sábado, 23 de agosto de 2025

Ministry – Hopiumforthemasses [2024]


Por Micael Machado

Três anos depois de Moral HygieneAl Jourgensen e seus asseclas estão de volta com um novo álbum do Ministry, o qual, arrisco a dizer, corre grande risco de ser o melhor disco da banda desde Houses Of The Molé, de 2004. Além de ter mais riffs marcantes e músicas interessantes do que seus últimos lançamentos (que estavam longe de serem ruins, mas, honestamente, ficavam um nível abaixo do "padrão de qualidade" que a banda nos acostumou durante a década de 1990), o "chefão" Al parece ter ouvido os discos antigos do grupo e resgatou deles o uso de samplers com vozes e citações retiradas de filmes, discursos políticos e programas e noticiários de TV, os quais se integram nas músicas e acabam se tornando parte das letras das mesmas, embora não constem nos textos do encarte. Estes samplers aparecem com ênfase nas duas primeiras faixas, a pesada e arrastada "B.D.E." (iniciais de "Big Dick Energie", cuja letra critica aquilo que, aqui no Brasil ficou conhecido como "cultura Red Pill") e a rápida (e altamente indicada para quem gosta do estilo Metal Industrial praticado pelo Ministry) "Goddamn White Trash", que conta com participação de Pepper Keenan, do Corrosion Of Conformity, nos vocais, e cuja letra se posiciona contra os supremacistas brancos que assolam os Estados Unidos atualmente, além destes efeitos também terem destaque em "TV Song 1/6 Edition", uma das faixas mais rápidas do disco, e, possivelmente, a que mais lembra os "bons tempos" de discos como The Mind Is A Terrible Thing To Taste ou Psalm 69.

Outra que parece saída de um destes dois álbuns é "Just Stop Oil", quase uma "nova versão" da clássica "Just One Fix", e cuja letra alerta (mais uma vez) para os perigos do aquecimento global. Já "New Religion", que tem um dos melhores riffs do álbum, parece vinda de uma fase um pouco posterior, da época do citado Houses Of The Molé ou de seu anterior, Animositisomina. "Aryan Embarrassment" é marcada e pesada, além de trazer novamente a participação especial de Jello Biafra (ex-vocalista dos Dead Kennedys) nos vocais, além de possuir uma das letras mais fortes do disco, com Jello novamente criticando os supremacistas brancos norteamericanos sem nenhuma papa na língua, em frases como "Como as pessoas podem concordar com isto? A democracia se transforma em poeira, em uma guerra ao voto que faz a América odiar novamente. É tudo tão estúpido!".

Alguns dos músicos que participaram das gravações de HopiumforthemassesMonte Pittman (guitarras/baixo), John Bechdel (teclados), Paul D'Amour (baixo), Al Jourgensen (vocais, guitarras e programações), Roy Mayorga (bateria) e Cesar Soto (guitarras/baixo)

Como nos álbuns mais recentes, as letras das músicas são muito importantes para passar a visão que Al tem do mundo atual, a qual pode ser resumida em frases como "Esta é nossa realidade/Este é o fim de nossa sociedade/Parece ser o fim dos tempos/E não é bonito", que ele canta em "It's Not Pretty", outra faixa veloz (com mais um riff bastante interessante), mas que começa de forma leve e acústica, quase confundindo os mais desinformados na carreira do grupo. Quase todas as faixas tem um alvo específico, os quais, além dos já citados acima, também atacam a extrema direita que toma conta da política mundial (em "TV Song 1/6 Edition"), o mercado de capitais que guia os verdadeiros rumos do mundo (em "New Religion") e até contra a guerra Rússia x Ucrânia, em "Cult of Suffering", que traz os vocais de Eugene Hütz, do Gogol Bordello, em uma faixa com trechos cantados em ucraniano, e cuja letra no encarte estampa a frase "Ministry apoia a Ucrânia" na página onde ela aparece.

Assim como no disco anterior, Al Jourgensen (que, aqui, além da produção e dos vocais, também se ocupa de guitarras, baixo, teclados e programações) optou por não ter uma formação fixa para o seu Ministry, embora a maioria dos músicos envolvidos na gravação de Hopiumforthemasses também tenham participado de Moral HygieneMichael Rozon (responsável pelas programações e alguns teclados) e o guitarrista e baixista Cesar Soto ainda são os "parceiros de crime" mais constantes ao longo das faixas, mas desta vez, Cesar divide as funções quase igualmente com Monte Pittman, guitarrista que já tocou com Prong, Body Count e até com a diva Madonna (ela mesma). Roy Mayorga volta a empunhar as baquetas do Ministry (desta vez em três faixas), assim como Paul D'Amour se ocupa do baixo em uma música (e da guitarra em outra) e John Bechdel se encarrega dos teclados em outra. Além dos convidados já citados nos vocais, também temos as participações (em diferentes faixas) do guitarrista Billy Morrison, do tecladista Charlie Clouser, além de vocais adicionais de músicos como Atticus Pittman, Liz Walton, Victoria Espinoza, Dez Cuchiara e Joshua Ray.

Contracapa de Hopiumforthemasses

A citada "Cult of Suffering" é, musicalmente, uma das faixas mais "diferentes" do disco, com um ritmo mais leve e até algum suingue, em uma composição que dá destaque ao que parece soar como um órgão Hammond (tocado, seguindo o encarte, pelo próprio Jourgensen) e que soa quase como uma inofensiva composição pop, e que só não é mais "estranha" no contexto do disco do que a faixa de encerramento, "Ricky's Hand", cover do cantor britânico Fad Gadget (do qual, confesso, eu nunca tinha ouvido falar anteriormente) totalmente eletrônico, com um ritmo quase dançante (e praticamente sem a participação das guitarras) que remete à fase inicial da carreira do Ministry, onde o grupo se dedicava muito mais o synth-pop da época (início dos anos 1980) do que ao metal industrial que adotaria no final daquela década e início da seguinte. Esta fase, inclusive, foi "revisitada" em The Squirrely Years Revisited, álbum de regravações lançado no início deste 2025, o qual, infelizmente, ainda não teve edição nacional. Ainda em 2024, Jourgensen declarou que o próximo álbum de inéditas seria o último da carreira do grupo, além de marcar o retorno do baixista Paul Barker, que fez parte da formação da banda entre 1986 e 2003, e foi o principal parceiro de composições de Al nos "tempos áureos" do grupo. Nem uma coisa nem outra foram confirmadas enquanto escrevo este texto, mas o fato é que, com o retorno de Donald Trump (antigo desafeto de Jourgensen) à Casa Branca e com o mundo cada vez mais pendendo para o lado da extrema direita, duvido que o líder do Minstry vá abandonar sua principal plataforma de comunicação. Afinal, como ele mesmo canta em "Just Stop Oil", "Nós temos algo a dizer, e não há mais como adiar"! Afinal, o mundo, certamente, ainda precisa das letras (e das músicas) do Ministry para tentar acordar!

