sexta-feira, 11 de julho de 2014

Discografia Comentada: The Cure (Parte II)


Por Micael Machado

Com o retorno de Simon Gallup para a função de baixista e Boris Williams assumindo o posto de baterista (Porl Thompson cuidava então das guitarras e o fiel parceiro Lol Tolhurst dos teclados), Robert Smith tinha pela primeira vez em muito tempo uma formação estável e unida, partindo assim para criar um disco que seria o divisor de águas na carreira do The Cure, o qual passaria a ser um fenômeno mundial a partir da junção deste time de "craques". 

Confira agora a segunda parte da Discografia Comentada do The Cure!

The Head On The Door [1985]

É difícil discordar de Robert Smith quando ele afirma que The Top era uma espécie de rascunho para o que viria em The Head On The Door, afinal, este disco é como se fosse o aperfeiçoamento das ideias presentes no registro anterior. Assim como naquele álbum, há aqui uma mistura do lado pop com o lado depressivo do grupo, sendo o primeiro estilo representado por faixas como "Close to Me" (uma das coisas mais leves  que o Cure já gravou, embora a letra não seja lá muito alegre), "Six Different Ways" (embora sua melodia seja meio tristonha), a estranha "Screw", "The Baby Screams" (onde retornam os experimentos eletrônicos da época em que o Cure era uma dupla), "Push" (hit nas rádios até hoje, e uma das minhas favoritas na discografia do grupo) e "In Between Days", o maior sucesso do disco, composição pop de melodia alegre com letra triste, como o Cure sempre foi especialista em fazer (vide o single "Boys Don't Cry"), ficando a parte sombria a cargo de faixas como a tristonha "Kyoto Song", "The Blood" (levada por violões e de melodia "sinistra", e cuja letra foi inspirada por um porre de vinho da marca Sangue de Cristo que Smith tomou na Espanha) e pela última faixa, "Sinking", que, ao estilo das músicas que encerram os discos anteriores do grupo (à exceção de Japanese Whispers), é melancólica e "para baixo", embora nem tanto quanto suas "co-irmãs" de estilo. A linda balada "A Night Like This" (com batida dançante e solo de saxofone do músico convidado Ron Howe, da banda Fools Dance) consegue unir com perfeição estes dois estilos tão distintos que convivem na música da banda, completando o track list de um dos registros preferidos de muitos fãs, o qual, assim como outros discos, também recebeu sua edição deluxe em 2006, com as habituais demos e faixas
ao vivo no repertório do disco bônus. The Head On The Door foi o primeiro grande sucesso internacional da banda, ficando no Top 20 em muitos países (na Inglaterra atingiu a sétima posição), e, pela primeira vez, figurando no Top 100 da Billboard nos EUA (na posição 59). O caminho das rádios e das arenas americanas (e, por consequência, do resto do mundo) estava aberto para o The Cure, que conseguiu aproveitar muito bem esta oportunidade, especialmente depois que, no ano seguinte, a gravadora Fiction lançou no mercado a coletânea de singles Standing on a Beach (chamada Staring at the Sea na versão em CD, sendo as duas frases os versos de abertura de "Killing an Arab", primeiro single do grupo), que reunia todos os "Lados A" do The Cure até então, com a versão em cassete original contando ainda com quase todos os "B-Sides" da banda (além de existir ainda uma versão em VHS com todos os vídeos oficiais, chamada Staring at the Sea: The Images, e o mesmo track list da versão em CD, que possui quatro faixas extras). Estes dois, junto a Concert, foram os primeiros discos do grupo lançados oficialmente no Brasil, ajudando a espalhar por estas plagas a febre do The Cure, que já começava a se alastrar pelo mundo. Ainda em 1986, dois concertos realizados no Théâtre antique d'Orange, na França (a 9 e 10 de agosto), foram registrados em filme pelo diretor Tim Pope, e virariam o VHS The Cure in Orange no ano seguinte, na minha opinião ainda o melhor registro em vídeo do grupo, sendo que um lançamento oficial em DVD já foi anunciado muitas vezes, mas, infelizmente, nunca se efetivou. O mundo estava pronto para abraçar o The Cure, e a banda não se intimidou com a responsabilidade.


