segunda-feira, 22 de abril de 2024

Resenha de Show: Rick Wakeman (Porto Alegre, 11 de Abril de 2024)

 Por Micael Machado

* Nota: As fotos que ilustram esta matéria foram encontradas nas redes sociais. Se você for o autor ou publicou alguma delas, entre em contato pelos comentários para lhe darmos o devido crédito!

Jogos de luzes, pirotecnia, telões enormes de alta definição, instrumentos de vários tipos e cores diferentes, fumaça pelo palco, plataformas elevadas, e muitos outros tipos de "truques" são, frequentemente, usados em espetáculos musicais para "amplificar" a experiência de se assistir a um concerto, causando uma sensação de euforia e encantamento aos espectadores na plateia. Mas as mesmas sensações, vez por outra, podem ser causadas com um mínimo de iluminação, um palco sem nenhum ornamento para servir de enfeite, ocupado apenas por um piano de cauda, um pedestal segurando alguns teclados sobrepostos (no caso, do ângulo onde eu estava, eram aparentemente apenas dois, mas confesso que podiam ser três) e um único músico extremamente carismático e, acima disto, exuberantemente talentoso em sua arte, no caso, extrair música dos instrumentos citados acima. Pois um destes músicos, cada vez mais raros de encontrar, esteve no Salão de Atos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) no último dia 11 de abril, iniciando a parte brasileira de sua "Final Solo Tour" (alegadamente, a "turnê de despedida" do músico dos palcos mundiais), e presenteando aos ocupantes das cadeiras do local (que estava cheio, mas não lotado) com uma hora e meia de puro talento e muita musicalidade, sem o suporte de nenhum outro aparato que não seus instrumentos e seu dom para tocá-los!

Entrando no teatro, fiquei um tanto surpreso de ver apenas o piano e os dois teclados posicionados no palco. Sabia que o show seria no formato "solo", mas, para quem já presenciou Wakeman se apresentar com pelo menos uma dúzia de instrumentos o rodeando durante seus shows, achei "muito pouco" "apenas" dois teclados para o show inteiro. Pois, confesso, mesmo prestes a completar 75 anos de idade, Rick não precisou de mais do que isto para encantar a todos! Precisamente às 21 horas em que o show estava marcado para começar (ah, a "famosa" pontualidade britânica), um tema instrumental começou a tocar no sistema de som do Salão de Atos, com o músico adentrando o palco poucos segundos depois, acenando brevemente para a plateia, sentando-se aos teclados, e acompanhando as últimas notas do tema introdutório. Depois de alguns segundos improvisando sobre as teclas, iniciou "Jane Seymour", abrindo a noite com uma bela redenção de um tema presente em um de seus mais famosos discos em carreira solo. Ao final, Rick caminhou até o centro do palco, agradeceu as palmas, desculpou-se pelo seu "português terrível" ("frangôu frita", "Pelé", disse, em um sotaque forçadamente engraçado, antes de emendar "that's about it, really!") e anunciar que a música anterior havia sido feita para uma das esposas de Henrique VIII ("Henry teve seis esposas, eu só tive quatro", declarou, para risos do pessoal), e que a próxima música seria para outra das esposas de Henrique, voltando ao teclado para interpretar "Catherine Howard".

Rick Wakeman ao piano

Terminada a parte dedicada ao disco The Six Wives of Henry VIII, Rick voltou ao centro do palco para dizer que "eu já toquei em muitos discos, alguns melhores do que outros, e com muitas pessoas diferentes... e arruinei alguns discos de muitas pessoas, também. Mas a pessoa com quem mais gostei de tocar foi David Bowie, a quem amo muito". Com isto, anunciou que tocaria duas músicas de Bowie, "Space Oddity" e "Life on Mars?", interpretadas uma em sequência da outra no piano, para delírio do pessoal. Ao final, Wakeman caminha novamente pelo palco para dizer que, "em 1975, quando eu era muito pequeno (fazendo o gesto de uma pessoa baixinha com a mão), eu gravei um disco chamado King Arthur and the Knights of the Round Table, e o gravei com uma enorme orquestra, um enorme coro, uma enorme banda e muitos cantores. Hoje, sou apenas eu e...", apontando para os teclados de forma triste e cabisbaixa (além de tudo, o sujeito é um grande ator, tenho de reconhecer), anunciando logo depois um medley de músicas daquele disco, que passou por "Arthur", "Guinevere", "Merlin the Magician" e "The Last Battle". Depois dos quase vinte minutos dedicados à saga do Rei Arthur, Rick volta a pegar o microfone, desta vez para anunciar que iria tocar uma música sobre cavalos-marinhos, gravada em um álbum chamado Rhapsodies, "uma música que vocês provavelmente não conhecem, não é algo muito conhecido. Portanto, se eu cometer algum erro, vocês nem vão notar", voltando na sequência aos teclados para executar "Sea Horses"  (a qual eu, como ele já havia previsto, realmente não conhecia).

Com pouco mais de quarenta e cinco minutos de espetáculo, Wakeman sentou-se ao piano para dizer que "pensei que gostaria, nesta turnê, de tocar algumas músicas do Yes, mas seria complicado tocar muitas músicas completas sozinho, então, peguei muitos dos principais temas de algumas músicas que toquei com a banda, e os coloquei todos juntos em uma única composição! Espero que vocês reconheçam várias das canções, tem quase trinta delas nesta peça, a qual é muito longa, com cerca de três horas de duração!", emendando na sequência, "não, não é tão ruim assim!", para risos do pessoal. "Espero que vocês reconheçam algumas das melodias, eu chamo isto de 'Yessonata'!", disse, antes de iniciar uma medley de cerca de vinte minutos de trechos de clássicos de sua ex-banda, passando, dentre muitas que não reconheci, por "Close To The Edge", "Roundabout", "Wonderous Stories", "Awaken", "South Side Of The Sky", e encerrando com um trechinho de "And You And I" (confesso que não fiquei surpreso de não ter reconhecido nenhum trecho de alguma música do disco Tales from Topographic Oceans, álbum que, notoriamente, não é do agrado de Rick). Voltando ao centro do palco, após a imensa aclamação da plateia ao que havia acabado de testemunhar, Wakeman anuncia que gostaria de encerrar o show com duas composições que ele não havia escrito: "uma de John Lennon, que compôs 'Help', a qual eu tentarei tocar ao estilo do compositor francês Samson" (se é que eu entendi bem, e que, se minha pesquisa estiver correta, deve se referir ao pianista e compositor Samson Pascal François, o qual confesso não conhecer), "e 'Eleanor Rigby', a qual tentarei interpretar ao estilo do compositor russo Prokofiev" (este eu sabia a quem o músico se referia, por causa de suas composições para "Romeu e Julieta" e "Pedro e o Lobo").