Track List:

1. B.D.E.
2. Goddamn White Trash
3. Just Stop Oil
4. Aryan Embarrassment
5. TV Song 1/6 Edition
6. New Religion
7. It's Not Pretty
8. Cult Of Suffering
9. Ricky's Hand

Monster Magnet – 25............TAB [1991]

Por Micael Machado

Existem certos discos que exigem uma "dedicação" maior de quem se dispõe a lhes escutar, pois a audição dos mesmos pode ser bastante "complicada" e "difícil" para este corajoso ouvinte. Metal Machine Music, de Lou Reed, e Arc, de Neil Young, se encaixariam nessa categoria, pois são, basicamente, ruídos de feedback e distorções de instrumentos reunidos em uma "canção" contínua composta, basicamente, apenas de "barulhos"... Certamente, há outros exemplos de álbuns com estas características, e um deles foi gravado pela banda norte-americana Monster Magnet em 1991, mas foi lançado no país de origem do grupo apenas em 1993...

Tendo lançado duas demos como um trio ainda no ano de sua fundação, em 1989, o Monster Magnet registrou um single de estreia para a gravadora Circuit Records no ano seguinte (já como quarteto), e um EP de seis faixas também em 1990 pela gravadora alemã Glitterhouse Records, antes de assinar com o selo Caroline Records (na época, estabelecido nos Estados Unidos), o qual lançou o single "Murder/Tractor" pela sua subsidiária Primo Scree também em 1990. Com a boa repercussão do single, a Caroline autorizou a banda a entrar no estúdio para gravar seu primeiro álbum, mas as três faixas resultantes (totalizando mais de 48 minutos) acabaram rejeitadas pela gravadora, fazendo com que o quarteto (formado, então, por Dave Wyndorf nas guitarras e vocais, John McBain na guitarra solo, Tim Cronin no baixo e Jon Kleiman na bateria) voltasse ao estúdio (não sem antes repor Cronin, que passou a cuidar da parte de luzes dos shows ao vivo, pelo baixista Joe Calandra) para gravar novas composições (além de regravar duas faixas de seu primeiro EP e registrar uma cover para "Sin's A Good Man's Brother", do Grand Funk Railroad) e lançar, já em 1991, seu álbum de estreia, chamado Spine of God. Uma turnê pelos EUA em suporte ao Soundgarden para divulgação do primeiro disco completo do Monster Magnet chamou a atenção da gravadora A&M Records, que assinaria com a banda em 1992 e lançaria seu segundo full lenghtchamado Superjudge, no começo de 1993.

A melhor divulgação da major A&M e a boa recepção do público ao segundo álbum do Monster Magnet acabaram levando o nome da banda a plateias maiores, fazendo o grupo ser considerado um "sucesso menor" nos EUA, e um dos precursores do Stoner Metal no país. Quando viu o quarteto em alta nas paradas, aparentemente, a gravadora Caroline "se lembrou" daquelas faixas rejeitadas de 1991, e decidiu lançar as mesmas nos Estados Unidos, no formato de um EP de três faixas chamado 25............TAB, naquele mesmo 1993. O mini-álbum já havia sido lançado na Alemanha pela citada Glitterhouse Records ainda em 1991, mas foi somente com a versão da Caroline (a qual, inclusive, conta com uma capa diferente da versão européia original) que a bolachinha acabou chegando de vez ao grande público.

Capa da versão alemã original de 25............TAB

Se você conhece o Monster Magnet pelos álbuns gravados após este EP, não espere encontrar aqui quase nada do que está acostumado. Se, após Spine of God, o Imã de Monstros se tornaria um dos pilares do Stoner Rock norte-americano, aqui o quarteto ainda era uma banda muito mais voltada a uma sonoridade "psicodélica" e "viajante". No encarte de uma das muitas reedições posteriores, Wyndorf escreveu nas "liner notes" que o grupo "estava ouvindo muito Hawkwind, Amon Duul II, Alice Cooper e Skullflower quando compomos este disco". Os pouco mais de quatro minutos de "Lord 13", a menor faixa do EP, são possivelmente a coisa mais "acessível" do álbum, embora passem longe do estilo que a banda adotaria depois (soando quase como algo das bandas psicodélicas de San Francisco do final dos anos 60, com sua percussão e sonoridade quase acústicas). Já os mais de doze minutos de "25/Longhair" são divididos em uma faixa rápida e mais focada na guitarra durante "25" (que ocupa aproximadamente os oito primeiros minutos da canção) e um pouco mais cadenciada em "Longhair", uma jam instrumental que talvez seja a música deste EP com o estilo mais próximo da sonoridade que o grupo iria adotar em seus lançamentos posteriores, e que, infelizmente, termina com um "fade out" que nos deixa com vontade de escutar mais desta canção.

Embora  "25" tenha algumas "viagens lisérgicas" ali pelo meio, acredito que nada prepare o ouvinte para o que ele irá escutar nos mais de trinta e dois minutos da faixa de abertura, intitulada "Tab". Sobre uma sólida e repetitiva base formada pelo baixo e pela bateria, guitarras "viajantes" se misturam a efeitos eletrônicos e distorções diversas, além de vocalizações quase orientais e falas diversas (e distorcidas por efeitos sonoros variados, como ecos e repetições), formando uma das faixas mais abstratas e "psicodélicas" que eu já ouvi de uma banda (supostamente) de hard rock, e a qual é impossível descrever em detalhes aqui. No mesmo encarte citado antes, Wyndorf explica que " 'Tab' foi uma das primeiras coisas que fizemos como banda. Há uma versão realmente crua dela em nossa primeira demo, e (para a versão que saiu no EP) foi feita apenas uma mixagem dela, devida à sua duração e porque não tínhamos muito dinheiro para gravar". Ainda nessas "liner notes", o vocalista explica que o EP "foi a última coisa que Tim (Cronin) gravou antes de passar para a parte de iluminação", e que "não tocamos muita coisa desse álbum ao vivo (depois de gravá-lo), acho que fizemos '25' umas duas vezes, e foi só".

Contracapa da versão americana de 25............TAB

Como escrevi acima, o EP chegou a ser lançado na Alemanha (em vinil e CD) ainda em 1991 (dois anos antes de seu lançamento oficial nos EUA, portanto). Ele foi relançado pelo selo Steamhammer em 2006, também na Alemanha, com uma versão ao vivo da faixa "Spine Of God" como bônus (a mesma versão seria relançada em 2017 pela Napalm Records tanto na Europa quanto nos EUA), sendo que existe ainda uma versão da Caroline Records (presumidamente de 1994) que agregou o single "Murder/Tractor" às três faixas originais, embora as faixas do compacto apareçam como "hidden tracks" na versão em CD (que, particularmente, é a que possuo). Seja em qual edição for, tenho certeza que nada irá lhe preparar para o estranhamento de ouvir algo como "Tab". Encare por sua própria conta e risco, e, caso enfrente o desafio, tenha uma boa "viagem sonora". Afinal, como diz uma nota no encarte de Spine of God, "it's a satanic drug thing... you wouldn't understand" (deixo a tradução para vocês...).

