domingo, 10 de maio de 2015

Review Exclusivo: Slash (Porto Alegre, 20 de março de 2015)


Por Micael Machado
(fotos por Juliana Duzzo, retiradas da página oficial da rádio Ipanema FM no facebook)

Pouco menos de dois anos e meio depois de sua primeira passagem por Porto Alegre, o guitarrista britânico Slash retornou ao Pepsi On Stage (novamente acompanhado pelo vocalista Miles Kennedy e o grupo The Conspirators, formado pelo guitarrista Frank Sidoris, o baixista Todd Kerns e o baterista Brent Fitz) para, mais uma vez, executar um belíssimo espetáculo de hard rock para uma multidão de gaúchos (e gente de outros estados também) que lotou o lugar para lhe prestigiar. Ao contrário de muitos músicos que vem a nosso país em um ponto mais "baixo" de suas carreiras, Saul Hudson (o nome real do ex-guitarrista do Guns And Roses) passou pela América do Sul (em onze shows que cobriram Chile, Argentina, Peru, Equador e Brasil, agraciado com seis apresentações) para divulgar seu mais recente trabalho, o álbum World on Fire, lançado em 2014, e que recebeu uma recepção mais do que positiva tanto da crítica quanto do público.

Gilby Clarke and The Coverheads no palco do Pepsi On Stage

Infelizmente, parece que a maioria da multidão reunida na agradável noite de sexta feira não estava lá para dar atenção à carreira solo do guitarrista, mas sim para curtir de novo os eternos clássicos de sua ex-banda. Isso ficou claro já no show de abertura, a cargo do também ex-guitarrista do Guns And Roses Gilby Clarke (agora atacando ainda como vocalista), que se apresentou à frente de um trio intitulado The Coverheads, sobre o qual, infelizmente, não tenho maiores informações (assim como ninguém a quem perguntei soube me dizer se houve uma banda local antes desta, pois, graças à imensa fila no lado externo do local, acabei entrando no Pepsi On Stage pouco antes de Clarke subir ao palco). Gilby tem uma consistente carreira solo, que já conta com sete álbuns de estúdio, além de ter gravado ao lado de Slash o disco It's Five O'Clock Somewhere, dSlash's Snakepit, primeiro grupo montado pelo britânico depois de sua passagem pelo Guns. Pois Clarke apresentou um bom resumo destes discos, com destaque para a abertura com "Wasn't Yesterday Great" e para a mais conhecida "Cure Me... Or Kill Me..." (de seu primeiro disco, Pawnshop Guitars, lançado em 1994, e que à época teve boa execução de seu clipe na MTV), além de interpretar um tema de sua primeira banda, a Kill for Thrills (chamado "Motorcycle Cowboys") e um do citado álbum do Snakepit, "Monkey Chow". Mas a galera só levantou mesmo quando ele tocou a clássica "Knockin' on Heaven's Door", original de Bob Dylan que o Guns registrou no Use Your Illusion II, o famoso "disco azul", e que parecia ser a única que a maioria do pessoal reconheceu, tirando, talvez, a cover para "It's Only Rock 'n' Roll (But I Like It)", dos Rolling Stones, outra na qual a plateia também reagiu muito bem. Gilby ainda trouxe ao palco sua filha Frankie Clarke para tocar guitarra em outro cover dos Stones, "Dead Flowers" (que o Guns muito tocou durante sua carreira, como bem documentado em diversos bootlegs por aí), mas a maioria do pessoal, embora tenha respeitado muito o show e até curtido bastante os quase sessenta minutos de Clarke no palco, parece que só "levantou" mesmo naquele "cover do cover" que todos conheciam.

Exatamente na hora marcada (ah, a famosa pontualidade britânica... quanta diferença dos tempos de Gn'R, não é mesmo?), as nove e trinta da noite, uma música circense recepcionou Slash e seus comparsas no palco do Pepsi, e "You're A Lie", faixa de seu primeiro disco completo ao lado de Miles (o também recomendável Apocalyptic Love) deu início ao espetáculo. Ao contrário do show de 2012, desta vez eu resolvi pagar o dobro do preço do ingresso da pista "comum" e encarar um setor elevado do local chamado de "mezanino" (a tal da pista Vip custava ainda mais caro que este). Isto fez com que eu e meu sobrinho Maurício Machado conseguíssemos ficar em uma posição bem melhor em relação à apresentação passada, mas, nem por isso, foi fácil de assistir com conforto ao espetáculo. A empolgação do pessoal, que era razoável nas músicas mais conhecidas do citado Apocalyptic Love e do primeiro álbum solo de Slash (que leva seu nome, e foi lançado em 2010), contrastava com a quase apatia (não confundir com indiferença) com que as músicas mais recentes eram recebidas, mas ia às alturas (sonoras e visuais, traduzidas por pulos e braços, câmeras e celulares jogados para o alto) nas várias canções do Guns And Roses interpretadas na noite. O guitarrista parece ter percebido que seu passado nunca irá lhe abandonar, e, embora tenha dado bastante espaço para World on Fire (do qual foram interpretadas seis canções), colocou no set list da noite ainda mais músicas do Guns and Roses, sendo sete delas desta vez.