Rick Wakeman falando com o público de Porto Alegre

Os dois temas dos Beatles interpretados em sequência nos teclados fecharam oficialmente a noite, mas é claro que o público queria mais de Wakeman. Sem muita enrolação para voltar para o bis, Rick agradeceu aos presentes, e disse que "em 1974, antes de vocês nascerem - mais uma tremenda ironia do músico, pois a maioria dos presentes já havia até passado da adolescência naquele ano-, eu escrevi uma peça musical para o livro de Júlio Verne 'Jornada ao Centro da Terra'. Eu a gravei com uma enorme orquestra, um enorme coro, uma enorme banda e muitos cantores, mas a escrevi inteira no piano, e foi assim que eu compus esta peça!", interpretando assim pouco menos de doze minutos dos principais trechos do disco Journey to the Centre of the Earth! Ao final, Rick acenou para a plateia, a aplaudiu, e saiu consagrado, mostrando que talento e genialidade musical dispensam aparatos tecnológicos ou alegóricos para encantar uma audiência.

Infelizmente, não houve sessão de autógrafos depois do espetáculo (segundo o pessoal da produtora, Wakeman estava com a saúde um pouco debilitada, além de precisar embarcar muito cedo no dia seguinte para São Paulo, onde se apresentaria no dia seguinte), na primeira vez em que algo assim ocorre em um show do simpático músico inglês a que estive presente. Finalizando, posso dizer que já assisti Wakeman acompanhado "apenas" de sua banda, junto com orquestra e coro, e agora "solo" no palco, e que o formato do espetáculo desta "última turnê" não deixou nada a dever aos anteriores. Coloco "última turnê" entre aspas porque, na camiseta vendida na banca de merchandising antes do show (e que não tinha muitos itens disponíveis, segundo a atendente, porque a maioria já havia sido vendida nos shows anteriores desta turnê latino-americana, que já havia passado por México, Chile e Argentina antes de chegar ao Brasil), a turnê era anunciada como "The Final Solo Tour - Part I", o que deixa um restinho de esperança de que uma eventual "Part II" traga este gênio novamente a estas terras! Vamos aguardar!

Set List:

1. Jane Seymour

2. Catherine Howard

3. Space Oddity / Life on Mars?

4. Arthur / Guinevere / Merlin the Magician / The Last Battle

5. Sea Horses

6. Yessonata

7. Help! / Eleanor Rigby

Bis:

8. Journey Medley

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Queen: Cinco Músicas Injustiçadas


Por Micael Machado

Confesso a vocês que, por muitos anos, a discografia da banda inglesa Queen só me atraía até o primeiro disco ao vivo, o magistral Live Killers, de 1979. Mas, com as sucessivas promoções feitas pelo site da Universal, principalmente ao longo do ano passado, tive a oportunidade de adquirir praticamente toda a coleção da banda, e dar uma "segunda chance" aos álbuns posteriores, os quais "menosprezei" por muitas décadas (embora conhecesse seus hits, é claro). Os registros pós Live at Wembley '86 ainda não encontraram lugares de destaque em meus ouvidos, mas os álbuns de estúdio entre estes dois discos ao vivo acabaram por me revelar algumas pérolas, as quais eu não tinha dado a devida atenção anteriormente, e que, aparentemente, outras pessoas também não, pois são músicas que, a meu ver, se encaixam bem no adjetivo que dá nome a esta coluna. Sendo assim, resolvi elencar cinco faixas que, a meu ver, deveriam ser mais escutadas/comentadas/destacadas na discografia de um dos grupos mais importantes da música na segunda metade do século passado, e, talvez, levar você a conhecer ou relembrar estas "joias escondidas". Lembrando que meus critérios para a seleção das faixas foram: as músicas não podem ter sido lançadas como single; não podem constar do track list de álbuns ao vivo oficiais (nem de bootlegs que eu conheça); não podem constar de coletâneas oficiais do grupo (pelo menos, não das mais famosas); não podem ter recebido versões de outros artistas (pelo menos, não ter recebido versões de grande repercussão no meio musical); serem músicas que me agradem mais do que outras bem mais "famosas" do que elase que, desta forma, eu julgue que mereciam mais atenção do que receberam por parte tanto da imprensa quanto dos fãs (e, por vezes, da própria banda). Sendo assim, vamos à minha relação (em ordem cronológica), e, se puder, deixe a sua nos comentários!

1. Sweet Lady (A Night at the Opera - 1975)

A Night at the Opera sempre foi meu disco favorito do Queen. Recheado de clássicos, possui em suas faixas algumas músicas que não chegaram a atingir tanto destaque quanto seus grandes hits, mas que não devem nada em qualidade em relação a eles. Uma destas canções "menores" é "Sweet Lady", faixa que o jornalista André Forastieri certa vez classificou como "a coisa mais Kiss que o Kiss não fez" na sua resenha do disco para a seção Discoteca Básica da saudosa Revista Bizz (edição número 84, publicada em julho de 1992). Pouco mais de 4 minutos de um hard rock pesado (para os padrões da banda) e nem tão rápido assim (exceto no final), mas extremamente divertido e agradável de ouvir. Segundo o Discogs, apareceu em uma edição dupla da coletânea Greatest Hits publicada apenas na Bulgária, e, aparentemente, foi tocada ao vivo em poucas ocasiões entre 1975 e 1976 (uma delas no show do Hyde Park de 1976, que chegou a ser gravado, mas nunca foi lançado oficialmente na íntegra). Sendo assim, pelos meus critérios, isto não a inviabiliza de constar desta lista, e foi um dos principais motivos que me levaram a escrevê-la!

2. Sail Away Sweet Sister (The Game - 1980)

Com o subtítulo "(To The Sister I Never Had)", é uma espécie de "homenagem" que Brian May, filho único, faz a "irmã que nunca teve", e que, segundo declarações que encontrei na internet, o guitarrista considera que sempre foi uma grande ausência em sua vida. Composição com todo o jeitão "épico" de outras faixas da banda, e um refrão excelente (e muito grudento!), incompreensivelmente (para mim, ao menos) nunca foi executada ao vivo pelo Queen, embora Brian a tenha interpretado em sua carreira solo, e o Guns and Roses a tenha incluído em seus shows da turnê dos Illusions - inclusive, ela aparece na edição deluxe do segundo Use Your Illusion, o que, pelos critérios, a impossibilitaria de estar aqui. Mas, como a versão do Guns consta apenas de Axl cantando a capella um curto trecho da faixa (normalmente, como uma espécie de "intro" para "Sweet Child O' Mine", como pode ser visto no DVD do show de Tóquio de 1992), eu não considero esta uma "cover" verdadeira, então, a desconsiderei para poder elencar esta verdadeira "pérola esquecida" do repertório dos ingleses em minha lista, já pedindo antecipadamente minhas excusas a quem não concordar com a "acomodação" feita pelo autor deste texto!

