quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Neil & the Horse - Fu##in' Up [2024]

Por Micael Machado

Se fizessem um ranking apenas dos álbuns gravados por Neil Young de 1980 até hoje, Ragged Glory certamente estaria, na minha opinião, no Top 5 desta hipotética lista. Lançado em 1990, na esteira do sucesso comercial de seu antecessor, Freedom, do ano anterior, o disco mostra o bardo canadense e seus fiéis escudeiros em músicas mais focadas nas guitarras de Neil e Poncho, como poucos discos anteriores em sua carreira haviam feito até então, trazendo faixas que perdurariam com destaque em suas turnês posteriores (como "Country Home", "Over and Over", "Love to Burn" e, especialmente, "Love and Only Love", que chegou a ter uma versão que ultrapassa os vinte e oito minutos registrada no disco ao vivo Earth, de 2016), e legando pelo menos um grande clássico para a carreira de Young, na forma de "F*!#in’ Up", a qual, pela versão registrada pelo Pearl Jam no álbum ao vivo Live on Two Legs, posso dizer que foi a minha "porta de entrada" para o mundo musical de Neil Young. A turnê de promoção para Ragged Glory rendeu pelo menos dois registros ao vivo (Weld, de 1991, e Way Down in the Rust Bucket, tirado dos "arquivos" do canadense e colocado no mercado em 2021), onde quase todas as faixas do álbum original ganharam sua versão "on stage", sendo que as duas únicas que não constam nestes dois discos podem ser conferidas "ao vivo" no já citado Earth (no caso de "Mother Earth (Natural Anthem)") ou no acústico Songs For Judy (no caso de "White Line", que no disco citado, aparece em registro de 1976, embora o álbum, mais um dos muitos registros resgatados "dos arquivos" de Neil, só tenha sido lançado em 2018).

Por tudo isto, foi com certa surpresa que li, no começo deste ano, que Young iria lançar uma versão "regravada" de Ragged Glory, ao lado do Crazy Horse atual (os "velhos companheiros" Billy Talbot no baixo e Ralph Molina na bateria, além de Nils Lofgren nas guitarras e piano, substituindo o hoje aposentado Frank "Poncho" Sampedro), e com a adição "especial" do guitarrista e tecladista Micah Nelson, filho da lenda do Country Willie Nelson, e que já havia tocado por anos ao lado do canadense como parte do Promise of the Real, grupo que acompanhou Neil entre 2014 e 2019. Como praticamente toda a participação da audiência foi retirada da mixagem final (assim como os intervalos entre as faixas e as interações entre banda e plateia), nem uma primeira audição desta "regravação", nem o pouco informativo encarte (que contém algumas ilustrações que remetem à arte original do álbum Zuma, como você pode conferir na imagem que abre este texto) me deixaram perceber que o "novo" Ragged Glory, agora chamado de Fu##in' Up (e disponibilizado no mercado em abril deste 2024, nos formatos CD e vinil duplo, além das plataformas digitais) era, na verdade, a execução ao vivo quase que integral do álbum original (apenas "Mother Earth (Natural Anthem)" acabou excluída), com as faixas seguindo a ordem do registro de estúdio, e gravadas, com pude descobrir depois graças a alguns artigos na internet, em uma única noite (4 de novembro de 2023) no pequeno clube The Rivoli, na cidade de Toronto, no Canadá, em um show "secreto" feito em uma festa privada de aniversário para um bilionário local chamado Dani Reiss (do qual, confesso, eu nunca havia ouvido falar). Uma publicação no blog norte-americano "Thrasher's Wheat", feita por um fã de Young identificado apenas como Stu, relatou que o autor do texto conseguiu ouvir boa parte do show mesmo estando do lado de fora do clube, e que os convidados da festa com quem ele havia tido contato após a apresentação não eram tão "familiarizados" assim com a carreira do canadense, mas estavam todos "em êxtase" após a performance do grupo.

