domingo, 19 de novembro de 2017

Livro: Discobiografia Legionária - Chris Fuscaldo


Por Micael Machado
Fotos retiradas do Instagram da autora

Embora vários livros tenham sido escritos sobre a vida de Renato Russo (cujo precoce falecimento completou vinte e um anos no último dia 11 de outubro), a história da Legião Urbana (banda na qual ele foi cantor, instrumentista, letrista e líder inconteste) ainda carece de um trabalho literário que a repasse de forma isenta, documental e completa. Talvez para sanar esta lacuna do mercado, a editora LeYa lançou em 2016 o livro Discobiografia Legionária, de autoria da jornalista Chris Fuscaldo, e que deve agradar em cheio os fãs e admiradores da obra de Renato e seus comparsas.

Os textos presentes na obra foram previstos inicialmente para fazer parte dos encartes (compondo as famosas "liner notes") das edições remasterizadas lançadas em 2010 como parte de um caríssimo box set nas opções em vinil ou CD, ao qual muito poucos, infelizmente, tiveram acesso. Além desta dificuldade, os textos originais da autora ainda passaram por uma forte edição e algum resumo por parte da gravadora EMI, para adequar-se ao projeto pensado pela multinacional. Sendo assim, e depois de ter recebido diversas solicitações de envio de seus escritos por parte de fãs que não possuíam a oportunidade de lê-los, Fuscaldo propôs à LeYa a confecção do livro, valendo-se para isto das entrevistas feitas à época para a confecção dos textos originais (não somente com os músicos e membros da equipe técnica da banda, mas com "parceiros, amigos e fãs", com cita a própria Chris no prefácio da obra), além de ter feito novas entrevistas e pesquisas visando ampliar o material que já tinha, além de expandi-lo para incluir também as coletâneas, discos ao vivo e os trabalhos solo lançados por Renato Russo (tanto em vida quanto póstumos).

Detalhe de uma das páginas do livro

O resultado é um livro que foca mais nos aspectos de criação, gravação e das curiosidades de "bastidores" dos discos da Legião do que em uma simples narrativa linear dos fatos históricos vividos pela banda, A própria autora escreve que não sabia bem como acrescentar algo mais aos relatos já conhecidos e decorados pelos fãs do grupo, e que decidiu pela abordagem de contar a história de cada disco para que estas contassem, juntas, a saga completa do grupo originário de Brasília. Desta forma, a obra foi dividida em capítulos dedicados cada um a um disco de estúdio do grupo, além dos já citados lançamentos ao vivo, solo e coletâneas, perfazendo um amplo período de tempo e cobrindo toda a trajetória do grupo em sua existência mercadológica, ao menos.

Se nos primeiros capítulos o tom é mais voltado às curiosidades dos bastidores das gravações dos discos da Legião (dando os devidos créditos, inclusive, a uma figura muitas vezes esquecida quando se trata do grupo, o técnico de som Amaro Moço, que, com sua experiência e sensibilidade, ajudou o então quarteto a obter a sonoridade que desejavam em uma época em que os recursos tecnológicos ainda eram bem mais rudimentares que hoje em dia), mais para o final a obra vai ficando mais melancólica, com os efeitos do avanço da doença de Renato (bem como de sua dependência química) se espalhando pelos estúdios de gravação e pelos palcos onde a banda se apresentava, culminando no dificílimo processo que resultou em A Tempestade (ou O Livro dos Dias), último registro lançado com o cantor ainda neste plano, e cujas sessões de gravação depois foram utilizadas para compor Uma Outra Estação, derradeiro registro de inéditas da Legião (pelo menos até aqui), passando por momentos realmente tocantes, especialmente quando se volta à memória dos envolvidos nos últimos dias de vida e de trabalho do cantor junto a eles.

A autora e sua obra

Pode-se alegar que Fuscaldo deu uma ênfase maior que a necessária aos discos da carreira solo de Renato (especialmente no caso dos discos póstumos), e que alguns aspectos e histórias contadas na obra mereciam ter um desenvolvimento maior, ou ainda que boa parte do que é contado na obra não é de todo desconhecido de quem acompanha de perto a trajetória da Legião Urbana. O certo é que, se considerarmos o intuito original dos textos (servir como "simples" liner notes, como escrito acima), e no foco da obra ser os discos em si, e não a carreira do grupo, já era esperado que a obra não se aprofundasse demasiadamente na história dos legionários, mas talvez seja este aspecto (além do óbvio e enorme talento da autora para a escrita) que torna a leitura tão leve, ágil, fácil e direta, e, mesmo com todas as circunstâncias citadas, bastante indicada aos fãs de Renato, Dado, Bonfá e seus companheiros de trajetória, os quais ainda esperam por uma biografia realmente definitiva sobre o grupo, mas encontrarão em Discobiografia Legionária uma obra que tem tudo para lhes agradar e emocionar. Boa leitura!

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Dee Dee Ramone - I Hate Freaks Like You [1993]


Por Micael Machado

No final da década de 1980, o baixista e compositor Douglas Colvin (mais conhecido como Dee Dee Ramone) estava fascinado pela cultura do rap e do hip hop. Adotando o pseudônimo Dee Dee King, gravou e lançou um álbum com este estilo musical (Standing in the Spotlight, 1989), quase ao mesmo tempo em que anunciava sua saída dos Ramones, grupo primordial do punk rock, e do qual ele foi um dos fundadores. A saída de Dee Dee e o seu novo rumo musical chocaram os fãs da banda, que, por outro lado, não conseguiram ouvir virtudes no novo projeto de um dos maiores ícones que o punk já produziu.