Track List:

1. Tab

2. 25 / Longhair

3. Lord 13

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Tralhas do Porão: The Immediate All-Stars, o supergrupo que nunca existiu


Por Micael Machado

Você certamente já ouviu falar (e deve ter escutado muito) de grupos como Yardbirds, Cream, Led Zeppelin e Rolling Stones. Mas você já ouviu falar do The Immediate All-Stars, um "supergrupo" que reuniu músicos com passagens pelas bandas citadas, lançou algumas músicas na década de 1960, mas nunca fez nenhum show, ou sequer (no caso de uma das suas formações) se reuniu em uma sala de ensaios ou de gravações? Pois é da história desta curiosa formação que venho tratar neste texto. Sente-se confortavelmente em sua poltrona favorita, e vamos ao papo:

Tudo começa em meados de 1965, quando Jimmy Page, já então um reconhecido músico de estúdio na Inglaterra, foi contratado pelo empresário dos Stones, Andrew Loog Oldham, para atuar como produtor para o recém-formado selo Immediate Records, de propriedade de Oldham e do empresário Tony Calder. Dentre vários grupos que Page produziu para o selo, estavam os membros remanescentes da banda Cyril Davies And His Rhythm And Blues All Stars, um combo de blues que havia se "desintegrado" após a morte do guitarrista Cyril Davies em 1964, e que gravou algumas sessões para o selo Immediate naquele ano, ao que pude apurar, com o próprio Page como guitarrista substituindo o falecido Davies. Pouco tempo depois, Jimmy agendou outra sessão com estes músicos, desta vez tendo como guitarrista o genial Jeff Beck (amigo de longa data de Page, e indicado por ele para substituir Eric Clapton nos Yardbirds). Beck foi acompanhado nestas gravações por um trio formado pelo baterista Carlo Little, pelo baixista Cliff Barton e pelo pianista Nicky Hopkins (que depois viria a colaborar com grupos como Rolling Stones e The Who, dentre outros), todos eles ex-membros da All Stars original; porém, não posso afirmar serem estes os mesmos músicos da primeira sessão citada. Esta formação ficou conhecida como The Allstars Featuring Jeff Beck, e registrou cinco faixas instrumentais para o selo de Oldham e Calder, sendo que Page participa como guitarrista em pelo menos duas destas gravações (as "agitadas" "Down in the Boots", onde o baixo de Barton aparece com bastante destaque, e "LA Breakdown", com destaque total para o piano de Hopkins, sendo que Page tem uma participação bastante discreta no arranjo nas duas composições), com Hopkins assumindo o protagonismo em "Piano Shuffle" (que, como o nome deixa claro, é um agitado shuffle liderado pelo piano), e Beck sendo o solista em "Chuckles" (um blues mais "agitado" em que a rascante guitarra de Jeff divide atenção com o piano de Hopkins) e em "Steelin'" (um blues mais "tradicional" de 12 compassos, onde Hopkins novamente divide o destaque com Beck), a qual foi a primeira destas faixas a ser lançada, inicialmente como "lado B" de um compacto feito pela Immediate ainda em 1965 para tentar promover uma carreira musical para o fotógrafo de moda londrino David Anthony, e que foi creditada apenas a Anthony (que adotou o pseudônimo 'Charles Dickens' para estas sessões), sem citar os músicos envolvidos.

Guitar Boogie, compilação cuja versão alemã reuniu primeiro as faixas gravadas pela Allstar tanto com Beck quanto com Clapton

Meses depois, ainda em 1965, Page convidou Eric Clapton (amigo de longa data do então produtor da Immediate, sendo que os dois já haviam feito diversas jams pelos palcos londrinos desde 1962, além de Page ter produzido algumas gravações dos Yardbirds enquanto Clapton ainda era guitarrista do grupo) para uma jam session em seu estúdio caseiro de Londres. Os dois registraram sete "improvisos" instrumentais baseados no blues, apenas com as duas guitarras, e sem nenhum interesse de lançamento comercial. Porém, Jimmy, empolgado com o resultado, acabou comentando sobre as gravações com Oldham, e, pouco depois, os representantes da gravadora "intimaram" Page a lhes entregar as fitas originais, alegando que, como empregado do selo, as gravações feitas pelo guitarrista pertenceriam, por direito, à Immediate. Temendo um processo judicial, Page entregou as fitas à gravadora, porém os alertou que elas não tinham qualidade suficiente para serem lançadas. Vendo o potencial comercial que aquela associação poderia trazer (Clapton estava então tocando com os Bluesbreakers de John Mayall, sendo esta mais ou menos a mesma época em que as pichações de "Clapton Is God" começaram a surgir em Londres), os representantes do selo pediram a Page que "completasse" as faixas, visando um futuro lançamento destas. O produtor então chamou seus amigos Ian Stewart (pianista dos Rolling Stones à época) e Bill Wyman (baixista dos mesmos Stones), além do baterista Chris Winters (que a maioria das fontes que encontrei afirmam ser, na verdade, Charlie Watts, baterista também dos Stones, que teria adotado o pseudônimo por questões contratuais), para gravar bases para as faixas que ele havia registrado pouco antes com Clapton (detalhe é que Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, acabou comparecendo também às sessões, embora tenha apenas tocado harmônica - ou "gaita de boca", como o instrumento também é conhecido - nestas gravações).

As sete faixas instrumentais registradas por Page e Clapton passam por estilos diferentes de Blues, estilo ao qual Clapton era radicalmente devoto à época (sendo que a inclinação para uma sonoridade mais "comercial" foi o principal motivo para sua saída dos Yardbirds no começo daquele 1965). Enquanto "Choker" é um agitado rhythm and blues (onde os dois guitarristas dividem os solos, embora não haja um "duelo" entre eles) que, infelizmente, termina em um "fade-out" com gosto de "quero mais", "Snake Drive" representa aquele tipo de blues mais "arrastado", sendo a mais lenta de todas estas gravações. As faixas "Draggin' My Tail" e "West Coast Idea" já são aquele tipo de blues mais "lento" (embora não tão "arrastado" quanto a anterior), sendo que Wyman parece tocar um contrabaixo acústico na segunda, enquanto Clapton e Page novamente dividem os solos na primeira (que, a meus ouvidos, é a única das sete a contar com a harmônica de Jagger).