A coletãnea Standing on a Beach: para muita gente, a porta de entrada para o som do Cure


Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me [1987] 

Empolgado com os resultados do disco anterior, Smith solicitou aos outros membros do grupo que participassem do processo de composição do novo álbum, abrindo mão da quase ditadura autoral que havia no The Cure até então. O resultado disso foi que nada mais nada menos que quarenta músicas foram apresentadas, sendo que, das trinta que foram gravadas, apenas dezoito acabaram em Kiss Me, Kiss Me, Kiss MeO álbum (duplo) é como se fosse um resumo da carreira do grupo até então, com faixas bem pop, baladas tristonhas, músicas tipicamente góticas (embora menos depressivas que as da trilogia Faith / Pornography / The Top) e algumas faixas completamente inclassificáveis. Dentre as músicas de inclinação mais pop, estão os quatro hits que tocaram (e ainda tocam) muito nas rádios: "Just Like Heaven", "Catch" (duas "pop songs" agradáveis, bem ao gosto das emissoras de FM), "Why Can't I Be You?" e "Hot Hot Hot!!!" (duas composições alegres e sacolejantes, que lembram os tempos do EP The Walk, embora menos eletrônicas que as faixas daquele registro), além de faixas como "Icing Sugar" (que não ganhou tanto destaque, mas é outra com bom potencial radiofônico, apesar do clima mais sombrio que apresenta), "All I Want", "Torture" (de batida dançável, mas clima angustiante), "The Perfect Girl" (outra que merecia ter tido uma oportunidade nas rádios) e "How Beautiful You Are..." (levada por violões, tendo mais uma vez uma melodia alegre com letra tristonha, bem ao estilo do The Cure). No lado gótico, aparecem "If Only Tonight We Could Sleep" (melancólica e depressiva), a sombria "Like Cockatoos", "The Snakepit" (com vocais cheios de efeitos de ecos, que causam um certo clima lisérgico, reforçado por flautas hipnóticas) e "Fight" (composição tipicamente gótica, de final apoteótico). As baladas "One More Time" (mais tristonha que o usual para o padrão do grupo) e "A Thousand Hours" estão entre as músicas mais lindas que o The Cure já gravou, e o álbum se completa com a excepcional “The Kiss” (de cuja letra foi tirado o nome do play), o "opus guitarrístico” do grupo, e a nervosa e agitada "Shiver and Shake", que parece uma sobre de Pornography ou de Faith, embora seja bem rápida. Uma curiosidade é que a pop e dançante "Hey You!!!" acabou ficando de fora das primeiras edições em CD, pois, na época, o formato só comportava 74 minutos de música. Com o avanço tecnológico que permitiu gravarmos até 80 minutos em um disquinho, ela acabou incluída na reedição deluxe de 2006, a qual conta com as habituais demos e faixas ao vivo, sendo que, nestas, já está presente na formação o tecladista Roger O'Donnell, que entrou para “dar uma força” ao som ao vivo do The Cure, visto Lol estar cada vez mais afundado em seus dramas pessoais relativos a drogas e álcool, e praticamente impossibilitado de tocar nos shows do conjunto, algo que já ocorria há algum tempo, e não iria diminuir tão cedo.