Slash em meio a um solo em Porto Alegre

Sobre a parte musical, é desnecessário descrever o talento de todos os envolvidos, inclusive do sempre contestado vocalista Miles Kennedy, o qual, talvez por desta vez ter no repertório várias canções que, originalmente, contam com seu registro em estúdio, acabou me soando bem melhor do que há dois anos e pouco. É claro que nas canções do Guns não dava para esquecermos do cantor original, mas é justo dizer que Kennedy cumpriu seu papel com louvor nesta noite (inclusive assumindo com competência a terceira guitarra durante o solo de Slash em "Anastasia", onde o britânico usou um belíssimo instrumento com dois braços, sendo o superior um violão e o inferior uma guitarra). Só que devo também registrar que bastou o baixista Todd Kerns assumir o microfone para cantar "Doctor Alibi" (que conta com Lemmy Kilmister, do Motörhead, em sua versão de estúdio, e novamente teve Slash nos backing vocals, assim como em 2012) e a clássica "Welcome to the Jungle" (soando maravilhosa como sempre) para aquele sentimento de que Slash tem o vocalista errado em sua banda voltasse com força, pois a voz de Kerns soa bem melhor a meus ouvidos que a do "titular" da "posição". Mas deve ser apenas implicância minha, assim como também deve ser exclusividade deste redator a sensação de que Slash poderia muito bem ter substituído os mais de quinze minutos em que ficou solando durante "Rocket Queen" (logo a minha faixa favorita do repertório do Guns, a qual, por conta disto, passou dos vinte minutos nesta noite!) por mais músicas de seus álbuns, seja de qual fase fossem (ainda sonho ouvir in loco a "By The Sword", que desta vez ficou de fora do repertório da turnê, bem como a "Double Talkin' Jive", esta sim, interpretada algumas vezes durante esta "perna" sul-americana). Esta parte do show é praticamente a única em que Slash assume por longo tempo os holofotes (além de seus solos, claro), visto que, durante o resto da noite, o guitarrista se contenta em ser apenas "mais um" do grupo, deixando para Kennedy o papel de "centro das atenções" do espetáculo, mostrando que vaidade e ego não são coisas que o britânico tenha de forma principal nem elevada (mais uma vez, quanta diferença de seu antigo frontman, hein?).

Gilby Clarke foi chamado ao palco para uma bela redenção de "Mr. Brownstone", e "Sweet Child O' Mine", claro, quase fez o mezanino onde eu estava desabar de tanta gente pulando ao mesmo tempo sobre ele. A conhecida "Slither", de outro projeto pós-Guns de Slash (o Velvet Revolver), foi a escolhida para fechar a parte regular da apresentação, mas todos sabiam que haveria um bis, e até qual seria a escolhida para ele. E "Paradise City" não decepcionou ninguém, com direito a chuva de papel picado (sobre a galera da pista Vip, claro) e um longo solo de Slash, fazendo com que todos saíssemos do Pepsi On Stage saciados de nossa fome de rock and roll, depois de pouco mais de duas horas de mais um espetáculo memorável acontecido na capital gaúcha. Vendo tanta gente reunida mais uma vez para prestigiar Slash e seus asseclas, não é difícil supor que Porto Alegre estará na rota do "guitarrista da cartola" da próxima vez que ele vier ao nosso continente. Estarei esperando, e tomara que não demore!

Miles Kennedy e Slash no palco do Pepsi On Stage

"I think it's time to set this world on fire , it may never be this good again..."