"Freight Loader" também segue esta estrutura mais "lenta" do blues, e, curiosamente, não conta com o acompanhamento da banda de apoio, assim como "Tribute To Elmore" (que, acredito, seja dedicada a Elmore James, lendário bluesman norte-americano, e ídolo tanto de Page quanto de Clapton) e "Miles Road", duas faixas onde Page "segura" a base naquele andamento mais "tradicional" do blues de doze compassos para Clapton "debulhar" na guitarra solo, especialmente na segunda, que parece "clamar" por um acompanhamento da seção rítmica, algo que, infelizmente, não acontece - cabe ainda citar que esta formação da Allstar com Clapton/Page/Stewart/Wyman/Winters (ou Watts)/Jagger ficou conhecida como The Immediate All-Stars, para diferenciar da formação com Beck, e foi a tal "banda" que nunca se reuniu sequer em uma sala de ensaios antes de ter suas músicas lançadas, pois as gravações da seção rítmica foram feitas em sessões separadas daquelas com os dois solistas.

White Boy Blues, compilação que reúne as doze faixas gravadas pela Allstar

Todas as músicas citadas são bem curtas (apenas "Down in the Boots" e "Draggin' My Tail" ultrapassam os três minutos, a segunda por apenas sete segundos, sendo que "Choker" não chega sequer aos dois minutos), e servem mais como "curiosidades" para os fãs dos três gênios da guitarra citados do que como "faixas obrigatórias" na carreira dos músicos. As doze faixas gravadas nas sessões com Beck e Clapton foram, ao que consegui apurar, lançadas inicialmente nos três volumes da coleção Blues Anytime: An Anthology of British Blues, que a Immediate Records colocou no mercado em 1968 (sendo que as cinco faixas com Beck aparecem no terceiro volume, disco cuja capa abre esta matéria, e as sete com Clapton estão espalhadas pelos três registros da coleção). O lançamento comercial destas gravações (algo com o qual Page alega até hoje não ter tido nenhum envolvimento, nem ter recebido nenhum centavo por isto) "azedou" a amizade entre o produtor e Clapton, que considerou o ato como uma "traição" do amigo (visto que as faixas onde os dois tocam juntos não haviam sido gravadas com esta intenção), e levou os dois a se afastarem por quase vinte anos, segundo conta a história (não sei quando nem como os dois "fizeram as pazes", mas parece que eles vieram a se "entender" tempos depois).

Não consegui identificar quais as faixas gravadas por Page com a All-Stars na primeira sessão, ocorrida antes das gravações com Beck, nem se Beck efetivamente participa das duas faixas com Page registradas na segunda sessão citada no texto (embora todas as fontes indiquem que os dois guitarristas tocam em “Down in the Boots” e “LA Breakdown”, me parece haver apenas uma guitarra ali, que, pelo que apurei, seria de Page). Mas, de todo modo, existem compilações de Beck onde pelo menos quatro das cinco faixas citadas (com “Piano Shuffle” sendo a exceção) aparecem creditadas ao guitarrista, então…

Aparentemente, a gravadora Immediate usou o nome All-Stars em outras gravações feitas posteriormente para o selo (inclusive, existe uma faixa que é “lado B” do single “The First Cut Is the Deepest”, de PP Arnold, lançado em 1976, e que saiu sob o nome The Immediate All Stars – a faixa, chamada “King Of Kings, ao que apurei, teria sido gravada em 1967, mas não sei quais os músicos envolvidos), porém, ao que pude apurar, apenas a “marca” foi usada, utilizando outros músicos que tinham contrato com o selo na época, e sem nenhuma ligação a Page, Beck, Clapton ou aos músicos dos Stones.

Em 1971, a versão alemã da compilação Guitar Boogie reuniu as sete faixas registradas com Clapton a quatro das cinco faixas registradas com Beck (apenas "Piano Shuffle" ficou de fora, sendo que "Miles Road" não aparece nas versões internacionais da coletânea). As doze faixas aparecem espalhadas ao longo dos quatro lados da versão em vinil da compilação White Boy Blues, de 1984, junto a faixas de grupos como John Mayall & The Bluesbreakers, Cyril Davies And The All Stars, Santa Barbara Machine Head e Jeremy Spencer. As faixas com Beck aparecem aqui e ali em diversas coletâneas do guitarrista (embora a única em que eu tenha encontrado as cinco juntas seja a compilação British Blues Heroes, de 1990, que também apresenta músicas de outros artistas), enquanto as sete faixas de Clapton foram reunidas em parte da compilação dupla The Early Clapton Collection, de 1987 (que também apresenta faixas gravadas pelo guitarrista com os Yardbirds e com o John Mayall's Bluesbreakers, e que foi onde as conheci, sendo este o registro responsável pela confecção deste texto, pois nunca antes eu havia ouvido sequer falar da existência da All-Stars, sendo que acho curioso que o grupo não é sequer citado nem na biografia de Clapton, nem no livro Luz e Sombra, que aborda a carreira de Page), sendo que a compilação Eric Clapton & Friends: The Early Years, lançada em CD e K7 em 1991, reúne cinco destas faixas (e ainda credita erroneamente "Snake Drive" e "Tribute To Elmore" a John Mayall & The Bluesbreakers). 

Como escrevi, nenhuma destas faixas vai mudar a sua visão sobre a carreira ou o talento de nenhum dos envolvidos. São "apenas" blues instrumentais executados por alguns dos melhores músicos do estilo que perambulavam pelos estúdios de Londres naquele ano de 1965. Achei esta uma história bastante curiosa, porque a existência de um grupo reunindo músicos dos Yardbirds e Stones (e gente que, futuramente, seria do Cream e do Led Zeppelin) – e até “Deus” (no caso, Clapton) – deveria ser mais “lendária” e “famosa’ do que é, e, antes de conhecer a compilação do Clapton que citei no texto, eu nunca havia escutado sequer menção a estas gravações! Acho o fato destas gravações terem ficado “escondidas” em algum canto da história, pelo menos, muito curioso! Se sua "praia" sonora for a do blues mais "tradicional", pode conferir sem medo, pois não há nenhum risco de se arrepender do que você irá escutar. Boa audição!

domingo, 27 de abril de 2025

R.E.M. - Green [1988]


Por Micael Machado

No começo de 1988, o grupo norte-americano R.E.M. trocava a gravadora independente I.R.S. pela "major" Warner Bros., em uma negociação que levou muitos de seus fãs a acusá-los de "vendidos", devido ao fato de o grupo ter construído sua reputação e sua carreira inteira (que contava, à época, com cinco álbuns de estúdio e um EP) sob as "asas" do selo "menor", o que os levou a um grande reconhecimento no setor das "college radios" americanas, e os tornou um dos grupos favoritos do chamado "rock alternativo" de então. Mas o quarteto, formado à época por Michael Stipe nos vocais, Peter Buck nas guitarras, Mike Mills no baixo e Bill Berry na bateria, estava frustrado com as cobranças da I.R.S. por vendas cada vez maiores, além de não concordarem com a estratégia de divulgação e distribuição do selo para a banda fora dos EUA. A promessa de total liberdade criativa e de uma distribuição melhor por parte da Warner foi decisiva para que o grupo fechasse um acordo com a nova gravadora (ainda que, financeiramente, a proposta não fosse a mais vantajosa), e assim, em março de 1988, o grupo começou a registrar as demos do que viria a ser o seu sexto disco, novamente produzido por Scott Litt (que já havia trabalhado com o grupo no álbum anterior, Document, de 1987), e que viria a ser lançado em 8 de novembro de 1988, sob o nome Green.

