming" (com mais de sete minutos), que tem uma introdução "climática" que ultrapassa os dois minutos, para cair em um riff pesado e repetitivo que logo remete (outra vez) ao Celtic Frost (sensação aumentada pelos vocais de Grohl), e um refrão com uso de "coral" que soa bastante interessante.

Mas o grande destaque do disco é, sem sombra de dúvidas, sua canção de encerramento. "Lacrimus Dei Ebrius" é a tal "faixa interminável" que deveria "abrir o portal" e liberar o mal no mundo. Infelizmente, a versão "finalizada" desta composição instrumental não conta com os quarenta e cinco minutos insinuados pelo filme, mas "apenas" com pouco mais de dez (!) minutos de duração, onde Grohl compôs uma faixa bem diferente das demais deste disco (mais voltada ao stoner e mais "setentista" do que "oitentista", como suas colegas de track list), com um arrastado riff inicial que remete aos melhores momentos do Black Sabbath setentista, ganhando velocidade a partir de dois minutos (sem perder a "aura" de anos 1970 que carrega), para voltar ao riff inicial, passar por uma parte que novamente remete ao death metal oitentista, e partir daí para diversas variações de velocidade e estilo musical, chegando até mesmo a possuir um trecho acústico mais perto do final. Boa parte da faixa é apresentada ao longo do filme (onde, como escrevi acima, acompanhamos a banda compondo, ensaiando e gravando a canção), mas a "versão finalizada" da música é bem melhor do que a película deixa supor, sendo ela uma das melhores composições de Dave Grohl que eu, particularmente, já ouvi.

Contracapa da versão em vinil de Dream Widow

Embora não seja um disco (ou uma "banda") "de verdade" como outros que Grohl já lançou em sua carreira, este álbum pode, de certa forma, ser considerado uma "continuação" do projeto Probot, também idealizado pelo líder dos Foo Fighters, e que contava com vários de seus ídolos musicais em um dos melhores álbuns de heavy metal lançados neste século (ao menos para mim). O registro completo do Dream Widow ganhou uma versão especial em vinil no Record Store Day de 2022, limitada a doze mil cópias. Se você encontrar uma (ou se quiser apenas conferir as versões digitais), garanto que valerá a audição! Só fique "esperto" caso alguns fatos "sinistros" passem a ocorrer depois de ouvir "Lacrimus Dei Ebrius". Afinal (spoiler do filme adiante), a "entidade" que possuiu Grohl ainda não terminou sua missão!

Track List (versão em vinil):

Lado A
1. Encino
2. Cold
3. March Of The Insane
4. The Sweet Abyss
5. Angel With Severed Wings

Lado B
1. Come All Ye Unfaithful
2. Becoming
3. Lacrimus Dei Ebrius

domingo, 1 de dezembro de 2024

The Allman Brothers Band – Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972 [2024]


Por Micael Machado

Existem vários discos ao vivo no mercado registrando apresentações ao vivo da Allman Brothers Band, seja com o saudoso Duane Allman nas guitarras, seja com as diversas formações que compuseram o grupo depois da passagem de um dos seus músicos mais carismáticos. Porém, há um curto período de tempo na história da banda que, oficialmente, ainda não havia aparecido em disco. São os meses em que o grupo atuou como quinteto entre 1971 e 1972, ou seja, depois da morte de Duane (ocorrida em 29 de outubro de 1971, sendo que, ao que conta a história, o grupo voltaria aos palcos apenas três semanas depois da tragédia) e antes da entrada de Chuck Leavell nos teclados. Neste período, Gregg Allman (vocais e teclados), Dickey Betts (guitarra), Berry Oakley (baixo), Jaimoe (bateria e percussão) e Butch Trucks (bateria) compuseram e gravaram as músicas que fariam parte de Eat A Peach, álbum duplo lançado em fevereiro de 1972, o qual seria o primeiro registro do grupo sem Duane (embora com várias faixas ao vivo registradas ainda com o saudoso guitarrista em shows no Fillmore East ainda em 1971), e excursionou pelos EUA para divulgar o seu então "novo" disco. Pois esta lacuna na história da banda foi sanada em janeiro de 2024, com o lançamento de Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972, álbum que já era "velho conhecido" dos bootleggers de plantão, mas que ganha o mercado em uma versão "oficial" em CD duplo com áudio remasterizado e lançado pela The Allman Brothers Band Recording Company, gravadora responsável ao longo dos anos por resgatar outros registros de importância histórica deste lendário grupo da Flórida.