O The Cure como sexteto: Lol Tolhurst, Porl Thompson, Roger O'Donnell, Robert Smith, Boris Williams e Simon Gallup

Disintegration [1989]

Já escrevi sobre este álbum aqui no site, mas nunca é demais analisar de novo aquele que considero o melhor registro do The Cure, e um dos melhores da década de 1980. Com Smith voltando a gravar músicas de climas melancólicos e tristonhos (na maioria das faixas), Disintegration (cujas sessões de gravação veriam a saída de Lol Tolhurst do grupo, incapaz de superar seus vícios pessoais, sendo que seu nome consta nos créditos do encarte apenas por questões contratuais, mesmo ele não tendo participado do disco) conta com sucessos como a sombria Lullaby”, a linda “Lovesong”, a tristonha e melódica “Pictures Of You” e as etéreas “Closedown” e "Plainsong" (estas duas quase completamente instrumentais), que se tornaram hits nas rádios ao redor do mundo e ainda tocam bastante nestas emissoras mesmo hoje em dia. "Fascination Street”, de clima "épico", é uma das minhas favoritas, ao lado da faixa título, a qual, apesar do ritmo agitado, tem uma letra nem um pouco alegre. O track list original ainda contava com as tristonhas e melancólicas "Prayers for Rain”, "The Same Deep Water as You” e "Untitled”, adjetivos que também se adequam a "Last Dance” e "Homesick”, que não foram incluídas na versão em vinil, estando presentes apenas nos formatos CD e cassete. A edição deluxe de 2010 trouxe um disco bônus com diversas faixas em versões demo ou com mixagens alternativas, além de um terceiro CD chamado Entreat Plus, com faixas registradas na Wembley Arena de Londres em 1989, as quais saíram inicialmente em um disco de edição limitada chamado Entreat, de 1991, e ao qual foram acrescidas quatro faixas que completam a íntegra de uma versão ao vivo para Disintegration. No ano de 1990, foi lançada a compilação Mixed Up, que reunia remixes de alguns dos maiores sucessos do The Cure e que já haviam aparecido nos "lados B" de alguns dos singles do grupo, além de faixas regravadas especialmente para o projeto e da inédita "Never Enough", em um disco que aproximou a sonoridade da banda à das pistas de dança da época, com muitos elementos eletrônicos que causaram estranheza por parte de alguns fãs, que torceram o nariz para o álbum, apesar de sua qualidade. 

Wish [1992] 

Sempre encarei este álbum (que marca a estreia do tecladista Perry Bamonte no lugar de Roger O'Donnell) como uma espécie de "Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me - Parte 2", pois, embora com um resultado mais homogêneo, todas as características daquele disco reaparecem aqui: o formato em vinil duplo, a capa em tons avermelhados, a mistura entre músicas pop, baladas, sons depressivos e viagens musicais, e uma intenção clara de continuar nos primeiros lugares das paradas, algo onde este álbum conseguiu superar todos os demais, visto que, pela primeira vez, o The Cure conseguia um "número 1" na Inglaterra, com o disco chegando ao segundo lugar nos EUA. Muito disto foi conseguido graças ao single "Friday I'm In Love", um exemplo de como Robert Smith e companhia são hábeis em escrever canções pop que agradam os ouvintes das rádios por anos, visto que esta música até hoje tem uma boa execução nas FMs dedicadas ao rock no mundo inteiro. Mas outras faixas também parecem ter sido compostas sob medida para a programação das emissoras, como "High", que foi o primeiro single de Wish, a dançante "Wendy Time", a vibrante "Doing the Unstuck" (onde a letra até passa uma ideia de otimismo, algo raro na carreira do The Cure) e a faixa de abertura, "Open", que, apesar da batida dançante, mantém também um certo clima de tensão e melancolia em seu arranjo. Melancolia e atmosfera depressiva que aparecem também em "End", que fecha o track list, e nas lindas "Apart" e "Trust", duas daquelas baladas "de cortar os pulsos" como poucos grupos sabem criar, algo que aparece um pouco menos em "To Wish Impossible Things" e em outra balada (também lançada como single), "A Letter to Elise", que já não chega a ser tão melancólica. Com um ritmo agitado e frenético (além de um belo trabalho de guitarras), "Cut" sempre me lembrou a faixa título do álbum anterior, até pela temática similar das letras em ambas, com o track list sendo completado pela épica "From the Edge of the Deep Green Sea", um dos destaques do álbum, e que virou presença obrigatória nos set lists do grupo daí em diante. As sessões de gravação também renderam quatro faixas instrumentais que foram reunidas no EP Lost Wishes, um dos itens mais raros da discografia do Cure, e a turnê de promoção foi registrada no álbum Show (em versões diferentes para a Europa, onde saiu como álbum duplo, e para os EUA, sendo que neste país o formato foi o de um álbum simples com quatro faixas a menos, reunidas depois no EP Sideshow). Este concerto, gravado em Michigan, nos EUA, também foi lançado em VHS, sendo que sua edição em DVD ainda é aguardada até hoje pelos fãs do grupo. Um segundo disco ao vivo foi registrado na França, recebendo o nome de Paris, e se caracterizando por focar nas canções mais dark do grupo (inclusive algumas do início dos anos 1980), enquanto Show era mais orientado para as faixas de inclinação pop. Após a turnê, Boris Williams e Porl Thompson deixaram o grupo, sendo substituídos por Jason Cooper (bateria) e Roger O'Donnell, que voltou a assumir os teclados da banda, sendo Bamonte deslocado para a guitarra, o que deu início a outra formação que permaneceria estável por um bom tempo.