Com o fracasso de seu novo projeto, e sem possibilidades de retorno ao seu grupo original (embora os Ramones ainda gravassem composições suas, como "Poison Heart", "Strength to Endure" e "Main Man", presentes em Mondo Bizarro, primeiro disco dos "brothers" nova-iorquinos sem Dee Dee), o músico acabou se envolvendo em alguns projetos de curta duração, chegando inclusive a integrar a banda do lendário GG Allin por pouquíssimo tempo! Em uma reunião dos Alcoólicos Anônimos, Dee Dee conheceu o também baixista Johnny Carco (ex-integrante do grupo de hardcore Misguided), e a dupla passou a compor junta, com Ramone assumindo agora a guitarra e os vocais, aliás, seus papéis originais no antigo grupo do músico. Após alguns shows com bateristas provisórios, Dee Dee e Johnny se mandaram para Amsterdam, onde registraram (junto ao baterista holandês Danny Arnold Lommen) um EP (intitulado Chinese Bitch) e um álbum completo, I Hate Freaks Like You, lançado em 1993 pela gravadora Rough Trade Records, com o trio se chamando Dee Dee Ramone I.C.L.C. (sigla para "Inter-Celestial Light Commune", ou "Comuna da Luz Inter-Celestial", seja lá o que isto signifique), e que marcou o retorno do (agora ex-)baixista à sonoridade do punk rock que o consagrou como ídolo!

Johnny Carco e Dee Dee Ramone, em foto presente no encarte de I Hate Freaks Like You

Das quatorze faixas do álbum, "All's Quiet on the Eastern Front" é uma regravação de uma composição de Dee Dee utilizada anteriormente pelos Ramones no álbum Pleasant Dreams (de 1981), e que aqui aparece bem mais rápida que sua versão original. Já "I'm Making Monsters for My Friends" (que neste registro aparece em duas versões, uma abrindo o álbum, e outra o encerrando, tendo nesta a participação especial da cantora Nina Hagen, e algumas frases cantadas em alemão) e "It's Not for Me to Know" apareceriam depois no último álbum dos "brothers", ¡Adios Amigos! (de 1995), sendo que a segunda perde bastante força sem os característicos vocais de Joey Ramone, mas a primeira, especialmente na versão em dueto, acaba superando a versão posterior, a qual conta com o substituto de Dee Dee, CJ Ramone, nos vocais. Já em outras composições, o baixista "revisita" seu passado para criar novas faixas, como "I Hate Creeps Like You" (cujo riff principal lembra muito o de "Psycho Therapy") ou "Chinese Bitch", que possui aquela pegada de surf music que os Ramones por vezes usavam, além do riff inicial lembrar em muito o de "Sheena Is A Punk Rocker" (sendo que o "break" de "Beat On The Brat" também aparece claramente ali pelo meio).

A pesada "Curse on Me", a acelerada "I Hate It" e a quase hardcore "Don't Look in My Window" poderiam facilmente integrar qualquer disco dos Ramones dos anos 80, mas conseguem soar diferentes das composições que os "brothers" registraram neste período, assim como as mais calmas "Trust Me" (que não chega a ser uma balada, mas fica muito perto disso) e "Runaway" (com partes mais "intensas" e um excelente refrão), que lembram aquelas baladas clássicas que Joey compunha, mas, por terem a assinatura de Dee Dee, acabam soando distintas daquelas cantadas pelo eterno vocalista dos Ramones.

Se "Lass Mich in Ruhe" (que também conta com a participação especial de Nina Hagen nos vocais) é um poppy punk divertido e animado, "Life Is Like a Little Smart Alleck", é bem mais rápida e suja, lembrando as bandas de garage rock dos anos 60. E a maior "surpresa" do álbum acaba ficando com "I'm Seeing Strawberry's Again", uma composição pesada e mais arrastada, que lembra algo da geração grunge (especialmente Stone Temple Pilots, que ficou na minha mente durante toda a audição da faixa), em um estilo bastante diferente do que que Dee Dee costumava compor, e pelo qual ele não viria a se arriscar dali em diante no restante de sua carreira.

Contracapa de I Hate Freaks Like You

I Hate Freaks Like You pode até não ser o melhor registro solo de Dee Dee (posto que talvez fique com seu registro posterior, Zonked!, gravado ao lado do guitarrista e produtor Daniel Rey e do baterista Marky Ramone, além de contar com as participações especiais de Joey Ramone e Lux Interior, o lendário vocalista dos Cramps - embora eu goste muito do único registro dos Ramainz, o ao vivo Live in N.Y.C., onde o músico revisita seu passado com os Ramones ao lado de Marky e de sua esposa Barbara Zampini, que também participa como baixista em Zonked!), mas foi bastante importante por ter trazido o compositor de volta ao punk rock, estilo do qual ele foi um dos principais ícones por muito tempo, e que ajudou a consolidar ao lado dos seus "irmãos" de banda. O álbum hoje em dia é bastante difícil de encontrar (eu tive a incrível sorte de achar uma cópia por um preço bem acessível em uma loja aqui de Porto Alegre algum tempo atrás), especialmente no nosso Brasil Varonil, onde nunca foi lançado por nenhuma gravadora. Se você ficou curioso e quiser conferir a bolachinha, lhe sugiro a versão lançada na vizinha Argentina, a qual vem com as quatro faixas do EP Chinese Bitch como bônus! Boa diversão!

