Por Micael Machado
A Legião Urbana sempre foi a minha banda nacional favorita, e Renato Russo um dos poucos letristas (eu prefiro dizer poeta, mas...) da música brasileira que chamaram minha atenção e de quem consigo “entender” as letras e as mensagens. Posso dizer que foi a primeira banda que eu colecionei de verdade, comprando os discos à medida que eram lançados (o mais breve possível dentro das minhas condições de estudante e da distância até chegar ao interiorzão do Rio Grande do Sul) desde o lançamento de Dois, em 1986, ainda hoje o meu disco favorito no rock brasileiro de qualquer estilo.
Pois eu tive a alegria e a honra de assistir à Legião e a Renato ao vivo em 1994. Muitos tiveram esta mesma oportunidade durante a carreira de pouco mais de dez anos do grupo, mas conheço muita gente que ficou na vontade devido à morte do cantor em 1996. Para quem viu, tomara que este texto traga boas lembranças. Para quem perdeu, espero passar uma ideia do que era assistir aquele “ritual religioso”.
Claro que, quase 20 anos depois, muitas memórias foram desgastadas, mas o que sobrou não vai sumir tão cedo... e ainda tenho o ingresso para provar!
Tenho de começar dizendo que fazia apenas dois anos que eu havia deixado minha cidade natal (Pedro Osório, no sul do RS) e vindo para morar em Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre. Ainda era um interiorano tentando me adaptar à metrópole quando anunciaram o show da Legião no Gigantinho. Eles já haviam estado em Porto Alegre muitas vezes, mas seria a primeira (e, infelizmente, última) em que eu estaria presente.
Pois eu tive a alegria e a honra de assistir à Legião e a Renato ao vivo em 1994. Muitos tiveram esta mesma oportunidade durante a carreira de pouco mais de dez anos do grupo, mas conheço muita gente que ficou na vontade devido à morte do cantor em 1996. Para quem viu, tomara que este texto traga boas lembranças. Para quem perdeu, espero passar uma ideia do que era assistir aquele “ritual religioso”.
Claro que, quase 20 anos depois, muitas memórias foram desgastadas, mas o que sobrou não vai sumir tão cedo... e ainda tenho o ingresso para provar!
Tenho de começar dizendo que fazia apenas dois anos que eu havia deixado minha cidade natal (Pedro Osório, no sul do RS) e vindo para morar em Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre. Ainda era um interiorano tentando me adaptar à metrópole quando anunciaram o show da Legião no Gigantinho. Eles já haviam estado em Porto Alegre muitas vezes, mas seria a primeira (e, infelizmente, última) em que eu estaria presente.
Renato, Marcelo e Dado (maio de 94) |
Lembro que o show foi em um sábado chuvoso, três dias antes do meu aniversário de 20 anos. Saí de Esteio lá pelas três da tarde (o show seria às nove e meia da noite) e já no trem até a Capital encontrei vários adolescentes (alguns nem tanto) que tinham o mesmo destino que eu. Juntei-me a um grupo da cidade de Canoas (atraído por uma loira maravilhosa que me esnobou com classe e fineza) e fomos para a fila ao chegar ao estádio.
Ali senti pela primeira vez a importância do evento. Não havia uma fila apenas, mas três! A turma ia até um ponto, voltava ao começo e ia de novo. Isso em um só portão (o que eu estava), nos outros a situação era a mesma. E isso que eles nem estavam abertos.
Enquanto esperávamos para entrar (lá pelas cinco, seis da tarde), pequenos grupos iam se formando, alguns puxavam um violão e muitas músicas da Legião iam sendo entoadas pela massa. Na época, muitos conhecidos meus se admiravam de eu saber a letra de "Faroeste Caboclo" de cor, e naquela fila todos sabiam a mesma até de trás para a frente, assim como "Índios", "Pais e Filhos", "Eduardo e Mônica", "Será" e muitas outras.
Quando abriram os portões, quem disse que o pessoal iria respeitar as filas? Afinal, você que está ao lado da entrada vai querer ir lá no fundo, voltar ao seu lugar e ir de novo lá longe, voltar e só depois desta maratona entrar no estádio? Ninguém quis, e foi um atropelamento e uma confusão que só teve alguma ordem quando policiais a cavalo entraram no meio do pessoal jogando bombas de gás lacrimogênio!
