Por Micael Machado
Nunca fui muito fã do New Order. A banda é uma das referências da música eletrônica feita nos anos 80, e alcançou um sucesso e um respeito enormes em todo o mundo. Mas, acredito, as únicas músicas do grupo que me chamaram a atenção foram “Bizarre Love Triangle” (e ainda prefiro a versão mais calma e melódica gravada pelo Frente! nos anos 90) e a clássica “Blue Monday”, uma das melhores músicas eletrônicas da história, e presença sempre confirmada nas festinhas de garagem da minha adolescência.
Por outro lado, sempre fui um entusiasta do som do Joy Division, a banda que originou o New Order. O pós-punk do grupo liderado pelo saudoso Ian Curtis, apesar de sempre me remeter ao começo de bandas com o The Cure, Bauhaus ou Siouxsie and the Banshees, se adapta perfeitamente ao meu gosto musical, com seu baixo bem destacado e a voz marcante de Ian em canções muitas vezes lamuriosas e tristes, mas que soam sempre agradáveis a meus ouvidos. Por isso, quando vi esse DVD do New Order à venda por um preço bem interessante, e reparei que no repertório constavam seis músicas do Joy Division, minha atenção foi imediata. O New Order sempre se negou a tocar músicas da antiga banda de seus membros, mas na turnê onde este show foi registrado acabou abrindo uma exceção, para delírio dos fãs da Divisão da Alegria.
Joy Division, a origem do New Order |
Antes de falarmos do DVD em si, um pouco de história para quem não conhece os grupos sobre os quais discorremos até aqui. Formado na cidade inglesa de Manchester em 1976, na esteira do movimento punk, o Joy Division era composto pelo vocalista e ocasional guitarrista Ian Curtis, pelo guitarrista e ocasional tecladista Bernard “Barney” Sumner, pelo baixista Peter Hook e pelo baterista Stephen Morris. Com apenas dois discos lançados (Unknown Pleasures, de 1979, e Closer, de 1980), a banda adquiriu respeito e admiração de milhares de fãs com sua sonoridade lúgubre e depressiva, reforçada pelo vocal grave e postado de Ian. Quando o grupo se preparava para embarcar em uma turnê pelos Estados Unidos, que com certeza elevaria ainda mais seu nome perante às plateias mundiais, o vocalista, que enfrentava diversos problemas pessoais em sua vida, acabou se suicidando um dia antes da viagem para a América, dando fim ao Joy Division e se tornando mais uma lenda do rock and roll. A história de Curtis está registrada no excelente filme "Control" (2007), o qual eu recomendo entusiasticamente a quem ainda não assistiu.
Com a morte de Ian, o trio remanescente decidiu seguir em frente, chamando a esposa de Morris, Gillian Gilbert, para os teclados, com Barney assumindo os vocais e tendo a sua sonoridade alterada para uma música com ênfase nos elementos eletrônicos, em sonoridades por vezes atmosféricas, por vezes bastante dançantes. A tristeza e a amargura dos tempos do antigo grupo haviam ficado para trás, e o novo conjunto, batizado de New Order, tornou-se um dos maiores grupos do estilo no mundo, com músicas no topo das paradas e muito mais fãs do que o Joy Division um dia sequer sonhou.
New Order, ainda com Gillian Gilbert |
Junto com o sucesso, começaram a surgir as desavenças, e os egos de Sumner e Hook por várias vezes levaram a banda a ficar bem próxima da dissolução. Projetos paralelos, idas e vindas de integrantes, ofensas públicas entre os membros e muita mágoa e rancor passaram a acompanhar a carreira do New Order, que, paradoxalmente, seguia unido e lançando discos que, embora não com o mesmo sucesso do passado, não envergonhavam o nome que o quarteto havia construído.
Isso até Gillian decidir abandonar o grupo, devido a problemas de saúde de sua filha, os quais a impediam de excursionar, e o New Order lançar o álbum Get Ready em 2001, um disco mais voltado às guitarras e ao rock, deixando um pouco de lado os teclados e as batidas dançantes. Com Phil Cunningham cuidando dos teclados e da guitarra base, foi na turnê de divulgação deste álbum, mais precisamente em Finsbury Park, na Inglaterra, a 9 de junho de 2002, que este DVD foi registrado, e onde o grupo faria a alegria dos muitos fãs que lhe acompanham desde os tempos de Joy Division.