O repertório do CD compreende as sete faixas já presentes na versão original do sensacional álbum ao vivo At Fillmore East (lançado em 1971) mais duas faixas presentes em Eat A Peach ("Ain't Wastin' Time No More", aqui contando com um trabalho sensacional de Betts no slide, e o cover para "One Way Out", faixa que já era executada ao vivo pelo grupo ainda nos tempos com Duane na formação), além de uma versão para "Midnight Rider" (faixa do segundo registro da ABB, e que só foi aparecer em algumas das versões estendidas de At Fillmore East) e de uma jam improvisada que, apesar de ter quase seis  minutos de duração, é pouco mais que uma introdução, já no bis, para o encerramento do concerto com uma linda rendição de "Hot 'Lanta".

A Allman Brothers Band em 1972: Jaimoe, Dickey Betts, Berry Oakley, Butch Trucks e Gregg Allman

É claro que a maior curiosidade ao escutarmos o CD é saber como a ABB soa no palco sem um de seus principais músicos. Honestamente, os únicos momentos em que senti falta da guitarra de Duane ao longo do disco foram na hora das "guitarras gêmeas" em "In Memory of Elizabeth Reed", e em algumas partes durante os improvisos de "Whipping Post" (que, aqui, assim como em At Fillmore East, passa dos vinte minutos de duração). No restante das faixas, Gregg parece ter ganho mais espaço para solar em seu Hammond B3, e o próprio baixo de Oakley (mixado com um volume bem alto e claro neste registro, o que faz com que o trabalho do músico se destaque em relação a outros trabalhos ao vivo do grupo) parece querer "tapar o buraco" deixado pela guitarra do saudoso Allman. Mas é Dickey Betts quem ganha os principais méritos pela ausência de seu parceiro de seis cordas não ser tão sentida quanto poderia ser. Se "virando nos trinta" para dar conta de suas partes e das de Duane, o músico (que viria a falecer também em 2024, poucos meses depois do lançamento deste álbum ao vivo) é o maior destaque deste show, executando solos e mais solos com sua reconhecida competência, além de segurar as bases quando necessário para Gregg cantar ou solar nos teclados. Tenho certeza que mesmo o maior fã de Duane há de reconhecer que Betts "dá conta do recado" de manter a música do grupo viva apesar da falta de uma segunda guitarra, instrumento tão marcante no grupo tanto com o sexteto original quanto com as formações que vieram posteriormente a este registro.

Com uma qualidade sonora que, apesar de "melhorada" para o lançamento oficial, não deixa de soar como um "bootleg oficial" (embora qualquer "incômodo" que o registro analógico original possa causar aos ouvidos mais sensíveis - e mais acostumados às "gravações digitais" da era moderna - suma logo depois de uma ou duas faixas), Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972 é, como já escrevi, um registro histórico de uma curta e marcante época na história da Allman Brothers Band, e que foi muito importante para permitir sua continuidade ao longo das décadas que se seguiram. Poucos meses depois desta apresentação, em setembro de 1972, a ABB voltaria a ser um sexteto com a entrada de Chuck Leavell nos teclados, apenas para, no começo de novembro daquele ano, perder tragicamente mais um de seus membros, desta vez o baixista Berry Oakley, morto, assim como Duane, em um acidente de motocicleta. O grupo seguiria em frente, entre altos e baixos, até se aposentar em 2014, com Gregg Allman e Butch Trucks vindo a falecer em 2017, e deixando um legado enorme ao mundo da música, especialmente ao gênero southern rock. Que sua música nunca morra!

Contracapa de Manley Field House, Syracuse University, April 7 1972

Track List:

Disco 1

1. Introduction

2. Statesboro Blues

3. Done Somebody Wrong

4. Ain't Wastin' Time No More

5. One Way Out

6. Stormy Monday

7. You Don't Love Me

Disco 2

1. In Memory of Elizabeth Reed

2. Midnight Rider

3. Whipping Post

4. Syracuse Jam

5. Hot 'Lanta

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Richie Ramone – Live To Tell [2023]


Por Micael Machado

O baterista Richard Reinhardt adotou o nome artístico de Richie Ramone quando juntou-se aos Ramones em 1983, permanecendo na banda até 1987, e gravando três discos que estão, na minha opinião, dentre os melhores trabalhos da discografia dos "brothers" nova-iorquinos, além de ter sido o primeiro baterista do grupo a compor, fazer backing vocals e até cantar as partes principais em algumas demos e B-Sides do quarteto. Sua saída do conjunto nunca foi bem explicada até hoje, assim como não se tem muita informação do que ele fez da vida entre largar as baquetas dos Ramones e assumir uma carreira solo como cantor e baterista com o lançamento de Entitled, em 2013 (ainda que ele participe em algumas faixas de ...Ya Know?, o segundo lançamento póstumo de Joey Ramone). Desde então, Richie vem excursionando constantemente, tendo várias passagens pelo Brasil, inclusive uma primeira apresentação em Porto Alegre, cidade onde moro, em novembro de 2023, na qual tive a chance de trocar algumas palavras com o músico, autografar alguns itens dos Ramones, e adquirir o vinil de seu terceiro trabalho como artista solo, intitulado Live To Tell, sobre o qual gostaria de tratar neste texto.