Track List:

01. I'm Making Monsters for My Friends
02. Don't Look in My Window
03. Chinese Bitch
04. It's Not for Me to Know
05. Runaway
06. All's Quiet on the Eastern Front
07. I Hate It
08. Life Is Like a Little Smart Alleck
09. I Hate Creeps Like You
10. Trust Me
11. Curse on Me
12. I'm Seeing Strawberry's Again
13. Lass Mich in Ruhe
14. I'm Making Monsters for My Friends

Yes - Progeny: Highlights from Seventy-Two [2015]


Por Micael Machado

Durante décadas, o triplo ao vivo Yessongs permaneceu como o melhor documento "ao vivo" daquele que talvez seja o período mais criativo e o ápice técnico do quinteto inglês Yes. Lançado em 1973, o disco compreende gravações feitas durante a turnê de promoção do álbum Close to the Edge, onde o baterista Alan White fez sua estreia junto a Jon Anderson (vocais), Chris Squire (baixo e backing vocals), Steve Howe (guitarras e backing vocals) e Rick Wakeman (teclados), mas também apresenta três músicas registradas durante a tour anterior (em suporte a Fragile, de 1971), estas ainda com o antigo dono das baquetas, Bill Bruford, que deixou o Yes para juntar-se a outro gigante do progressivo inglês, o King Crimson. Com mais de duas horas de duração, Yessongs é puro deleite aos apreciadores do estilo, e um dos melhores registros ao vivo de todos os tempos, especialmente em se tratando de rock progressivo.

Pois o "domínio" do mítico "álbum triplo" pareceu ter sido seriamente ameaçado em 2015, quando o grupo anunciou o lançamento de um box set contendo sete shows completos registrados na mesma turnê que originou Yessongs. As fitas em rolo, encontradas por acaso quando o staff da banda buscava material extra para incluir como bônus em futuras edições remasterizadas do catálogo do grupo, foram exaustivamente trabalhadas em estúdio usando a melhor tecnologia disponível hoje em dia, melhorando em muito as precárias condições das gravações feitas na época, e sendo lançadas no mercado com o nome de Progeny: Seven Shows from Seventy-Two, em uma luxuosa caixa com quatorze CDs que causaram água na boca dos fãs do quinteto. Infelizmente, esta água acumulada fez com que os mesmos se engasgassem quando conferiram o elevado preço do material, especialmente aqui no nosso Brasil Varonil, onde o mesmo sequer chegou a ser lançado, visto as poucas gravadoras que ainda restam preferirem investir em artistas mais "rentáveis" como Pabllo Vittar ou Anitta do que em música de real qualidade como a do Yes.

O Yes em 1972: Alan White, Steve Howe, Rick Wakeman, Chris Squire e Jon Anderson

Mas, felizmente, uma forma de "compensação" a esta ausência apareceu sob o nome de Progeny: Highlights from Seventy-Two, onde, em um CD duplo com meros noventa minutos de duração (ou em um novo vinil triplo, mantendo a mítica do disco de 1973) foi compilado o "melhor" da caixa original, dando, pelo menos, um "gostinho" do prato original aos fãs, e gerando mais um disco ao vivo absurdamente bom para o catálogo do quinteto inglês (e, como não poderia deixar de ser, com mais uma belíssima arte gráfica a cargo do mestre Roger Dean, responsável pela maioria do material do grupo, e que, aqui, parece expandir o universo criado em Yessongs, de certa forma encaixando Progeny no mesmo contexto do disco ao vivo mais antigo).

A primeira coisa que me chamou a atenção quando peguei a coletânea foi verificar a ausência, no track list, das faixas gravadas por Bruford presentes em Yessongs (a saber, "Perpetual Change", "Long Distance Runaround" e "The Fish (Schindleria Praematurus)"). A segunda foi notar que a duração do mesmo, como já citei, era de pouco mais de uma hora e meia. Será que não haveria espaço para colocar estas faixas em uma coletânea dupla, ainda mais que a fonte original compreende sete shows completos para se montar o repertório deste compilado? A resposta veio quando percebi que o track list de Progeny é o mesmo de cada show presente na caixa, ou seja, as músicas onde Bruford participa no disco de 1973 não foram tocadas na primeira turnê com Alan White, e não haviam músicas diferentes a serem colocadas na coletânea além daquelas selecionadas, a não ser que tivéssemos mais de uma versão de cada canção, o que, obviamente, tiraria um pouco o caráter representativo da compilação. Sendo assim, me restou aceitar que o "novo" triplo ao vivo, mesmo menor, era o melhor que se podia obter a partir da caixa original (como, aliás, o próprio título sugere), e passar a curtir estas novas versões de alguns clássicos que me acompanham há tanto tempo.

Parte da arte gráfica de Progeny: Highlights from Seventy-Two

É sabido por quem acompanha o Yes que o grupo não é dado a improvisos ou "jams" em cima do palco, limitando-se a reproduzir praticamente nota por nota seu material de estúdio, sem usar das tradicionais "viagens" que outros grupos progressivos gostam de adotar. Porém, este "reproduzir nota por nota" de forma alguma se torna tedioso ou previsível, pois a habilidade e a técnica do grupo para reproduzir material tão rico e complexo musicalmente é de deixar o ouvinte com o queixo no chão, especialmente no período compreendido nestas gravações, onde o grupo executava na íntegra seu então mais recente álbum, o já citado Close to the Edge, considerado por muitos não apenas o melhor álbum da banda, mas também o melhor do estilo progressivo em todos os tempos. Além da performance do disco, ainda faziam parte do repertório faixas retiradas dos dois registros anteriores do quinteto, o também excelente Fragile, citado acima, e The Yes Album, de 1971, além de um "momento solo" de Wakeman, onde o tecladista apresentava um medley com trechos de seu álbum solo The Six Wives of Henry VIII, lançado em 1973 (ou seja, depois dos shows registrados aqui), além de outras composições clássicas e alguns improvisos.