Capa e contracapa do DVD |
Apesar das reclamações de Sumner quanto à chuva que teimava em cair na data, e do fato de a banda tocar ainda de dia, o que lhe impossibilitava de usar seu impressionante show de luzes (que só aparece no final do DVD, o qual coincide com o entardecer), o New Order fez um senhor show. Com uma pegada roqueira que eu particularmente nunca havia ouvido no som do grupo, o quarteto entra no palco com garra e vontade para executar um show memorável. Músicas como “Crystal”, “Regret” e “60MPH”, apesar do apelo pop, soam bastante agradáveis aos ouvidos de quem assiste ao DVD, e mostram mais uma vez, para quem ainda duvida, que música pop e qualidade podem sim andar lado a lado. A presença da cantora Dawn Zee em algumas músicas adiciona um novo brilho às canções, e mesmo as intervenções eletrônicas em “True Faith” e “Temptation” não maculam o bem escolhido set list. Para os grandes fãs do grupo, a presença de “Brutal”, música encontrada apenas na trilha sonora do filme "The Beach" (2000), será com certeza um grande atrativo, mas, pessoalmente, nenhuma das músicas do New Order contidas no DVD supera aquelas duas citadas lá no começo. Apesar de totalmente eletrônicas, “Bizarre Love Triangle” e “Blue Monday” são tão boas que é impossível não gostar das duas. Com Morris comandando a bateria eletrônica, Cunningham nos teclados (Barney assume os mesmos no final de Blue Monday) e Hook por vezes deixando o seu baixo de lado e fazendo uma percussão eletrônica, a banda muda bastante sua configuração em relação às demais faixas do set list, e Sumner, sem sua guitarra em punho, parece um pouco perdido quanto a como agir, executando algumas caretas e uma dancinha esquisitíssima que chega bastante próximo de nos deixar com a famosa “vergonha alheia” do sujeito.
Ao longo de todo o set, fica evidente a alegria dos integrantes em estarem ali tocando, com várias brincadeiras entre eles, e uma constante comunicação com a plateia, que inclusive é convidada a escolher entre “Blue Monday” ou "Rock the Shack", uma música menor no track list de Get Ready. É mais ou menos como se o Deep Purple pedisse ao público para escolher entre “Smoke on the Water” ou alguma música do álbum The House of Blue Light (1987), ou o Black Sabbath colocar em votação “Paranoid” contra “Don’t Start (Too Late)”. Como era certo que a maioria escolheria “Blue Monday”, um bem-humorado Sumner manda quem quer este clássico levantar a mão, e quem quer a outra opção mostrar o pênis! Claro que “Blue Monday” venceu!
Ao longo de todo o set, fica evidente a alegria dos integrantes em estarem ali tocando, com várias brincadeiras entre eles, e uma constante comunicação com a plateia, que inclusive é convidada a escolher entre “Blue Monday” ou "Rock the Shack", uma música menor no track list de Get Ready. É mais ou menos como se o Deep Purple pedisse ao público para escolher entre “Smoke on the Water” ou alguma música do álbum The House of Blue Light (1987), ou o Black Sabbath colocar em votação “Paranoid” contra “Don’t Start (Too Late)”. Como era certo que a maioria escolheria “Blue Monday”, um bem-humorado Sumner manda quem quer este clássico levantar a mão, e quem quer a outra opção mostrar o pênis! Claro que “Blue Monday” venceu!
Peter Hook brincando com a plateia |
Para mim, o mais marcante é a presença de palco de Peter Hook, com o seu baixo posicionado abaixo da linha dos joelhos, numa posição quase impraticável de se tocar, além da mensagem “Bye Bye Dee Dee” em seus amplificadores, em homenagem ao recente falecimento (à época) de Dee Dee Ramone (em outro show desta turnê, Hook colocaria “Bye Bye Ox” nos amplificadores, em homenagem ao saudoso John Entwistle, falecido baixista do The Who). Marcante também é a fraca presença de palco do Barney, que me pareceu um frontman pouco carismático, dando alguns gritos e assobios no meio das músicas que mais atrapalham do que acrescentam, além de deixar a maioria dos solos e riffs a cargo de Cunningham. Se Hook mostrou toda a atitude de um roqueiro ainda ativo, Sumner me pareceu um yuppie conformado tocando mais por obrigação do que por prazer...