Produzido pelo próprio Richie Ramone, e lançado pela gravadora Outro Records com edições em CD e em vinil (preto e transparente, esta limitada a 250 cópias), o disco conta, além de Richie nos vocais e bateria, com sua fiel escudeira Clare Misstake no baixo e backing vocals (a qual já havia participado do disco anterior), além das guitarras de Marc Diamond (que só não participa do remix de "The Last Time", faixa que já havia aparecido em um Flexi-disc da revista norte-americana New Noise em 2018), Ronnie Simmons (que não participa de três músicas) e dos teclados de Paul Roessler, além da participação especial do guitarrista Ben Reagan na citada "The Last Time".

Parte do encarte da versão em CD de Live To Tell

Se em seu segundo disco, Cellophane, de 2016, Richie aproximava a sonoridade de suas músicas do proto-punk garageiro de Detroit nos anos de 1969 ou 1970 (mais notadamente, do estilo adotado por bandas como Stooges ou MC5 naqueles tempos), neste novo registro o baterista parece "voltar às origens", e resgata muito do estilo de seus tempos de Ramones em suas novas composições. As velozes "Suffocate" (que ganhou um vídeo oficial de divulgação) e "Who Stole My Wig" (cujo título e letra parecem uma grande tiração de sarro com a "lenda" - "lenda"? kkkk! - do uso de uma peruca por parte de Marky Ramone, o antecessor - e sucessor - de Richie nos Ramones) remontam às faixas mais hardcore gravadas pelos "brothers" naquela época, enquanto "Not Afraid" (composta pelo guitarrista Marc Diamond) e "When The Night", apenas de um pouco mais leves, ainda são rápidas o suficiente para agradar aos saudosos fãs da antiga banda do baterista. "Master Plan" se aproxima mais do poppy-punk que o grupo praticou nos tempos com CJ no baixo, mas tem um pianinho que remete a algumas faixas dos três registros com Richie na bateria, e, se "Find Our Place" é um pouco mais lenta que o normal da banda, mas ainda soa como uma composição dos Ramones, a faixa título precisaria só de alguns poucos ajustes para se encaixar perfeitamente no track list de um disco como Too Tough To Die, a estreia de Richie com seu antigo grupo.

As cadenciadas "Old Ways" e "Other Things" parecem sobras do disco anterior, e a baladaça "I Sit Alone (Yeah Yeah)", com começo ao piano e um clima bem tristonho, tem uma frase que parece remeter ao antigo grupo de Richie ("Eu não acredito em milagres, porque sou só um tolo, e me sento aqui sozinho agora, com o meu tempo acabando"). Fechando o repertório do disco, há uma sombria versão para "Cry Little Sister", música tema do filme de 1987 "Os Garotos Perdidos" ("The Lost Boys", no original), cover esta que já havia aparecido na trilha sonora do filme "Protege Moi", e saído como "lado B" do compacto promocional para "Not Afraid", lançado como prévia do disco completo também em 2023.

Contracapa da versão em vinil de Live To Tell

Como cantor, Richie não obtém um destaque tão grande assim. Sua voz soa bem mais "desgastada" que em seus tempos de Ramones, mas se adapta bem ao estilo de suas novas músicas, além de seus vocais serem muito bem complementados pelos backings de Clare, que manda muito bem no baixo, assim como seus companheiros das seis cordas. Live To Tell não é o disco que vai mudar sua vida, mas, certamente, vai lhe garantir quase quarenta minutos de boas audições e muita diversão! Se tiver oportunidade, vale conferir!

"Well my life is kinda crazy, and I´m not replaceable. I live to tell another day!"

Track List:

1. Live To Tell

2. When The Night

3. Who Stole My Wig 

4. Old Ways 

5 Find Our Place

6. I Sit Alone (Yeah Yeah)

7. Not Afraid 

8. Cry Little Sister

9. Suffocate

10. Other Things

11. Master Plan 

12. The Last Time (Remix)

Neil & the Horse - Fu##in' Up [2024]