Um novo quinteto: Jason Cooper, Roger O'Donnell, Perry Bamonte, Simon Gallup e Robert Smith


Wild Mood Swings [1996]

Dando início a uma sequência de discos lançados com intervalos de quatro anos entre si, Wild Mood Swings é frequentemente apontado como o pior registro da discografia do The Cure, algo que eu, meio a contragosto, sou forçado a concordar, pois, embora o considere como uma sequência natural de Wish (apesar do abuso de metais e instrumentos como violino, violoncelo e viola em algumas faixas), tenho de reconhecer que o resultado final ficou bem aquém do alcançado naquele registro. Mas isso não quer dizer que o álbum careça de qualidade, como fica claro em faixas do porte de "Want" (composição lenta sem ser balada, e uma daquelas faixas de clima angustiante e "pesado" que o Cure faz como ninguém), as pop e dançantes "Mint Car" e "Return" e as lindas baladas "Bare", "Treasure" e "Jupiter Crash" (talvez o maior destaque do play). "The 13th", "Gone!" e "Strange Attraction", três dos singles do álbum, são composição leves e "ensolaradas" (a primeira, com muitos metais e cordas, lembra faixas como "The Caterpillar" ou "Close To Me", embora não tenha as mesmas qualidades destas), e acabam se configurando em alguns dos pontos baixos do track list, ao lado de "Club America" (mais pop e dançante, e que apresenta Smith com a voz bem mais grave que o normal) e de "Round & Round & Round", de orientação bastante pop. "Numb" é uma balada tristonha (com um certo clima oriental trazido pela melodia do violino) e "This Is a Lie" é ainda mais melancólica e depressiva, contrastando com a atmosfera pop de "Trap", um pouco mais sombria que suas companheiras de estilo. A versão japonesa ainda trazia uma faixa bônus, a sombria "It Used to Be Me" (melhor que muitas do track list oficial), que no resto do mundo acabou saindo como "lado B" do single para "The 13th". Uma curiosidade é que Jason Cooper participa apenas em nove faixas, sendo que, nas demais, as baquetas são empunhadas por músicos como Ronald Austin, Louis Pavlou ou Mark Price (este, em três músicas). Wild Mood Swings pode até ser o pior álbum do The Cure, mas, ainda assim, merece algumas audições. Talvez para recuperar um pouco o prestígio do grupo, abalado por seu mais recente lançamento, a gravadora lançou em 1997 a coletânea Galore, que, nos moldes do disco Standing on a Beach, trazia todos os "lados A" dos singles lançados entre 1987 e 1997, contando ainda com uma faixa inédita intitulada "Wrong Number", praticamente uma "faixa solo" de Smith, que a gravou ao lado de Jason Cooper e do guitarrista Reeves Gabrels (ex-membro do Tin Machine, de David Bowie), que pela primeira vez colaborava em uma música ao lado do líder do The Cure. 