Se, ao longo da audição, não é surpresa perceber como Anderson, Squire e Howe executam suas partes com perfeição e muita técnica, chama a atenção como White, apesar do pouco tempo de ensaio junto ao grupo, consegue executar de forma mais do que aceitável as complicadíssimas partes criadas em estúdio pelo "desertor" Bruford, sabidamente um baterista mais técnico e inventivo que seu sucessor, mas cuja ausência quase não chega a ser sentida quando da audição de Progeny (não a toa, White manteria seu posto nas baquetas do Yes até hoje, colocando seu estilo e sua classe nos registros posteriores do grupo). Mas o maior destaque da compilação, pelo menos para mim, vai para Rick Wakeman, o músico que mais "fugiu ao script" das músicas originais durante a execução ao vivo destas faixas, colocando o seu toque pessoal e algumas bem vindas variações em trechos de certas canções (vide o final de "And You and I", o solo de "Close to the Edge" ou o trecho intermediário de "Roundabout"), seja acrescentando algumas passagens inexistentes em estúdio ou utilizando alguns timbres diferentes daqueles que nos acostumamos a escutar, especialmente levando-se em conta as muitas versões "live" destas canções lançadas no mercado nos mais de quarenta anos que separam Yessongs de Progeny. O próprio "momento solo" do tecladista é visivelmente diferente de tantos outros presentes nos discos ao vivo do Yes, o que torna o material mais atraente e aprazível mesmo para aqueles que já decoraram nota por nota o "triplo ao vivo" original, ou alguns dos live albums dos ingleses lançados posteriormente.

Contracapa de Progeny: Highlights from Seventy-Two

Ainda não tive a oportunidade de ouvir o box set que originou esta compilação (espero um dia conseguir), mas, pelo menos por enquanto, Progeny: Highlights from Seventy-Two me parece um paliativo satisfatório, com um excelente material de uma banda no auge executando canções que viriam a se tornar clássicos do estilo, mas que, devido a ausência das músicas registradas com Bruford, e de toda a carga sentimental que o álbum de 1973 tem sobre mim, ainda não conseguiu superar Yessongs na minha preferência auditiva (embora chegue perto). Tudo bem, afinal, não se trata de uma competição, mas de dois grandes discos que temos disponíveis para escutar e nos deleitarmos com alguns dos melhores momentos musicais desta instituição do rock inglês chamada Yes! Boa diversão!

Track List (versão em CD duplo):

CD 1

1. Opening (Excerpt from Firebird Suite)/Siberian Khatru         

2. I've Seen All Good People

3. Heart of the Sunrise

4. Clap/Mood for a Day

5. And You and I


CD 2

1. Close to the Edge

2. Excerpts from "The Six Wives of Henry VIII"

3. Roundabout

4. Yours Is No Disgrace

domingo, 17 de setembro de 2017

Review Exclusivo: Titãs (Porto Alegre, 28 de julho de 2017)


Por Micael Machado
Fotos retiradas do facebook oficial da banda

Titãs, ah, os Titãs... confesso que tenho uma espécie de relação amor/ódio com a banda... enquanto a maior parte das pessoas que acompanham o grupo gostam das musiquinhas pops e acessíveis e das baladas românticas regadas a sacarina que passaram a integrar o repertório dos paulistas principalmente depois da fase "Acústico MTV", eu gosto mesmo é dos Titãs agressivos e "bocas sujas" que começaram a aparecer nos discos Cabeça Dinossauro e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, mas atingiram o auge mesmo nos registros Tudo ao Mesmo tempo Agora e, principalmente, Titanomaquia, no começo da década de 1990. Estes Titãs ficaram por muito tempo adormecidos, mas começaram a ressurgir aos poucos, primeiro na turnê de comemoração aos trinta anos da banda, depois no excelente disco Nheengatu, de 2014, onde a banda (formada então por apenas quatro dos membros originais, Sérgio Britto nos teclados, baixo e vocais, Branco Mello no baixo e vocais, Paulo Miklos na guitarra e vocais, e Tony Bellotto nas guitarras, além do "convidado" Mario Fabre na bateria) parecia ter retomado o espírito roqueiro e rebelde abandonado na fase dos terninhos e covers. A primeira parte da tour em suporte ao novo disco manteve esta impressão, mas aí Paulo Miklos deixou o grupo para ser jurado do programa televisivo "X Factor Brasil", sendo substituído por Beto Lee, filho da eterna rainha do rock nacional Rita Lee, e o grupo pareceu ter sentido a saída de mais um fundador, abrandando um pouco as coisas na parte final daquela excursão.

Para este segundo semestre de 2017, o quinteto montou uma nova turnê (chamada "Uma Noite no Teatro"), com shows mais "intimistas" a serem apresentados em teatros, e que contariam com partes acústicas e a apresentação de três músicas inéditas, que deverão fazer parte de uma "ópera rock" ainda em desenvolvimento, mas que o grupo pretende lançar o mais breve possível no mercado. Foi esta nova excursão que aportou no belíssimo Teatro do Bourbon Country, na capital gaúcha, na última sexta feira, 28 de julho, e mostrou que, infelizmente, os Titãs "rebeldes" e "transgressores" estão, novamente, adormecidos.

Em uma atitude que poucas vezes vi antes no mundo do showbizz, Sérgio Britto divulgou o set list da apresentação com alguma antecedência em suas "redes sociais". Desta forma, já dava para sacar que o repertório da apresentação privilegiaria os hits e as baladinhas românticas do grupo, deixando de lado qualquer menção àqueles discos mais "agressivos" que citei lá no início, os quais não se encaixam nesse novo conceito "família" adotado pelos Titãs. Eu sei que a ideia da banda era fazer apresentações em locais menores e com maior proximidade do público, mas não deixa de ser sintomático o fato do Bourbon Country ser o lugar com menor capacidade de ocupação onde a banda se apresentou nos últimos trinta anos (pelo menos) em Porto Alegre. Sinal de decadência, ou de falta de relevância no cenário atual?

