domingo, 31 de agosto de 2014

Review Exclusivo: Pitty (Porto Alegre, 21 de agosto de 2014)


Por Micael Machado

Fazia pelo menos três anos que a baiana Pitty não se apresentava com sua banda solo em Porto Alegre. Depois de "dar um tempo" na carreira para se dedicar ao Agridoce (projeto em dupla junto ao guitarrista Martin, de seu grupo principal), a cantora colocou no mercado o álbum Setevidas no início de junho, e saiu em turnê de lançamento do mesmo pelo país. Na quinta feira, dia 21 de agosto, foi a vez de Porto Alegre reencontrar a "trupe delirante", em um Bar Opinião com ingressos esgotados há semanas, e uma grande expectativa por parte dos fãs da vocalista!

A apresentação iniciou pontualmente no horário marcado (as 23h), mas, infelizmente, o telão apresentou algum problema, e o vídeo preparado especialmente para abertura dos shows desta turnê não pode ser exibido, sendo reproduzido apenas o seu áudio, que trata dos vários significados do número sete no nosso dia a dia, enquanto os músicos (o citado Martin Mendonça na guitarra, o baterista Duda Machado e os "novatos" Guilherme Almeida, baixista, e Paulo Kishimoto, nos teclados e percussão, dispostos no palco de maneira bastante incomum, com a bateria e o teclado nos flancos, tendo baixo e guitarra a seu lado) improvisavam uma espécie de jam session, até a gravação acabar e Pitty adentrar o palco, iniciando o show com a faixa título de seu novo disco, e levando o pessoal ao delírio (público esse predominantemente adolescente, embora, claro, a galera esteja um pouquinho mais velha que nas turnês anteriores). O telão, misteriosamente, começou a funcionar logo a seguir, e, ao longo da noite, iria apresentar algumas imagens (a maioria feita por computação gráfica) que contribuiriam bastante para o aspecto "visual" da apresentação, especialmente nas músicas novas.

Pitty e banda no palco do Opinião (foto retirada da página do facebook da cantora)

Já no aspecto musical, Pitty (em excelente forma tanto musical quanto física - não foram poucas as vezes em que o público dedicou o coro de "gostosa" para a cantora, merecidamente, diga-se de passagem) e sua turma mostraram que a noite seria memorável logo na sequência da abertura, emendando "Anacrônico", "Admirável Chip Novo" e "Semana Que Vem", três de seus maiores sucessos na carreira! O público, ensandecido, cantava as canções a plenos pulmões, por vezes quase ofuscando a voz da baiana, e demostrando que o período longe de sua musa não foi suficiente para diminuir a devoção do séquito de seguidores da cantora na capital gaúcha! O repertório da noite foi extremamente bem escolhido, e, embora o foco esteja nas músicas de Setevidas (do track list do álbum, apenas a faixa "Lado de Lá" não foi executada), as demais selecionadas foram, todas elas, canções "conhecidas" mesmo pelos menos fanáticos, o que fez com que a vibração do público estivesse em alta durante praticamente toda a noite, com o pessoal "soltando a voz" com vontade mesmo nas faixas mais novas! Pessoalmente, gosto muito quando um artista resolve inserir algumas faixas mais "lado B" em seu repertório ao vivo, mas é inegável que um show nos moldes de um "greatest hits", como foi o caso deste, é sempre bom de assistir!

Com o público na mão, a cantora se mostrou segura e confortável em seu retorno aos palcos após a fase mais "calma" com o Agridoce. Embora não tenha se comunicado tanto assim com o pessoal (o tradicional "boa noite", por exemplo, veio apenas depois da quarta canção), não deixou de dedicar atenção aos presentes quando necessário, e agradecer muito pela presença de todos e por terem esgotado os ingressos daquela noite, em um local onde o grupo "se sente em casa", como declarou. A baiana também continua se arriscando na guitarra base (como sempre, uma linda Gibson SG, e, fazendo jus ao instrumento, com bons resultados), embora menos que em fases passadas, com sua participação ao instrumento se resumindo às faixas "Teto de Vidro" (uma das surpresas da noite, anunciada por Pitty como "um som das antigas", e que, logo depois de acabar, viu a vocalista fazer um trocadilho com o último verso da canção e o nome da casa de shows onde estava, cantando "e isso é só porque eu tô no Opinião") e "Olho Calmo".

