domingo, 10 de novembro de 2013

Review Exclusivo: Rodrigo Amarante (Porto Alegre, 02 de novembro de 2013)


Por Micael Machado

O palco é um local sagrado. Uma vez nele, o artista tem o direito de fazer tudo o que estiver a seu alcance para passar sua mensagem. inclusive frustrar as expectativas do público que "saiu de casa para vir aqui hoje à noite, o que não é uma coisa pequena", como fez o músico Rodrigo Amarante no palco do Bar Opinião no último sábado, na capital gaúcha. Como parte da turnê de divulgação de seu primeiro álbum solo, Cavalo, lançado recentemente, o ex-integrante do Los Hermanos e do Litte Joy passou por Porto Alegre para um show intimista, onde fez questão de esquecer o seu passado musical em nome das novas composições. O resultado, apesar de interessante, acabou não tendo a recepção merecida.

Subindo sozinho ao palco pouco depois da hora marcada, Amarante iniciou a apresentação com "Irene", tocada por ele ao violão, e cuja letra foi acompanhada quase inteira por uma boa parte da audiência. Já na segunda música, "Nada em Vão", a banda composta por Rodrigo Barba (bateria e percussão, também ex-Los Hermanos). Gabriel Bubu (baixo, guitarra, teclado, percussão e voz, outro que costumava tocar junto com Rodrigo em seu ex-grupo), Gustavo Benjão (guitarra, MPC, percussão, voz) e Lucas Vasconcellos (teclado, MPC, percussão, voz) veio ao seu apoio, iniciando um entra-e-sai que por vezes deixava Amarante sozinho em cena, ou acompanhado apenas de parte dos músicos, em algo que se repetiu ao longo de toda a apresentação. Como eu não havia lido nenhuma resenha dos shows anteriores da turnê (assim como muitos dos presentes, acredito), não sabia o que esperar do repertório, mas, como a imensa maioria das mais de 1500 pessoas que tomaram o Opinião, esperava uma mistura das músicas do disco novo com os sucessos de seu ex-grupo. Como disse, não foi este o caminho escolhido por Rodrigo, pois, após agradecer ao público presente, o quinteto emendou "O Cometa", e, a partir daí, abriria poucas exceções no repertório para músicas ausentes do Cavalo.

Rodrigo Amarante e banda em Porto Alegre, em foto retirada da página da Opinião Produtora no facebook

Mostrando-se à vontade no palco, Amarante por vezes brincava com o público, formado em grande parte de meninas que não perdiam a oportunidade de gritar "lindo" ou "gostoso" para o cantor. Quando uma delas berrou "tá gato hein, vem ni mim, te pagava um café, Amarante", ele se dirigiu ao microfone e, entre risos, respondeu: "depois a gente conversa, minha linda". Em outro momento, uma menina próxima a mim gritou "casa comigo", e uma outra mais distante berrou a mesma coisa logo em seguida. Amarante então chegou ao microfone para declarar: "para de mudar de lugar que eu caso", arrancando gargalhadas da plateia. Também disse que o pessoal tem reclamado que ele não muda de roupa, e que "não estava falando muito" pois o pessoal do Conselho Administrativo (os membros de sua banda) havia lhe dito que ele "andava falando muita besteira". Nem mesmo suas famosas "dancinhas esquisitas" ficaram ausentes, embora tenham sido restritas a curtas "performances" durante "Hourglass" e "Maná", já mais para o final da apresentação. Com tudo isso, o carioca aos poucos foi conquistando o pessoal, que estava louco de vontade para soltar a voz em músicas mais conhecidas, aplaudindo com vontade a cada final de cada composição nova, mas parecendo sempre esperar "aquela" canção especial, que não vinha nunca.

