Por Micael Machado
No começo de sua Autobiografia, o músico canadense Neil Young escreve que "quero reunir o pessoal (os músicos da Crazy Horse, sua principal banda de apoio ao longo de sua longa discografia solo) na minha fazenda e gravar, deixar o equipamento funcionando... até termos um grande álbum". Esta reunião, que, para o leitor, dá a impressão de ter acontecido durante o período em que o livro foi escrito por Neil, acabou gerando não apenas um "grande álbum", mas dois, ambos lançados em 2012: Americana, onde Young e seus comparsas Billy Talbot (baixo, vocais), Ralph Molina (bateria e vocais) e Frank "Poncho" Sampedro (guitarra e vocais) revisitam músicas do cancioneiro tradicional dos Estados Unidos, e este Psychedelic Pill, primeiro álbum duplo de estúdio do bardo canadense, e seu mais longo registro de inéditas até aqui. Com oito canções (o track list aponta nove porque uma delas aparece duas vezes) em quase uma hora e meia, ...Pill é o primeiro registro de músicas novas feitas por Neil com a Horse desde Greendale, de 2003 (ou, se formos ser mais exatos, desde Broken Arrow, de 1996, pois Poncho não participou das gravações de Greendale), e é um disco que guarda muitas semelhanças com outros registros do quarteto, como Ragged Glory, de 1990, ou o já citado Broken Arrow.
Assim como aqueles álbuns, a força de Psychedelic Pill reside em longas jams onde a guitarra de Young é a força principal, em solos desbundantes e "longos trechos instrumentais" que, como ele escreve em seu livro, "apenas a Horse consegue acompanhar". Só que, aqui, Neil parecerá, ao ouvinte comum, ter exagerado um pouco na receita, visto que, das três principais faixas (ou "jams") do disco, nenhuma tem menos de quinze minutos, sendo que a maior delas, "Driftin' Back" (logo a faixa de abertura!), passa dos vinte e sete. O que pode soar cansativo para quem não é familiarizado com a obra do canadense, com certeza causará arrepios de prazer em seus seguidores.
Ainda que parecidas na fórmula, as três canções são bem diferentes entre si, tanto musical quanto tematicamente. A citada "Driftin' Back" inicia apenas com a voz de Young acompanhada de seu violão, para, depois de um minuto e vinte segundos, ganhar o acompanhamento elétrico da Crazy Horse e então levar o ouvinte a uma viagem onde a guitarra do bardo parece tão contemplativa e reflexiva quanto sua letra, com Neil relembrando passagens de sua vida e expondo seus pensamentos sobre o mundo, em uma composição que parece ter sido diretamente influenciada pelas reflexões que fez enquanto escrevia seu livro. Um pouco mais "retos" e "duros" (características marcantes da "cozinha" da Crazy Horse, diga-se de passagem), os quase dezessete minutos de "Ramada Inn" acabam soando mais "familiares" aos fãs de Young, abrindo já com quase um minuto de sua guitarra em um belo solo, e tendo por tema um casal cujo relacionamento é marcado pelo alcoolismo.
"Walk Like a Giant", a menor das três jams ("não chega nem a dezesseis minutos e meio", como se isso fosse pouco!), acaba sendo também a melhor, com uma "grudenta" frase feita pelos assovios de Young e Talbot, além do melhor refrão de todo o disco, uma letra onde o compositor se mostra preocupado com o destino do planeta e de seus habitantes, bem como o descaso de sua (e da nossa) geração com o tema (algo relativamente comum em sua discografia) e, claro, longos solos de Neil em sua guitarra. Na turnê de promoção do álbum, "...Giant" ganhava uma longa e barulhenta coda, o que fazia com que sua duração variasse em algo entre os vinte e cinco e os trinta minutos de duração! Pensa que alguém reclamava? Cabe citar ainda que o álbum não possuiu uma quarta longa jam em seu track list por decisão puramente pessoal de Young, visto que haveria espaço no segundo CD para os quase trinta e sete minutos e meio de “Horse Back”, que começa lembrando a faixa “F*!#in’ Up”, do citado Ragged Glory, e embarca em uma "viagem guitarrística" de mais de dezoito minutos até desaguar em uma maravilhosa redenção de quase vinte minutos para a clássica "Cortez The Killer", registrada no álbum Zuma, de 1975, e minha faixa predileta dentre todas as escritas por Young. “Horse Back” (que é citada, sem que eu tenha conseguido comprovar esta afirmação, como sendo o primeiro registro feito durante aquelas sessões de reunião citadas lá no início) saiu oficialmente apenas como bônus da versão em blu-ray de Psychedelic Pill, privando assim o ouvinte "comum" de apreciar sua beleza!
