Por Micael Machado
Fazia pelo menos trinta anos que o guitarrista Augusto Licks e o baterista Carlos Maltz não tocavam juntos no mesmo palco, desde a saída do primeiro da mais clássica formação do grupo gaúcho Engenheiros do Hawaii, conjunto que arrecadou milhares de fãs pelo país e (por que não?) pelo mundo. Um deles é o baixista/vocalista/tecladista Sandro Trindade, que desde 2016 mantém na ativa o tributo Engenheiros Sem CREA, tendo ao seu lado o guitarrista Jeff Gomes. O grupo de Sandro e Jeff chegou a tocar, em ocasiões separadas, tanto com Licks quanto com Maltz, até que surgiu a ideia de convidar os dois para tocarem ao mesmo tempo com o tributo de Sandro. Proposta aceita, o show de "reunião" de 2/3 da "formação GLM" dos Engenheiros foi anunciado em fevereiro deste ano, tendo data, hora e local marcados para acontecer: 21 de abril, ás 20h, no Bar Opinião, em produção da Abstratti Produtora. Quando soube da notícia, comprei meu ingresso nas primeiras horas em que os mesmos foram disponibilizados, e fiquei quase dois meses na expectativa de um show que, eu sabia, seria histórico! Sou fã dos EngHaw desde minha adolescência (lá por 1986, 1987), mais precisamente, desde que ouvi "Toda Forma de Poder" na trilha sonora da novela Hipertensão, da Rede Globo. Cheguei a assistir ao grupo ao vivo na fase do disco ¡Tchau Radar!, já sem Licks e Maltz, e assisti Humberto Gessinger em carreira solo algumas vezes, em uma delas até com a presença de Carlos Maltz junto a si, na gravação do que resultaria no CD/DVD Ao Vivo Pra Caramba, A Revolta Dos Dândis 30 Anos (mas, nesta ocasião, o baterista apenas cantou e tocou percussão em uma única música - ainda que a mesma tenha sido repetida duas vezes naquela noite, por problemas técnicos na gravação). Mas ainda não havia assistido Augusto Licks, um dos melhores guitarristas do chamado BROCK nacional, ao vivo sobre um palco, e havia, então, chegado a hora de corrigir esta "falha" no meu "currículo".
Foi com esta expectativa que rumei ao Opinião na tarde/noite de domingo, pronto para presenciar um reencontro que tinha tudo para nunca acontecer, se pensarmos na história dos envolvidos. Ainda antes de chegar ao local, um fato curioso: para quem não conhece o Opinião, o bar fica na esquina de duas ruas do bairro Cidade Baixa, na capital dos gaúchos. Pois em ambas as ruas que levavam ao local, no lado de fora mesmo, foram montadas as bancas de merchandising dos produtos do show, com copo (dez reais), pôster (vinte reais, e, "supostamente", autografado pelos músicos) e camiseta (noventa reais - infelizmente, não tinha confecção do meu tamanho) disponíveis para os fãs que iam chegando e rumando para a fila, numa atitude que achei muito interessante, pois permitiu que, quem quisesse garantir sua "lembrança do show", como anunciavam os vendedores, o fizesse sem precisar entrar na casa, enfrentar longas filas já no local do show, e ainda correr o risco de "perder o lugar" para ver ao show enquanto garantia seus itens. Excelente sacada da produtora (ou de quem foi o responsável pela ideia)!
Excelente também foi a organização do evento, com os portões abertos na hora marcada, permitindo às pessoas que estavam na fila (ainda em número pequeno perto de outras que já vi no local) que adentrassem confortavelmente no bar. A Abstratti separou o local em três setores ("pista vip", "pista comum" e "mezanino", algo que, devido ao tamanho do Opinião, sempre me parece algo bastante ridículo, pois a diferença entre um setor e outro não é tão significativa para justificar a diferença cobrada no preço dos valores entre os setores), e eu rumei para a pista comum, da qual tinha comprado ingresso. Pois foi com enorme surpresa que vi, passando ali pelo meio, o primeiro baixista dos Engenheiros, Marcelo Pitz, que circulava praticamente incógnito pelos poucos presentes que já estavam dentro do local. Confesso que não o reconheci de imediato, mas, alertado por alguém, logo o chamei e solicitei uma (hoje quase obrigatória) foto e seu autógrafo na capa do meu vinil de Longe Demais Das Capitais, único álbum da banda do qual ele participa. Ao lhe agradecer a atenção e disponibilidade, recebi de volta um "eu que agradeço a vocês, que ainda mantém a lembrança da gente com vocês!"! Achei muito bacana a atitude e a humildade de Pitz, além de sua imensa simpatia com aqueles que lhe abordaram!
Exatamente na hora marcada, às 20 horas, uma moça (da qual não guardei o nome, peço desculpas pela mancada) subiu ao palco, anunciou o show, agradeceu a presença "de gente do Brasil inteiro aqui esta noite", e disse que, depois do show, os músicos estariam recebendo os presentes para autógrafos e fotos, me fazendo sentir bem por ter levado meus vinis para o Opinião naquela noite. Os oito primeiros discos da banda já haviam tido sua capa autografada por Humberto na turnê do citado ¡Tchau Radar!, e Pitz havia acabado de assinar o primeiro deles. Parecia que eu conseguiria, enfim, "fechar" os demais membros do grupo, e "completar" minha coleção de autógrafos da banda, mas trataremos disso depois.