Set List:

1. You're a Lie 
2. Nightrain 
3. Standing in the Sun 
4. Ghost 
5. Back from Cali 
6. Wicked Stone 
7. Too Far Gone 
8. Mr. Brownstone 
9. You Could Be Mine 
10. Doctor Alibi 
11. Welcome to the Jungle 
12. The Dissident 
13. Beneath the Savage Sun 
14. Rocket Queen 
15. Bent to Fly 
16. World on Fire 
17. Anastasia 
18. Sweet Child O' Mine 
19. Slither 

Bis:

20. Paradise City 

Neil Young & Crazy Horse - Psychedelic Pill [2012]


Por Micael Machado

No começo de sua Autobiografia, o músico canadense Neil Young escreve que "quero reunir o pessoal (os músicos da Crazy Horse, sua principal banda de apoio ao longo de sua longa discografia solo) na minha fazenda e gravar, deixar o equipamento funcionando... até termos um grande álbum". Esta reunião, que, para o leitor, dá a impressão de ter acontecido durante o período em que o livro foi escrito por Neil, acabou gerando não apenas um "grande álbum", mas dois, ambos lançados em 2012: Americana, onde Young e seus comparsas Billy Talbot (baixo, vocais), Ralph Molina (bateria e vocais) e Frank "Poncho" Sampedro (guitarra e vocais) revisitam músicas do cancioneiro tradicional dos Estados Unidos, e este Psychedelic Pill, primeiro álbum duplo de estúdio do bardo canadense, e seu mais longo registro de inéditas até aqui. Com oito canções (o track list aponta nove porque uma delas aparece duas vezes) em quase uma hora e meia, ...Pill é o primeiro registro de músicas novas feitas por Neil com a Horse desde Greendale, de 2003 (ou, se formos ser mais exatos, desde Broken Arrow, de 1996, pois Poncho não participou das gravações de Greendale), e é um disco que guarda muitas semelhanças com outros registros do quarteto, como Ragged Glory, de 1990, ou o já citado Broken Arrow.

Assim como aqueles álbuns, a força de Psychedelic Pill reside em longas jams onde a guitarra de Young é a força principal, em solos desbundantes e "longos trechos instrumentais" que, como ele escreve em seu livro, "apenas a Horse consegue acompanhar". Só que, aqui, Neil parecerá, ao ouvinte comum, ter exagerado um pouco na receita, visto que, das três principais faixas (ou "jams") do disco, nenhuma tem menos de quinze minutos, sendo que a maior delas, "Driftin' Back" (logo a faixa de abertura!), passa dos vinte e sete. O que pode soar cansativo para quem não é familiarizado com a obra do canadense, com certeza causará arrepios de prazer em seus seguidores.

Ainda que parecidas na fórmula, as três canções são bem diferentes entre si, tanto musical quanto tematicamente. A citada "Driftin' Back" inicia apenas com a voz de Young acompanhada de seu violão, para, depois de um minuto e vinte segundos, ganhar o acompanhamento elétrico da Crazy Horse e então levar o ouvinte a uma viagem onde a guitarra do bardo parece tão contemplativa e reflexiva quanto sua letra, com Neil relembrando passagens de sua vida e expondo seus pensamentos sobre o mundo, em uma composição que parece ter sido diretamente influenciada pelas reflexões que fez enquanto escrevia seu livro. Um pouco mais "retos" e "duros" (características marcantes da "cozinha" da Crazy Horse, diga-se de passagem), os quase dezessete minutos de "Ramada Inn" acabam soando mais "familiares" aos fãs de Young, abrindo já com quase um minuto de sua guitarra em um belo solo, e tendo por tema um casal cujo relacionamento é marcado pelo alcoolismo. 


Billy Talbot, Frank Sampedro, Ralph Molina e Neil Young ao vivo durante a turnê de Psychedelic Pill