Ainda na fase de demos, segundo o belo texto de Allan Jones (editor da revista Uncut) presente no encarte da edição de vigésimo quinto aniversário do disco (voltaremos a ele mais tarde), Stipe havia pedido a seus colegas que não escrevessem mais canções "típicas" do R.E.M.. Havia por parte dos músicos uma ideia de mudar a sonoridade característica do grupo (descrita, segundo Buck em entrevista da época, como "coisas semi-folk, semi-rock, semi-baladas, compostas em tons menores e enigmáticos"), de evitar repetições, de trilhar novos "caminhos" musicais nas novas composições do quarteto. "Pop Song 89", a faixa que abre Green, já demonstra esta ideia, pois, ainda que a guitarra de Buck ainda ecoe a fase anterior da banda (em seus timbres e na melodia de seus riffs, especialmente no tema "solo" que se repete ao longo da música), o restante da composição traz uma aura "pop" e "mainstream" que poucas vezes havia aparecido no catálogo do grupo até então. "Get Up" e "Stand", outras duas faixas do álbum (onde destaco os sempre bem colocados e executados backing vocals de Mills - e de Berry também, como podemos conferir nos vídeos do período), também tem esta sonoridade mais "acessível", tanto que todas foram lançadas como singles, ajudando na divulgação e no reconhecimento do álbum (que foi o primeiro registro do grupo a receber disco de ouro - e depois de Platina - na Inglaterra, além de atingir Platina Dupla nos EUA e no Canadá e Ouro na Nova Zelândia e na Espanha) e a difundir mundialmente o nome do R.E.M., como a banda desejava então.

O R.E.M. em 1988: Bill Berry, Michael Stipe, Peter Buck e Mike Mills

A busca por novas sonoridades também levou o grupo a experimentar com novos instrumentos, e até com trocas de posição na "escalação" do "time R.E.M.". Com Berry no baixo, Mills no acordeão e Buck no mandolin (instrumento que o músico ainda estava recém aprendendo a tocar, segundo o texto de Jones), foi registrada a acústica "You Are the Everything", uma das mais belas baladas da carreira do grupo. O mandolin de Buck também é destaque em "Hairshirt" (também com Berry no baixo, mas com Mills deslocado para o órgão) e "The Wrong Child", duas faixas que seguem uma linha musical parecida com a de "...Everything", porém sem, na minha opinião, alcançar os mesmos níveis de excelência (especialmente a segunda, onde o dueto entre Mills e Stipe e alguns tons mais altos alcançados pela voz do segundo sempre me incomodaram um pouco).

"Orange Crush" (primeiro single lançado para divulgar o álbum) e "Turn You Inside-Out" (que conta com o convidado Keith LeBlanc na percussão, e é a música que fez com que eu realmente me apaixonasse pelo R.E.M., junto com "You Are the Everything", quando as conheci assistindo na televisão ao documentário Tourfilm, como já contei em outro texto para o site) estão dentre as coisas mais "pesadas" já gravadas na carreira da banda, enquanto a sombria "I Remember California" e, principalmente, a bela "World Leader Pretend" (que conta com as participações especiais dos músicos convidados Jane Scarpantoni no cello e Bucky Baxter na Pedal Steel Guitar) são as que mais lembram a fase anterior do grupo ("...Pretend" ainda ficou com o "mérito" de ser a primeira música a ter sua letra publicada no encarte de um disco da banda, algo que não se tornaria assim tão comum nos lançamentos posteriores da carreira do R.E.M.).

Lançado à época em CD, LP e K7 (além de ter uma versão promocional com capa em cores diferentes, mais escuras e sombrias, que vinha em uma caixa coberta por um tecido com o nome da banda e do disco gravados em baixo-relevo, marcando a primeira vez que a gravadora lançava uma "edição especial" para um álbum do R.E.M., algo que viria a se repetir em todos os discos posteriores - menos no último -, como já explicado em uma série de quatro partes aqui no site), Green ainda conta com uma espécie de "faixa escondida", oficialmente sem título, e que, por isto mesmo, passou a ser conhecida como "Untitled". Com Buck na bateria e Berry na guitarra, a faixa é, segundo o citado texto de Jones, uma "oração sussurrada por um mundo ferido", "tão cheia de uma vulnerabilidade maravilhosa que nem precisa de um nome, pois seria perfeita seja como fosse chamada". Honestamente, não ouço tudo isto em mais uma faixa com acenos ao pop, mas sem se afastar totalmente do alternativo, como as três primeiras faixas citadas, as quais, a meu ver, conseguem resultados auditivos muito melhores do que a faixa de encerramento deste que é um dos meus registros favoritos na carreira do R.E.M..

Contracapa da versão em CD de Green

A excursão para promover Green durou onze meses, e, ainda durante esta tour, o grupo passou a incorporar em suas apresentações as faixas "Low" e "Belong", que só viriam a ser registradas oficialmente em seu próximo disco de estúdio. As duas aparecem, ainda em versões "embrionárias", no CD bônus que acompanha a citada edição de vinte e cinco anos lançada em 2013 (há ainda uma outra edição lançada em 2005, que contém como bônus um DVD-áudio com uma mixagem em 5.1 surround e alguns extras, como um documentário e uma galeria de fotos), a qual, além do álbum remasterizado, ainda traz parte de um show feito pelo grupo na cidade de Greensboro, na Carolina do Norte, em 10 de novembro de 1989 (uma foto do set list manuscrito da apresentação presente no encarte deixa claro que algumas músicas interpretadas na ocasião não estão presentes no CD, como, por exemplo, "So. Central Rain" e "Feeling Gravitys Pull", duas das minhas favoritas na discografia do quarteto). Registros de partes da mesma excursão também aparecem no já citado vídeo Tourfilm, lançado em 1990, cujo áudio foi totalmente retirado do mesmo show em Greensboro presente na edição de aniversário citada acima. Com o final da digressão, o R.E.M. voltaria aos estúdios no meio de 1990, para trabalhar no sucessor de Green, o qual viria a ser Out of Time, o álbum que, finalmente, faria o grupo "estourar" nas paradas do mundo inteiro. Mas isto é assunto para um outro texto.