Primeiro, cabe dizer que, ainda com a "mestre de cerimônias" sobre o palco, Jeff, Sandro, Maltz e Licks subiram ao mesmo, iniciando o show, sem muita enrolação, com "Toda Forma de Poder", sucesso do disco de estreia dos EngHaw, ainda sem Licks, mas presente em toda a trajetória da formação GLM ao longo de sua duração. Já na segunda canção, veio aquela que, possivelmente, fosse a música que eu, particularmente, mais aguardava na noite: "Variações Sobre um Mesmo Tema", que os Engenheiros nunca (ou raramente) tocaram ao vivo, mas que eu já havia visto um vídeo de Licks e o grupo de Sandro tocando ao vivo em certa ocasião no passado. Infelizmente, na terceira parte da música, a qual conta com os vocais de Licks, o microfone do guitarrista falhou, e os dois primeiros versos ficaram sem serem ouvidos pelo público que, nesta altura, já lotava o Opinião (que ficou muito cheio ao longo de toda a noite, mas não ficou "completamente lotado" como em outras ocasiões que já presenciei no mesmo local). Augusto se moveu então para a frente do microfone de Sandro, completando a canção sem maiores transtornos, e, logo em seguida, emendou "A Revolta dos Dândis I", causando um novo alvoroço no pessoal. O final com arranjo mais "bluesístico" desta versão (como no disco Alívio Imediato, cuja capa, inclusive, estampava a camiseta que eu estava usando) trouxe Licks ao teclado, instrumento no qual ele continuou naquela que seria a grande "surpresa" do set list na noite: "Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora", música do álbum Gessinger, Licks & Maltz que foi a única da noite que não teve a letra cantada a plenos pulmões pela imensa maioria dos presentes ao bar, embora tenha sido reconhecida (e cantada) por boa parcela do público!
Claro que o pessoal não arredou pé do Opinião tão fácil assim, e, sem muita enrolação, os quatro voltaram para interpretar outra cover, agora a versão de "Herdeiro da Pampa Pobre", presente no citado disco Várias Variáveis. Também deste álbum, veio em sequência "Piano Bar" (onde Sandro perdeu a oportunidade de cantar que "no táxi que me trouxe até aqui Humberto Gessinger me dava razão", preferindo se manter à letra original, que coloca Julio Iglesias no rádio do carro), com uma nem tão longa versão para "Infinita Highway" finalmente encerrando o show, para alegria e enorme empolgação de todos os presentes!
Em termos de performance, Jeff foi bastante discreto, chegando a sair do palco em certas músicas, deixando apenas o trio restante interpretarem as músicas, e Sandro foi um frontman efetivo, tocando muito bem tanto o baixo quanto os teclados (e até arriscando alguns toques nos bass pedals instalados à sua frente, tal qual Humberto fazia tanto solo quanto com a banda), além de ter um timbre de voz que se assemelha (mas não copia) o do líder dos Engenheiros. Licks e Maltz pareciam estar se divertindo bastante, alegres mas concentrados, e nem um pouco surpresos com a resposta extremamente positiva do pessoal ao reencontro dos dois. Tecnicamente, por parte dos dois músicos, a noite não foi livre de falhas, sendo que Carlos perdeu algumas batidas, e Licks chegou a dar umas "derrapadas" bastante perceptíveis (a maior delas, a meu ver, durante o solo de "Ninguém = Ninguém"). Mas, como Maltz disse a um fã depois da apresentação (quando o mesmo o elogiou pela performance na noite, dizendo que "parecia que ele - Maltz, no caso - nunca havia parado de tocar"), "hoje não era pra tocar tudo certinho, porque a emoção estava muito alta, não tinha como se concentrar para tocar perfeitinho!". Realmente, não teve quem não se emocionasse ao longo do show; um sujeito chegou a berrar, num dos raros intervalos mais prolongados entre as músicas, a frase "eu vivi pra ver esse show!", arrancando aplausos até de Licks, com Sandro lhe respondendo em seguida "nós também"! Depois do show, em rápida conversa com o CEO da Abstratti, quando o elogiei pelo excelente espetáculo que a produtora havia proporcionado a todos nós, o mesmo me falou "e tudo isto com apenas três ensaios. Imagina se eles estivessem mais entrosados"! Foi uma celebração e um clima de nostalgia tão positivo que envolveu a todos, e que, certamente, não será esquecido tão cedo por quem esteve presente ao bar naquele domingo!
Set List:
1. Toda Forma de Poder
2. Variações Sobre um Mesmo Tema
3. A Revolta dos Dândis I
4. Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora
5. Muros e Grades
6. Ninguém = Ninguém
Somos Quem Podemos Ser
7. Terra de Gigantes
8. Pra Ser Sincero
9. Refrão de Bolero
10. Alívio Imediato
11. Nau à Deriva
12. Ando Só
13. O Exército de Um Homem Só
14. O Papa é Pop
15. Era um Garoto que como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones
Bis:
16. Herdeiro da Pampa Pobre
17. Piano Bar
18. Infinita Highway
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