Pitty no show de Porto Alegre, com Martin ao fundo (foto retirada da página do facebook da cantora)

Aliás, foi antes desta que houve a única exceção ao set list previsto para o show: após encerrar a faixa anterior ("Boca Aberta"), Pitty disse que a banda estava de volta "com tudo diferente" "após um tempo sem vir aqui", e que o pessoal não conhecia "alguns desses caras" no palco. Ao apresentar o gaúcho Guilherme (responsável por "altas costelas nos ensaios", segundo a cantora), ela foi surpreendida pelo coro de "ah, eu sou gaúcho" do pessoal, incentivado pela marcação de Duda na bateria e pelos gestos do baixista. Pitty então disse que gosta muito do rock feito no Rio Grande do Sul (que tem "altas bandas incríveis", segundo ela), e que a banda havia pensado em tocar uma canção "que é meio hino prá gente, que ouve lá prás tantas da madrugada e acha demais", mas que não haviam tido tempo de ensaiar. Ao dizer que a tal música era "Lugar do Caralho", do Júpiter Maçã, ela perguntou se o público a conhecia, e foi meio que surpreendida por Duda e Guilherme iniciando a canção, seguidos por Martin. Aí, não teve jeito, e a vocalista acabou cantando a música inteira, "de improviso", segundo ela, mas de um jeito que, para mim, pareceu foi "bem ensaiadinho", inclusive com Martin executando pelo menos dois dos melhores solos da noite ao longo da faixa! Outras pequenas "fugas" ao roteiro estabelecido vieram através de citações a "Ando Meio Desligado", dos Mutantes, no meio de "Memórias", e a "Venus In Furs", do Velvet Underground, no início de "Na Sua Estante" (a qual, precedida por "Equalize", configurou junto a esta o "momento romântico" da noite, para o delírio das menininhas no Opinião), mas acredito que poucos dos presentes as tenham reconhecido, infelizmente!

"Máscara", que normalmente encerrava os shows nas turnês anteriores, desta vez foi a penúltima a ser executada, e, assim como ocorre em Setevidas, a quase melancólica "Serpente" (com algumas partes percussivas feitas por Pitty e Paulo) foi a encarregada de encerrar a apresentação, sem que a banda retornasse para o bis, após pouco mais de uma hora e meia que, apesar de parecerem pouco pelos anos que o pessoal ficou longe da baiana, certamente foram suficientes para "matar as saudades" dos fãs da cantora, que esperam agora que não leve tanto tempo para a mesma retornar aos palcos gaúchos! Ficamos todos no aguardo!

"Agora que eu voltei, quero ver me aguentar"...


Set list da apresentação

Set List:

1. Setevidas
2. Anacrônico
3. Admirável Chip Novo
4. Semana Que Vem
5. A Massa
6. Deixa Ela Entrar
7. Teto De Vidro
8. Memórias
9. Boca Aberta
10. Lugar do Caralho
11. Olho Calmo
12. Pouco
13. Me Adora
14. Pulsos
15. Pequena Morte
16. Equalize
17. Na Sua Estante
18. Um Leão
19. Máscara
20. Serpente

sábado, 23 de agosto de 2014

Review Exclusivo: Ira! (Porto Alegre, 16 de agosto de 2014)

 

