sábado, 13 de setembro de 2014

Review Exclusivo: Titãs (Porto Alegre, 05 de setembro de 2014)


Por Micael Machado

De certa forma, a popularidade dos Titãs pode ser medida pelos locais em que o grupo se apresentou na capital gaúcha. Em 1993, na turnê de Titanomaquia, assisti à banda pela primeira vez no Ginásio Tesourinha, com capacidade para umas sete mil pessoas. Na época dos discos Acústico MTV, Volume 2 e As Dez Mais, encontrei com eles por duas vezes no Ginásio Gigantinho, para 18 mil lugares. Anos depois, em 2012, na turnê de 30 anos, eles estavam no Pepsi On Stage, que tinha uns quatro mil espectadores em um local para sete mil. Ano passado, na turnê "Titãs Inédito", o palco foi o Araújo Vianna e seus 3 mil e quinhentos lugares. Agora, quando o quarteto lança seu melhor disco em quinze anos (pelo menos), a casa que lhes acolheu foi o Bar Opinião, com seus dois mil lugares praticamente esgotados para um show que, com certeza, superou muitos dos citados acima!

Uma das razões para isto foi o repertório escolhido para a apresentação. Na mesma pegada do álbum Nheengatu, lançado no meio deste 2014, Paulo Miklos (voz e guitarra), Branco Mello (voz e baixo), Sérgio Britto (voz, teclados e baixo - nas músicas com Branco nos vocais principais), Tony Bellotto (guitarra) e o (ainda) músico convidado Mário Fabre (bateria) resolveram focar nas composições mais "pesadas" do grupo, muitas delas grandes hits de sua carreira, provando que quem pensa que os Titãs são apenas aquele grupo de sucessos "bonitinhos" como "Epitáfio" ou "Nem Cinco Minutos Guardados" está bastante enganado. Passavam apenas alguns poucos minutos da hora marcada quando os cinco músicos entraram no palco usando máscaras que remetiam às maquiagens do clipe de "Fardado", que inclusive foi a canção que abriu a noite, após a mesma introdução "tribal" que eles usavam na turnê de 30 anos. Provando que não tem medo de arriscar e que confia em seu novo lançamento, o grupo emendou logo mais cinco composições de Nheengatu (todas elas usando as tais máscaras), as quais, se não receberam a recepção mais calorosa do pessoal, pelo menos se saíram melhor do que na apresentação do ano passado, quando ainda eram ilustres desconhecidas!

Os cinco músicos mascarados no palco do Opinião

Com pouco menos de vinte minutos de show, uma longa chamada da bateria de Fabre (enquanto os músicos se desfaziam das máscaras) foi a senha para o início de "Polícia", que, para muitos, foi realmente a música que "começou" a apresentação, e, ao final desta, Sérgio se dirigiu ao pessoal pela primeira vez, dando o tradicional "boa noite Porto Alegre" e dizendo ser "um prazer tocar pela primeira vez as músicas de Nheengatu na cidade". Só se ele quis dizer que era a primeira vez "oficialmente", pois a próxima canção "Fala Renata", já havia sido tocada tanto no show de 2012 quando no de 2013, o que não foi suficiente para arrancar uma reação mais emocionada do pessoal.

Se o público parecia ainda meio "desligado" das novas canções (a certa altura, Sérgio perguntou quantos ali já haviam ouvido seu novo lançamento, para a resposta positiva de apenas alguns poucos), a cada música mais conhecida a festa era enorme, com todos cantando junto praticamente todos os versos. Mantendo quase todo o set list em "blocos" de duas canções para cada vocalista, os Titãs foram alternando as composições de Nheengatu (foram doze no total) a sucessos como "Bichos Escrotos", "Flores", "AAUU", a já obrigatória "Vossa Excelência" (com direito a mais um discurso irônico de Miklos, onde ele se anunciou como um candidato "ficha suja" para a próxima eleição), "Diversão" ou "Televisão". O espaço para os "lados B" da longa carreira dos paulistas foi bastante reduzido, mas apareceu na foma de canções como "Desordem" (onde Britto cantou os primeiros versos do refrão e ouviu a galera entoar em peso todo o restante antes do início efetivo da música), "32 Dentes", "Cabeça Dinossauro" ou "Estado Violência", que fizeram a festa dos fãs "de verdade" do grupo.

Com o repertório (corretamente, na minha opinião) focado nos discos Cabeça Dinossauro (de onde vieram oito músicas) e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (que cedeu quatro números para o show), ficou fácil comprovar que Nheengatu tem realmente muito mais afinidade musical com estes discos (e também com o já citado Titanomaquia, que, infelizmente, foi ignorado neste novo show) do que com a "fase pop" que os Titãs atravessaram após o sucesso do Acústico MTV. Além disso, foi fácil perceber que Branco e Paulo estão cada vez mais seguros como instrumentistas, enquanto Mário vai provando a cada turnê ser merecedor do lugar que um dia foi do "monstro" Charles Gavin, e Tony é, e sempre foi, a alma "roqueira" e rebelde do conjunto (ou da tribo, como Sérgio se referiu aos Titãs em certo momento da apresentação), com riffs e solos que o colocam como um dos mais subestimados guitarristas de sua geração!