3. Don't Try Suicide (The Game - 1980)

Esta é outra faixa de The Game, e entra nesta lista nem tanto por sua parte musical (que, honestamente, nem me atrai tanto assim), mas sim pela temática anti-suicídio de sua letra, que implora para que alguém (não especificado) não cometa tal ato, elencando razões para que o mesmo não se concretize, embora de um jeito até certo ponto controverso, por deixar meio implícita uma interpretação de que "ninguém se importa" se você tentar se matar (através da frase "Nobody gives a damn" em certo ponto da letra), sendo que não é esta a interpretação que eu faço de sua temática. Uma parte mais rápida, onde Freddie canta "você precisa de ajuda, você precisa viver" ("you need help... you need life"), musicalmente, é melhor que o restante da composição, e reaparece como base durante o solo de Brian, executado de um jeito característico e único deste genial guitarrista, além da letra nesta parte específica parecer enfatizar a interpretação que tenho de que a temática da faixa afirma que viver a vida vale mais que acabar com ela por sua própria vontade. Está nesta lista, como expliquei, devido à sua temática, pois foi grande minha surpresa ao constatar que o Queen, cujas letras não costumavam abortar temas tão "controversos" quanto este (pelo menos, não tão controversos a este nível), ter escrito uma faixa com esta temática ainda nos anos 1980, e de ela, também para minha surpresa, ser tão pouco explorada (no sentido de "falada", "comentada") mesmo hoje em dia. Nunca foi tocada ao vivo, segundo a wikipedia, mas saiu como lado B de um single americano para "Another One Bites the Dust", lá em 1992, ou seja, doze anos depois do lançamento inicial do disco, o que, convenhamos, não a inclui nos critérios que a excluiriam desta lista, certo?

4. Football Fight (Flash Gordon - 1980)

Vamos combinar que a trilha sonora do filme do Flash Gordon rendeu muitos momentos "menores" à discografia da banda, com seus temas curtos entupidos de sintetizadores, e que não faziam muito sentido fora das telas. Não conheço quem defenda este disco, o colocando em uma posição "alta" no ranking de preferências da discografia, e, a meu ver, com exceção de "The Hero" e de "Flash's Theme" (ainda melhor em sua versão single), pouca coisa se salva neste álbum. "Battle Theme" é um destes momentos, mas, como a faixa pouco mais é do que uma reinterpretação do tema de Flash na guitarra (acrescida de um bom tema com sintetizadores "roubado" de "Flash To The Rescue", outra faixa desta mesma trilha sonora), sobra então "Football Fight", que, embora levada pelos sintetizadores, tem um ritmo bem agradável e atraente, com boa participação da bateria de Taylor e da guitarra de May (ainda que esta apareça em menos quantidade do que eu gostaria). O EP bônus da edição de 2011 traz uma "versão inicial" mais longa (e ainda melhor) que a oficial, com os sintetizadores substituídos pelo piano de Freddie, e mais com "cara" de uma música do Queen do que a que aparece no disco. Apesar de curta, uma faixa que, a meu ver, poderia ter sido mais explorada pelo grupo, mas que acabou relegada a "mais uma" de um disco quase totalmente esquecível! Uma pena!

5. Man On The Prowl (The Works - 1984)

Quando eu pensava no Queen tocando algo próximo do rockabilly, sempre pensei em "Crazy Little Thing Called Love" como o grande exemplo deste estilo na discografia da banda. Foi portanto com certa surpresa que encontrei esta pérola no track list de The Works, um disco do qual só conhecia os grandes hits, mas que guarda esta faixa meio que "escondida" lá no finalzinho do lado A do vinil. Conduzida pelo piano, é uma  faixa relativamente curta (pouco mais de três minutos e meio), que chegou a ser planejada, segundo a wikipedia, para ser lançada como single, mas acabou relegada ao lado B do EP Thank God It's Christmas (onde ganhou uma "versão estendida" na versão de 12 polegadas), e não achei registros de que tenha sido tocada ao vivo pela banda emalgum momento. Outra faixa que merecia um destino melhor!

Como já coloquei, os discos pós 1986 não são lá muito atraentes para mim, e encontrar nos discos pré 1979 faixas que não tenham sido registradas ao vivo, ou incluídas em coletâneas, ou "coverizadas" por bandas reconhecidas (como o fizeram, por exemplo, o Metallica e o Dream Theater), e das quais eu realmente gostasse, se tornou mais complicado do que eu pensava, portanto, diferentemente do que aconteceu com o Deep Purple, ficou complicado de indicar aqui mais músicas que poderiam ter aparecido nesta lista sem descumprir aos critérios que adotei. Sendo assim, fique á vontade para deixar você as suas indicadas como músicas "injustiçadas" na carreira do Queen nos comentários deste texto, seguindo ou não aos critérios adotados, e "dê voz" às suas músicas "desconhecidas" pela maioria do pessoal! Topam o desafio?

domingo, 3 de março de 2024

Datas Especiais: 50 anos da apresentação do Secos & Molhados no Maracanãzinho

Por Micael Machado

Há exatos cinquenta anos, em 10 de fevereiro de 1974, uma banda nacional se apresentava pela primeira vez como uma atração "solo" (sem o suporte de outras atrações ou de artistas convidados para "ajudar" a "chamar" ao público) no Ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Até então mais utilizado, em termos musicais, para finais de festivais (com diversas atrações diferentes ao longo das noites, e, por vezes, nomes internacionais para atrair mais atenção), uma apresentação única de apenas um artista no local parecia, para a época, algo muito ousado, e, sem dúvidas, um tanto arriscado, tanto financeiramente quanto artisticamente. Financeiramente, a dúvida era: conseguiria uma única atração levar pelo menos trinta mil pessoas para o estádio, capacidade estimada então para o local, e, assim, lotar o mesmo (algo inédito até então para os artistas brasileiros)? Já do lado artístico, a dúvida era em como conseguir, com as condições tecnológicas da época, "entregar" um espetáculo visual e auditivo compatível com as dimensões exageradas da edificação, fazendo com que o público pudesse ver e ouvir à apresentação com, pelo menos, um mínimo de qualidade? 

Pois foram estes desafios que o Secos & Molhados, incentivados por seu empresário da época, o jornalista e produtor musical Moracy do Val, toparam enfrentar naquele começo de ano. Este artigo não pretende relatar fielmente o que ocorreu naquela noite (até porque registros em vídeo da apresentação são raros de encontrar, e este escriba sequer tinha nascido na data em que tudo ocorreu), mas sim marcar esta data histórica para a música nacional, afinal, foi a partir deste show que os ginásios de esportes ao longo do país começaram a ser verdadeiramente considerados como "viáveis" para shows individuais de artistas nacionais, e, se hoje temos apresentações de artistas consagrados (tanto nacionais quanto internacionais) em estádio de futebol ou em palcos gigantes como o dos mega festivais, tenho convicção de que muito se deve ao que ocorreu naquela noite e naquele local cinquenta anos atrás.