Tony Bellotto e Sérgio Britto, no palco do Teatro do Bourbon Country

Pode até ser, ainda mais quando se percebe que, apesar de muito cheio, os pouco mais de mil lugares disponíveis no teatro não chegaram a ter os ingressos esgotados (isso para uma banda que, nos melhores anos, lotava um Gigantinho para mais de 15 mil pessoas). Mesmo assim, quem compareceu estava a fim de diversão, coisa facilitada pelo repertório escolhido, bastante adequado ao gosto mais "popular" de quem tinha condições de arcar com o salgado preço do ingresso, e que, quase com certeza, dificilmente tem um disco dos caras em casa (talvez o citado Acústico MTV, e olhe lá), mas está acostumado a escutar os "grandes sucessos" no rádio e nos programas de televisão, especialmente aqueles forjados ainda nos anos 80, e que formaram a maior parte do repertório escolhido para a noite.

A apresentação iniciou com "Comida", bastante conhecida e bem recebida pelo pessoal, mas logo após sua execução Britto interrompeu o show para pedir a um grupo na frente do palco que "resolvessem a situação" que haviam criado ao ficarem discutindo a respeito dos locais onde deveriam sentar no teatro (os quais são marcados nos ingressos, e, teoricamente, não deveriam gerar confusão alguma). Em um claro sinal de que o pessoal estava lá mais pelo "evento" do que para prestigiar a banda, o tal grupo seguiu discutindo e argumentando entre si, com Britto lhes chamando a atenção dizendo "ei, olha para cá, tô falando com vocês", para então pedir aos seguranças que retirassem o pessoal dali e os levasse a um canto para resolver aquilo tudo, clamando por respeito a quem queria ver o show "e pagou caro para estar aqui", como falou. Era o prenúncio de que algo não estava correto naquela situação toda (os Titãs em um teatro, tocando baladinhas românticas para um público comportadamente sentado, e mais preocupado com selfies e papinhos diversos que com a música do grupo... não combina, sabe?), mas a noite estava apenas começando.

O show então prosseguiu com os hits programados originalmente (incluindo a versão "titânica" para "Pro Dia Nascer Feliz", original do Barão Vermelho, que o grupo regravou para servir de tema de abertura da novela global "Malhação", o que mostra, mais uma vez, que algo anda errado no mundo dos Titãs), mas a banda parecia cansada, sem a disposição e vitalidade de outrora, e, apesar do público vibrar e cantar junto o tempo todo, parecia faltar garra ao quinteto em cima do palco, com se a banda tocasse no "piloto automático", sabendo que, com a quantidade de hits escolhidos, o jogo já estava ganho antes mesmo de começar. Os poucos momentos mais "transgressores" da noite ("O Pulso", "32 Dentes", "Cabeça Dinossauro") foram recebidos com certa indiferença pelo público, e, mostrando que havia mesmo algo estranho no ar, depois que a banda executou "Marvin", o pessoal, espontaneamente, começou a cantar o refrão de "É Preciso Saber Viver", música de Roberto Carlos registrada pelo grupo no disco Volume Dois, de 1998, e uma das maiores "babas" da carreira da banda (e que, felizmente, não estava programada no set list da noite). Britto então puxou a "intro" da música, para meu desespero, mas felizmente, parou por ali mesmo, emendando "Lugar Nenhum", música bem mais agressiva e agitada que aquela solicitada pela "seleta" plateia. Poucas coisas mostraram mais o descompasso entre a vontade da banda e do público naquele instante, deixando claro que poucos ali estavam a fim de ouvir "lados B" da discografia da banda, desejando mesmo é por mais sacarose despejada nos ouvidos.

Britto, Branco e Belotto, na "parte intimista" do show

Mas, ainda antes de "Marvin", houve a tal "parte intimista" do show, onde os três músicos originais fizeram um número solo cada um, com Bellotto na guitarra e vocais da balada "Isso", de sua autoria, Branco resgatando "Toda Cor", do disco de estreia da banda (apresentada aqui ao violão), e Britto interpretando ao piano a baladinha "Enquanto Houver Sol", e os três tocando, juntos e "acústicos", as faixas "Televisão" e "Porque Eu Sei que É Amor", esta registrada no álbum Sacos Plásticos, um disco, segundo o Britto, "muito massacrado pela crítica e por boa parte dos fãs, mas que tem muitas coisas bacanas" (onde?, queria eu saber). Foi nessa parte que houve talvez a maior "transgressão" ao repertório escolhido, com Branco interpretando um trechinho de "Lugar do Caralho", originalmente gravada por Júpiter Maçã, mas que já se tornou uma espécie de "hino" do rock gaúcho, recebendo várias outras versões e frequentemente sendo executada por artistas de outros estados que passam por aqui. Fico eu a imaginar quantos dos presentes ao teatro naquela noite conheciam esta música, e quantas "senhorinhas" da plateia não ficaram ofendidas com o uso da palavra "caralho" em um show dos Titãs. Houve também a apresentação das tais músicas inéditas, que são "12 Flores Amarelas" (sombria e algo mórbida, encaixando no conceito explicado por Britto, de que na história ela significaria um feitiço de morte), "Me Estuprem" (mais pop, com uma excelente letra tratando da tal "cultura do estupro" tão falada atualmente, mais uma vez tocando em questões sociais relevantes, como o grupo fez em "Pedofilia", do disco Nheengatu, mas que, devido exatamente ao seu conteúdo lírico, penso que não terá uma exposição midiática muito grande), e "A Festa", mais estranha e "desconjuntada", e a que menos me agradou das três, as quais tiveram uma recepção morna mas respeitosa por parte da plateia (que pelo menos se dispôs a escutá-las, e não ficou de conversas paralelas ou apenas tirando selfies, como ocorreu quando o grupo fez o espetáculo "Titãs Inédito" em Porto Alegre alguns anos atrás), e que, arrisco a dizer, não deverão ter uma vida longa no repertório ao vivo do grupo, como aconteceu, por exemplo, com as canções do disco mais recente, que já foram limadas por completo na atual excursão do quinteto.