Momento da apresentação dos Titãs

"Sonífera Ilha" (um pouco mais "pesada" que o habitual) encerrou a primeira parte da apresentação, com os cinco retornando para um bis que iniciou com "Canalha", também de Nheengatu. Britto então se dirigiu ao microfone para lembrar que aquela canção não era dos Titãs, e sim de Walter Franco, e que era uma das duas únicas da noite que eles não haviam composto. A outra seria a próxima, a cover para "Aluga-se", de Raul Seixas, mais uma que levou o pessoal próximo do delírio. O bis se encerrou com "Homem Primata" (que também levantou o pessoal), mas o conjunto ainda voltaria uma segunda vez ao palco, com uma sequência matadora que iniciou com "Comida", passou por "Igreja" (que teve a recepção mais morna do bis) e a "calminha" "Marvin", que deveria, oficialmente, encerrar de vez a apresentação e deixar a todos os presentes no Opinião satisfeitos com o que haviam assistido.

Só que o pessoal "bateu pé", e, aos gritos de "mais um, mais um" e "Titãs, Titãs", exigiu um terceiro retorno do quinteto. Visivelmente satisfeitos, Sérgio assumiu o microfone para cantar "Família" junto com o imenso coral do público, apresentando os músicos no decorrer da mesma e fazendo a tradicional citação a "Panis Et Circenses", d'Os Mutantes, próxima ao seu final. Após agradecer pela noite "inesquecível", foi sucedido ao microfone por Branco, que cantou "A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana", naquela que deveria ser a derradeira canção desta data!

Titãs no palco do Opinião

Mas a galera ainda não havia se dado por satisfeita, e repetiu os chamados pela volta dos Titãs ao palco! Claramente de forma improvisada, e mostrando-se surpreendidos pela situação, os paulistas retornaram pela quarta vez, com Sérgio declarando que "não esperavam por aquela reação", e que "não estava no programa da noite tocar baladas", mas "as pauleiras haviam esgotado". Assim, depois de lembrar que a letra da próxima música havia sido musicada a partir de um poema do piauiense Torquato Neto, o grupo tocou "Go Back", que, seguida pela balada "Prá Dizer Adeus", finalmente satisfez a vontade daqueles que queriam algo mais "calmo" ao invés da "gritaria" (como Britto se referiu a músicas como "AAUU") que havia predominado até ali nas quase duas horas e quinze minutos que já durava o espetáculo. Ao final desta última, o responsável pelo som da casa, mais do que depressa, emendou logo no som mecânico "Selvagem", dos Paralamas do Sucesso, evitando assim que o pessoal pedisse por mais uma canção, algo que, pela empolgação de todos, acredito que seria bem possível de ocorrer!

Tivesse acabado no segundo bis, como havia sido planejado, já teria sido um grande show (com as composições de Nheengatu, ao menos para mim, que gostei muito do disco, se mostrando dignas de dividir o repertório com os antigos sucessos dos Titãs), mas as duas voltas "extras" que o grupo fez (em uma atitude de respeito aos fãs de certa forma até surpreendente em uma época onde muitos artistas - com menos tempo de estrada e relevância que os paulistas, diga-se de passagem - parecem não estar "nem aí" para a vontade de seu público) tornaram esta noite muito especial. Quem esteve presente, tenho certeza, irá concordar comigo!


Set List da apresentação - em Porto Alegre, apesar de estar escrito "Circo" na parte de baixo

Set List:

1. Fardado
2. Pedofilia
3. Cadáver Sobre Cadáver
4. Baião de Dois
5. Terra À Vista (Chegada ao Brasil)
6. Senhor
7. Polícia
8. Fala, Renata
9. Bichos Escrotos
10. Mensageiro da Desgraça
11. Republica dos Bananas
12. Flores
13. AAUU
14. Desordem
15. Vossa Excelência
16. Diversão
17. Televisão
18. 32 Dentes
19. Cabeça Dinossauro
20. Quem São Os Animais
21. Estado Violência
22. Lugar Nenhum
23. Eu Me Sinto Bem
24. Sonífera Ilha

Primeiro Bis:

25. Canalha
26. Aluga-se
27. Homem Primata

Segundo Bis:

28. Comida
29. Igreja
30. Marvin

Terceiro Bis:

31. Família
32. A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana

Quarto Bis:

33. Go Back
34. Prá Dizer Adeus

sábado, 6 de setembro de 2014

Belgrado - Siglo XXI [2013]


Por Micael Machado

O estilo musical chamado de pós-punk tem algumas características próprias, como um certo tom de melancolia em suas composições (geralmente pendendo para uma sonoridade mais lúgubre), bateria seca e marcada e um andamento "arrastado" e até meio "modorrento". Mas mesmo os maiores ícones do estilo possuem faixas em suas discografias que fogem destas características, como, por exemplo, "Disorder", do Joy Division, "Grinding Halt", do The Cure, ou "Christine", do Siouxsie and the Banshees, para citar apenas três músicas de apenas três bandas. Nestas canções, o andamento é mais rápido, a bateria mais ágil, as linhas de baixo mais velozes, e a guitarra faz mais riffs (e até solos) do que o "padrão" do estilo, Pois é esta vertente mais animada (e quase "dançante") que o quarteto Belgrado adotou para sua carreira, com excelentes resultados.