Segundo o livro Primavera nos Dentes, do escritor Miguel de Almeida, foi Moracy quem deu a ideia da apresentação do grupo no Maracanãzinho. Até então, fazia pouco mais de seis meses que o disco de estreia da banda havia sido lançado no mercado, e já estava "estourado" em todo o país, com o álbum vendendo mais de um milhão de cópias em pouco tempo, "batendo todos os recordes de vendagens de discos e público", segundo a wikipedia. O sucesso do disco se refletiu nos shows, cujo número de presentes nas apresentações vinha aumentando gradativamente, saindo das iniciais 50 ou cem pessoas nos shows do começo de carreira para números que ultrapassavam os seis mil pagantes em lugares como Brasília, Recife, Salvador e outras do interior do estado de São Paulo. Foi a presença do grupo nos ginásios esportivos destes municípios (únicos locais com capacidade para suportar a quantidade de gente que queria ver a banda ao vivo na época) que convenceu Moracy de que seria possível lotar o Maracanãzinho apenas com o público do Secos & Molhados, sem precisar de outras atrações. Com a aceitação dos demais membros do grupo (a saber, Ney Matogrosso na voz, João Ricardo na voz, violões e harmônica, e Gérson Conrad na voz e no violões), começou então a empreitada para fazer a coisa "acontecer" de verdade.

Secos e Molhados no show do Maracanãzinho, 1974. Fonte: Revista TRIP

João Ricardo e Moracy do Val se reuniram com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então diretor geral da Rede Globo, já à época a emissora mais poderosa do país, e que, meses antes, havia sido peça importante da história da banda ao impulsionar seu nome para todo o Brasil através da exibição dos clipes de "Sangue Latino" e "O Vira" no programa "Fantástico", em uma marcante noite de domingo de setembro de 1973. Boni duvidou do sucesso da empreitada proposta pelos dois, mas aceitou promover o show em troca da gravação do espetáculo, que, aparentemente, chegou sim a ser filmado, mesmo que poucos registros (ainda com imagens em preto e branco) tenham sobrevivido até hoje, e que eu não tenha conseguido nenhuma evidência de que algum especial tenha sido exibido à época (ou depois) pela Rede Globo. O áudio da apresentação existe, mas falaremos dele mais adiante.

Outro obstáculo para a realização do show foi o medo dos bombeiros cariocas com relação à segurança e integridade do público. A preocupação da corporação exigiu, segundo o já citado livro Primavera nos Dentes, maiores distâncias do que o inicialmente previsto separando palco e plateia, maiores divisões nas arquibancadas, novas posições para grades de proteção, e a criação de mais saídas de emergência. Com tudo isso, a capacidade do local foi reduzida para vinte mil pessoas, ainda assim, um número imenso de presentes perto do que reuniam os shows dos artistas nacionais na época. Todos os ingressos foram vendidos, e estima-se que milhares de não-pagantes ficaram do lado de fora do ginásio (na wikipedia, há a citação de que 90 mil pessoas teriam ficado nas cercanias do local, número que me parece exagerado, mas que não duvido ter sido possível).

Mesmo com a qualidade do som não sendo lá "essas coisas", o Secos & Molhados, composto então, ao que consegui averiguar, além dos três membros principais, por Emilio Carrera no piano e no órgão, John Flavin na guitarra, Marcelo Frias na bateria e percussão, Sergio Rosadas na flauta e Willy Verdaguer no baixo, subiu ao palco pouco depois das nove horas da noite, e, também segundo o citado livro, fez uma apresentação de pouco mais de uma hora, com duas músicas no bis: "Mulher Barriguda" e "Sangue Latino". No início do espetáculo, houve um momento de tensão, quando as pessoas tentaram se aproximar do palco, mas foram contidos por um cordão policial, que começou a empurrar o pessoal de volta para as arquibancadas. Incomodado com a situação, Ney parou de cantar, sendo imediatamente seguido pela banda, que ficou em silêncio até os policiais "aliviarem" e permitirem uma maior liberdade de movimentação do público pelo local, que pôde então se aproximar mais de seus ídolos no palco.

A reedição da Polysom para o vinil com a gravação do show

Mesmo com tantos problemas de organização e execução, o show foi considerado um sucesso, sendo até então o recorde absoluto de público para um grupo nacional no país. Seis anos depois, já com o trio principal afastado, a gravadora Continental lançou um registro em vinil com pouco mais de meia hora de áudios gravados naquela noite. Por anos ouvi que este seria "extremamente mal gravado", "sem boa definição sonora", e um registro "apenas para colecionadores". Como o vinil original se tornou uma raridade muito buscada pelos apreciadores dos bolachões (que, para o terem em suas coleções, sempre tiveram de estar dispostos a investir pequenas fortunas na aquisição de uma cópia do mesmo), nunca cheguei a ouvir a edição original (pelo menos, não que me lembre), mas uma reedição do ano passado feita pela Polysom me permitiu adquirir uma cópia do mesmo, e perceber que, pelo menos neste relançamento, o áudio não é tão "desgracento" assim como a lenda dizia (tenho bootlegs de bandas bem maiores gravados em condições muito piores), servindo, ao menos, para que se possa ter uma ideia da sonoridade da banda naquela noite. As nove canções presentes no registro são apenas um aperitivo para os fãs do grupo, mas não são de forma alguma "desprezíveis", como muitas vezes vi as pessoas se referirem a este álbum (a própria Polysom colocou no encarte da reedição que o registro "apresenta algumas imperfeições técnicas", mas que "o valor documental e a raridade desta obra justificam esse relançamento"). Minha maior reclamação é a "mutilação" efetuada na faixa final, "O Vira" (da qual apenas uma pequena parte aparece no vinil), e a ausência da versão em espanhol para "Sangue Latino", presente em um vídeo de oito minutos facilmente encontrável no youtube quando escrevo este texto.

É na contracapa deste disco de 1980 que um texto de Gérson Conrad coloca que a noite teve "tantos detalhes, como gente que gritava emocionada, que chorava, que desmaiava, que agredia, que atirava flores, que xingava... tudo isso era tão forte e mágico que, quando saímos de cena, não acreditávamos ter conseguido". Pois conseguiram, e realizaram algo tão marcante que, como escrevi antes, mudaria para sempre o cenário musical do país, e possibilitaria que os espetáculos artísticos no Brasil viessem a nos proporcionar emoções múltiplas e variadas nos cinquenta anos que se passaram desde aquela noite, no mínimo, histórica, passada em um Maracanãzinho lotado!

Deep Purple: Cinco Músicas Injustiçadas

Por Micael Machado

Seguindo a ideia do nosso colega André Kaminski, que, há poucos meses, elencou cinco músicas do Iron Maiden que, na sua opinião, seriam "injustiçadas", venho listar aqui cinco canções do seminal grupo Deep Purple que considero que podem ser "encaixadas" na mesma categoria. Os critérios que segui ao selecionar as faixas foram: as músicas não podem ter sido lançadas como single; não podem constar do track list de álbuns ao vivo oficiais (nem de bootlegs que eu conheça); não podem constar de coletâneas oficiais do grupo (pelo menos, não das mais famosas); não podem ter recebido versões de outros artistas (pelo menos, não ter recebido versões de grande repercussão no meio musical); serem músicas que me agradem mais do que outras bem mais "famosas" do que elas (o que, no caso de Deep Purple, nem é tão difícil assim, pois tem muito hit da banda que nem chega a chamar minha atenção), e que, desta forma, eu julgue que mereciam mais atenção do que receberam por parte tanto da imprensa quanto dos fãs (e, por vezes, da própria banda). Sendo assim, vamos à minha relação (em ordem cronológica), e, se puder, deixe a sua nos comentários!