Por Micael Machado

Se fizessem um ranking apenas dos álbuns gravados por Neil Young de 1980 até hoje, Ragged Glory certamente estaria, na minha opinião, no Top 5 desta hipotética lista. Lançado em 1990, na esteira do sucesso comercial de seu antecessor, Freedom, do ano anterior, o disco mostra o bardo canadense e seus fiéis escudeiros em músicas mais focadas nas guitarras de Neil e Poncho, como poucos discos anteriores em sua carreira haviam feito até então, trazendo faixas que perdurariam com destaque em suas turnês posteriores (como "Country Home", "Over and Over", "Love to Burn" e, especialmente, "Love and Only Love", que chegou a ter uma versão que ultrapassa os vinte e oito minutos registrada no disco ao vivo Earth, de 2016), e legando pelo menos um grande clássico para a carreira de Young, na forma de "F*!#in’ Up", a qual, pela versão registrada pelo Pearl Jam no álbum ao vivo Live on Two Legs, posso dizer que foi a minha "porta de entrada" para o mundo musical de Neil Young. A turnê de promoção para Ragged Glory rendeu pelo menos dois registros ao vivo (Weld, de 1991, e Way Down in the Rust Bucket, tirado dos "arquivos" do canadense e colocado no mercado em 2021), onde quase todas as faixas do álbum original ganharam sua versão "on stage", sendo que as duas únicas que não constam nestes dois discos podem ser conferidas "ao vivo" no já citado Earth (no caso de "Mother Earth (Natural Anthem)") ou no acústico Songs For Judy (no caso de "White Line", que no disco citado, aparece em registro de 1976, embora o álbum, mais um dos muitos registros resgatados "dos arquivos" de Neil, só tenha sido lançado em 2018).

Por tudo isto, foi com certa surpresa que li, no começo deste ano, que Young iria lançar uma versão "regravada" de Ragged Glory, ao lado do Crazy Horse atual (os "velhos companheiros" Billy Talbot no baixo e Ralph Molina na bateria, além de Nils Lofgren nas guitarras e piano, substituindo o hoje aposentado Frank "Poncho" Sampedro), e com a adição "especial" do guitarrista e tecladista Micah Nelson, filho da lenda do Country Willie Nelson, e que já havia tocado por anos ao lado do canadense como parte do Promise of the Real, grupo que acompanhou Neil entre 2014 e 2019. Como praticamente toda a participação da audiência foi retirada da mixagem final (assim como os intervalos entre as faixas e as interações entre banda e plateia), nem uma primeira audição desta "regravação", nem o pouco informativo encarte (que contém algumas ilustrações que remetem à arte original do álbum Zuma, como você pode conferir na imagem que abre este texto) me deixaram perceber que o "novo" Ragged Glory, agora chamado de Fu##in' Up (e disponibilizado no mercado em abril deste 2024, nos formatos CD e vinil duplo, além das plataformas digitais) era, na verdade, a execução ao vivo quase que integral do álbum original (apenas "Mother Earth (Natural Anthem)" acabou excluída), com as faixas seguindo a ordem do registro de estúdio, e gravadas, com pude descobrir depois graças a alguns artigos na internet, em uma única noite (4 de novembro de 2023) no pequeno clube The Rivoli, na cidade de Toronto, no Canadá, em um show "secreto" feito em uma festa privada de aniversário para um bilionário local chamado Dani Reiss (do qual, confesso, eu nunca havia ouvido falar). Uma publicação no blog norte-americano "Thrasher's Wheat", feita por um fã de Young identificado apenas como Stu, relatou que o autor do texto conseguiu ouvir boa parte do show mesmo estando do lado de fora do clube, e que os convidados da festa com quem ele havia tido contato após a apresentação não eram tão "familiarizados" assim com a carreira do canadense, mas estavam todos "em êxtase" após a performance do grupo.

Uma das imagens do encarte de Fu##in' Up que remetem à arte do álbum Zuma, de 1975

Performance esta que, pelo que se pode ouvir no registro lançado oficialmente, foi realmente empolgante. Não sei se foi decisão da banda ou um pedido do aniversariante a execução quase integral deste álbum em específico, mas a escolha foi super acertada. Todas as músicas soam mais "cruas" aqui do que a versão de estúdio original (e mesmo em comparação a outras versões ao vivo já lançadas) e a adição de Micah traz um ganho enorme aos arranjos, que, embora não tão diferentes assim em relação aos originais, ganham aqui duelos de guitarra entre o jovem Nelson e Young, além da presença do piano (ao qual se revezam Micah e Nils, sem que o encarte especifique quem toca o quê em qual faixa) trazer um sabor "novo" a faixas como "Over and Over" ou "Mansion On The Hill". Algumas faixas ganharam solos estendidos, o que aumentou sua duração em relação às faixas originais, como é o caso da própria "Mansion On The Hill", com dois minutos a mais que a versão de estúdio, de "Love to Burn", que "ganhou" quase três minutos, e de "Love and Only Love", com quase cinco minutos de acréscimos.

