Por Micael Machado
A morte do cantor Chorão em março deste ano fez com que surgisse uma enorme expectativa para o disco de inéditas que o grupo Charlie Brown Jr. vinha preparando, e do qual a música "Meu Novo Mundo" havia ganhado as rádios poucos dias antes da tragédia que abateu a banda. Com lançamento previsto inicialmente para setembro, o mesmo precisou ser alterado para outubro após o suicídio do baixista Champignon poucos dias antes da data agendada, apesar de ter vazado na internet ainda naquele mês. O que se escuta na bolacha não é nenhuma ruptura com aquilo que o quinteto de Santos já havia feito em sua carreira, bem pelo contrário, pois muitas das características do grupo podem ser encontradas ao longo dos quase cinquenta minutos de duração de La Família 013.
Já na faixa de abertura, temos "Um Dia a Gente se Encontra", aquele rock perfeito para servir de trilha de abertura da novelinha global Malhação. Também é assim "Cheia de Vida", um pouquinho mais pesada, e "Rock Star", que lembra muito as composições do primeiro disco (especialmente "O Côro Vai Comê", sendo talvez por isso uma das minhas favoritas no disco). Para agradar às fãs, as tradicionais baladinhas que não chegam a ser românticas também dizem presente, na forma de "Vou me Embriagar de Você", "Hoje Sou Eu que Não Mais te Quero" (um dos destaques, que mistura partes calmas a outras mais agitadas, e cujo riff inicial lembra "Tudo Mudar", de Nadando com os Tubarões, o terceiro lançamento do CBJr), e da citada "Meu Novo Mundo". O reggae, outro estilo que vez por outra aparece na discografia dos paulistas, também diz presente em "Fina Arte" e em "Vem Ser Minha", quase uma recriação de "Zóio de Lula", do segundo disco, Preço Curto... Prazo Longo. As poucas inovações, ainda que não se afastem muito das características de registros anteriores, aparecem no teclado de "Do Jeito que eu Gosto, do Jeito que Eu Quero" (outra música mais calma, apesar do refrão agitado), nas partes quase heavy metal de "Camisa Preta" (espécie de saudação aos fãs do grupo, com interessantes variações de andamento que a tornam uma das melhores do track list), nos toques de country dado pelo slide de "A Mais Linda do Bar" (que, sei lá por quê, me lembra muito "Bad Obsession", do Guns and Roses) e no arranjo de "Samba Triste", levado por violões e uma guitarra um pouco mais pesada que o normal em se tratando de Charlie Brown Jr, em uma semi-balada sem a participação da bateria.
Marcão, Champignon, Chorão, Thiago Castanho e Bruno Graveto
Se na parte instrumental não temos grandes novidades, as maiores mudanças aparecem na forma de Chorão cantar, utilizando uma forma mais contida (por vezes quase falando ou sussurrando), sem tanta gritaria como em registros anteriores, e no tom pessoal de algumas letras, que parecem refletir a situação do cantor pouco antes de sua morte, quando se encontrava separado da esposa e enfrentando problemas com drogas. Se as palavras de canções como "Rock Star", "Cheia de Vida" ou "A Mais Linda do Bar" ainda apresentam os temas adolescentes dos discos anteriores (como o cara fodão e pegador com tendências à vagabundagem ou o que só quer conquistar a "gata" inalcançável), a grande maioria das composições apresenta temáticas bastante pessoais, como os versos de "Um Dia a Gente se Encontra" e "Meu Novo Mundo" ("se quem eu amo tem amor por mim, eu sei que ainda estamos longe do fim"), "Do Jeito que eu Gosto, do Jeito que Eu Quero" e "Vem Ser Minha" ("a vida só gosta de quem gosta de viver, aproveite seu tempo, está tudo aí para você"), "Vou me Embriagar de Você" ("quero voltar prá você, não sou feliz sozinho") ou da tocante "Hoje Sou Eu que Não Mais te Quero" ("você diz que me ama, mas não age como tal"). É fácil assimilar o sofrimento das letras aos problemas que o músico enfrentava em sua vida pessoal, tanto que o filho do cantor, Alexandre Abrão, disse em declaração para o jornal O Globo que este é o disco mais autobiográfico da carreira do pai, algo que fica explícito ao ouvirmos o mesmo. Outra característica da banda, que é a repetição de frases de uma música para outra, também foi mantida aqui (como exemplificado acima), mas chama a atenção a repetição de versos inteiros de canções registradas em discos anteriores, como o refrão de "Camisa Preta" (igual ao de "Tarja Preta", do álbum Bocas Ordinárias), e a segunda parte da mesma canção, que já havia aparecido em "Di-SK8 Eu Vou", do disco Tamo Aí Na Atividade.
Para fechar o disco, temos os versos de "Contrastes da Vida", que parecem uma premonição para o que viria a acontecer ("mesmo os mais fortes, às vezes, não encontram uma saída ... quando tudo se torna previsível e não se espera mais da vida"), a canção mais tristonha de um disco predominantemente melancólico, talvez não na parte rítmica, mas com certeza na parte lírica, sentimento este aumentado pelas declarações da parte "agradecimentos" do encarte, onde os membros do grupo e o filho de Chorão enaltecem a obra do cantor, e expressam de forma tocante a falta que ele deixou (a arte gráfica, aparentemente, já estava pronta quando Champignon morreu, e não há nenhuma citação ao seu passamento no livreto).
Contracapa do CD
Resta a curiosidade pelo que trará a continuação da carreira musical de Thiago Castanho e Marcão (que, assim como o baixista, retornava ao grupo neste álbum, depois de longa ausência - sendo o line up do conjunto completado pelo baterista Bruno Graveto, que já havia participado do álbum anterior), dois excelentes guitarristas e compositores, que ainda podem dar muito ao rock nacional, tão carente de bons nomes que o representem com "responsa". Só o tempo dirá quais serão as consequências das mortes de Chorão e Champignon, mas uma delas é certa: não teremos mais discos tão legais quanto este La Família 013. Infelizmente!
Track List:
1. Um Dia a Gente se Encontra
2. Fina Arte
3. Cheia de Vida
4. Meu Novo Mundo
5. Do Jeito que eu Gosto, do Jeito que Eu Quero
6. Rock Star
7. Vem Ser Minha
8. Hoje Sou Eu que Não Mais te Quero
9. Camisa Preta
10. Vou me Embriagar de Você
11. A Mais Linda do Bar
12. Samba Triste
13. Contrastes da Vida
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