1. The Painter (Deep Purple - 1969)

O terceiro registro da MKI foi o que levei mais tempo para obter uma versão em vinil (embora tenha conseguido uma cópia em CD ainda na década de 1990), e sempre foi o meu favorito desta fase. Uma das faixas de maior destaque do disco, para mim, é "The Painter", onde, em pouco menos de quatro minutos, a banda antecipa a sonoridade da MKII alguns meses antes de oficializar a troca de seus integrantes. Com um ritmo que me remete à "Black Night" (tendo também algo de "Hush" ali no começo), a última faixa do lado A (que vinha emendada à "estranha" "Fault Line") dá espaço tanto para Blackmore quanto para Jon Lord deixarem solos marcantes, ainda que curtos para os padrões que o grupo adotaria pouco tempo depois. Segundo o Discogs, a faixa apareceu em uma coletânea chamada The Best Of Deep Purple em 1972, numa edição lançada apenas nos Estados Unidos. Como eu nem sabia da existência desta compilação, e como ele não foi lançado mundialmente, vou "burlar" a regra que diz que a música não pode constar de lançamentos deste tipo, e incluir esta faixa que, a meu ver, deveria ser mais ouvida e comentada pelos fãs do grupo!

2. Flight Of The Rat (Deep Purple In Rock- 1969)

In Rock foi um dos primeiros discos do Purple que ouvi, sendo, ainda hoje, o meu favorito em sua discografia. "Flight Of The Rat" é, possivelmente, a minha faixa favorita não só deste disco, como de toda a carreira da banda, e, que eu saiba, nunca foi interpretada ao vivo pelo grupo (nos discos ao vivo que conheço da turnê do álbum, tanto oficiais quanto bootlegs - e olha que são vários -, ela nunca apareceu, pelo menos). Uma das poucas faixas do grupo com solos (ainda que curtos) de quase todos os instrumentistas (apenas Glover não tem seu momento "solitário"), além de uma excelente performance vocal por parte de Gillan, nunca entendi porque ninguém parece considerar os quase oito minutos desta faixa no mesmo nível de excelência que eu! Novamente, segundo o Discogs, ela chegou a ser lançada como single na Nova Zelândia, e fazer parte da coletânea tripla The Platinum Collection, de 2005. Como no caso anterior, vou fingir que não sabia desta informação, e incluir esta pérola (que, para mim, é a mais injustiçada desta lista) nesta relação! Espero que compreendam...

3. 'A' 200 (Burn - 1974)

Esta faixa sempre chamou minha atenção não só por ter sido um dos primeiros temas instrumentais do grupo que ouvi (Burn foi um dos primeiros álbuns da banda que conheci), mas, principalmente, pelo trabalho de Jon Lord ao longo de sua duração. O músico, sempre mais lembrado por mim por suas mágicas "peripécias" no órgão Hammond, aqui brinca e (se) diverte com diversos sintetizadores, numa faixa onde a marcação quase "marcial" da cozinha deixa espaço para ele brilhar como poucas vezes na carreira da banda. E o que é o solo de Blackmore na parte final? Nunca entendi porque ela não constava das apresentações ao vivo do Purple, e nem mesmo Glenn Hughes, que, nos últimos anos, tem feito shows "especiais" em tributo ao seu tempo no grupo e a este álbum específico, se dedicou a incluí-la nos repertórios de suas apresentações. Se é para reclamar de algo nesta faixa, é apenas do "fade out" no final, que parece ter nos privado de mais alguns segundos (ou minutos) nesta viagem musical que encerra o melhor álbum da MKIII.

4. Comin' Home (Come Taste the Band - 1975)

Come Taste the Band, o único registro em estúdio da MKIV, é um álbum que levei anos para realmente entender e gostar. Muita gente o acusa de ser muito bom, mas não se parecer com um "disco do Deep Purple". Seja lá o motivo desta afirmação, ela certamente não pode se aplicar à sua faixa de abertura. Hard rock direto, pesado e sem muitas variações, com um piano muito bem colocado por Lord e partes de guitarra mais "pesadas" do que o restante do disco, "Comin' Home" foi, ao que consta, executada pouquíssimas vezes pela banda durante a turnê de divulgação do álbum, e não aparece em nenhum dos discos ao vivo desta época. Pelos meus critérios iniciais, não poderia constar aqui, pois, novamente segundo o Discogs, aparece na coletânea The Collection de 1997 (além de ter sido lado B do single para "You Keep On Moving" no Japão, de ser faixa bônus em algumas edições do The Purple Album, do Whitesnake, e de fazer parte de outra coletânea, Purple Hits - The Best Of Deep Purple, lançada na Finlândia em 2003). Mas, quer saber, não tinha como eu deixar esta faixa de fora desta lista, então, pro espaço (mais uma vez) com as regras!

5. The Spanish Archer (The House of Blue Light - 1987)

Na minha opinião, The House of Blue Light é um dos piores registros da carreira do Deep Purple. Pouca coisa se salva de seus sulcos, e, deste pouco, boa parte está nos quase cinco minutos desta faixa. Para mim, a melhor participação de Blackmore neste retorno da MKII (que inclui o disco anterior, Perfect Strangers), com passagens de música clássica no refrão, e solos e mais solos do "homem de preto", que parece estar participando, nesta faixa, em um disco do "seu" Rainbow, e não do de uma banda "coletiva" como o Purple sempre foi. O que o genioso (e genial) guitarrista faz ao longo da duração desta faixa é digno de figurar bem alto nos melhores momentos de sua carreira. Mesmo assim, ela não aparece no álbum ao vivo oficial da turnê (o também fraquíssimo Nobody's Perfect, de 1988), e, que eu saiba, nem chegou a ser executada ao vivo. Novamente me valendo do Discogs, vi que esta faixa aparece na coletânea The Universal Masters Collection - Classic Deep Purple, de 2003, e em uma outra chamada The Deep Purple Collection, lançada na Alemanha, Áustria e Suíça em 2011. Mais uma vez, fiz de conta que não sabia disso, porque simplesmente tinha de incluir "The Spanish Archer" nesta relação.

Não incluí nenhuma música da fase Steve Morse (seja com Lord ou Airey nos teclados) na lista, pois há muitos discos ao vivo desta época, e quase todas as músicas que eu considero realmente boas gravadas pelo Purple com este guitarrista podem ser encontradas em algum destes registros (embora uma das melhores, "The Aviator", só conste em um deles, ao que eu saiba - o bastante recomendável Live In London 2002, de 2021). Slaves and Masters não merecia sequer ter o nome Deep Purple na capa, que dirá ter uma música nesta lista, e a Mark IX, com o guitarrista Simon McBride, ainda não lançou nenhum álbum oficial, portanto, não se "habilitou" a ter algo na lista.