Track List:

1. Pop Song 89
2. Get Up
3. You Are The Everything
4. Stand
5. World Leader Pretend
6. The Wrong Child
7. Orange Crush
8. Turn You Inside-Out
9. Hairshirt
10. I Remember California
11. Untitled

Dez bandas em que os músicos que gravaram o disco de estreia já faleceram


Por Micael Machado

Embora as raízes do estilo venham de bem antes, não seria errado considerarmos a década de 1950 como o início do rock and roll, com o surgimento de nomes como Elvis Presley, Little Richard, Fats Domino, Chuck Berry e Jerry Lee Lewis, dentre outros. Sendo assim, são pelo menos setenta anos do estilo no mundo da música, e é natural que, durante este período, muitos músicos tenham falecido ao longo deste tempo. O que não é tão comum é que um grupo ou banda tenha todos os seus membros já falecidos, pois, geralmente, pelo menos um dos membros originais ainda está entre nós, muitas vezes na ativa. Desta forma, listo neste artigo dez bandas onde os músicos que registraram o disco de estreia do grupo (mesmo que não fossem os membros originais) já não estão mais entre nós, fazendo parte daquela famosa "jam session no céu" a qual às vezes os fãs se referem (e, com um line up destes, daria para fazer um grande festival "do outro lado", e ainda chamar um monte de "músicos convidados" para participar). Vamos à lista (por ordem de lançamento dos discos de estreia):


The Jimi Hendrix Experience (
Are You Experienced - 1967)

Jimmy James era um guitarrista tentando se destacar no circuito de shows de Nova Iorque quando Linda Keith, a então namorada do guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards, o viu tocar no Cheetah Club, naquela cidade. Linda o indicou a Chas Chandler, que assumiu o papel de empresário de Jimmy e o levou para a Inglaterra, onde o músico foi rebatizado como Jimi Hendrix, e foi formada a The Jimi Hendrix Experience, com o também guitarrista Noel Redding (deslocado para o baixo) e o excelente baterista Mitch Mitchell. Este trio gravou três discos entre 1967 e 1968, e mudou para sempre a história da guitarra na música, com muitos (eu inclusive) afirmando que Hendrix foi o melhor guitarrista que já passou pela face do planeta em todos os tempos. Ele foi o primeiro a partir, em 1970, oficialmente "asfixiado após ter aspirado seu próprio vômito enquanto estava intoxicado com barbitúricos" (supostamente após ter ingerido um remédio para dormir usado pela então namorada Monika Dannemann), em circunstâncias que são discutidas e debatidas até hoje. Redding partiu em 2003, de problemas decorrentes de cirrose, com Mitchell vindo a falecer em 2008, de causas naturais, fazendo, desta forma, que o trio pudesse novamente ter condições de se reunir "no além", onde devem estar fazendo intermináveis jams ainda hoje.

Canned Heat (Canned Heat - 1967)

Formada em Los Angeles em 1965, o Canned Heat foi um dos principais divulgadores do blues rock nos EUA no final da década de 1960 e início da seguinte, gravando álbuns que viraram clássicos com a passagem do tempo. Embora não seja a original, a formação com Bob Hite (vocais), Alan Wilson e Henry Vestine (guitarras), Larry Taylor (baixo) e Frank Cook (bateria) registrou o disco de estreia em 1967, com Cook sendo substituído por Adolfo "Fito" de la Parra no final do mesmo ano, completando uma formação que ficaria unida por mais três álbuns entre 1968 e 1969. Da formação do primeiro registro, Alan Wilson foi o primeiro a partir, em 1970, por overdose de barbitúricos, seguido por Bob Hite em 1981 (por overdose de heroína), Henry Vestine em 1997 (problemas cardíacos), Larry Taylor em 2019 (câncer) e, finalmente, Frank Cook em 2021 (não encontrei o motivo de sua morte em minhas pesquisas, mas, aparentemente, foi por causas naturais). Fito de la Parra mantém o grupo na estrada ainda hoje, porém, sem o mesmo destaque que o Heat já teve em décadas passadas.

Silver Apples (Silver Apples - 1968)

Considerado um dos pioneiros no uso de recursos eletrônicos no mundo do rock, o duo Silver Apples (formado por Danny Taylor na bateria, percussão e vocais, e Simeon Oliver Coxe III nos sintetizadores, vocais e "demais instrumentos") é, ao lado do Kraftwerk, um dos mais influentes grupos da história quando tratamos de música eletrônica, sendo citados e lembrados ainda hoje em dia (por exemplo, o filme "Guerra Civil", de 2024, apresenta com destaque em sua trilha sonora uma das músicas da banda, "Lovefingers", deste mesmo disco de estreia). Tendo lançado dois álbuns no final da década de 1960, o duo se separou em 1970, após gravar um disco rejeitado pela gravadora, o qual só seria lançado em 1998, quando a dupla já havia voltado a se apresentar junta, após a retomada do grupo apenas com Simeon e outros músicos em 1996. Taylor faleceu em 2005 (não encontrei o motivo de sua morte em minhas pesquisas), com Simeon dando continuidade sozinho ao nome (e às atividades) do grupo até sua morte, em 2020, por fibrose pulmonar, o que finalmente encerrou o capítulo da banda nos livros de história.

Lynyrd Skynyrd (Pronounced 'Lĕh-'nérd 'Skin-'nérd - 1973)

A formação que registrou o disco de estreia do Lynyrd Skynyrd, um dos pioneiros e mais importantes grupos do southern rock, composta por Ronnie Van Zant (vocais), Gary Rossington e Allen Collins (guitarras), Ed King (baixo e guitarras), Billy Powell (teclados) e Bob Burns (bateria), também não é a original da banda, mas gravou este e o segundo álbum (onde teve o acréscimo de Leon Wilkeson no baixo, deixando King livre para focar apenas nas guitarras) antes de Burns ser substituído por Artimus Pyle (bateria), que, entre idas e vindas, permaneceu no posto até 1991. Como sabemos, Ronnie faleceu no trágico acidente de avião em que a banda se envolveu em 1977 (e que também ceifou a vida do guitarrista Steve Gaines e de sua irmã, a "backing vocalist" Cassie Gaines, além de outros membros da equipe da banda), com Allen Collins fazendo a passagem em 1990 (por causa de complicações de um acidente automobilístico que o deixou paralisado da cintura para baixo, ocorrido em 1986). Os demais membros que gravaram o disco de estreia faleceram já nos anos 2000, sendo Powell em 2009 (ataque cardíaco), Burns em 2015 (acidente de carro), King em 2018 (câncer) e Rossington mais recentemente, em 2023 (de causa não revelada). Leon Wilkeson também faleceu, em 2001 (por causas naturais), deixando Artimus Pyle como o único músico vivo (enquanto escrevo) dentre os membros da banda citados neste texto.

