Por Micael Machado
Apesar do título, esta não é a autobiografia de Neil Percival Young, mas sim um apanhado de memórias acumuladas pelo bardo canadense ao longo de seus (à época) 65 anos muito bem vividos, a julgar pelo que ele conta. Escrito (durante mais ou menos um mês, sem interrupções, pelo menos do que se apreende da leitura) um pouco em sua fazenda no norte do estado da California, e outro tanto durante uma estadia em sua casa no Havaí, o livro traz Neil relembrando fatos de sua jornada nesta existência (sem nenhuma ordem cronológica específica), bem como muitas reflexões sobre suas crenças pessoais, medos e incertezas, tudo narrado de uma forma bastante informal e descontraída, o que faz com que, raramente, tenhamos vontade de largar a leitura no meio.
Ao longo das páginas, Young vai narrando o processo de criação e/ou gravação de certas canções ou álbuns de sua carreira (não todos, infelizmente), sem se aprofundar muito no lado "técnico" da coisa, mas sempre enfatizando o lado "humano" dos que participaram das sessões, e de como eles o ajudaram a "montar" seu legado musical. Há muitas referências às suas primeiras bandas (os Squires e os Mynah Birds, ainda no Canadá, e a Buffalo Springfield, ja nos EUA), e alguns detalhes sobre os grupos que lhe acompanharam ao longo dos mais de cinquenta discos que lançou em carreira solo (e também daqueles que ficaram engavetados), enfatizando, claro, a Crazy Horse, sua banda de apoio mais constante.
Há também muito do Young esposo e pai de família, suas dúvidas e incertezas neste papel, e do amor que ele sente pela família que criou, especialmente por seus filhos homens, Zeke (que sofre de de paralisia cerebral) e Ben Young (que nasceu tetraplégico e depende constantemente de terceiros para sobreviver). Os medos e aflições do compositor também aparecem nas páginas do livro, especialmente depois de ele ter enfrentado a possibilidade de morrer por pelo menos três vezes, sendo salvo pela providência de conseguir contar com bons médicos sempre que precisou (sendo que sua esposa Pegi também sobreviveu a uma delicada operação cerebral ao longo do caminho).
Vista de duas das páginas do livro
No decorrer do texto, Neil fala de muitos dos músicos que cruzaram seu caminho, e recorda com carinho aqueles que não estão mais neste plano, especialmente o guitarrista original da Crazy Horse, Danny Whitten, e o multi-instrumentista Ben Keith, braço direito do cantor por quase quarenta anos. Há também trechos tocantes dedicados a produtores, empresários, amigos e empregados que também partiram da vida do canadense, seja por circunstâncias da estreada, seja permanentemente.
Ainda constam no livro alguns trechos que eu, pessoalmente, achei mais entediantes, como aqueles onde Neil divaga sobre sua paixão pelos trens em miniatura, seus (muitos) carros (especialmente o Lincvolt, um Lincoln Continental 1959 adaptado para funcionar com um motor elétrico), e sua obstinação em conseguir uma boa qualidade sonora para suas gravações, especialmente nos muitos capítulos e parágrafos que dedica ao Puretone (nome depois alterado para Pono), um sistema de reprodução de arquivos digitais que, garante o cantor, tem uma capacidade sonora muitas vezes superior à do CD ou à do mp3. Ao final do livro, Neil ainda tentava um financiamento para colocar o projeto deste sistema em prática, algo que ainda esperamos acontecer enquanto escrevo este texto.
Algumas vezes ao longo das linhas escritas, Young reclama de uma espécie de "bloqueio criativo" que ele sentia para compor (o qual ele creditava ao fato de ter parado simultaneamente de beber e de fumar maconha), e de que este foi um dos motivos que o levaram a escrever esta obra. Se foi mesmo por isso, o tal bloqueio gerou um belo texto (embora o mesmo possa decepcionar quem espere uma biografia nos moldes mais tradicionais, especialmente porque muitos assuntos interessantes de sua carreira sequer são mencionados), e a escrita do livro parece ter ajudado Neil, que pouco depois de seu lançamento gravaria não um, mais dois álbuns ao lado da Crazy Horse: Americana (só de covers do cancioneiro norte-americano) e o duplo Psychedelic Phill (que eu considerei um dos melhores trabalhos daquele ano).
Capa e contracapa do livro
Que a estrada seja ainda longa para o bardo, e que ela traga mais textos de sua lauda, complementando os aspectos que este deixou de fora! Aguardemos!
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