Depois da execução de "Lugar Nenhum", a primeira parte encerrou com "Homem Primata", a qual, aliás, mesmo com o repertório sendo conhecido de antemão, vinha sendo insistentemente solicitada por um sujeito da plateia ao longo da noite, gerando alguns comentários e respostas por parte de Britto e Branco, que, quando chegou ao ponto da execução da mesma, perguntou ao microfone: "Cadê o menino que queria ouvir Homem Primata? Então, chegou a hora". Outras pessoas, ao longo da apresentação, pediam por "Polícia", por "Bichos Escrotos", e muitas vezes por "É Preciso Saber Viver", demonstrando que a divulgação do set list feita por Britto não havia atingido muitos dos presentes ali. A banda se retirou do palco, mas, como planejado, retornou para dois encores, o primeiro com "Polícia" e "Bichos Escrotos" em sequência (duas músicas que, apesar de agressivas, já estão "assimiladas" pelo pessoal), e o segundo com "Desordem", mais "desconhecida" e meio deslocada ao ser escolhida como música de encerramento. Talvez notando isso, Tony se aproximou de Britto, e ambos se reuniram com Mario e Branco, decidindo fazer, meio de "improviso", a tão "aguardada" "É Preciso Saber Viver", a qual Britto anunciou que eles iriam tocar "para que vocês possam ir dormir em paz", de certa forma reconhecendo que aquele público queria mesmo era "baba", e não agressividade.

Branco Mello em Porto Alegre

Foi um show ruim? Com a quantidade de hits que a banda tem, não tem como fazerem uma apresentação deste tipo (por mais que recheada de "baladinhas" cheias de sacarose), mas foi uma das mais fracas que assisti desde a citada turnê de comemoração dos trinta anos. Mas o pior foi saber que muita gente ali deve ter saído do teatro achando que foi o melhor show que já viram (talvez o único a que assistiram nesta década, quem sabe neste século), porque a banda "tocou todas as conhecidas" e "todas aquelas baladas lindas". Mas, pergunto eu, é a isto então que se resumem os Titãs? Enfim, resta esperar que, com o lançamento da tal ópera rock (ainda sem nome), o grupo reencontre sua verve roqueira e agressiva, e que o público da banda abra os ouvidos para o lado mais agressivo da música da banda, que, ao contrário do que este pessoal pensa, não é apenas um grupinho pop como outro qualquer, mas sim um dos mais relevantes e importantes representantes do rock nacional, embora a própria banda pareça não se recordar mais disto. Uma pena!

Set List

01. Comida
02. Aluga-se
03. A Melhor Banda de Todos Os Tempos da Última Semana
04. O Pulso
05. Família
06. Diversão
07. Aa Uu
08. 32 Dentes
09. Sonífera Ilha
10. Cabeça Dinossauro
11. Isso
12. Toda Cor / Lugar do Caralho (trecho)
13. Enquanto Houver Sol
14. Por Que eu Sei que é Amor
15. Televisão
16. 12 Flores Amarelas
17. Me Estrupem
18. A Festa
19. Flores
20. Pro Dia Nascer Feliz
21. Pra Dizer Adeus
22. Epitáfio
23. Go Back
24. Marvin
25. Lugar Nenhum
26. Homem Primata

Bis 1:

27. Policia
28. Bichos Escrotos

Bis 2:

29. Desordem
30. É Preciso Saber Viver

domingo, 30 de julho de 2017

Nando Reis – Jardim-Pomar [2016]


Por Micael Machado

Jack Endino (produtor e ex-guitarrista do Skin Yard), Barrett Martin (produtor e ex-baterista de grupos como Screaming Trees, R.E.M. e Mad Season, além de vários trabalhos ao lado do próprio Nando Reis), Peter Buck (ex-guitarrista do R.E.M.), Mike McCready (guitarrista do Pearl Jam), as cantoras Pitty, Luiza Possi e Tulipa Ruiz, e vários membros e ex-integrantes do grupo paulista Titãs. Toda esta turma participa, ao lado de mais alguns convidados especiais, do novo disco de Nando Reis, Jardim-Pomar, seu oitavo trabalho de inéditas, e décimo segundo lançamento do cantor, violonista e compositor em sua carreira solo, na qual é acompanhado, já há algum tempo, pela banda de apoio Os Infernais, formada atualmente por Alex Veley (teclados), Walter Villaça (guitarra), Felipe Cambraia (baixo) e Diogo Gameiro (bateria), responsáveis pelas bases da maioria das faixas deste álbum. Registrado em parte na cidade norte-americana de Seattle (com produção de Endino, que já trabalhou, dentre outros, com o Nirvana, Bruce Dickinson, os Titãs e o próprio Nando), e, em outra, na capital do estado de São Paulo (com Martin no comando dos botões) entre julho de 2015 e fevereiro de 2016, o disco foi lançado em novembro daquele ano, de forma totalmente independente (através do selo Relicário, criado por Reis para disponibilizar suas obras ao público), surgindo nos formatos CD, LP (em dois discos separados, ambos em um lindo vinil transparente) e fita K7, todos apresentando uma belíssima arte gráfica, feita, pelo menos ao que parece, inteiramente em papel reciclado, além de apresentar inscrições em braile nas faixas onde estão o nome do registro e das músicas do mesmo.

