Por Micael Machado
No começo da década de 80, mais precisamente em 1982, o grupo Iron Maiden lançou o disco The Number Of The Beast. Na capa, a mascote da banda, Eddie, comanda uma marionete em formato de demônio, a qual, por sua vez, comanda uma marionete em formato de um ser humano, em meio a chamas. Na contracapa, uma citação do apocalipse bíblico: "Aflijam-se, Terra e Mar, pois o demônio enviou suas bestas com ódio, pois ele sabe que seu tempo é curto. Deixe quem tem entendimento calcular o número da besta, pois este é um número humano, e este número é 666", a qual viria a ser a introdução da faixa-título, que fala de alguém que, ao ver um ritual satânico, fica apavorado e tenta impedi-lo, em um tema semelhante ao da música "Black Sabbath". Tudo isto bastou para acusar a banda de satanista, mas faço aqui a mesma pergunta de quando abordei o Black Sabbath: se a intenção era cultuar Satanás, por que o personagem tenta impedir o ritual ao invés de se juntar a ele? A banda nunca mais fez nenhuma música com este tema, optando por assuntos históricos e dramas pessoais, mas essa composição marcou-os, na visão geral, como uma das bandas associadas ao demônio.
Desde então, muitas outras bandas foram, ao meu ver, injustamente associadas com satanismo por motivos plenamente questionáveis. Mas, nos primeiros meses da década de 80, finalmente as acusações encontraram um culpado assumido: o grupo britânico Venom.
Surgido na cidade de Newcastle, o trio lançaria , entre 1981 e 1983, dois discos importantíssimos ao nosso assunto; Welcome To Hell e Black Metal. Suas letras tratavam, de forma clara e sem dúvidas, de rituais satânicos, do poder de Satanás sobre os homens, da falsidade da igreja, acusavam Deus de falso e sem pder, entre várias outras blasfêmias. O terceito disco, At War With Satan, contava a história da conquista do Paraíso por Satanás, que passava a governá-lo, assim como à Terra. Pronto! Finalmente uma banda que ninguém poderia acusar de mal interpretada. Suas declarações eram todas no sentido de suas letras, suas atitudes, os pseudônimos dos integrantes (Mantas, Cronos e Abbadon), tudo, enfim, levava a uma única constatação: eles idolatravam o demônio e abominavam a ideia de que Deus era a figura mais importante, devendo ser adorado por todos os homens de bem. Anos depois,os membros do grupo admitiram que tudo não passava de uma jogada de marketing para atrair publicidade (o que não se pode negar, deu muito certo), e que eles não eram, na verdade, satanistas, apesar de não acreditarem em Deus. Mas o "estrago" já estava feito.
Influenciados pelo Venom (na parte lírica, já que na parte musical outros grupos também eram fontes de influência), ainda antes de1985, começam a surgir em diversas partes do mundo bandas como Hellhammer (da Suíça, que depois trocaria o nome para Celtic Frost, mantendo a mesma temática), o Mercyful Fate (na Dinamarca), o Bathory (na Suécia) e os americanos Possessed e Slayer. Todas tinham mais ou menos a mesma característica: um estilo de heavy metal mais agressivo que seus antecessores, integrantes muito jovens (alguns abaixo dos 15 anos) e letras e artes gráficas com temas satânicos ou anti-cristãos.
Em 1985, surgiriam em Belo Horizonte, Minas Gerais, duas bandas extremamente influentes nos futuros grupos do estilo: Sarcófago e Sepultura. A primeira teria um sucesso restrito aos apreciadores do gênero. Já a segunda, após abandonar a temática satanista, transformou-se em uma das mais importantes, ou quem sabe a principal, banda brasileira de heavy metal de todos os tempos.
No começo, os músicos que faziam este tipo de música eram alojados em outras subdivisões do estilo Heavy Metal, mas a partir da segunda metade da década de 80, foram agrupados em um gênero próprio: o Black Metal (por causa do segundo disco do Venom). O "estilo" tinha agora regras definidas quanto a tipo de música, temática, apresentação visual e gráfica, e estava, enfim, "determinado". A partir daí, grupos e mais grupos começaram a surgir, tornando-se cada vez mais populares, apesar dos protestos de grupos católicos e evangélicos em todo o mundo.
