Por Micael Machado
Bruno Maia é um músico mineiro que ficou conhecido no meio heavy metal ao liderar o Tuatha de Danann, um grupo que não tem escrúpulos ao misturar aquele metal mais “tradicional” com o folk e o black para fazer um som bastante original e empolgante, raro de se achar igual no mundo, ainda mais no Brasil. Para dar vazão a outros aspectos de sua criatividade, em 2007 ele lançou o projeto Braia, com o disco ...E O Mundo de Lá. Em novembro de 2010 foi lançado o primeiro DVD do grupo, intitulado apenas como Ao Vivo, gravado na cidade mineira de Varginha em 3 de novembro de 2009, ou seja, quase um ano antes.
Segundo diz o próprio Bruno na interessante entrevista que vem como bônus no DVD, o Braia foi criado para dar vazão aos estilos musicais que o inspiraram: a música Celta irlandesa, o progressivo da década de 1970 e a música brasileira em geral, principalmente o chorinho e o som do Clube da Esquina, além do próprio heavy metal, fluindo entre os estilos sem se prender a nenhum. No papel pode parecer estranho, mas na prática o som é exatamente assim, e é muito original, interessante e atraente.
Membros do Braia |
Além de Bruno nos vocais, banjo, flautas (tin e low whistle), violões, bouzouki, bandolim, guitarra e guitarra havaiana, o grupo conta com a competentíssima Fernanda Ohara nos vocais, Alex Navar no Uilleann Pipe (uma espécie de gaita de fole), Giovani Gomes no baixo, voz e violões, Júlio César no violão, bandolim, bouzouki, guitarra e voz, Edgard Brito e Rafael Castro nos teclados, o excelente Roger Vaz no violino (e que muitas vezes traz um lado “Sagrado Coração da Terra” à música do Braia) e Anderson Alarça na bateria, além da participação de um simpático senhor ao pandeiro em certos momentos, o qual infelizmente não tem seu nome citado no encarte do DVD. Pela quantidade de gente e pelos instrumentos listados, já se percebe logo de cara que o som dessa turma irá fugir do lugar comum. E foge mesmo.
Gravado após apenas dois ensaios e três shows, o DVD tem uma bela fotografia e uma edição que foge um pouco àquela “maratona de imagens por segundo” que vemos tantas vezes por aí, embora nunca seja vagarosa ou “paradona”, o que só valoriza o produto final. Abrindo com um longo solo de Alex na gaita de fole, o show mesmo começa com "Sláinte A La Brasilis", com seu início ao bandolim e violino que leva, com a entrada dos outros músicos, a uma levada celta/medieval, que depois de um tempo se transforma em um legítimo chorinho brasileiro, com Bruno mandando ver no bandolim e o tiozinho citado marcando o ritmo no pandeiro. É interessantíssimo notar como o grupo faz a transição de um som tão europeu para outro tão brasileiro dentro da mesma música, e sem deixar a peteca ou a qualidade cair.
"Juras Promessas" vem a seguir, com Bruno e Fernanda dividindo os vocais e o instrumental levado pela flauta e o violino em mais uma canção medieval, sendo que, a partir de certo trecho, temos uma participação mais efetiva dos teclados, levando a música para um lado prog setentista que, com o violino compondo a melodia, lembra o que de melhor se fez na música naquela época, especialmente no final, quando os teclados tomam conta da música, com Fernanda fazendo vocalizações que só a embelezam.
"Bloom" é outra canção que nos leva direto às tavernas medievais, com o violino tendo grande destaque em solos inspiradíssimos. "Tempos Idos" é uma música mais calma, cantada por Fernanda com boas vocalizações de Bruno, Giovani e Júlio no refrão, e bons solos de violino e flauta.
"Dança no Abismo" é introduzida pela gaita de fole, e já começa a empolgar logo na entrada do violão ao final da introdução. O duelo vocal entre Fernanda e Bruno abre espaço para o violino desfilar numa das melhores e mais progressivas canções do DVD, com Bruno se dividindo entre a flauta e o bandolim com peculiar destreza.
"Imbas Ohara" é o momento solo de Fernanda, que faz vocalizações inumanas sobre um ritmo árabe executado pelos teclados. "Hamlá" mantém a sonoridade do Oriente Médio, com a guitarra de Júlio finalmente dando as caras (e com um timbre bastante pesado), e os teclados em evidência. Como em outras músicas, há uma mudança de direção, e a canção ganha um ritmo próximo ao baião, levada pelo bandolim e os teclados, para voltar ao ritmo inicial antes do final.
"Falalafada" já na introdução entrega sua veia progressiva, com os teclados assumindo o papel principal na melodia, e um belo trabalho vocal de Fernanda, até desembocar no primeiro (e único) solo de guitarra do DVD. Bruno e Giovani passam a dividir os vocais, em uma parte mais pesada da canção, com Fernanda e o violino trazendo o ritmo de volta ao prog. Outro dos destaques do DVD.
"Lorac Mo Chroí" é um instrumental onde o violino e o bandolim introduzem outra canção medieval, nos trazendo novamente o clima das tavernas como naqueles filmes sobre a idade média com todos dançando e comemorando ao redor das mesas. "Brunebriante Papoula Dançante" é uma canção acústica que começa só com o violão e a flauta, que fazem a introdução para uma melodia leve e agradável, com destaque para os duelos entre o violino e as flautas de Bruno, que também toca bandolim, com Giovani ao violão e Júlio no bouzouki.
"Lua" mantém o clima leve e etéreo, encaixando-se no contexto geral do DVD, porém sem se destacar muito. "A Pinga do Duende Maluco" encerra a apresentação em um clima de festa, com o violino fazendo a introdução para uma canção bastante empolgante, onde Fernanda e Bruno dividem os vocais antes dos teclados iniciarem uma bela viagem que nos leva a uma espécie de boogie e a um solo de moog que lembra o grande Ken Hensley do Uriah Heep. A música muda de rumo e se torna parecida com algo de Raul Seixas, antes de voltar ao ritmo inicial e ganhar um solo de Bruno na guitarra havaiana. Outra mudança de direção ocorre, e a canção embarca numa viagem prog de primeira, entre a guitarra e o violino, para terminar enigmaticamente ao som de uma sequência de notas do teclado de Edgar.
O DVD se encerra antes do final da música, em uma evidente falha da edição (que também dá os ares nas mudanças entre as músicas, onde ficam explícitos os cortes feitos para os ajustes dos membros do grupo), após 55 minutos que mostram que ainda se faz música progressiva de qualidade no Brasil.
Nos extras, além da entrevista citada acima, um interessante duelo de sete minutos entre os dois tecladistas e um solo de bateria que não acrescenta muito a outros solos já gravados por aí.
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