Uma das imagens do encarte de Fu##in' Up que remetem à arte do álbum Zuma, de 1975

Performance esta que, pelo que se pode ouvir no registro lançado oficialmente, foi realmente empolgante. Não sei se foi decisão da banda ou um pedido do aniversariante a execução quase integral deste álbum em específico, mas a escolha foi super acertada. Todas as músicas soam mais "cruas" aqui do que a versão de estúdio original (e mesmo em comparação a outras versões ao vivo já lançadas) e a adição de Micah traz um ganho enorme aos arranjos, que, embora não tão diferentes assim em relação aos originais, ganham aqui duelos de guitarra entre o jovem Nelson e Young, além da presença do piano (ao qual se revezam Micah e Nils, sem que o encarte especifique quem toca o quê em qual faixa) trazer um sabor "novo" a faixas como "Over and Over" ou "Mansion On The Hill". Algumas faixas ganharam solos estendidos, o que aumentou sua duração em relação às faixas originais, como é o caso da própria "Mansion On The Hill", com dois minutos a mais que a versão de estúdio, de "Love to Burn", que "ganhou" quase três minutos, e de "Love and Only Love", com quase cinco minutos de acréscimos.

Infelizmente, as quatro faixas "extras" lançadas em 2023 no EP que leva o título Smell the Horse (parte do box Official Release Series Vol. 5) não foram interpretadas neste show, e o bis executado na festa (constando, segundo Stu no artigo citado acima, das clássicas "Cinamon Girl" e "Rockin' in the Free World") acabou ficando de fora deste lançamento, o qual, seguindo a ideia de "segredo" dedicada à apresentação original, teve todos os nomes das faixas alterados, com os novos títulos se utilizando de frases das letras originais (a única exceção foi a cover para "Farmer John", do duo Don and Dewey, que manteve seu título original), e que pode até não interessar muito àqueles não tão dedicados assim à obra de Neil Young, mas que será uma bela adição à discografia de seus seguidores, especialmente aos fãs do disco original, que, apesar de já terem todas estas faixas disponíveis em outros discos ao vivo, podem encontrá-las aqui em versões "renovadas", e reunidas, pela primeira vez, em versões "live" na sequência original, sem interrupções para aplausos ou "falatórios" por parte dos músicos, como já citado acima. Se você , assim como eu, for um admirador de Ragged Glory, pode conferir sem medo esta "nova versão", e boa diversão.

Contracapa a versão em CD de Fu##in' Up

Track List:

1. City Life [Country Home]

2. Feels Like A Railroad (River Of Pride) [White Line]

3. Heart Of Steel [F*!#in’ Up]

4. Broken Circle [Over And Over]

5 Valley Of Hearts [Love To Burn]

6. Farmer John

7. Walkin' In My Place (Road Of Tears) [Mansion On The Hill]

8. To Follow One's Own Dream [Days That Used To Be]

9. A Chance On Love [Love And Only Love]

Zakk Sabbath – Doomed Forever Forever Doomed [2024]

Por Micael Machado

Desde 2014, o músico Zakk Wylde (também do Black Label Society, ex-Ozzy Osbourne e Pride & Glory) mantém um tributo ao Black Sabbath chamado Zakk Sabbath. Além de um single e de um EP ao vivo, o trio, formado atualmente, além de Wylde nas guitarras e vocais, por Blasko (também da banda de Rob Zombie e ex-Ozzy Osbourne, dentre outros projetos) no baixo e Joey "C" Castillo (ex-Queens of the Stone Age e Danzig, dentre outros projetos) na bateria, já havia lançado em 2020 o álbum Vertigo, no qual fazia uma releitura na íntegra para o disco de estreia do quarteto de Birmingham. Em março deste 2024, foi lançado Doomed Forever Forever Doomed, álbum duplo (nas versões CD, vinil e K7 - este simples) que traz o Zakk Sabbath reinterpretando tanto o segundo quanto o terceiro discos do quarteto inglês (aos mais desinformados, chamados Paranoid, de 1970, e Master of Reality, de 1971, respectivamente), embora as músicas não estejam na mesma ordem dos álbuns originais.

Eu mesmo cheguei a assistir a um show do Zakk Sabbath em Porto Alegre no ano de 2017, onde o trio interpretou músicas dos quatro primeiros discos dos ingleses em um Bar Opinião praticamente lotado. Naquele concerto, ficou claro para mim que Blasko e Castillo formam uma cozinha sólida e respeitável, mas que o grande destaque é e sempre será o "chefão" Wylde, que, se como cantor consegue não soar muito distante dos registros originais das canções (no início da carreira do Black Label Society, eu achava a voz de Zakk muito semelhante à de Ozzy, e, embora seu registro vocal tenha mudado um pouco com o passar do tempo, não se alterou tanto assim para se afastar de vez desta semelhança), como guitarrista (e um dos melhores de sua geração, como é praticamente consenso), mostra ser plenamente capaz de reproduzir perfeitamente os riffs e passagens originais do mestre Tony Iommi, além de, muitas vezes, "estender" os solos de algumas músicas para agregar suas próprias características, como os vibratos e harmônicos que o tornaram tão famoso no meio do heavy metal.