Som Nosso de Cada Dia (Snegs - 1974)

Formado na cidade de São Paulo em 1971, o trio composto por Manito (teclados, saxofone, violino e flauta), Pedro "Pedrão" Baldanza (vocais, guitarra e baixo) e Pedrinho Batera (bateria e vocais) foi um dos mais importantes nomes do rock progressivo nacional nos anos 1970, tendo lançado o seu disco de estreia, o sensacional Snegs, em 1974, com Manito deixando o grupo no ano seguinte. Entre idas e vindas, Pedrão manteve vivo o nome do Som Nosso até sua morte, em 2019 (de causas não divulgadas), sendo que, neste meio tempo, a formação original chegou a se reunir e gravar um disco ao vivo, lançado em 1994 (com o acréscimo de Jean Trad na guitarra e Homero Lotito nos teclados), com Pedrinho vindo a falecer no ano seguinte, vítima de uma isquemia cerebral, forçando o grupo a uma nova parada. Manito ainda participou de um novo retorno em 2008, onde ele e Pedrão tiveram a companhia dos músicos de apoio Thiago Furlan e Jorge Canti (vocais), Marcelo Schevano (guitarra e flauta), Fernando Cardoso (teclados) e Edson Guilardi (bateria), mas, em 2011, viria a sucumbir a um câncer na laringe. Como escrevi acima, Pedrão seguiu tocando e gravando como Som Nosso de Cada Dia até falecer, chegando a lançar um terceiro disco de estúdio do grupo pouco antes de sua passagem, em 2019, e até a dar uma entrevista exclusiva para este nosso site em 2017.

Ramones (
Ramones - 1976)

Um dos precursores do punk rock, o quarteto novaiorquino formado pelos "irmãos" Joey Ramone (vocais), Johnny Ramone (guitarra), Dee Dee Ramone (baixo, backing vocals) e Tommy Ramone (bateria) gravou três discos de estúdio entre 1976 e 1977, além de um ao vivo lançado em 1979 (mas gravado em 1977), antes de Tommy dar lugar a Marky Ramone em 1978, com o grupo seguindo carreira (entre mudanças de formação e muitos shows ao redor do mundo) até sua separação, em 1996. Joey faleceu em 2001 por causa de um linfoma, com Dee Dee o seguindo no ano seguinte, devido a uma overdose de heroína. Em 2004, Johnny sucumbiu a um câncer de próstata, e Tommy faleceu em 2014, vítima de um câncer do ducto biliar. Marky, CJ (baixista que substituiu Dee Dee em 1989) e Richie (baterista que tocou com o grupo entre 1983 e 1987) seguem na ativa, cada um com sua própria carreira solo, e, de certa forma, mantendo a música do grupo viva pelos palcos do mundo!

Motörhead (
Motörhead - 1977)

A estreia oficial de uma das mais influentes bandas da história (tanto do heavy metal quanto do punk e do hardcore) não foi, na verdade, o primeiro registro do grupo, pois o baixista e vocalista Ian Fraser "Lemmy" Kilmister já havia gravado, com outra formação, um disco rejeitado pela sua gravadora no ano anterior. Com a entrada de "Fast" Eddie Clarke nas guitarras e Phil "Philthy Animal" Taylor na bateria, a "formação clássica" do Motörhead surgiu em 1977, permanecendo junta até 1982 e lançando cinco discos, sendo o primeiro registro colocado no mercado naquele mesmo ano de 1977. O disco "rejeitado" de 1976 apareceria nas prateleiras do mundo (inicialmente, sem a permissão nem o aval da banda) apenas em 1979, tendo as partes de bateria regravadas por Animal (sendo que as originais foram registradas por Lucas Fox, que teve suas linhas mantidas apenas em uma música) e as linhas de guitarra registradas por Larry Wallis (que também integrou o Pink Fairies). Animal e Lemmy faleceram em 2015 (o primeiro de problemas no fígado, e o segundo de problemas cardíacos, além de sofrer de câncer de próstata), com "Fast" Eddie indo lhes encontrar em 2018, vitimado por uma pneumonia. Larry Wallis faleceu em 2019 (de causas não divulgadas), deixando Fox como o único músico vivo (enquanto escrevo) dentre os membros da banda citados neste texto (cabe citar que outro músico que passou pela banda, o guitarrista Michael "Würzel" Burston, que tocou com o Motörhead entre 1984 e 1995, também já faleceu, vítima de problemas cardíacos, em 2011).

Emerson, Lake & Powell (Emerson, Lake & Powell - 1986)

Keith Emerson (teclados) e Greg Lake (baixo, guitarras e vocais) fizeram fama e fortuna nos anos 1970 como parte do Emerson, Lake & Palmer, um dos principais nomes do rock progressivo naquela década. Após a separação do trio, em 1979, havia por parte dos músicos uma ideia de reunião em 1984, mas o baterista Carl Palmer estava preso a obrigações contratuais com sua banda de então, o supergrupo Asia. Sendo assim, Emerson e Lake começaram a testar novos bateristas, chegando ao renomado Cozy Powell, amigo de longa data de Emerson, e que já havia tocado, dentre outros, com nomes como The Jeff Beck Group, Rainbow, Michael Schenker Group e Whitesnake. O trio Emerson, Lake & Powell lançou apenas um disco autointitulado em 1986, e fez uma bem sucedida excursão de divulgação que abrangeu o ano seguinte, antes da separação do grupo, com Powell vindo a falecer em 1998, vítima de um acidente de carro. Emerson, Lake e Palmer voltariam a se reunir sob o nome ELP na década de 1990, sendo que tanto o tecladista quanto o baixista viriam a falecer em 2016, Emerson devido a um suicídio por arma de fogo, e Lake vítima de um câncer de pâncreas, sendo que Carl Palmer ainda continua vivo e na ativa como instrumentista enquanto escrevo este texto.

BBM (Around the Next Dream - 1994)

Jack Bruce (baixo, vocais) e  Ginger Baker (bateria e percussão) já haviam tocado juntos nos grupos Alexis Korner's Blues Incorporated e The Graham Bond Organisation, mas alcançaram fama e fortuna mesmo durante seu período com o Cream, entre 1966 e 1968. É notório que os dois nunca se entenderam bem pessoalmente, mas sempre admiraram um ao outro como músicos. Porém, não dá para negar que foi com certa surpresa que o mundo viu surgir em 1993 o power trio BBM, que unia os dois "B's" ao "M" do guitarrista Gary Moore, à época um reconhecido músico, com passagens por bandas como Skid Row (que não é aquela que você está pensando, mas sim uma que se formou na Irlanda no começo da década de 1970) e Thin Lizzy, além de sua própria carreira solo. O único disco do BBM foi lançado em 1994, e, após uma curta turnê promocional, as "tretas" entre Bruce e Baker voltaram à tona, e o trio logo se separou. Moore faleceu em 2011, vítima de um ataque cardíaco, com Bruce o seguindo em 2014, por câncer no fígado, e Baker partiu em 2019 com problemas respiratórios causados por uma doença nos pulmões. 

Mamonas Assassinas (
Mamonas Assassinas - 1995)

Considerado um dos maiores fenômenos musicais já vistos no Brasil (comparável apenas aos Secos e Molhados na década de 1970 e ao RPM na década de 1980), os Mamonas Assassinas surgiram em 1995, a partir de mudanças de visual e estilo musical da banda Utopia, que chegou a lançar um disco em 1992. Com letras engraçadas e escrachadas e um estilo musical onde cabia de tudo e mais um pouco, Dinho (vocais), Bento Hinoto (guitarras), Júlio Rasec (teclados) e os irmãos Samuel Reoli (baixo) e Sérgio Reoli (bateria) venderam mais de três milhões de copias de seu disco de estreia nos pouco mais de oito meses em que ficaram na ativa, antes de falecerem em um desastre aéreo na Serra da Cantareira, no dia 2 de março de 1996, encerrando a curta mas marcante trajetória do grupo pelo cenário musical nacional.