Infelizmente, as quatro faixas "extras" lançadas em 2023 no EP que leva o título Smell the Horse (parte do box Official Release Series Vol. 5) não foram interpretadas neste show, e o bis executado na festa (constando, segundo Stu no artigo citado acima, das clássicas "Cinamon Girl" e "Rockin' in the Free World") acabou ficando de fora deste lançamento, o qual, seguindo a ideia de "segredo" dedicada à apresentação original, teve todos os nomes das faixas alterados, com os novos títulos se utilizando de frases das letras originais (a única exceção foi a cover para "Farmer John", do duo Don and Dewey, que manteve seu título original), e que pode até não interessar muito àqueles não tão dedicados assim à obra de Neil Young, mas que será uma bela adição à discografia de seus seguidores, especialmente aos fãs do disco original, que, apesar de já terem todas estas faixas disponíveis em outros discos ao vivo, podem encontrá-las aqui em versões "renovadas", e reunidas, pela primeira vez, em versões "live" na sequência original, sem interrupções para aplausos ou "falatórios" por parte dos músicos, como já citado acima. Se você , assim como eu, for um admirador de Ragged Glory, pode conferir sem medo esta "nova versão", e boa diversão.

Contracapa a versão em CD de Fu##in' Up

Track List:

1. City Life [Country Home]

2. Feels Like A Railroad (River Of Pride) [White Line]

3. Heart Of Steel [F*!#in’ Up]

4. Broken Circle [Over And Over]

5 Valley Of Hearts [Love To Burn]

6. Farmer John

7. Walkin' In My Place (Road Of Tears) [Mansion On The Hill]

8. To Follow One's Own Dream [Days That Used To Be]

9. A Chance On Love [Love And Only Love]

Zakk Sabbath – Doomed Forever Forever Doomed [2024]

Por Micael Machado

Desde 2014, o músico Zakk Wylde (também do Black Label Society, ex-Ozzy Osbourne e Pride & Glory) mantém um tributo ao Black Sabbath chamado Zakk Sabbath. Além de um single e de um EP ao vivo, o trio, formado atualmente, além de Wylde nas guitarras e vocais, por Blasko (também da banda de Rob Zombie e ex-Ozzy Osbourne, dentre outros projetos) no baixo e Joey "C" Castillo (ex-Queens of the Stone Age e Danzig, dentre outros projetos) na bateria, já havia lançado em 2020 o álbum Vertigo, no qual fazia uma releitura na íntegra para o disco de estreia do quarteto de Birmingham. Em março deste 2024, foi lançado Doomed Forever Forever Doomed, álbum duplo (nas versões CD, vinil e K7 - este simples) que traz o Zakk Sabbath reinterpretando tanto o segundo quanto o terceiro discos do quarteto inglês (aos mais desinformados, chamados Paranoid, de 1970, e Master of Reality, de 1971, respectivamente), embora as músicas não estejam na mesma ordem dos álbuns originais.

Eu mesmo cheguei a assistir a um show do Zakk Sabbath em Porto Alegre no ano de 2017, onde o trio interpretou músicas dos quatro primeiros discos dos ingleses em um Bar Opinião praticamente lotado. Naquele concerto, ficou claro para mim que Blasko e Castillo formam uma cozinha sólida e respeitável, mas que o grande destaque é e sempre será o "chefão" Wylde, que, se como cantor consegue não soar muito distante dos registros originais das canções (no início da carreira do Black Label Society, eu achava a voz de Zakk muito semelhante à de Ozzy, e, embora seu registro vocal tenha mudado um pouco com o passar do tempo, não se alterou tanto assim para se afastar de vez desta semelhança), como guitarrista (e um dos melhores de sua geração, como é praticamente consenso), mostra ser plenamente capaz de reproduzir perfeitamente os riffs e passagens originais do mestre Tony Iommi, além de, muitas vezes, "estender" os solos de algumas músicas para agregar suas próprias características, como os vibratos e harmônicos que o tornaram tão famoso no meio do heavy metal.

E é mais ou menos a mesma coisa que se encontra neste novo registro desta banda tributo. A maioria das versões pode ser descrita da mesma forma: baixo e bateria seguindo quase fielmente as linhas originais das canções do Sabá Negro, assim como as linhas vocais (que, como já escrevi, não chegam a causar um estranhamento maior devido à semelhança dos cantores) e as letras das músicas, que, aparentemente, não sofreram alteração alguma. Já as partes de guitarra também soam bem próximas das originais nos riffs e frases das faixas (respeitando-se as questões de timbres e estilos de tocar, pois Zakk aqui e ali "encaixa" algumas passagens e "barulhos" que não existem nos discos homenageados), sendo nos solos que se encontram as maiores diferenças, onde, quase sempre, Wylde inicia os mesmos respeitando as versões gravadas por Iommi, mas logo os subvertendo para transformá-los em algo próprio, mais adequado ao seu próprio estilo de tocar, o qual, por vários momentos, se diferencia bastante daquele usado pelo guitarrista do quarteto inglês.