A balada "Só Posso Dizer" foi a escolhida para ser a primeira música de trabalho (aparecendo no disco em duas versões, registradas uma em cada cidade onde o disco foi gravado). Ao escutá-la, fica fácil perceber o motivo desta opção, pois, apesar de não ser lá grande coisa (a versão de Seattle, por exemplo, é bem melhor que a brasileira, que foi a selecionada para tocar nas rádios e receber um vídeo clipe), é bem popularesca, do jeitão que as rádios e a TV gostam de colocar em suas programações, e tem tudo para agradar ao público mediano consumidor destas mídias, com seu jeito "calmo" e "fofo" e seu refrão grudento. No mesmo estilo, mas bem melhor do que ela, o disco possui "Como Somos", que tem clima semelhante, mas teria sido uma escolha qualitativamente melhor do que a primeira faixa divulgada. Já o segundo single, "Inimitável" (que conta com a presença de Peter Buck, e ganhou um lyric vídeo muito legal)é mais pop, alegre e "para cima", com uma refrão marcante e um contagiante "na-na-na" quase irresistível de não se cantar junto. Outro bom momento aparece em "Pra Onde Foi?", maior faixa do álbum (com mais de seis minutos e meio), que é lenta sem ser balada, apresentando boas partes de guitarra, e contando inclusive com um longo (e excelente) solo de Mike McCready, além da forte presença dos teclados, sendo um um dos destaques do track list de Jardim-Pomar.

Nando Reis e as versões em vinil para Jardim e Pomar (foto retirada do site Scream & Yell)

As canções mais calmas acabam sendo maioria no repertório do álbum, com destaque para "Lobo Preso em Renda" - que começa com um barulho de máquina de escrever, sendo uma balada levada ao violão, com bela participação dos teclados, e pequenas partes mais agitadas aqui e ali, onde, em momentos alternados, as guitarras, o teclado ou o saxofone (a cargo do convidado Skerik) assumem a frente do arranjo - e para "Concórdia", que já havia sido gravada antes por Elza Soares em seu disco Vivo Feliz, de 2003, e é uma música lenta e tocante, conduzida pelo violão e contando com uma bela participação dos teclados e a inclusão de partes orquestradas a cargo do Passenger String Quartet, que também marca presença em "Água Viva", outra faixa mais lenta, mas sem muito destaque no meio das demais. "4 de Março", celebrando o amor pela esposa e a família do compositor, é outro bom momento deste lado mais calmo do disco, que ainda tem "Pra Musa", também conduzida pelos violões e os teclados, mas que muda lá pelo meioganhando um ritmo mais rápido e um marcante solo de guitarra na parte final.

"Azul de Presunto" é suingada, com um interessante "balanço" setentista (graças aos timbres de teclado escolhidos e curtas passagens de sopros), e chama a atenção pelo impressionante time de convidados que apresenta (Pitty, Luiza Possi, Tulipa Ruiz, os ex-colegas de Titãs Arnaldo Antunes, Branco Mello, Sérgio Britto e Paulo Miklos, além dos filhos o cantor, Zoe, Theo e Sebastião Reis, estes dois também integrantes da banda Dois Reis), os quais fazem apenas corais e backing vocals, sem um destaque individual maior no arranjo, sendo até difícil reconhecer todas as vozes no meio do instrumental, fazendo com que pareça que a reunião desta turma acabou sendo uma excelente ideia desperdiçada em uma faixa sem destaque maior. Ao final da audição de Jardim-Pomarfica a constatação que os melhores momentos do disco estão logo no começo, com "Infinito Oito" e "Deus Meu", duas faixas onde a guitarra de Jack Endino se destaca, e nas quais o acento roqueiro do ex-titã marca presença com tudo. É realmente uma pena que Nando não invista mais neste lado de sua personalidade como compositor, preferindo dar mais destaque à sua faceta mais calma e romântica, onde, apesar dos bons resultados, as músicas não são tão boas quanto aquelas forjados pelo aspecto mais "selvagem" do músico.

Capa da versão em fita K7 de Jardim-Pomar

Apesar de manter certa familiaridade com Sei, o registro anterior, por privilegiar o lado mais calmo e romântico do compositor Nando Reis, mas ter seus maiores destaques naquelas canções mais rápidas e "roqueiras", Jardim-Pomar é um disco de audição mais prazerosa do que seu antecessor, e do qual é mais fácil se gostar já nas primeiras audições, mas que, apesar da qualidade, dificilmente agregará novos clássicos à carreira do Ruivão (como o cantor também é conhecido por seus fãs), a não ser, é claro, a extremamente popularesca "Só Posso Dizer", que, como não poderia deixar de ser, já caiu no gosto e na boca do público mais mediano, o qual se interessa apenas superficialmente pela carreira de Nando, e, ao se prender apenas às faixas mais populares, perde a oportunidade de conhecer outras grandes músicas deste que é um dos maiores hitmakers e compositores do país atualmente. Uma pena!

"Se vamos todos morrer / Então vamos tratar de viver"

Contracapa da versão em CD de Jardim-Pomar

Track List:

01. Infinito 8
02. Deus Meu
03. Inimitável
04. 4 de Março
05. Só Posso Dizer (Versão São Paulo)
06. Concórdia
07. Azul de Presunto
08. Lobo Preso em Renda
09. Pra Onde Foi?
10. Como Somos
11. Agua-Viva
12. Pra Musa
13. Só Posso Dizer (Versão Seattle)

domingo, 9 de julho de 2017

O Terno - Melhor do que Parece [2016]


Por Micael Machado

O Brasil tem o seu novo Los Hermanos. E ele soa como Os Mutantes!

