domingo, 12 de outubro de 2025

The Completers – The Completers [2025]


Por Micael Machado

Depois de dois compactos e um EP lançados entre 2017 e 2020, o quarteto gaúcho de pós-punk The Completers, formado por Felipe Vicente (vocal, guitarra e sintetizador), Jonas Dalacorte (guitarra), Lucas Richter (baixo) e Guilherme Chiarelli Gonçalves (bateria e pads), finalmente chega ao seu full lenght de estreia. Lançado em março deste ano pelo selo Yeah You! (nas versões CD, vinil - numa bela edição na cor vermelha - e K7, além de disponível nas hoje obrigatórias plataformas digitais), o disco, autointitulado, foi gravado entre janeiro de 2023 e agosto de 2024 (à exceção das baterias, gravadas ainda em 2019), com produção da própria banda, tendo a mixagem sido feita pelo guitarrista Jonas Dalacorte e a masterização ficado a cargo do estadunidense Carl Saff, que já trabalhou com nomes como Sonic Youth, Mudhoney e Fu Manchu. 

Nos pouco menos de quarenta minutos do álbum, o grupo apresenta várias das características típicas do pós-punk, como baterias secas (por vezes, soando quase como um instrumento eletrônico), linhas de baixo graves (que, muitas vezes, "guiam' as músicas, tomando a frente dos outros instrumentos), e guitarras mais preocupadas em criar "climas" para as canções do que em executar linhas e riffs mais impactantes (além de quase não haver solos do instrumento ao longo das composições). Os vocais não são tão graves quanto os de outros expoentes do estilo (e, certamente, menos derivativos do timbre adotado por Ian Curtis, do Joy Division, quanto aqueles usados em alguns lançamentos anteriores da banda), e as composições do quarteto geralmente fogem daquela linha "arrastada e depressiva" tradicional do pós-punk, incorporando algumas passagens mais velozes e "agitadas" do que o normalmente encontrado na "cartilha" do estilo, lembrando em muito algo feito em certas canções do já citado Joy Division, ou as composições do início da carreira do The Cure (sendo Wire e The Sound outras bandas citadas como influências pelo pessoal do grupo). As letras são mais pessoais e introspectivas, como mostram versos como "Nada resta dentro de mim/E, no final, nunca conseguimos o que merecemos", "Há uma cicatriz em meu coração/E sou o único que consegue senti-la", "Por todas as noites que passei sozinho/E os momentos em que percebi que não tinha ninguém além de mim", "As memórias de nós dois estão desaparecendo/E as imagens das risadas e dos choros já não existem mais" ou "Eu não pertenço a esta estrada que percorro", algo que, novamente, lembra os textos de Ian Curtis e do Joy Division.

The Completers: Felipe Vicente, Lucas Richter, Guilherme Chiarelli Gonçalves e Jonas Dalacorte

Das dez faixas do registro, duas já haviam aparecido nos lançamentos anteriores (as "rápidas" "End", que abre os trabalhos do disco, e já havia sido lado A do compacto de 2020, e "Silence", faixa título do compacto de 2017), as quais são destaques dentre o track list da estreia do The Completers, ao lado da longa "Hypnosis" (com mais de sete minutos quase todos instrumentais, e que, para mim, apresenta os melhores trabalhos de guitarra do álbum), da mais lenta "Bag Of Bones" (que apresenta um vocal um pouco mais grave que as demais composições do álbum) e de "Innocent Boy", uma composição mais "marcada", que vai construindo um angustiante clima em "crescendo" que, infelizmente, não chega a "explodir" como promete fazer ao longo de seus pouco mais de dois minutos e meio. "Past Year", outra faixa mais rápida que o usual no mandamento do pós-punk, foi escolhida como primeira faixa de trabalho do álbum, ganhando inclusive um vídeo clipe, dirigido pelo cineasta Theo Tajes.