E é mais ou menos a mesma coisa que se encontra neste novo registro desta banda tributo. A maioria das versões pode ser descrita da mesma forma: baixo e bateria seguindo quase fielmente as linhas originais das canções do Sabá Negro, assim como as linhas vocais (que, como já escrevi, não chegam a causar um estranhamento maior devido à semelhança dos cantores) e as letras das músicas, que, aparentemente, não sofreram alteração alguma. Já as partes de guitarra também soam bem próximas das originais nos riffs e frases das faixas (respeitando-se as questões de timbres e estilos de tocar, pois Zakk aqui e ali "encaixa" algumas passagens e "barulhos" que não existem nos discos homenageados), sendo nos solos que se encontram as maiores diferenças, onde, quase sempre, Wylde inicia os mesmos respeitando as versões gravadas por Iommi, mas logo os subvertendo para transformá-los em algo próprio, mais adequado ao seu próprio estilo de tocar, o qual, por vários momentos, se diferencia bastante daquele usado pelo guitarrista do quarteto inglês.

O trio Zakk Sabbath: Zakk Wylde, Joey Castillo e Blasko

Curiosamente, são nas músicas mais "calmas" que notamos as maiores mudanças nestas versões do Zakk Sabbath em relação às da banda inglesa. O timbre do violão utilizado em "Embryo", e, também, em "Orchid", é diferente do instrumento utilizado nas versões originais, sendo que, na segunda, senti falta daquele "roçar" dos dedos no instrumento que Iommi registrou originalmente. "Planet Caravan" ganhou linhas de piano (segundo a contracapa, a cargo do próprio Wylde) e mais partes de guitarra (além de um longo solo deste instrumento), além do vocal ser menos "etéreo" que o original, apresentando até algumas partes dobradas, as quais também aparecem em "Solitude", levada quase toda ao piano, com um vocal bem mais grave que o da original, e apresentando algumas linhas de guitarra que não aparecem na versão de 1971. Já em "Rat Salad", Wylde aproveita o trecho inicial para criar passagens de guitarra diferentes da versão original (algo que também acontece no início de "Fairies Wear Boots"), com o solo de Castillo também sendo diferente (e mais curto) do que aquele registrado por Bill Ward no disco de 1970.

Muitos podem questionar qual a função de um disco como este em pleno 2024, pois já existem os registros originais destas canções, presentes em álbuns considerados como "clássicos" ainda hoje, além de diversas versões ao vivo e de covers espalhadas em vários tributos e álbuns pelo mercado (e, na minha opinião, nenhuma das presentes aqui consegue superar suas "concorrentes" lançadas no primeiro Nativity in Black: A Tribute to Black Sabbath, de 1994). Mas, já que não temos mais nem o Black Sabbath, nem a banda de Ozzy Osbourne excursionando regularmente pelo mundo, esta é uma maneira de manter o legado do quarteto de Birmingham vivo, além de, talvez, ser uma forma de apresentar estes clássicos a uma nova geração que, possivelmente, seja fã do Black Label Society (e, por consequência, de Zakk Wylde), mas que, por algum motivo obscuro, não tenha sido apresentada ao Sabbath original (embora eu mesmo tenha minhas dúvidas se existe alguém assim). De toda forma, é bastante divertido tentar descobrir para onde Zakk levará seus solos de guitarra a cada "desvio" do "caminho" original das canções, e ver como o estilo e a percepção de cada artista pode criar algo novo e fascinante mesmo sobre uma fundação já plenamente estabelecida, como a destas canções clássicas. Se quiser experimentar a sensação, tenho certeza que conseguirá apreciar a jornada por estas "novas" versões, ainda que as originais permaneçam imbatíveis em sua memória!

Contracapa de Doomed Forever Forever Doomed


Track List

CD 1: Doomed Forever

1. War Pigs

2. Paranoid

3. Planet Caravan

4. Iron Man

5. Electric Funeral

6. Hand Of Doom

7.Rat Salad

8. Fairies Wear Boots


CD 2: Forever Doomed

1. Sweet Leaf

2. After Forever

3. Embryo

4. Children Of The Grave

5. Orchid

6. Lord Of This World

7. Solitude

8. Into The Void