O DVD ainda conta com um curta de três minutos intitulado “Earlier in the Day”, com imagens do público no local antes do show do grupo e a entrada do quarteto no palco (que não é mostrada no show principal), e o documentário “9802”, incluindo entrevistas com banda e fãs, além de imagens do grupo ao vivo nos anos de 1998 e 2002, em apresentações diversas.
Barney e suas estranhas caretas |
Porém, tudo o que foi escrito acima não consegue superar o verdadeiro motivo de eu ter assistido a este DVD: as seis canções do Joy Division presentes, muitas delas ausentes dos palcos por 25 anos, e pela primeira vez apreciadas com uma qualidade digital excepcional, e não naquela versão escura e mal gravada do VHS Here Are the Young Man. “Transmission”, “Ceremony”, “Atmosphere”, “She’s Lost Control”, “Digital” e o hino “Love Will Tear Us Apart” são canções que mostram como o Joy Division era bom, e a falta que a banda faz no mundo da música hoje em dia. Claro que Barney não é Ian Curtis, não tem seu carisma, sua voz e sua presença de palco, mas é bastante gratificante assistir/ouvir as versões do New Order para as músicas de sua antiga encarnação. Ainda que Sumner tenha de ler as letras em um monitor (o que é compreensível, visto o New Order não as executar havia mais de duas décadas, mas reduz ainda mais a performance do vocalista) e, vez por outra, solte alguns gritos ou assobios mal colocados, as linhas de baixo de Peter Hook, a bateria seca e concisa de Morris e o trabalho de Cunningham nas cordas e teclas são mais do que suficientes para levar o emocionado fã próximo das lágrimas. Em “Digital”, a banda chama ao palco o ator John Simm, que interpreta Bernard Sumner no filme “24 Hour Party People” (2002), para cantar o refrão “day in, day out” e o final, com “don’t let it fade away”. Visivelmente constrangido, Simm tenta se esquivar de várias formas, e é bastante engraçado ver o esforço de Peter Hook para mantê-lo no palco, bem como o de Barney para fazer o ator cantar. Memorável.
No documentário “9802”, Sumner declara que a banda evitou tocar as canções do Joy Division por muito tempo, tentando chamar a atenção do público para o New Order, não para a antiga encarnação, mas que acreditava que aquela era a hora correta para fazer isso, e relembrar o quanto essas canções são boas e quão grande compositor Ian era, e ainda que o falecido vocalista, de onde quer que esteja, iria aprovar essa decisão. “9802” se encerra com uma versão de “In a Lonely Place”, uma das mais lúgubres músicas de uma banda lúgubre por natureza, e Sumner termina a mesma com a frase “Ian Curtis, rest in peace, man”. É o que todos desejamos...
Tell me now how does it feel...
Track list:
1. Crystal
2. Transmission
No documentário “9802”, Sumner declara que a banda evitou tocar as canções do Joy Division por muito tempo, tentando chamar a atenção do público para o New Order, não para a antiga encarnação, mas que acreditava que aquela era a hora correta para fazer isso, e relembrar o quanto essas canções são boas e quão grande compositor Ian era, e ainda que o falecido vocalista, de onde quer que esteja, iria aprovar essa decisão. “9802” se encerra com uma versão de “In a Lonely Place”, uma das mais lúgubres músicas de uma banda lúgubre por natureza, e Sumner termina a mesma com a frase “Ian Curtis, rest in peace, man”. É o que todos desejamos...
Tell me now how does it feel...
Track list:
1. Crystal
2. Transmission
3. Regret
4. Ceremony
5. 60 MPH
6. Atmosphere
7. Brutal
8. Close Range
9. She's Lost Control
10. Bizarre Love Triangle
11. True Faith
12. Temptation
13. Love Will Tear Us Apart
14. Digital
15. Blue Monday
16. Your Silent Face
15. Blue Monday
16. Your Silent Face
Nenhum comentário:
Postar um comentário