Bloodflowers [2000] 

A recepção controversa e pouco amistosa a Wild Mood Swings (apesar do nono lugar nas paradas inglesas e do número 12 da Billboard americana) e a crise de meia idade causada pela chegada dos quarenta anos de vida fizeram com que Robert Smith, mais uma vez, decidisse acabar com o The Cure. Com esta ideia em mente, as composições deste álbum acabaram saindo, em sua quase totalidade, com o mesmo clima de tristeza e melancolia presente em outros registros da banda, o que fez com que este disco fosse incluído na trilogia interpretada no DVD Trilogy, onde três álbuns de sentimentos mais sombrios, melancólicos e depressivos foram eternizados, juntos, ao vivo. Bloodflowers é um registro muito superior ao anterior, e, a meu ver, um dos grandes álbuns da discografia dos ingleses, sendo que algumas letras tratam quase que explicitamente sobre o desejo de terminar de vez com tudo, como as lindas baladas "Out of This World" e "The Last Day of Summer" (ambas conduzidas pelo violão), a sombria (mas ainda assim pop) "Maybe Someday", e a obscura e angustiada "39", com alguns efeitos eletrônicos de teclado em seu arranjo. A maior parte do disco é dominado por baladas, como a faixa título (um dos maiores destaques), "Where the Birds Always Sing", "There Is No If..."  (de tom melancólico, e com uma das letras mais tristes da carreira do grupo) ou "The Loudest Sound", outra que contém alguns elementos eletrônicos feitos pelos teclados, mas o track list ainda contém espaço para "Watching Me Fall", uma das mais longas composições do The Cure, que traz quase doze minutos de um chapado delírio "guitarrístico", com a letra, ao que eu entendo, narrando uma noite passada pelo protagonista ao lado de uma prostituta japonesa. A versão em vinil e a edição australiana contam com uma faixa bônus, a agitada "Coming Up", e a pop e alegre "Spilt Milk" foi disponibilizada como bônus apenas na internet. Com a decisão de acabar com o The Cure já tomada por Smith, e o contrato de longa data com a gravadora Fiction chegando ao final, foi lançada em 2001, como "último ato da carreira", a coletânea Greatest Hits, que reunia os maiores sucessos dos vinte e cinco anos de carreira do grupo (contando a fase como Easy Cure), em faixas escolhidas pelo próprio Robert, além das inéditas "Just Say Yes" (com participação especial da cantora Saffron, do Republica) e "Cut Here" (um anagrama para The Cure, e que significa "Corte Aqui", indicando que a carreira da banda terminaria nesta faixa), mais uma daquelas músicas "alegres com letra triste" que Smith sempre foi mestre em compor. Um disco bônus intitulado Acoustic Hits foi lançado em algumas edições, trazendo gravações exclusivas no formato acústico para todas as faixas do álbum principal, além de contar com a participação especial do ex-baterista Boris Williams na percussão. Ainda houve uma terceira edição, que unia aos dois discos citados um DVD com os clipes oficiais para as faixas da coletânea, o qual também foi lançado em um formato separado.


Greatest Hits, o suposto "ponto final" da carreira do The Cure

Contrariando a ideia original de Robert Smith, o The Cure continuou excursionando em 2002, ano no qual foi gravado o já citado DVD Trilogy, apresentando a íntegra dos álbuns Pornography (1982), Disintegration (1989) e Bloodflowers (2000) em um show especial na cidade de Berlin (mais sobre este DVD aqui). Em 2004, a gravadora Fiction (da qual o grupo havia se afastado em 2001) lançou o box set Join the Dots: B-Sides & Rarities 1978–2001, que, como o nome indica, reúne em quatro CDs todos os B-sides lançados pelo grupo no período em que estava sob contrato com o selo (com exceção de alguns remixes), além de faixas raras e algumas poucas inéditas, em um lançamento que teve excelente aceitação por parte dos fãs, por reunir em um único local muito material que, até então, era bastante difícil de conseguir. Em 2003, o The Cure assinou contrato com a gravadora Geffen, abrindo assim a possibilidade de continuar com sua carreira, para a alegria de seus milhões de fãs!