Havia algumas faixas que eu gostaria muito de ter incluído aqui, mas os critérios que adotei me impediram. Por exemplo:

- Da MKI, "Listen, Learn, Read On" ou "Shield" foram minhas escolhas iniciais, mas a primeira chegou a ser lançada como single (além de aparecer em algumas coletâneas), e a segunda aparece nas bem conhecidas coletâneas Anthology, de 1991, e Purple Passages, de 1972, o que as desqualificou;

- Da primeira fase da MKII, "Rat Bat Blue" sempre foi uma faixa que penso que merecia mais atenção do que recebe. Mas, como ela aparece na famosa coletânea A Fire In The Sky, de 2017 (além de ter sido "lado A" de EP na Tailândia, e "lado B" do single para "Woman From Tokyo", segundo o Discogs), acabou desqualificada para aparecer na lista;

- A segunda versão da MKII, nos anos 1980, deixou uma espetacular  faixa instrumental chamada Son of Alerik, que pouca gente ouviu, infelizmente. Eu a conheci na coletânea Knocking at Your Back Door: The Best of Deep Purple in the 80's, de 1992, mas, segundo o Discogs, ela foi lado B tanto do compacto para "Knocking at Your Back Door" quanto para o de "Perfect Strangers". Sendo assim, não preencheu os requisitos necessários para estar nesta lista, embora tenha qualidades para tal;

- A lindíssima "Holy Man" poderia muito bem representar a MKIII nesta lista, mas, como ela aparece em várias coletâneas (segundo o Discogs), e foi regravada pelo Whitesnake no já citado The Purple Album, acabou ficando de fora;

"Drifter" ou "Love Child" poderiam ser as representantes da MKIV na lista, pois são tão pouco lembradas quanto a que escolhi. Mas ambas tem versões ao vivo oficiais nos discos que registram a passagem de Tommy Bolin pelo grupo, além de aparecerem aqui e ali em coletâneas do grupo, o que acabou as afastando da lista final (embora para ser honesto, "Comin' Home" sempre tenha sido minha escolhida para representar esta fase).

Como bem escreveu o André na sua lista de "injustiçadas" do Iron Maiden, tenho certeza que o caro leitor também tem as suas faixas favoritas que nem a banda, nem a imprensa e nem outros fãs do Purple dão tanta atenção e dedicação quanto você. Fique a vontade para comentar as minhas escolhas e, claro, colocar as suas também no campo de comentários abaixo. Seguindo os critérios que estabeleci, ou não! Topam o desafio?

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Bodom After Midnight – Paint The Sky With Blood [2021]

Por Micael Machado

Em novembro de 2019, o grupo finlandês Children Of Bodom anunciou que os membros fundadores Henkka Seppälä (baixo), Janne Wirman (teclados) e Jaska Raatikainen (bateria) estavam deixando a banda em função das famosas "divergências musicais" com o guitarrista, vocalista, compositor e "líder-da-porra-toda" Alexi Laiho, o qual ficaria apenas com seu companheiro de seis cordas Daniel Freyberg ao seu lado no line-up do time remanescente. Os dois rapidamente se movimentaram para arregimentar uma nova formação para o quinteto, mas um acordo entre Laiho e os membros dissidentes não permitia que o guitarrista continuasse usando o nome Children Of Bodom em seus futuros projetos. Sendo assim, surgiu o Bodom After Midnight (usando o nome de uma das mais famosas composições da extinta banda de Alexi), onde os dois guitarristas teriam a companhia de baixista Mitja Toivonen (ex-Santa Cruz) e do baterista Waltteri Väyrynen (também do Paradise Lost, além de outros grupos). A banda chegou a fazer alguns poucos shows no final de 2020, mas, em 29 de dezembro daquele ano, Laiho viria a falecer de doenças no fígado e pâncreas causadas pelo consumo excessivo de álcool. Sendo assim, parecia que a trajetória musical do novo grupo estava encerrada ali, mas a gravadora Napalm Records, como acontece frequentemente nestes casos, parece ter pensado diferente, e, em fevereiro de 2021, anunciou, junto aos membros remanescentes, que um EP seria disponibilizado ainda naquele ano, o que veio a ocorrer a 23 de abril, segundo a Wikipedia.

Acontece que Laiho e seus novos parceiros estavam iniciando os trabalhos de gravação de seu álbum de estreia quando a morte do líder ocorreu. Três músicas já estavam prontas (gravadas nos estúdios Finnvox na Finlândia, ao lado do produtor e engenheiro Joonas Parkkonen), e foram mixadas por Mikko Karmila e masterizadas por Mika Jussila (dois antigos colabores de Alexi de seus tempos com o Children Of Bodom) para fazerem parte de Paint The Sky With Blood, o único lançamento oficial do Bodom After Midnight, e o epitáfio musical de um dos melhores guitarristas de sua geração.

Bodom After Midnight: Mitja Toivonen, Waltteri Väyrynen, Alexi Laiho e Daniel Freyberg

Duas destas canções são composições originais de Laiho, a faixa título (que, inclusive, chegou a ganhar um vídeoclipe, filmado alguns dias antes da morte do vocalista) e "Payback's a Bitch". Tendo sido compostas, tanto em sua parte musical quanto lírica, por Alexi, é óbvio que estilo das duas não iria se afastar muito daquele usado por ele no COB, mas há algumas diferenças claras, como, por exemplo, o pouco espaço dado aos teclados (que, em estúdio, foram tocados pelo músico convidado Vili Itäpelto).

"Paint the Sky with Blood", a música, é a mais "agressiva" das duas, bastante veloz, e remete aos primórdios da banda anterior do guitarrista, com aquelas "paradinhas" para a guitarra base ter algum destaque e algumas "quebras" de andamento ao longo da execução que eram já tradicionais nas faixas do COB. A letra faz alusão às figuras da mitologia grega das três Erínias (que, na mitologia romana e também na língua inglesa, são chamadas de "fúrias", nome mais adequado a seu "papel" na letra desta composição), que seriam a personificação da vingança, mostrando, talvez, o desejo do músico de se "vingar" de seus ex-companheiros através da continuação de sua carreira de sucesso (algo que, infelizmente, não chegou a acontecer). Já a segunda, apesar de rápida, não é tão veloz quanto a faixa título, mas, ainda assim, apesar de ser mais melódica, consegue ser bastante agressiva. Com um teclado aparecendo menos discretamente que na anterior (mas, ainda assim, com bem menos destaque do que aquele dado ao instrumento na época do COB), tem um solo mais interessante que sua companheira de registro, e se encaixaria bem nos álbuns finais da carreira da banda anterior do líder do grupo. Fecha o EP uma cover para "Where Dead Angels Lie" (gravada originalmente pelo grupo sueco Dissection), a qual é a mais "lenta" das três, mas ainda carrega aquele sentimento "evil" das composições de Laiho ao longo de sua carreira, além de soar relativamente fiel à original, embora as óbvias diferenças entre os vocais de Alexi e de Jon Nödtveidt, e da versão do Bodom After Midnight apresentar menos dissonâncias da guitarra em relação a versão original do Dissection.