No começo da década de 90, alguns membros de grupos de Black Metal noruegueses, preocupados com a extrema popularização do estilo e com o afastamento das ideiais iniciais do "movimento" (que para eles, era criticar o Cristianismo e mostrar Satanás como a única forma "real" de Religião), formam o "Inner Circle", que pretendia juntar aqueles que faziam atividades do estilo uma forma de religião, e não apenas uma maneira de ficar famoso e fazer dinheiro. Suas atividades incluíam vandalismos diversos, queimas de igrejas cristãs e assassinato de homossexuais e "falsos" satanistas, tudo em nome de sua "fé". O grupo ficou bastante conhecido na Escandinávia, mas, após a prisão de dois de seus membros (Jödtveidt, do Dissection, acusado de assassinar um homossexual, e Varg Vikernes, do Burzum, acusado de assassinar o músico Euronymous do Mayhem, também membro do Inner Circle), a popularidade do grupo e do estilo começou a decair, voltando a ficar restrita aos reais apreciadores, sendo que aqueles que curtiam o Black Metal por "moda" ou por "onda", passaram a se interessar por outros estilos.
Mas, até hoje, muitas são as bandas que adotam o estilo em suas músicas e suas vidas, em várias partes do mundo, embora poucas consigam fazer sucesso fora do meio Heavy Metal. A pergunta que fica é: o que leva estas pessoas a seguirem este estilo, a adotarem esta temática musical e a criticarem Deus e idolatrar o diabo de forma tão expressiva? Seriam eles, na verdade, reais adoradores de Satanás?
A imensa minoria é, verdadeiramente, satanista. Pratica certos rituais, sacrifica animais, cultua o demônio como um Deus, e tudo o mais que se espera de alguém que idolatre Satanás. Outros poucos seguem uma filosofia de vida baseada, em parte, nos ensinamentos de Aleister Crowley e Anton La Vey. A imensa maioria apenas repete clichês, sem conhecimento total de seus reais significados. Mas, então, o que os leva a agir assim? Existem algumas explicações que podem ser dadas. Nem todas se adequam a todos os casos, mas todos se explicam por pelo menos uma delas., a de que isto seria uma forma de arte. Assim, como existem os que escrevem livros e fazem filmes de terror e satanismo, sem ser necessariamente satanistas, também existe uma infinidade de músicos que gosta de abordar este tema.
É algo que, comprovadamente, tem seu público, portanto, vende e gera dinheiro e fama aos músicos. E, sejamos sinceros, todos que estão nessa querem um dia ser famosos e ganhar muito dinheiro. Portanto, o Black Metal poderia ser um caminho para chegar a isso, embora obviamente, não seja o mais fácil ou recompensados. Outra explicação seria como o estilo ser uma forma de rebeldia. Se analisarmos a grande maioria dos músicos deste estilo, todos são muito jovens, estando abaixo dos 25 anos de idade.
Um exemplo claro disso é uma das bandas mais blasfemas que já surgiram: o Possessed. A banda acabou em meados da década de 80, quando seus membros foram para diferentes faculdades dos Estados Unidos, impossibilitando-os de sequirem tocando juntos. Agora, se a banda acabou quando eles foram para a faculdade, imagine a idade que eles tinham nos anos em que a banda estava no auge.