The Cure [2004]


Primeiro disco de inéditas pelo selo Geffen, o álbum auto intitulado de 2004 será eternamente lembrado por causa do enorme sucesso da "popzona" "The End Of The World", uma daquelas canções alegres com letras tristes que o Cure é especialista em fazer. Também pops são "Taking Off", segundo single do disco, "Before Three" (de letra quase otimista, algo raro na carreira de Smith e seus parceiros), "Never" e "(I Don't Know What's Going) On", enquanto "alt. end" (assim mesmo, com todas as letras em minúsculas, e que também virou single), apesar de também moldada para tocar nas rádios, possui um pouco daquele sentimento tristonho que aparece com frequência nas músicas do grupo. "Us And Them" é um pouco mais pesada que o padrão das composições dos ingleses, e as demais faixas possuem uma característica em comum, algo como uma certa mistura de angústia, depressão e melancolia, culminando na viagem lisérgica de quase onze minutos que é "The Promise" (as outras chamam-se "Lost", cuja melodia possui um crescendo de intensidade que parece ficar cada vez mais angustiante, levando o ouvinte ao limite da sanidade, "Labyrinth" e "Anniversary"). A balada de clima melancólico "Going Nowhere" foi excluída da versão americana do álbum, assim como "Truth, Goodness and Beauty" (também tristonha, e que não está presente na versão brasileira). Já o pop tristonho de "Fake" foi incluído apenas no track list da versão japonesa, sendo que no resto do mundo ela foi colocada no lado B do single para "The End Of The World", ao lado da instrumental "This Morning". Cabe destacar a ridícula capa, que parece um desenho feito por uma criança ainda pequena, e que, na verdade, é exatamente isto, visto ser uma compilação de gravuras feitas pelos sobrinhos de Robert Smith para representar "sonhos bons e ruins" de cada um deles. The Cure é um bom disco, com a habitual mistura de alegria e tristeza que aparece frequentemente nos registros do grupo, e que merecia um reconhecimento maior por parte dos fãs. Em 2005, após a turnê de promoção, Roger O'Donnell e Perry Bamonte foram demitidos por Smith, que queria reduzir a banda a um trio, como no início. Mas, após uns poucos shows com este formato, foi anunciado o retorno de Porl Thompson para as guitarras, ficando assim a banda com uma inédita formação de duas guitarras (Thompson e Smith, também vocalista), baixo (Gallup) e bateria (Cooper), a qual permaneceria junta até 2011, e que aparece no DVD Festival 2005, lançado em 2006, registro que contém diversas imagens feitas ao longo de nove apresentações do grupo no ano anterior, feitas por fãs e membros da equipe técnica (em filmagens amadoras) ou por (raras) câmeras profissionais. Um EP com três músicas, também chamado Festival 2005, foi igualmente disponibilizado no mercado, assim como uma coletânea intitulada 4Play, que reúne uma faixa de cada um dos quatro primeiros discos, uma faixa retirada de cada disco bônus das edições deluxe dos mesmos, e regravações para as quatro faixas títulos destes registros, além de uma entrevista com Robert Smith, o qual se tornou uma raridade hoje em dia.


Um quarteto inédito: Porl Thompson, Jason Cooper, Robert Smith e Simon Gallup

4:13 Dream [2008] 