"Walk Like a Giant", a menor das três jams ("não chega nem a dezesseis minutos e meio", como se isso fosse pouco!), acaba sendo também a melhor, com uma "grudenta" frase feita pelos assovios de Young e Talbot, além do melhor refrão de todo o disco, uma letra onde o compositor se mostra preocupado com o destino do planeta e de seus habitantes, bem como o descaso de sua (e da nossa) geração com o tema (algo relativamente comum em sua discografia) e, claro, longos solos de Neil em sua guitarra. Na turnê de promoção do álbum, "...Giant" ganhava uma longa e barulhenta coda, o que fazia com que sua duração variasse em algo entre os vinte e cinco e os trinta minutos de duração! Pensa que alguém reclamava? Cabe citar ainda que o álbum não possuiu uma quarta longa jam em seu track list por decisão puramente pessoal de Young, visto que haveria espaço no segundo CD para os quase trinta e sete minutos e meio de Horse Back”, que começa lembrando a faixa “F*!#in’ Up”, do citado Ragged Glory, e embarca em uma "viagem guitarrística" de mais de dezoito minutos até desaguar em uma maravilhosa redenção de quase vinte minutos para a clássica "Cortez The Killer", registrada no álbum Zuma, de 1975, e minha faixa predileta dentre todas as escritas por Young. “Horse Back” (que é citada, sem que eu tenha conseguido comprovar esta afirmação, como sendo o primeiro registro feito durante aquelas sessões de reunião citadas lá no início) saiu oficialmente apenas como bônus da versão em blu-ray de Psychedelic Pill, privando assim o ouvinte "comum" de apreciar sua beleza!

"She's Always Dancing", outra faixa que pode ser considerada "longa" (passa dos oito minutos e meio), é uma espécie de "versão reduzida" das anteriores, também recheada de solos de guitarra e com a marcação "reta" da cozinha. A faixa título, a quinta composição "roqueira" do disco, tem um marcante riff, que traz à mente ecos da clássica “Cinnamon Girl”, de Everybody Knows This Is Nowhere (primeiro registro de Young com a Crazy Horse, lançado em 1969), mas que é originário das sessões de gravações de Le Noise, de 2010 (mais precisamente, daquele registrado na faixa “Sign Of Love”). "Psychedelic Pill", a música, recebeu um efeito chamado de "phaser" tanto na guitarra quanto na voz, o que a tornou um tanto quanto "psicodélica" (e deve ter sido esta a intenção de seu autor), mas que a faria cansativa e "chata" não fosse ela tão curta (pouco menos de três minutos e meio). Felizmente, há no final uma "mixagem alternativa" sem o efeito, a título de "faixa bônus", e que soa, pelo menos para mim, muito melhor, revelando finalmente a força da canção, que havia ficado soterrada debaixo dos ecos e da "sujeira" da "original". Uma segunda mixagem alternativa também aparece como bônus da versão em blu-ray, mas, como não consegui de forma alguma acesso a esta versão, me eximirei de comentar sobre ela (cabe ainda citar que a versão em vinil do álbum, embora tripla, possui gravações somente em cinco lados, sendo que o sexto tem apenas uma arte incrustada no disco).

Mudando um pouco a "fórmula" das faixas anteriores, "Twisted Road" traz algo de country em seu arranjo, estilo que não é de forma nenhuma incomum à carreira de Neil, e que também aparece em "Born in Ontario", que também mostra o compositor contemplativo e relembrando seu passado, em mais uma faixa talvez influenciada pelas reflexões causadas por sua biografia. A bela "For the Love of Man", que completa o track list, é reflexiva e contemplativa, e segue uma fórmula de reaproveitamento de antigas ideias que Neil adota frequentemente em sua carreira (desta feita, rearranjando uma faixa conhecida anteriormente como “I Wonder Why”, cujas primeiras demos conhecidas datam de 1981, ano em que Young lançou re-ac-tor, também ao lado da Crazy Horse), e acaba sendo um oceano de delicadeza e leveza no meio dos exageros guitarrísticos de suas colegas de álbum.


Capa traseira de Psychedelic Pill

Sempre inquieto, Neil Young já lançou dois discos desde que Psychedelic Pill entrou no mercado, sendo um deles em colaboração com o incensado músico Jack White (A Letter Home, com doze covers acústicos registrados de forma totalmente analógica em uma cabine de gravação datada de 1947, de propriedade do ex-cantor do duo White Stripes) e outro que possui versões orquestrais e para uma big band (em sua edição especial deluxede dez canções originais do bardo canadense, que, apesar da idade, parece ainda longe da aposentadoria! Que os anos e a saúde permitam a Young continuar nos presenteando com boa música, algo que ele tem feito com frequência há quase cinquenta anos! Long live Neil!

"When I think about how good it feels, I wanna walk like a giant on the land"

Track List:

CD 1:

1. Driftin' Back
2. Psychedelic Pill
3. Ramada Inn
4. Born in Ontario

CD 2:

1. Twisted Road
2. She's Always Dancing
3. For the Love of Man
4. Walk Like a Giant
5. Psychedelic Pill" (Alternate Mix)

Bônus da versão em Blu-Ray:

1. Horse Back
2. Psychedelic Pill (Alternate Mix 2)