"She's Always Dancing", outra faixa que pode ser considerada "longa" (passa dos oito minutos e meio), é uma espécie de "versão reduzida" das anteriores, também recheada de solos de guitarra e com a marcação "reta" da cozinha. A faixa título, a quinta composição "roqueira" do disco, tem um marcante riff, que traz à mente ecos da clássica “Cinnamon Girl”, de Everybody Knows This Is Nowhere (primeiro registro de Young com a Crazy Horse, lançado em 1969), mas que é originário das sessões de gravações de Le Noise, de 2010 (mais precisamente, daquele registrado na faixa “Sign Of Love”). "Psychedelic Pill", a música, recebeu um efeito chamado de "phaser" tanto na guitarra quanto na voz, o que a tornou um tanto quanto "psicodélica" (e deve ter sido esta a intenção de seu autor), mas que a faria cansativa e "chata" não fosse ela tão curta (pouco menos de três minutos e meio). Felizmente, há no final uma "mixagem alternativa" sem o efeito, a título de "faixa bônus", e que soa, pelo menos para mim, muito melhor, revelando finalmente a força da canção, que havia ficado soterrada debaixo dos ecos e da "sujeira" da "original". Uma segunda mixagem alternativa também aparece como bônus da versão em blu-ray, mas, como não consegui de forma alguma acesso a esta versão, me eximirei de comentar sobre ela (cabe ainda citar que a versão em vinil do álbum, embora tripla, possui gravações somente em cinco lados, sendo que o sexto tem apenas uma arte incrustada no disco).
Mudando um pouco a "fórmula" das faixas anteriores, "Twisted Road" traz algo de country em seu arranjo, estilo que não é de forma nenhuma incomum à carreira de Neil, e que também aparece em "Born in Ontario", que também mostra o compositor contemplativo e relembrando seu passado, em mais uma faixa talvez influenciada pelas reflexões causadas por sua biografia. A bela "For the Love of Man", que completa o track list, é reflexiva e contemplativa, e segue uma fórmula de reaproveitamento de antigas ideias que Neil adota frequentemente em sua carreira (desta feita, rearranjando uma faixa conhecida anteriormente como “I Wonder Why”, cujas primeiras demos conhecidas datam de 1981, ano em que Young lançou re-ac-tor, também ao lado da Crazy Horse), e acaba sendo um oceano de delicadeza e leveza no meio dos exageros guitarrísticos de suas colegas de álbum.
Sempre inquieto, Neil Young já lançou dois discos desde que Psychedelic Pill entrou no mercado, sendo um deles em colaboração com o incensado músico Jack White (A Letter Home, com doze covers acústicos registrados de forma totalmente analógica em uma cabine de gravação datada de 1947, de propriedade do ex-cantor do duo White Stripes) e outro que possui versões orquestrais e para uma big band (em sua edição especial deluxe) de dez canções originais do bardo canadense, que, apesar da idade, parece ainda longe da aposentadoria! Que os anos e a saúde permitam a Young continuar nos presenteando com boa música, algo que ele tem feito com frequência há quase cinquenta anos! Long live Neil!
"When I think about how good it feels, I wanna walk like a giant on the land"
Track List:
CD 1:
1. Driftin' Back
2. Psychedelic Pill
3. Ramada Inn
4. Born in Ontario
CD 2:
1. Twisted Road
2. She's Always Dancing
3. For the Love of Man
4. Walk Like a Giant
5. Psychedelic Pill" (Alternate Mix)
Bônus da versão em Blu-Ray:
1. Horse Back
2. Psychedelic Pill (Alternate Mix 2)
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