O trio Zakk Sabbath: Zakk Wylde, Joey Castillo e Blasko

Curiosamente, são nas músicas mais "calmas" que notamos as maiores mudanças nestas versões do Zakk Sabbath em relação às da banda inglesa. O timbre do violão utilizado em "Embryo", e, também, em "Orchid", é diferente do instrumento utilizado nas versões originais, sendo que, na segunda, senti falta daquele "roçar" dos dedos no instrumento que Iommi registrou originalmente. "Planet Caravan" ganhou linhas de piano (segundo a contracapa, a cargo do próprio Wylde) e mais partes de guitarra (além de um longo solo deste instrumento), além do vocal ser menos "etéreo" que o original, apresentando até algumas partes dobradas, as quais também aparecem em "Solitude", levada quase toda ao piano, com um vocal bem mais grave que o da original, e apresentando algumas linhas de guitarra que não aparecem na versão de 1971. Já em "Rat Salad", Wylde aproveita o trecho inicial para criar passagens de guitarra diferentes da versão original (algo que também acontece no início de "Fairies Wear Boots"), com o solo de Castillo também sendo diferente (e mais curto) do que aquele registrado por Bill Ward no disco de 1970.

Muitos podem questionar qual a função de um disco como este em pleno 2024, pois já existem os registros originais destas canções, presentes em álbuns considerados como "clássicos" ainda hoje, além de diversas versões ao vivo e de covers espalhadas em vários tributos e álbuns pelo mercado (e, na minha opinião, nenhuma das presentes aqui consegue superar suas "concorrentes" lançadas no primeiro Nativity in Black: A Tribute to Black Sabbath, de 1994). Mas, já que não temos mais nem o Black Sabbath, nem a banda de Ozzy Osbourne excursionando regularmente pelo mundo, esta é uma maneira de manter o legado do quarteto de Birmingham vivo, além de, talvez, ser uma forma de apresentar estes clássicos a uma nova geração que, possivelmente, seja fã do Black Label Society (e, por consequência, de Zakk Wylde), mas que, por algum motivo obscuro, não tenha sido apresentada ao Sabbath original (embora eu mesmo tenha minhas dúvidas se existe alguém assim). De toda forma, é bastante divertido tentar descobrir para onde Zakk levará seus solos de guitarra a cada "desvio" do "caminho" original das canções, e ver como o estilo e a percepção de cada artista pode criar algo novo e fascinante mesmo sobre uma fundação já plenamente estabelecida, como a destas canções clássicas. Se quiser experimentar a sensação, tenho certeza que conseguirá apreciar a jornada por estas "novas" versões, ainda que as originais permaneçam imbatíveis em sua memória!

Contracapa de Doomed Forever Forever Doomed


Track List

CD 1: Doomed Forever

1. War Pigs

2. Paranoid

3. Planet Caravan

4. Iron Man

5. Electric Funeral

6. Hand Of Doom

7.Rat Salad

8. Fairies Wear Boots


CD 2: Forever Doomed

1. Sweet Leaf

2. After Forever

3. Embryo

4. Children Of The Grave

5. Orchid

6. Lord Of This World

7. Solitude

8. Into The Void

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Rainbow – Long Live Rock 'N' Roll [1978]

Por Micael Machado

Em abril de 1977, era chegado o momento do Rainbow voltar ao estúdio e gravar seu terceiro disco, que tinha a tarefa de ser o sucessor de Rising, lançado no ano anterior com grande aclamação por parte da crítica e do público. Para tanto, o quinteto formado pelo guitarrista Ritchie Blackmore, o vocalista Ronnie James Dio, o baterista Cozy Powell, o tecladista Tony Carey e o baixista Mark Clarke (então recém incorporado ao time) se reuniu no Château d'Hérouville, na França, sem quase nada pré-escrito, e, junto ao produtor Martin Birch, tentaram compor e gravar o álbum nas semanas seguintes. Entretanto, as coisas não correram muito bem, com Blackmore mais interessado em jogar futebol nos pátios do castelo que abrigava o estúdio, enquanto Powell preferia correr com sua Ferrari pelos arredores do local. Clarke acabou demitido no meio das sessões (com Ritchie assumindo também o baixo dali em diante, mesmo que Dio já tivesse empunhado o instrumento anteriormente em sua carreira), e, no embalo, Carey também acabou expulso da banda. O trio remanescente chegou a julho daquele ano com sete demos praticamente prontas, mas suspendeu as sessões para o lançamento do álbum duplo ao vivo On Stage naquele mesmo mês, outro disco que obteve grande repercussão positiva tanto dos críticos quanto dos fãs da banda, que, rapidamente, recrutou Bob Daisley para o baixo e David Stone para os teclados, saindo em turnê pela Europa para divulgar seu então mais novo sucesso. Foi apenas em dezembro de 1977 que a nova formação, agora já "azeitada" pelos meses na estrada, retornou ao Château d'Hérouville para finalizar o novo disco, que seria chamado de Long Live Rock 'N' Roll, e lançado em abril do ano seguinte. Com as sete faixas registradas anteriormente, acrescidas de um novo "épico" na discografia da banda, o Rainbow lançava um álbum que receberia uma aprovação quase unânime de seus fãs, embora eu, particularmente, o considere o mais "fraco" da "fase Dio" do conjunto.