Infelizmente, em janeiro de 2025 a The Band também juntou-se a esta lista, com a morte de seu último membro sobrevivente, o tecladista Garth Hudson. Outras bandas estão "quase" lá, como a Allman Brothers Band, na qual apenas o baterista Jai Johanny Johanson, o "Jaimoe", ainda está entre nós enquanto escrevo, os já citados Emerson, Lake & Palmer (que só tem Carl Palmer entre nós) e Cream (do qual apenas Eric Clapton ainda vive) e os brasileiros d'Os Incríveis, que tem apenas Netinho ainda na ativa. Que demore ainda um tempo para estes e outros grupos virem a fazer parte desta lista, e que possamos curtir nossos ídolos ainda por muito tempo, tanto nos estúdios, quanto nos palcos pelo mundo!

Jimi Hendrix Experience - Los Angeles Forum - April 26, 1969 [2022]

Por Micael Machado

A família e o legado de Jimi Hendrix não param de "desencavar" tesouros do (aparentemente inesgotável) arquivo musical deixado pelo guitarrista. Quase todo ano sai um disco novo com o nome do músico, sendo que um dos mais recentes é o registro de um show do Experience original (com Jimi nas guitarras e vocais, Noel Redding no baixo e backing vocals, e Mitch Mitchell na bateria) em Los Angeles, a 26 de abril de 1969, que saiu (lá fora, não há edição nacional disponível, pelo menos enquanto escrevo) em vinil duplo e CD simples no final de 2022, além de disponibilizado nas plataformas digitais. Introduzidos ao palco por Jimmy Rabbitt (popular DJ da rádio AM local KRLA, que transmitiu o concerto), a apresentação inicia com Hendrix se dirigindo ao público (como faria  várias vezes ao longo da noite, pelo que se ouve no disco) e "comunicando" a todos que estavam "em um igreja agora... finjam que há um céu acima de nós", e que o público esquecesse "sobre tudo o que ocorreu ontem, noite passada ou esta manhã... esqueça sobre tudo o que está ocorrendo lá fora, e vamos juntar nossos sentimentos agora", numa introdução que Billy Gibbons, guitarrista do ZZ Top que assina um dos textos do encarte na condição de testemunha "ocular e auditiva" daquela noite, como se descreve (Gibbons estava na plateia como um "simples" espectador, apesar de sua banda de então, o The Moving Sidewalks, já ter dividido o palco com o Experience anteriormente), chamou de "muito oportuna e psicodélica".

Hendrix então anuncia que irão iniciar "com uma pequena jam escrita por uma dupla de caras suecos, (Bo) Hannson e (Janne) Karlsson, chamada 'Tax Free', mas acho que vamos chamá-la apenas de 'jam'". O início calmo da faixa, até então inédita na discografia do guitarrista (uma versão de estúdio só iria aparecer em 1972, no álbum póstumo War Heroes) pode até confundir aos mais desavisados, mas não demora muito para o maior guitarrista que já passou pela Terra começar a mostrar seus truques. Ao longo dos mais de quinze minutos de duração da jam, o trio alterna entre variações do riff principal da canção com momentos de improviso que só o talento e a genialidade de Hendrix poderiam proporcionar, com Redding segurando bem a base para (o frequentemente subestimado) Mitchell também "voar baixo" com suas viradas e conduções (o baterista também tem direito a um longo momento "solo" em parte da música).

O Experience no palco do Forum de Los Angeles, em foto presente na parte interna da capa gatefold da versão em vinil de Los Angeles Forum - April 26, 1969

Dedicada "à namorada de alguém... não sabemos quem ela é neste momento, mas iremos descobrir depois do show, agora não sabemos sequer o seu nome...", "Foxey Lady" vem na sequência (com direito a alguns solos improvisados ali pelo meio), seguida de uma marcante redenção para "Red House" (que nunca foi uma das minhas favoritas pessoais na carreira do guitarrista, e que aqui aparece com partes um pouco mais rápidas do que em outras versões que conheço, além de diversos improvisos ao longo de seus mais de onze minutos de duração). A sequência do concerto se dá com uma surpreendente versão de quase doze minutos para "Spanish Castle Magic", também recheada de improvisos em sua porção central, a qual é seguida pela interpretação de Hendrix para "Star Spangled Banner", o hino dos Estados Unidos, isto quatro meses antes da "famosa" versão apresentada em Woodstock (e, talvez por isto, não tão marcante quanto aquela, afinal Jimi ainda vinha aprimorando sua "versão manifesto" desta música naquela noite), a qual é "emendada" a uma versão de quase sete minutos para "Purple Haze" (outra faixa que aparece cheia de improvisos ao longo de sua duração).

Uma correta redenção de "I Don't Live Today" (uma das minhas favoritas pessoais na discografia do guitarrista, e que já havia aparecido, com uma mixagem diferente, no box set The Jimi Hendrix Experience, de 2015) vem na sequência, naquela que é a faixa mais próxima de sua "versão de estúdio" apresentada ao longo da noite, que se encerra com uma interpretação de quase dezessete minutos para "Voodoo Child (Slight Return)", a qual é intercalada por uma versão instrumental de "Sunshine Of Your Love", do Cream, também recheada de improvisos, em uma apresentação que, nas palavras de Gibbons, "acendeu a casa inteira, para arrasá-la totalmente na sequência", em tradução livre (a frase original é "lit the house up and tore it right down", conforme presente no encarte).

Contracapa da versão em CD de Los Angeles Forum - April 26, 1969

Aquela seria uma das últimas performances do Experience original (o trio se separaria efetivamente em junho daquele ano), e, como escrito acima, foi transmitida ao vivo por uma rádio local, embora as gravações deste disco (que apresentam uma qualidade excelente para a idade que possuem e por terem ficado "armazenadas" tanto tempo) tenham vindo, alegadamente, das fitas originais em oito canais feitas por uma unidade móvel posicionada no local naquela noite, e mixadas especialmente para este lançamento por Eddie Kramer, histórico produtor ligado à carreira de Hendrix desde a década de 1960. Los Angeles Forum - April 26, 1969 é um belo acréscimo à (ainda crescente) discografia de Jimi Hendrix, sendo extremamente recomendável a seus inúmeros fãs ainda existentes! Confira!

Track List:

1. Introduction 

2. Tax Free

3. Foxey Lady

4. Red House

5. Spanish Castle Magic

6. Star Spangled Banner

7. Purple Haze

8. I Don't Live Today

9. Voodoo Child (Slight Return) (first part)

10. Sunshine of Your Love

11. Voodoo Child (Slight Return) (second part)