Além da íntegra do novo disco, ainda houve espaço para composições não registradas em disco por Rodrigo, algumas escritas depois do lançamento de Cavalo, como "Iddle Eyes" e "Dancing", que foram precedidas por uma das três únicas músicas que eu conhecia na noite, a tristonha "Um Milhão", que já havia sido apresentada junto ao Los Hermanos nos dois shows que o grupo fez em Porto Alegre no ano passado. Me deixando com a insolúvel dúvida do porquê de estar ausente do álbum, esta versão voz e violão, apesar de manter a melodia, acabou perdendo muito de sua intensidade, embora ainda possua sua beleza e seu ar de solidão e desamparo. Bem diferente de outra canção que reconheci, a cover para "Satellite of Love", de Lou Reed, anunciada como "uma homenagem a vocês". Tenho certeza que muitos ali não conheciam este clássico, e não compreenderam que a homenagem era na verdade ao músico nova-iorquino falecido poucos dias antes, julgando que a mesma fosse apenas "mais uma canção esquisita do Amarante". Uma lástima!

Assim como no álbum, as músicas foram executadas em um clima bastante intimista, muitas delas apenas com Rodrigo ao violão ou teclado (quase sempre configurado para soar como um piano). Ficou bastante difícil dissociar o espetáculo do executado por seu ex-colega de grupo Marcelo Camelo no Theatro São Pedro, em duas apresentações que acabaram registradas no DVD Mormaço. A diferença é que Camelo executou músicas já conhecidas do pessoal, sem abrir mão daquelas registradas pelos Hermanos, e, fato importante, todas cantadas em português. Já as músicas de Rodrigo, além de aparentemente desconhecidas da maior parte do público, ainda contam com o inconveniente de se alternarem entre o português, o inglês e o francês, além da falta de refrões que chamem a galera para cantar junto. O resultado era um silêncio quase palpável durante a execução das mesmas, quebrado por um constante zum-zum-zum das conversas paralelas daqueles que pareciam não querer dedicar seus ouvidos a novas experiências sonoras. Chegou a ser constrangedor um momento onde uma dupla de garotas próximas a mim começou a gargalhar em alto e bom som, enquanto Amarante tocava seu violão calmamente lá no palco. Algo lamentável!

Rodrigo Amarante no palco, em foto retirada da página da Opinião Produtora no facebook

A coisa chegou a tal ponto que, logo no início de "Tardei", que viria a ser a música de encerramento, Amarante se dirigiu a um pequeno grupo na pista e declarou: "Já ta acabando gente, só falta mais uma. Daí vocês contam aquela história, se não for pedir muito. Só mais uma, aguenta?”, em uma atitude drástica que mostra o quanto o público em geral ainda está despreparado para um show deste tipo. Retornando sozinho ao palco para um curto bis, que teve a também inédita "Noster Nostri" (levada pelo teclado) e a terceira canção "conhecida", "Evaporar", que encerra o auto-intitulado único disco do Little Joy (e que, nesta noite, foi cantada quase que em uníssono pelos presentes), Rodrigo Amarante terminou o show após pouco mais de setenta minutos, que se não foram esquecíveis, também não deixarão grandes lembranças, além de, certamente, terem frustrado grande parte dos presentes ao Opinião. É louvável e compreensível (embora questionável) a decisão do músico de seguir em frente com sua carreira musical sem olhar para o passado, mas uns quinze minutos a mais e algumas poucas músicas de sua ex-banda não fariam mal a ninguém, além de dar a oportunidade a todos de soltar a voz represada ao longo da noite, e que, devido à decisão do cantor, acabou presa na garganta da maioria do pessoal. 

Poderia ter sido de outra forma, mas foi a forma que Amarante utilizou para passar sua mensagem no local sagrado que é o palco. Talvez não tenha sido a mais eficiente, e cabe a cada um decidir o que achou da apresentação. De minha parte, gostei, mas esperava por algo diferente!

O vinil e o CD de Cavalo, junto ao ingresso para o show

"O que ele vê, só não vê quem não quer!"

Set List:

1. Irene
2. Nada em vão
3. O Cometa
4. I´m Ready
5. Mon Nom
6. Cavalo
7. Fall Asleep
8. Um Milhão
9. Iddle Eyes
10. Dancing
11. Satellite of Love
12. Hourglass
13. Maná
14. The Ribbon
15. Tardei

Bis

16. Noster Nostri
17. Evaporar

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