Contracapa de Paint The Sky With Blood

Com uma qualidade sonora de produção e gravação bem acima do que eu esperava para as circunstâncias em que foram registradas (ou seja, ainda na fase inicial de um processo que levaria ao álbum completo, e no qual, possivelmente, estas faixas ainda fossem aprimoradas ao longo das etapas de produção do disco), os pouco menos de quinze minutos do EP Paint The Sky With Blood (que ganhou versões em CD e em vinil de 10 polegadas, esta em várias edições limitadas com cores diferentes, além das hoje obrigatórias "versões digitais" em várias plataformas, e de um box set especial, também limitado, com o CD e vários "mimos" para os colecionadores) acabam sendo um registro digno do epitáfio da carreira de Alexi Laiho, um nome a ser lembrado não só pelos fãs do COB ou do Death Metal Melódico, mas por todos aqueles que gostam de um heavy metal bem tocado e de escutar um guitarrista bastante virtuoso e inventivo, que, como já escrevi, foi, para mim, um dos melhores de sua geração. Rest In Peace, Alexi "Wildchild" Laiho! We all will miss you!

Track List:

1. Paint The Sky With Blood

2. Payback’s A Bitch

3. Where Dead Angels Lie

domingo, 3 de dezembro de 2023

Belgrado – Intra Apogeum [2023]


Por Micael Machado

Sete anos se passaram desde Obraz, o disco mais recente até então do grupo espanhol Belgrado, e não foi apenas a formação do grupo que mudou. Se o guitarrista Fer agora prefere assinar seu nome como Fernando Marquez (além de ter passado a cuidar também dos sintetizadores) e se o antigo baixista Renzo Narvaez cedeu seu lugar para Louis Harding já na turnê de promoção daquele trabalho, foi a troca da bateria pelos teclados feita pelo ex-percussionista Jonathan Sirit quem causou o maior impacto na sonoridade da banda, visto que sua antiga função passou a ser exercida por uma bateria eletrônica, também operada por Sirit. Sendo assim, a música do quarteto (completado pela vocalista polonesa Patrycja Proniewska), que antes parecia um pós-punk vindo diretamente de 1980 ou 1981, parece ter "avançado" alguns anos no tempo, e, neste Intra Apogeum ("Apogeu Interno", em polonês), soa como uma mistura de pós-punk com algo do estilo new romantic, em um disco que parece ter sido gravado ali por 1983 ou 1984, e engavetado por todo esse tempo em algum arquivo "perdido" do selo La Vida Es Un Mus, responsável por este lançamento (no caso do Belgrado, com edições em vinil e, pela primeira vez em sua discografia, também em CD), assim como pelos  três registros anteriores do conjunto.

E não é só o estilo musical das novas músicas que remetem aos anos 1980. Os timbres dos teclados e os efeitos eletrônicos (que quase soam datados neste século XXI) escolhidos por Jonathan, além dos padrões de programação selecionados para a bateria eletrônica (elementos todos que já aparecem logo de cara na faixa de abertura "Boixar", que ganhou clipe  é um dos destaques do álbum) e a própria produção do disco passam essa impressão. "Nie Zapomnę", outra que ganhou clipe, conta com um baixo com bastante "groove", e é uma composição em mid-tempo totalmente oitentista, assim como a dançante "Tęsknota".  Os teclados de "Rytmy Wszechświata" a tornam uma das faixas mais pop da carreira da banda, "título" que também pode ser "reclamado" pela agitada  "Tu I Teraz".

Belgrado em 2023: Jonathan Sirit, Patrycja Proniewska, Fernando Marquez e Louis Harding

Com mais de seis minutos, "Elementy Umysłu" tem um começo climático, que descamba em uma faixa que parece saída diretamente das sessões do The Cure na fase que resultou na coletânea Japanese Whispers, com uma sonoridade dançante, mas que carrega ainda alguns toques de melancolia, sentimento que também aparece em "Na Szlak", embora a sonoridade dos teclados apague um pouco esta sensação, além desta ser a única faixa do registro a contar com uma frase na letra que não é cantada na língua polonesa (no caso, o espanhol de "Ni un minuto más", repetido por Pat no final da canção). Já a faixa título, que também fecha o álbum, parece fazer mais claramente o elo que une o passado (graças ao baixo e à sonoridade da guitarra) e o presente (representado pela programação da bateria e pelos timbres de teclado) da sonoridade do Belgrado.

Fer continua enchendo sua guitarra de efeitos que remetem à época áurea do pós-punk britânico do começo da década de 1980, além de continuar econômico nos solos, que, aqui, aparecem ainda menos que nos discos anteriores. O baixo de  Louis também permanece fiel à sonoridade daquela época, soando bem "na cara" dos ouvintes, e, assim como em registros anteriores, continua sendo a característica do som do grupo que mais o aproxima de grupos como Joy Division ou Sisters of Mercy. Já Pat continua cantando apenas em sua língua natal  (com exceção da citada "Na Szlak" - as letras em polonês estão todas lá no encarte, para quem se habilitar a ler aquelas palavras tão cheias de consoantes e tão escassas de vogais), mas agora aparece ainda mais contida em seus excessos vocais do que no álbum anterior, no qual já havia reduzido bastante seus "gritinhos" e "intervenções" que, convenhamos, causavam bastante estranheza quando apareciam em quantidades maiores nos dois primeiros discos do quarteto.

Contracapa de Intra Apogeum

Os pouco menos de trinta e sete minutos de Intra Apogeum pode até ser o ápice interno da banda, como seu nome sugere, mas, externamente, causará bastante surpresa nos mais desavisados que já tiverem ouvido a encarnação anterior do Belgrado antes deste novo registro. Como a sonoridade mais pop e dançante daquela metade da década oitentista nunca soou como ofensa aos meus ouvidos, eu gostei bastante do álbum, mas confesso que prefiro a sonoridade mais "crua" e focada no pós-punk dos discos anteriores. Coisa de gosto, apenas.

Track List

1. Boixar

2. Rytmy Wszechświata

3. Nie Zapomnę

4. Tu I Teraz

5. Elementy Umysłu

6. Tęsknota

7. Na Szlak

8. Intra Apogeum

domingo, 17 de setembro de 2023

Ramones – Pleasant Dreams (The New York Mixes) [2023]

Por Micael Machado

No começo de 1981, quando se reuniram para gravar o seu sexto álbum, que viria a ser lançado em julho daquele ano com o nome de Pleasant Dreams, os Ramones eram uma banda despedaçada e sem união entre seus membros. O "fracasso comercial" de sua tentativa de chegar ao estrelato no ano anterior com o álbum End of the Century, produzido pelo lendário Phil Spector (que, de fato, atingiu os maiores postos nas paradas musicais que a banda já conseguiu, mas não altos o suficiente para os desejos da banda) agravou ainda mais os conflitos entre os membros da banda, a ponto de Johnny (guitarrista) e Dee Dee (baixista - o grupo, caso alguém não saiba, era completado à época por Joey nos vocais e Marky na bateria, todos usando, logicamente, o sobrenome Ramone), parceiros de composição desde o início do grupo, chegarem ao ponto de não se falarem mais entre si, o que dirá sentarem-se para comporem juntos. Com uma orientação muito mais pop do que nos registros anteriores (considerada por alguns como culpa do produtor escolhido pela gravadora, o britânico Graham Gouldman, ex-integrante do 10CC), Pleasant Dreams acabou sendo o primeiro registro do grupo a contar com créditos individuais na criação das canções, e também não conseguiu o tão almejado sucesso comercial, ficando ainda abaixo do disco anterior nas paradas de sucesso (segundo a wikipedia, atingindo o número 58 na parada da billboard americana, e não figurando nas paradas inglesas), mas foi, ao longo do tempo, angariando simpatia dos fãs, e, se "The KKK Took My Baby Away" será sempre a faixa mais lembrada deste registro, os devotos mais leiais dos brothers nova-iorquinos sempre terão faixas como "We Want The Airwaves" ou "She's A Sensation" em um lugar especial dentre as suas favoritas neste álbum...