Reunidos em 2010 na cidade espanhola de Barcelona, a cantora polonesa Patrycja (Pat, para os íntimos) e os músicos (venezuelanos, de acordo com o que apurei) Fergu (guitarra), Renzo (baixo) e Jonathan (bateria) lançaram seu primeiro álbum, auto intitulado, em 2011, pela gravadora independente espanhola Discos Enfermos. Após passarem para a também independente La Vida Es Un Mus, soltaram o compacto em 7" Panopticon / Vicious Circle, em 2012, e seu segundo álbum completo, Siglo XXI, em setembro do ano passado. Os três registros (disponíveis apenas em vinil, diga-se de passagem) são um oásis sonoro para os fãs da vertente citada no parágrafo anterior, levando o ouvinte direto para algum pub londrino do início dos anos 1980, época do auge do estilo pós-punk! Mas devo confessar que minha preferência recai sobre este último, o qual é objeto deste texto!

O quarteto Belgrado: Renzo (atrás), Fergu, Jonathan e Pat

Ao longo da audição de Siglo XXI, pode-se constatar que, mesmo Fergu usando e abusando de efeitos e licks de sua guitarra (como se fosse um Robert Smith, do The Cure, em início de carreira), Renzo "palhetando" seu baixo ao melhor estilo Peter Hook (baixista do citado Joy Division) e Jonathan conduzindo sua bateria de forma segura por entre as canções, não se poderá negar que o grande trunfo do grupo está na vocalista Pat. Espécie de Siouxsie Sioux loira (confira a performance da cantora em "Wake Up", por exemplo), a polonesa consegue ser o maior destaque do quarteto, inclusive no palco, onde chama a atenção com suas danças estranhas e seu magnetismo pessoal. Além disso, ela traz a "incomum" característica de cantar em sua língua natal, algo que dificilmente se encontra em discos "normais" por aí. Neste álbum, inclusive, as faixas em polonês acabam sendo as que mais se destacam, como "Jeszcze Raz" (que inclusive ganhou um vídeo clipe promocional), "Pałac Kultury" (de andamento mais veloz, marcado pelo baixo, que ganha até um curto momento solo no meio da faixa), "Nie" (que não faria feio no meio das faixas do primeiro disco do Joy Division) e "Iluzja" (desta, quase se pode afirmar tratar-se de uma sobra do disco de estreia do The Cure). Mas também há espaço para o espanhol, o catalão e o inglês nas músicas do quarteto, embora, neste registro, as duas primeiras línguas tenham ficado um pouco de lado.

Uma característica peculiar de Pat é uma "mania" de soltar alguns curtos gritinhos ("ha!", "ya!", "hey") no meio das faixas, algo que pode soar esquisito em uma primeira audição. Neste registro, esta característica aparece na citada "Pałac Kultury", em "Sombra De La Cruz" (com letra em inglês apesar do título), em "Świat Jest Nasz" (onde as intervenções de Pat compõem grande parte da "letra") e "The End" (estas duas um pouco mais lúgubres que as demais, apesar do andamento veloz). Quando conheci o grupo, este foi o único ponto negativo que pude perceber em sua música (especialmente quando conferi alguns vídeos ao vivo, onde o uso de ecos e reverbs acentua esta característica), mas, depois que me acostumei com as intervenções da cantora, estas não passaram mais a me incomodar (portanto, caso você se disponha a ouvir o disco, lhe dê mais de uma chance, que este possível "incômodo" inicial com certeza passará).

Vinil e encarte de Siglo XXI

A faixa título é uma curta vinheta com muitos efeitos na voz da polonesa, e o track list se completa com a "rapidinha" "Progress" e "Automatyczny Świat", outra que poderia facilmente figurar dentre os destaques do álbum. Os três registros do quarteto (que, inclusive, realizou uma turnê pela América do Sul durante o último agosto e o início deste mês, a qual, infelizmente, não pude conferir, pois os ingressos para a apresentação de Porto Alegre se esgotaram antes mesmo que eu tivesse conhecimento da data marcada) estão disponíveis no youtube, e os recomendo com entusiasmo para quem curte as bandas citadas lá no começo (especialmente em suas fases iniciais), ou mesmo outras que se encaixam na definição de "pós punk", como o Sisters of Mercy, o The Mission ou o Echo and the Bunnymen. Se esta for a sua praia, pode conferir sem medo. Garanto que não se arrependerá!

Contracapa de Siglo XXI

Track List:

01. Sombra De La Cruz

02. Pałac Kultury 

03. Jeszcze Raz 

04. Świat Jest Nasz 

05. Siglo XXI 

06. Nie 

07. Wake Up 

08. Iluzja

09. Progress

10. The End 

11. Automatyczny Świat