A mais cadenciada "Please Me" tem um violão como destaque ao longo de sua duração, enquanto o uso dos teclados e sintetizadores, ao contrário do que ocorreu nas composições do EP Unspoken Signals, acabou bastante restrito neste álbum de estreia, sendo utilizado mais para criar "climas" em algumas poucas faixas, e alcançando um destaque maior apenas na marcada "Symptôma", em partes da citada "Hypnosis" e mais ao final da faixa de encerramento, "Mirage", que, com quase seis minutos, é a única (ao lado de "Hypnosis") a ultrapassar os cinco minutos, sendo que apenas a citada "End" e a lenta "Chemicals" (que lembra algo dos primeiros registros do Cure com Simon Gallup na formação) passam dos quatro minutos, com as demais ficando entre os dois minutos e meio e uma duração pouco maior que os três minutos. 

Contracapa da versão em vinil de The Completers

The Completers é uma bela estreia para o grupo porto-alegrense, que completou dez anos de existência neste 2025, e vem a somar bastante em um estilo musical que já não anda mais tão em alta no país quanto em décadas passadas, mas que ainda insiste em permanecer ativo e atuante, ainda que muitas vezes em bandas sem tanta divulgação e mais voltadas ao underground. Que um segundo registro completo não demore tanto quanto o primeiro, e que a carreira do quarteto ainda traga mais melodias para iluminar (ou escurecer de vez) as almas dos fãs do pós-punk pelo país. Aguardemos!

Track List:

1. End
2. Past Year
3. Symptôma
4. Chemicals
5. Hypnosis
6. Please Me
7. Silence
8. Bag Of Bones
9. Innocent Boy
10. Mirage

Os Replicantes – Os Replicantes 40 Anos [2025]

Por Micael Machado

No ano de 2024, o grupo de punk rock gaúcho Os Replicantes completou quatro décadas de atividades sobre os palcos. Para celebrar a ocasião, um show da banda foi marcado para o dia 16 de maio daquele ano no Bar Opinião, em Porto Alegre, exatamente quarenta anos depois da primeira apresentação "oficial" da turma, ocorrida em 16 de maio de 1984 no seminal Bar Ocidente, na capital gaúcha. Infelizmente, a tragédia climática que se abateu sobre o Rio Grande do Sul no começo daquele maio de 2024 (causando, dentre outras tragédias, a maior enchente da história do Estado) fez com que a apresentação fosse postergada, com a "festa punk" ocorrendo somente no dia 15 de agosto daquele ano, em um Opinião completamente lotado para celebrar junto à banda este aniversário tão marcante. Parte da apresentação d'Os Replicantes naquela noite foi lançada oficialmente agora em julho de 2025 no disco Os Replicantes 40 Anos, através de uma parceria dos selos independentes E-Discos.net e Made In Soul Records.  Com edição apenas em vinil (numa belíssima versão na cor preta esfumaçada, com capa gatefold e um encarte repleto de fotos e com a ficha técnica completa do show, tendo produção, mixagem e masterização a cargo de Lucas Hanke, da produtora Marquise 51), a bolachona traz alguns dos maiores clássicos da banda, além de algumas "surpresas" para os fãs de longa data.