Com quatro composições de cada lado na versão em vinil, para mim, é fácil dividir as canções do disco em "duplas", com posições quase equivalentes na ordem das músicas dos lados A e B. Abrindo o LP, temos a faixa título, um potente hard rock que pode ser considerado um legítimo sucessor de "Man on the Silver Mountain", que também abria o primeiro registro do grupo, embora seja mais rápida (e mais "simples", a meu ver) que sua antecessora. A música se tornou um hino na carreira da banda, sendo executada em praticamente todos os shows do Rainbow dali em diante, independentemente de quem fosse o cantor na ocasião. Já a abertura do lado B traz outro clássico do grupo, na forma de "Kill the King", composição que também abria On Stage, e que, em sua versão de estúdio, sempre me soou mais "pálida" em relação à versão ao vivo do disco anterior. Apesar de bastante rápida, neste disco, a velocidade do arranjo me parece um pouco menor, e fazem falta as linhas de teclado que aparecem no disco ao vivo, com os melhores momentos do instrumento sendo substituídos por linhas da guitarra de Blackmore, o que não é de forma nenhuma ruim, mas me soa menos interessante que os "duelos" entre os instrumentos demonstrados na versão ao vivo.

A segunda faixa do lado A, "Lady of the Lake", e a terceira do lado B, "Sensitive to Light", parecem apontar para a sonoridade mais "americanizada" e "comercial" que Ritchie imporia ao grupo nos anos seguintes. Ambas não tem muitas variações nos arranjos, e são bem menos complicadas do que outras faixas da carreira do grupo até então, além de possuírem refrães bastante "acessíveis", que parecem destinados a agradar mais ao público "médio" das FMs americanas de então do que ao público fiel da banda (ainda que a primeira conte com um interessante solo ali pelo meio, e a segunda ser um pouco mais veloz do que o usual para as músicas "populares" das rádios da época).

O Rainbow em 1977: David Stone (teclados), Ronnie James Dio (vocais), Bob Daisley (baixo), Ritchie Blackmore (guitarra) e Cozy Powell (bateria)

Invertendo as posições na ordem do vinil, a terceira faixa do lado A, "L.A. Connection", e a segunda faixa do lado B, "The Shed (Subtle)", já me soam mais características da sonoridade tradicional do Rainbow. "L.A. Connection", que viria a ser o segundo single do álbum, apesar de seu riff repetitivo e de seu andamento mais cadenciado, não soa deslocada em relação ao estilo dos álbuns anteriores do grupo britânico, e, a meu ver, com um pouco mais de "peso" nas guitarras e um solo diferente, não soaria estranha no meio das faixas que Dio viria a gravar posteriormente com o Sabbath ou mesmo nos primeiros discos de sua carreira solo (a faixa ainda conta com algumas linhas de piano na sua parte final, em uma das poucas participações efetivas de David Stone no álbum, visto que ele também registrou os teclados, além desta música, apenas em "Gates of Babylon", "Kill the King" e "The Shed", com Tony Carey sendo o responsável pelas teclas na faixa título, em "Lady of the Lake" e em "Rainbow Eyes", e Bob Daisley tendo gravado o baixo apenas em "Gates of Babylon", "Kill the King" e "Sensitive to Light", com as demais linhas do instrumento sendo todas registradas por Blackmore). Já "The Shed (Subtle)" tem uma introdução na guitarra que lembra algumas coisas que Ritchie fazia no palco desde seus tempos no Deep Purple, com o riff da canção sendo um dos melhores do disco, e a condução de Powell ganhando destaque ao longo da duração da faixa, em uma canção que, para mim, merecia um reconhecimento muito maior tanto por parte dos fãs quanto da própria banda, pois eu, pelo menos, desconheço que tenha sido interpretada ao vivo alguma vez depois de lançada.