É próprio da juventude ser rebelde e contestadora. A autoridade (dos pais, dos professores) tende a ser criticada duramente, o desejo de independência se impõe, e uma das formas de se tornar “diferente” e “independente” é ser contra o padrão da maioria. Em um mundo predominantemente cristão, quer forma melhor de ser “do contra” do que ser satanista? Seus pais, seus professores, até mesmo seus amigos iriam rejeitar você, que passaria a não ser “mais um”, sendo independente, diferente dos outros. Esta opção do estilo por pura rebeldia tanto é verdadeira que, na maioria das vezes, quando os músicos atingem uma certa maturidade, ou abandonam a cena musical e dedicam-se a profissões “normais”, como médicos, advogados e professores, ou continuam tocando, mas com temáticas totalmente diferentes (vide os casos dos grupos Sepultura, Slayer, Mercyful Fate, e muitos outros). Músicos como os da banda Sepultura afirmam, hoje em dia, que faziam músicas com temas satânicos “porque éramos crianças, não tínhamos experiência nenhuma, e era fácil fazer uma letra falando de Satã e chocar a sociedade”.
Uma terceira explicação seria a de interesse por ocultismo, sem necessariamente estas bandas cultuarem satanás. O tema pode ser abordado apenas pelo interesse despertado, e não por opção religiosa.
Em todo o caso, me parece claro que a imensa maioria dos músicos do estilo não são, realmente, adoradores de Satanás. Muitos são anti-cristãos, ou não acreditam em Deus, mas tampouco acham que o diabo irá ficar com suas almas quando morrerem. São contestadores da principal religião estabelecida, mas não são necessariamente adeptos do seu oposto. Muitos afirmam não ter religião nenhuma.
Parece-me certo o comentário do músico João Gordo, do grupo brasileiro Ratos de Porão, que compôs a música “Satanic Bullshit” (“Bobagem Satânica”): “A maioria destes satanistas, se visse Satã ali, na sua frente, se ajoelhava e pedia a Deus por suas almas.”
De toda forma, todos somos livres a crer naquilo que quisermos, e qualquer um que se deixe influenciar por uma música, livro ou filme, e resolver sair por aí matando virgens, sacrificando animais e bebendo sangue humano, deveria procurar ajuda psiquiátrica, ao invés de acusar a arte pelo que fez.
Para finalizar, apenas mais dois tópicos: primeiro, assim como existem grupos de heavy metal “satânicos”, existem também os grupos cristãos. Reunidos em um gênero chamado de White Metal (em oposição ao Black Metal), os adeptos deste estilo sim, são verdadeiramente cristãos, vivendo de acordo com os ensinamentos de Cristo e pregando a palavra do Senhor em suas letras. Não há a menor dúvida de que aquilo que eles pregam é o que praticam, pois fazem questão de ressaltar este fato, e torná-lo público sempre que possível. O estilo musical é bastante variado, indo desde um heavy metal mais “leve” e “melódico” até um estilo mais agressivo e “pesado”, como o praticado pelos grupos de Black Metal, mas sempre com uma temática cristã em suas letras. Entre os principais grupos do estilo, destacam-se os americanos do Stryper, os australianos do Mortification, e os brasileiros Eterna e Antidemon.
Segundo, associação de músicos com satanismo é algo que sempre existiu. Grupos como Marylin Manson, Menudos e Ratos de Porão, artistas como Xuxa e Roberto Carlos, entre outros totalmente “insuspeitos”, já foram acusados de colocar mensagens satânicas gravadas ao contrário em seus discos, de fazerem pactos com o demônio, de sacrificar criancinhas, entre várias outras bobagens que apenas uma pessoa com algum tipo de problema mental poderia imaginar. Não quero com isso dizer que essas coisas não existam. Como diz o velho ditado “Eu não acredito em bruxas, mas que existem, existem”. Apenas não estão tão espalhadas por aí quanto se pensa.
Como uma sequência desse texto, na próxima semana iremos apresentar a relação que envolve os Beatles ao demônio. Como os Beatles não fazem parte do mundo do heavy metal, essa história merece um a parte.
E deixamos para vocês que apreciam o estilo, a saudação mais importante do heavy metal, imortalizada por Ronnie James Dio, e que erroneamente (mais uma vez) é associada ao demônio. A famosa manifestação \m/ (com o dedo indicador e o dedo mínimo erguidos) significa Paz (dedo indicador) e Rock (dedo mínimo), assim como o famoso Paz e Amor, onde logicamente vocês entendem por que o dedo médio é o significado do amor!
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