Melhor do que Parece, terceiro registro do grupo paulistano O Terno (primeiro com o baterista Gabriel Basile, que se juntou ao vocalista/guitarrista/tecladista Tim Bernardes e ao baixista Guilherme "Peixe" d’Almeida durante a turnê de divulgação do disco anterior) é o lançamento mais maduro do trio, e, possivelmente, o melhor. Se na estreia, com a álbum 66, de 2012, o conjunto se aproximava da jovem guarda em alguns momentos, e no autointitulado segundo registro (de 2014) a melancolia e a introspecção tomavam conta dos arranjos, desta vez é a Tropicália quem acaba guiando o rumo da maioria das canções, graças a arrojadas participações de instrumentos típicos de orquestras, como saxofones, violinos, flautas, trompetes e até harpas em boa parte das canções, aproximando as mesmas daquelas gravadas sob a produção do genial maestro Rogério Duprat, responsável direto pelo disco Tropicalia ou Panis et Circencis, de 1968, e por boa parte dos melhores momentos do início da discografia dos Mutantes.

É com este outro trio paulistano que podemos facilmente encontrar paralelos entre as músicas de Melhor do que Parece, vide, por exemplo, a abertura de "Não Espero Mais", facilmente associável ao som de Rita Lee e dos irmãos Dias Baptista, ou o timbre de guitarra imediatamente associado ao do instrumento de Sérgio Dias, e que aparece com mais destaque em "Vamos Assumir" e no solo ao final de "Culpa" (primeiro single e vídeo do álbum, e, no mais, apenas uma simples canção pop que tenta soar engraçadinha, apesar da inteligente letra). A curta e melancólica "A Historia Mais Velha do Mundo" soa intencionalmente como algo gravado na década de 1920 (ou 1930), e, de certo modo, me remete à versão "mutante" para "Chão de Estrelas", onde os Mutas davam uma nova cara para algo antigo, como O Terno parece fazer aqui e em "Nó", onde a orquestração nos remete a um tempo que já ficou no passado, mas os teclados parecem saídos diretamente do disco Lóki? (1974), registro solo de Arnaldo Baptista, mas que conta com a participação da "cozinha" dos Mutantes, além da presença do já citado maestro Duprat.

O Terno: Guilherme "Peixe" d’Almeida, Tim Bernardes e Gabriel Basile

Mas é claro que O Terno não se baseou apenas em um grupo para compor seu novo registro (e, óbvio, este não é apenas uma "cópia" dos Mutantes). "O Orgulho e o Perdão", por exemplo, é um sambão escancarado e escrachado, enquanto a calma "Minas Gerais", talvez pelo título, ou pelos timbres utilizados, me remete ao Clube da Esquina, formado por alguns dos melhores músicos mineiros da década de 1960. O grupo também não abandonou suas "origens" musicais, pois "Deixa Fugir", por exemplo, não faria feio no meio do track list do registro de estreia, enquanto "Depois Que a Dor Passar" e "Volta" trazem de volta muito da melancolia do álbum anterior.

Para mim, os melhores momentos se encontram em "Lua Cheia" (cuja primeira parte soa bem próximo ao que chamaríamos de "musica brega", mas a segunda metade é pura psicodelia, levada pela guitarra alucinada de Tim, que mais uma vez remete ao timbre característico de Sérgio Dias) e na excepcional faixa título, cujo hipnótico e repetitivo final certamente ficará ecoando na sua mente por alguns dias. A reclamar, apenas o fato do trio não ter incluído no disco a inédita "Diretos", que vem sendo executada exclusivamente nos muitos shows de divulgação do registro que o trio tem feito pelo país (com uma breve passagem pelo velho continente, onde se apresentaram em Portugal). Fica a esperança que a mesma apareça como bônus da prometida edição em vinil (amarelo!) a ser lançada pela revista Noize através do seu Noize Record Club, ou que seja lançada como single mais para frente (como já ocorreu em 2013 com a impactante "Tic-Tac").

A prometida versão em vinil amarelo a ser lançada pela revista Noize

Por falar nos shows do Terno, é neles que se vê o quanto a popularidade do trio vem aumentando a cada lançamento. Tive a oportunidade de comparecer à apresentação de Porto Alegre, que aconteceu poucas semanas depois do lançamento do disco em 2016, no sempre recomendável Bar Opinião. Apesar do pouco tempo para se  acostumar às novas canções, a grande quantidade de público presente ao local (o maior que o grupo já reuniu na capital gaúcha, em sua terceira passagem pela cidade) cantou praticamente todas as músicas novas do início ao fim, além de ir ao delírio nas poucas faixas antigas apresentadas naquela noite, em fenômeno que só vi ter paralelo nos cariocas do Los Hermanos,  cujos lançamentos possuíam a mesma capacidade de cativar seus súditos pouquíssimo tempo depois de serem divulgados (como para ratificar esta "aproximação", o trio andou fazendo alguns shows acompanhado por um trio de metais, parecido com aquele que acompanhou os cariocas durante toda a sua carreira). Certamente, se continuar neste ritmo e com esta qualidade, O Terno tem tudo para alcançar (ou talvez até mesmo superar) o patamar de popularidade que o grupo dos "barbudos" conseguiu, embora os detratores das duas bandas continuem sem entender como este tipo de música consegue cativar tanta gente diferente. A explicação simples, mas que eles não parecem compreender, está ligada à qualidade da mesma, a qual exige alguma disposição dos ouvintes e que os mesmos tenham ouvidos mais "abertos" a sonoridades diferentes, mas, nem por isto, bastante apreciáveis. Lhes dê uma chance, e é quase certo que você também será cativado por elas!

Tudo está melhor do que parece / Eu olho e vejo tudo errado / Faz tempo que está tudo certo

Contracapa de Melhor do que Parece

Track List:

01. Culpa
02. Nó
03. Não Espero Mais
04. Depois Que a Dor Passar
05. Lua Cheia
06. O Orgulho e o Perdão
07. Volta
08. Minas Gerais
09. Deixa Fugir
10. Vamos Assumir
11. A Historia Mais Velha do Mundo
12. Melhor do que Parece