O mais recente álbum de estúdio do The Cure é o único registro de inéditas a contar com a formação em quarteto e sem teclados. Muito aguardado pelos fãs, foi precedido pelo lançamentos de quatro singles (cada um com uma música inédita no lado B) nos meses anteriores à data de lançamento, liberados sempre no dia 13 de cada mês (entre maio e agosto de 2008). A intenção era lançar o disco em 13 de setembro daquele ano, mas, como não foi possível, o grupo liberou nesta data um EP com remixes para os quatro singles já lançados até então (chamado Hypnagogic States). O álbum finalmente chegou ao mercado em 27 de outubro, com treze canções ao total, no formato de um CD simples, frustrando os planos de Smith de lançar um disco duplo (ou dois discos simples simultâneos), sendo que trinta e três canções chegaram a ser registradas pela banda. Dentre as treze selecionadas, há uma certa predominância de músicas de teor mais pop, como "The Only One", "The Perfect Boy", a dançante "Freakshow" ou a sombria "Sleep When I'm Dead", que, não por acaso, foram as quatro escolhidas para preceder o álbum. Na mesma linha, posso encaixar composições como "The Reasons Why", "The Hungry Ghost", "The Real Snow White" (de introdução mais sombria), "This. Here and Now. With You" e a agitada "Switch", que lembra "Push", do disco The Head On The Door. "Sirensong" é tristonha, sem chegar a ser uma balada, rótulo que se aplica bem à melancólica "Underneath the Stars" (um dos destaques, com sua longa introdução instrumental). "The Scream" é talvez a composição mais sombria do álbum, cujo track list se encerra com a agitada "It's Over", quase toda instrumental e também um dos destaques. Por não conter teclados, este é um disco bastante diferente nesta "segunda fase" da banda, mas recheado de qualidades. Uma curiosidade é que 4:13 Dream foi interpretado na íntegra na Piazza San Giovanni de Roma a 11 de outubro de 2008 (antes do lançamento oficial, portanto), em evento que foi registrado para o programa MTV Live, sendo exibido depois para toda a Europa.


O The Cure ao vivo no festival Bestival, em 2011

Em 2011, o grupo fez uma apresentação especial na Austrália, onde interpretou na íntegra seus três primeiros discos (Three Imaginary Boys, de 1979, Seventeen Seconds, de 1980, e Faith, de 1981), em um show que foi registrado para ser lançado futuramente em DVD. Mas, no mesmo ano, Porl Thompson parou de se apresentar ao vivo com a banda, sendo que sua saída do The Cure não foi, a princípio, confirmada oficialmente. Para dar continuidade às turnês, Smith chamou de volta o tecladista Roger O'Donnell, e, com a formação em quarteto consistindo de Smith nos vocais e única guitarra, Simon Gallup no baixo, Jason Cooper na bateria e O'Donnell nos teclados, a banda registrou o duplo ao vivo Bestival Live 2011, cujo lançamento teve caráter beneficente, com os lucros arrecadados pela venda indo para a fundação de auxílio aos jovens "Isle of Wight Youth Trust". No dia primeiro de maio de 2012, Porl Thompson anunciou oficialmente que estava deixando o The Cure mais uma vez, e, ao final do mesmo mês, o grupo embarcou para uma nova turnê, novamente com a formação consistindo em um quinteto, tendo Reeves Gabrels no papel de guitarrista, a princípio como músico convidado, mas depois sendo oficializado no posto, sendo esta a formação que se apresentou na América do Sul em 2013 (leia resenha do concerto na Argentina aqui). 


The Cure em 2013: Simon GallupRoger O'Donnell, Robert SmithJason Cooper e Reeves Gabrels

No começo deste ano, Smith anunciou que a banda lançará um disco intitulado 4:14 Scream, com regravações para quatorze faixas compostas na época do disco 4:13 Dream. Também há planos para o lançamento, em edição limitada, de um álbum duplo intitulado 4:26 Dream, reunindo as sobras do disco anterior, as quais deveriam fazer parte da versão dupla imaginada pelo cantor para o álbum, mas que não foram liberadas pela gravadora. Também há a intenção de lançar o DVD com a apresentação da Austrália que reúne os três primeiros registros, além da ideia de gravar mais um DVD com uma apresentação ao vivo da íntegra dos álbuns The Top (1984), The Head On The Door (1985) e Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me (1987). Resta saber se todos estes planos serão efetivamente colocados em prática, e esperar que Robert Smith e seus comparsas continuem nos brindando com música de excelente qualidade, como tem feito nestes quase quarenta anos de carreira!

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