A aceitação do disco por parte das fãs parece ter mesmo mudado desde o lançamento, ao ponto do tradicional Record Store Day (procure no google sobre ele, caso não saiba) deste 2023 lançar no mercado uma nova versão do disco, chamada de Pleasant Dreams (The New York Mixes). Conta a história (e o encarte da edição expandida do disco original, lançada pela Rhino em 2002) que a banda se reuniu com o produtor em Nova Iorque por "duas ou três semanas" para registrar as faixas básicas, com Joey e Graham embarcando depois para a Inglaterra, onde o disco foi finalizado com a gravação dos vocais "completos", além da adição de backing vocals, e alguns "adornos" como teclados (citados no encarte da referida edição da Rhino como tocados por Dick Emerson, mas que a wikipedia identifica como sendo Vic Emerson, ex-membro de bandas como Mandalaband e Sad Café) e percussão (esta a cargo de Dave Hassell, sobre o qual a wikipedia não me deu maiores informações). Esta edição do RSD traria, portanto, a "versão crua" do disco, ou, como cita o adesivo grudado na edição do vinil, a versão "Works-In-Progress", ou "trabalhos em andamento", da obra. Mas, além da capa (que agora ostenta uma foto da banda, foto esta que já havia aparecido na edição expandida, vale mencionar), do encarte mais simples (sem as letras, e com a foto presente na contracapa original agora ampliada) e do vinil ser na cor amarela (e eu sempre acho legal vinis coloridos), o que há de tão diferente assim? Vale a pena comprar esta edição do RSD de Pleasant Dreams?

Os Ramones em 1981: Johnny, Marky, Joey e Dee Dee

Bem, você nem precisa ser tão fã quanto eu dos "manos" para ter razões de sobra para adquirir esta nova versão. A chance de ouvir novas versões de conhecidas (e, supostamente, apreciadas) faixas do grupo já fala por si só a qualquer colecionador da banda, e o fato de o vinil trazer ainda três faixas "inéditas" em vinil (falaremos mais sobre elas adiante) torna mais que obrigatória a aquisição da bolachona. Não que as músicas da versão original estejam tão diferentes assim: tirando muitos dos backing vocals da versão final, e a ausência dos teclados (mais notadamente em faixas como a citada "We Want The Airwaves", em "7-11", onde o vocal de Joey também parece diferente, como se fosse apenas um "rascunho" da versão presente no disco original, ou ainda na nova versão de "Touring" apresentada aqui) e da percussão (esta mais percebida na parte mais lenta após o primeiro refrão de "It's Not My Place (In the 9 to 5 World)", que aqui perdeu o subtítulo e também o solo de guitarra na mesma parte), pouca diferença há na maioria das faixas presentes nesta "versão americana" do álbum... "She's A Sensation" tem aqui um final abrupto, sem as repetições das vocalizações de Joey presentes na versão "oficial" lançada originalmente, e em "All's Quiet On The Eastern Front" a voz de Joey sobre os versos de Dee Dee ao final da canção parece estar mais alta nesta versão do que no registro original (aqui, cabe um comentário que é mais uma percepção do que um fato: se, no refrão desta canção, Joey e Dee alternam-se nos versos, a forma como Joey canta cada frase das estrofes principais sempre me deu a impressão de serem dois vocalistas cantando cada um o seu verso, como em um dueto, também nestas estrofes. A versão desta edição me ressaltou ainda mais esta sensação, me parecendo que o produtor conseguiu, no resultado final, juntar o que talvez sejam gravações diferentes das linhas de voz de uma maneira mais "orgânica" do que a pré-produção permitiu, com a coisa toda soando mais "crua" aqui, como, normalmente, acaba acontecendo nestes casos). No restante das canções, as principais diferenças estão nos detalhes de pós produção acrescidos á versão final e inexistentes aqui, os quais, para os admiradores de longo tempo da obra, terão uma diferença marcante, mas que, para os ouvintes casuais ou àqueles não tão "íntimos" assim do disco original, talvez passem despercebidos, para ser bem sincero...

As três músicas "inéditas" são um caso à parte: todas já haviam aparecido na forma de demos na edição expandida de 2002, mas, aqui, aparecem em versões melhor gravadas, com uma sonoridade mais "profissional" e ajustada, como se percebe bem em "Sleeping Troubles". "I Can't Get You Out Of My Mind" (que seria regravada, posteriormente, e incluída no track list de Brain Drain, disco de 1989, sem o "I" do título) não soa tão diferente assim da demo já lançada, e "Touring" (que apareceria em uma nova versão anos depois no disco Mondo Bizarro, de 1992), como citei, aparece aqui sem os teclados e muitos dos backings presentes na versão da Rhino. Uma ausência notável é "Come On Now", que, apesar de ter demos presentes em bootlegs da banda que retratam essa época, acabou ficando de fora da seleção desta edição do RSD, por motivos que fogem ao meu conhecimento (assim como não entendi o motivo de mais faixas presentes na edição expandida, ou mesmo de outras demos registradas para o disco, como "I Wasn't Looking For Love", até hoje sem uma versão "oficial", não terem sido incluídas nesta edição, ainda que a mesma virasse um disco duplo por causa destes acréscimos).

Contracapa de Pleasant Dreams (The New York Mixes)

Resumindo, esta nova edição de Pleasant Dreams traz versões "alternativas", mas nem tão diferentes assim, para um disco controverso e considerado "mediano" por muitos, mas registrado pela melhor banda que já passou por este planeta. Se esta definição for suficiente para atiçar a sua curiosidade em ouvir este lançamento, pode se jogar sem medo. A diversão é garantida.

Track List:

Lado 1:

1. We Want the Airwaves 

2. All's Quiet on the Eastern Front 

3. The KKK Took My Baby Away 

4. Don't Go  

5. You Sound Like You're Sick  

6. It's Not My Place  

7. I Can't Get You Out of My Mind  

Lado 2:

1. She's a Sensation  

2. 7-11  

3. You Didn't Mean Anything to Me 

4. Sleeping Troubles 

5. This Business is Killing Me  

6. Sitting In My Room  

7. Touring