Por Micael Machado
Houve um tempo em que discos ao vivo eram a coroação de um grande momento na carreira de uma banda, o registro de uma ocasião mágica, que tanto grupo quanto fãs recordariam para sempre como um dos pontos altos da história daquele artista. Hoje em dia, este tipo de lançamento virou apenas uma forma barata de gravar e lançar um produto no mercado, visando arrecadar o máximo possível do suado dinheirinho do reduzido público consumidor que ainda se dispõe a comprar discos. Se não fosse assim, qual a justificativa para o lançamento do segundo disco ao vivo (em DVD, CD e, desta vez, também em vinil) de Pitty depois de apenas três álbuns de estúdio?
Sempre fui fã da música da baiana. Contrariando praticamente todo mundo que conheço, gostei bastante do primeiro CD, Admirável Chip Novo, de 2003. Mantive a admiração quando do lançamento de Anacrônico, em 2005, e aumentei a empolgação com (Des)Concerto, o primeiro ao vivo, de 2007. Mas não entendi a "mudança de rumo" de Chiaroscuro, lançado em 2009, com músicas influenciadas por outros estilos musicais, como tango e ópera, e um certo abandono do rock quase visceral que a banda fazia em favor de uma aproximação com o pop e a programação das rádios.
Pois é o registro da turnê desse terceiro (e, para mim, equivocado) disco que chega agora às lojas, com o título A Trupe Delirante no Circo Voador. Gravado, como o nome indica, no Circo Voador, no Rio de Janeiro, em 18 de dezembro de 2010, o lançamento é um equívoco por vários motivos. O primeiro deles é a duração de pouco mais de uma hora, bastante curta para os padrões atuais. Não que a cantora não tenha repertório para um show um pouco mais longo, mas parece que esta não é uma opção da baiana, ainda mais se levarmos em conta que nenhuma música de Anacrônico se faz presente.
Outro equívoco é o foco nas canções de Chiaroscuro. A única música do disco que não faz parte do track list regular é "A Sombra", que aparece nos bônus do DVD. Portanto, o disco inteiro é executado em sua versão live, o que quase sempre é motivo de alegria e comemoração para os fãs, exceto quando esse disco é o mais fraco da carreira do artista, e quando músicas muito mais conhecidas e admiradas são deixadas de lado em favor de outras de qualidade inferior...
Capa e contracapa do DVD |
A inédita "Comum de Dois", composta nos ensaios para a gravação do DVD, também não empolga. Com uma letra sobre um crossdresser (homem que gosta de se vestir de mulher), que soa bastante adequada em tempos de aprovação do casamento entre homossexuais e da presença destacada de um casal gay na principal novela televisiva do país, a música não é muito diferente de outras do repertório da artista, e deixa a desejar ao não optar por ser pesada ou pop, preferindo ficar no meio termo.
Outro momento equivocado foi a manutenção do trecho de "Me Adora", primeiro single de Chiaroscuro, e que na verdade é uma canção não mais que mediana, com uma marcação de bateria utilizada em outras milhares de canções do mundo do rock, desde os Beach Boys aos Raimundos, onde um fã sobe ao palco e a baiana para de cantar e ameaça dar um soco no rapaz, mandando-o de volta para a pista. Uma atitude lamentável e bastante desrespeitosa, que não passa um bom exemplo de relação artista/público, e deveria ter sido substituída por alguma outra imagem.
Para encerrar a sequência de erros, o disco conta com o dispensável cover para "Se Você Pensa", de Roberto Carlos. No começo da carreira, Pitty gravou covers para artistas como Faith No More, Nirvana e Bad Brains (presentes no primeiro DVD da baiana, chamado Admirável Vídeo Novo). Quando regravou Chico Buarque ("Construção", do EP Lado Z, de 2003), conseguiu dar uma cara bastante interessante para a sua versão. Mas este registro para a canção do Rei é um rockzinho comum, em um andamento mid tempo, sem maiores atrativos e que, apesar de não descaracterizar a versão original, também não lhe acrescenta nada.
Bons momentos estão na participação do músico Hique Gomez, emprestando através de seu violino um pouco da sua genial insanidade à "Água Contida", inclusive dançando com a cantora no meio da música ao ritmo do tango que lhe inspira; na presença do cantor Fábio Cascadura na cover de "Senhor das Moscas", gravada originalmente pela banda liderada por Fábio, o Cascadura, espécie de heróis locais do rock baiano, e que mereciam ter maior destaque a nível nacional; na angustiante e quase atonal introdução teclado/guitarra criada para "Medo", a qual não é nenhuma surpresa para quem, como eu, presenciou algum show da turnê de Chiaroscuro; na presença da canção "Pra Onde Ir", composta durante as sessões do terceiro disco mas presente apenas em outro DVD da banda, o Chiaroscope; e na escolha de alguns "lados B" do primeiro disco da baiana para complementar o repertório, especialmente "O Lobo" e "Emboscada", destaques daquele álbum e que ainda não haviam recebido versões ao vivo oficiais.
Joe, Pitty, Duda e Martin |
Em resumo, se você for muito fã do trabalho de Pitty e sua banda (a saber: Joe no baixo, Duda na bateria, Martin nas guitarras e Bruno Cunha nos teclados), gosta de Chiaroscuro, idolatra a moça como a legítima "rainha do rock nacional" e considera a sua música como a melhor coisa disponível em termos de rock and roll no país atualmente (e, por consequência, não deve ter mais de dezoito anos), vai adorar A Trupe Delirante no Circo Voador. Se, como eu, gosta das músicas dela, mas mantém o senso crítico em dia, prefira o ao vivo anterior (Des)Concerto, com um repertório e uma performance geral muito melhores. E, se você nunca curtiu o som da baiana, não vai ser agora que vai começar.
I am ignorin' you....
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