Juro que uma explodiu bem perto de mim, e a tosse e o lacrimejar surgiram quase instantaneamente. Eram pessoas desmaiando, gente apanhando dos policiais, pessoal correndo para qualquer lado... Até hoje nunca vi coisa igual em nenhum dos muitos shows que presenciei! Mas, como eu e a turma de Canoas estávamos na primeira fila, logo entramos e fomos para as arquibancadas, esperar o começo do espetáculo.
Renato Russo e sua fiel camisa branca da turnê de 94 |
Era o primeiro show que eu via no Gigantinho, e não tinha muita noção da quantidade de gente que estava lá. Depois disso, vi muitas bandas no mesmo local, como Iron Maiden, Pearl Jam, Ramones e Sepultura na mesma noite, Santana, Paralamas do Sucesso e Titãs juntos, e nunca vi o ginásio tão cheio como naquela noite. Foi a única vez que vi gente atrás do palco, sobre as luzes do teto, enfim, em toda parte do Gigantinho! Não havia espaço para mais ninguém. Depois eu li que havia mais de 22 mil pessoas lá. Para terem uma ideia, no Iron Maiden havia 18 mil e estava um terror de tão lotado. Imaginem com 4 mil pessoas a mais!
Lançando o disco O Descobrimento do Brasil, a Legião já era uma megabanda, e essa seria a última turnê do grupo. Só que naquela noite ninguém sabia disso, o que só tornou tudo ainda mais especial. Lembro que a banda entrou no palco sem a presença de Renato, que veio depois. Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos estavam acompanhados, ao que li, por Fred Nascimento na guitarra, Carlos Trilha nos teclados e Jean Fabra no baixo (eu podia jurar que o guitarrista era o Sérgio Serra, mas tudo o que li indicava o Fred mesmo, então mantenho o registro). Renato entrou usando uma camisa social branca (como em outros shows dessa excursão) e o espetáculo começou, depois de uma introdução instrumental que não lembro qual foi, com "1965 (Duas Tribos)".
Dali para a frente, o que se viu não foi um show, mas um verdadeiro ritual religioso, justificando o apelido de “Religião Urbana” que o grupo carregava. Não lembro ao certo o que tocou ou qual a ordem, mas lembro de "Giz", "Os Barcos", "Índios", "Faroeste Caboclo", "Eduardo e Mônica", "Será", "Pais e Filhos", "Monte Castelo", "Eu Sei", "Há Tempos", "Geração Coca-Cola", enfim, muitas músicas, e todas, eu disse TODAS cantadas a pleno pulmão por TODOS os presentes. Sério! Se Renato não quisesse abrir a boca, não faria muita diferença, pois todos cantavam as músicas do começo ao fim. A única que foi cantada só por uma parte do público (mais ou menos a metade) foi "Baader Meinhof Blues", do primeiro disco, e não tão conhecida.
De resto, a euforia era tanta que muitas vezes era difícil ouvir o Renato cantando. A única outra banda que vi acontecer algo parecido (e olha que já vi muitas) foi o Los Hermanos, mas as proporções eram muito menores em termos de quantidade de pessoas no local.
Acho que, de todo o show, esse foi o fato que mais me marcou, e o que lembro com mais força até hoje. Com o perdão da expressão, foi ali que percebi o quanto o público de Porto Alegre é foda, a devoção que demonstramos aos artistas dos quais gostamos, coisa comparável somente ao público argentino, do pouco que conheço!
O álbum da turnê desse show inesquecível |
Pouco mais de dois anos depois, Renato Russo morria vítima de complicações decorrentes do vírus HIV, e com ele morria a Legião Urbana, a maior e mais importante banda brasileira da minha geração e a primeira a me apresentar ao mundo dos megashows, inesquecíveis para sempre, e que, infelizmente, jamais se repetirão.
“Nada mais vai me ferir, é que eu já me acostumei com a estrada errada que eu segui...”
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