Para esta apresentação especial, a banda reuniu, pela primeira sobre um palco, todos os integrantes que já passaram por seus diferentes "line ups" (eu mesmo já cheguei a assistir shows do grupo com as presenças de alguns músicos de formações anteriores em participações em ocasiões especiais, mas não com a totalidade dos oito membros e ex-integrantes da turma sobre o mesmo palco, na mesma noite). Desta forma, o disco (e a apresentação) começa com os integrantes da formação atual Cláudio Heinz (guitarras), seu irmão Heron Heinz (baixo) - ambos membros fundadores dos "Repli" - e a vocalista Julia Barth (no grupo desde 2006) junto ao baterista original Carlos Gerbase, que segurou as baquetas do quarteto desde sua fundação até 1989. Logo na segunda música, Julia cede lugar ao cantor original da turma, o "punk brega" Wander Wildner, que comanda o microfone nas próximas duas músicas, marcando a reunião da formação inicial dos Replicantes em uma apresentação ao vivo sei lá eu quantos anos depois da última vez de Wander, Cláudio, Heron e Carlos juntos sobre um palco em suas funções originais (talvez desde 1989?), antes do cantor passar o posto de "front man" para Gerbase, como já havia ocorrido antes na história do grupo, quando Carlos saiu de trás da bateria para se tornar a voz principal do grupo. Assim como ocorreu no passado, junto à troca de funções de Gerbase também chegam ao palco (e, metaforicamente, à própria banda) o baterista Cleber Andrade e a tecladista e cantora de apoio Luciana Tomasi (neste show, restrita apenas ao microfone). Neste disco, Gerbase permanece no posto por três canções, tendo, em uma delas, a companhia do saxofonista Ricardo "King Jim" Cordeiro, ex-integrante dos Garotos da Rua (outra importantíssima banda gaúcha no cenário do rock and roll), e que chegou a integrar os "Repli" na formação que gravou e divulgou o disco Andróides Sonham com Guitarras Elétricas, de 1990. Com a saída de Gerbase, Luciana e King Jim do palco (e, como ocorreu no passado, da própria banda), Wander volta ao microfone para cantar "Astronauta", representando sua segunda passagem pelo grupo, ocorrida entre 2002 e 2006, antes de sair novamente (do palco e da banda), dando lugar a Julia, que assume o microfone nas cinco primeiras músicas do Lado B, onde temos então a presença apenas da formação atual do quarteto (Julia, Cláudio, Heron e Cleber), com o LP terminando com as duas faixas do bis daquela noite, as clássicas "Surfista Calhorda" e "Festa Punk", onde os versos são divididos pelos três vocalistas que já ocuparam esta função na banda, além das presenças de Luciana e King Jim nos backings.

Detalhe da bela edição em vinil preto esfumação, além do encarte e contracapa do disco Os Replicantes 40 Anos

A gravação do show, mesmo feita de forma independente, ficou muito acima da média (só achei a guitarra meio "magrinha" em certos momentos, mas nada que estrague a experiência), e o repertório escolhido para o disco, mesmo que não traga a íntegra do que aconteceu no Opinião naquela noite (um vídeo amador, facilmente encontrável no Youtube no momento em que escrevo, mostra um repertório de vinte e cinco músicas interpretadas na ocasião, contra as quatorze que constam da bolachona), serve como uma excelente representação dos momentos mais importantes da carreira dos Replicantes, ainda que muito focado nos dois primeiros discos (na minha opinião, os melhores e mais importantes da trajetória dos Repli), sendo que a faixa mais "lado B" seja, possivelmente, "Tom & Jerry", que não costuma aparecer com muita frequência nos set lists da banda (e que sempre foi uma das minhas favoritas dentre a carreira da turma), ainda que o repertório completo da noite tenha contado com várias outras canções mais "obscuras" dentro da discografia do grupo.

Em certo ponto do disco, em uma das poucas interações entre banda e plateia mantidas na versão final do vinil (no citado vídeo, elas acontecem com frequência bem maior), Julia anuncia que a apresentação estava sendo filmada. Resta aguardar que estas imagens sejam liberadas oficialmente algum dia, bem como o restante das músicas interpretadas naquela marcante noite de agosto de 2024, talvez em um "volume dois" deste disco que já é, desde seu lançamento, um marco histórico do movimento punk no Rio Grande do Sul. Afinal, quarenta anos não são quarenta dias, e os Replicantes não são uma banda qualquer no cenário gaúcho! Que muitos anos mais ainda venham a manter o grupo sobre os palcos e pelos estúdios, nos presenteando com mais "festas punks" como a registrada neste vinil. Obrigatório!

Contracapa do vinil Os Replicantes 40 Anos

Track List

Lado A

1. Nicotina

2. Sandina

3 O Futuro É Vortex

4. Boy Do Subterrâneo

5. Hippie Punk Rajneesh

6. Só Mais Uma Chance (Pin Up)

7. Astronauta

Lado B

1. Tom & Jerry

2. Motel Da Esquina

3. Punk De Boutique

4. Libertá

5. Maria Lacerda

6. Surfista Calhorda

7. Festa Punk