Ao final de cada lado do LP, temos os dois épicos do disco. Fechando o lado A, vem "Gates of Babylon", a única faixa composta depois daquelas demos de julho de 1977, sendo possivelmente a música mais complexa musicalmente já composta pela banda (visto "Difficult to Cure" ser baseada na nona sinfonia de Beethoven), a qual conta com a participação especial da orquestra Bavarian String Ensemble, que acrescenta um toque "clássico" à esta gravação, fazendo-nos lembrar de "Stargazer", épica composição presente no álbum anterior (que também contava com uma orquestra), e da qual este clássico pode ser considerado um legítimo sucessor. Encerrando o lado B (e também o disco), vem a baladaça "Rainbow Eyes", uma linda faixa com a presença de um quarteto de cordas e de uma flauta (tocada pelo músico alemão Rudi Risavy, que possui uma carreira como violinista e flautista que eu, honestamente, desconheço), a qual pode ser considerada sucessora direta de "Catch the Rainbow", do primeiro disco da banda (embora algo em seu arranjo sempre tenha me remetido a outra faixa deste disco, no caso, "The Temple of the King").

A arte da capa, feita pela artista britânica Debbie Hall, traz um desenho do quinteto na formação que excursionou para sua promoção, e, na parte interna, temos a imagem que abre esta matéria, onde se vê alguns membros da plateia de um show segurando um cartaz onde se lê o título do disco (foto esta que, na verdade, vem de um show do Rush, com a imagem original do cartaz sendo substituída pela frase "Long Live Rock 'n' Roll", e as camisetas dos fãs dos canadenses pintadas de preto para não "entregar" o engodo). Long Live Rock 'N' Roll foi relançado algumas vezes, com destaque para a edição deluxe de 2012, que traz versões com mixagens "cruas" para as sete demos gravadas antes do lançamento de On Stage (onde Ritchie se encarregou de todos os baixos, e cujas maiores diferenças estão na falta do solo de guitarra em "The Shed", na ausência da orquestra e na presença de diferentes linhas de flauta em "Rainbow Eyes", e na presença de uma calma introdução feita nos teclados em "Lady of the Lake", a qual acabou de fora da versão final da faixa), além de versões de ensaio para a faixa título e para "Kill the King", e de três faixas (e dois outtakes) do disco gravadas para o então popular programa de TV norte-americano Don Kirschner Show em maio de 1978, onde a banda fez "playback" nas partes instrumentais, com apenas Dio cantando "ao vivo" realmente. 

Contracapa de Long Live Rock 'N' Roll

A turnê de promoção do álbum levou o Rainbow para sua maior excursão pelos Estados Unidos, onde a banda se apresentaria mais de 40 vezes ao longo de 1978, sendo que a obsessão de Blackmore de conquistar este mercado levaria o quinteto a abrir mão de fazer uma excursão possivelmente esgotada pelo Japão para se dedicar ao público norte-americano, mesmo que, na maioria das vezes, servindo como grupo de abertura para bandas como Cheap Trick ou REO Speedwagon. Ainda em 1978, os primeiros encontros para composição do quarto disco deixaram escancaradas as divergências musicais e pessoais entre o guitarrista e Ronnie James Dio, com o cantor saindo (ou tendo "sido saído") do grupo ainda naquele ano (para depois ir se juntar ao Black Sabbath em 1979). David Stone e Bob Daisley também foram "convidados a se retirar" por Ritchie, e foi uma banda totalmente reformulada (tanto em seus componentes quanto musicalmente) que viria a gravar o sucessor de Long Live Rock 'N' Roll, que, como já escrevi, ainda é, para mim, o registro mais "fraco" da "fase Dio" do Rainbow, mas que, comparado ao que veio depois, fica, certamente, nas primeiras posições de uma hipotética lista de "melhores álbuns" desta grande banda britânica. Se ainda não o fez, ouça e confira!

Track list da versão em vinil:

Lado A

1. Long Live Rock 'N' Roll

2. Lady Of The Lake

3. L.A. Connection

4. Gates Of Babylon

Lado B

1. Kill The King

2. The Shed (Subtle)

3. Sensitive To Light

4. Rainbow Eyes

Segundo CD da versão deluxe de 2012:

1. Lady of the Lake - Rough mix, 4 July 1977

2. Sensitive to Light - Rough mix, 4 July 1977

3. L.A. Connection - Rough mix, 4 July 1977

4. Kill the King - Rough mix, 4 July 1977

5. The Shed (Subtle) - Rough mix, 4 July 1977

6. Long Live Rock 'n' Roll - Rough mix, 4 July 1977

7. Rainbow Eyes - Rough mix, 4 July 1977

8. Long Live Rock 'n' Roll - Shepperton Film Studios rehearsal, August 1977

9. Kill the King - Shepperton Film Studios rehearsal, August 1977

10. Long Live Rock 'n' Roll - Live on the Don Kirschner Show, May 1978

11. L.A. Connection - Live on the Don Kirschner Show, May 1978

12. Gates of Babylon - Live on the Don Kirschner Show, May 1978

13. L.A. Connection - Outtake from the Don Kirschner Show, May 1978

14. Gates of Babylon - Outtake from the Don Kirschner Show, May 1978