Por Micael Machado


Foram sete anos de ausência dos palcos. Quando, no final de 2007, o vocalista Nasi se desentendeu com seu irmão, Júnior Valadão (à época empresário do grupo) e com o guitarrista Edgard Scandurra, a banda "implodiu", como bem definiu este último, e o que se viu em sequência foi um dos mais lamentáveis episódios deste que é um dos maiores nomes do chamado BRock dos anos 1980. Foram acusações pela imprensa, processos judiciais e até uma tentativa de interdição judicial do cantor por parte de seu pai. O processo de reaproximação começou no início do ano passado, com Nasi "fazendo as pazes" com o pai e o irmão, e, através deste, retomando o contato com o guitarrista. A participação do vocalista em um show beneficente organizado por Edgard foi o pontapé inicial para a volta do Ira!, concretizada em show na virada cultural de São Paulo, no recente 17 de maio, e cuja subsequente turnê chegou a Porto Alegre no último sábado, dia 16 de agosto!

Em um auditório Araújo Vianna com os ingressos esgotados há semanas, Nasi e Edgard subiram ao palco pouco mais de dez minutos depois da hora marcada acompanhados não por Gaspa (baixista) e André Jung (baterista), os músicos com os quais tocaram no line up mais duradouro do Ira!, mas sim por uma nova formação em quinteto que conta com o filho de Edgard, Daniel Scandurra, no baixo, Evaristo Pádua (baterista da banda solo de Nasi) e Johnny Boy (tecladista e violonista, que tocava com o Ira! desde os anos 1990, como músico de apoio). Iniciando a apresentação com "Longe de Tudo" e "Flerte Fatal", o grupo teve seu nome entoado em uníssono pelo pessoal logo ao final desta, mostrando que sua ausência por um período tão longo havia sido realmente sentida!

A noite prometia ser de muitos clássicos do repertório dos paulistas, e a sequência que iniciou com "Dias de Luta" e só acabou em "Gritos na Multidão" deixou isso bem claro (embora ali no meio tenha rolado "No Universo dos Seus Olhos", canção que ainda não chegou a atingir este status), sendo que o pessoal acompanhava em coro pelo menos o refrão de cada uma das músicas apresentadas. Com o público nas mãos e demostrando prazer em estar novamente junta, a dupla principal do Ira! levou o show com facilidade, agradando as mais de três mil pessoas que saíram de casa para lhes assistir sem precisar se esforçar muito. Não que não tenha havido empenho, mas o público parecia disposto a celebrar a volta do agora quinteto de qualquer forma, e o repertório escolhido só fez facilitar esta missão!

Nasi no palco do Araújo Vianna (foto retirada da página do facebook da Opus Produções)

Muito se comentou sobre a forma física de Nasi (vários quilos acima do "normal"), mas seu carisma e sua voz não foram afetados de forma alguma por isso! Muito comunicativo durante toda a noite, o cantor chegou a afirmar que o Ira! era a banda paulista mais gaúcha que existe, visto a cidade de Porto Alegre ter sido uma das primeiras a "detonar o som do grupo" (como declarou) ao tocar suas músicas nas rádios, especialmente na Ipanema FM, como lembrou o músico, sendo que esta sempre foi a mais importante "rádio rock" da capital gaúcha! Nasi ainda disse que a noite era de muita emoção para a banda, visto o grupo ter tocado no mesmo local trinta anos antes, ainda no início da carreira. Já Edgard é, com razão, considerado um dos melhores (se não "O" melhor) guitarristas de sua geração, e esta noite serviu para demonstrar isso mais uma vez. Mesmo a música do Ira! não sendo assim tão complicada tecnicamente, cada vez que o sujeito inventava de atacar com um de seus incríveis solos (tocados, vale sempre a pena lembrar, sem o uso de palheta, em uma guitarra para destros usada "ao contrário", e sem a posição das cordas adaptada para canhotos), ficava claro  que não estávamos diante de um músico comum. Daniel (também encarregado de alguns backings, assim como seu pai) e Evaristo seguraram a barra com precisão, e os teclados de Johnny Boy deram um "ganho" nos arranjos de várias composições (como em "Tarde Vazia" e "Flores Em Você"), além das introduções de "Manhãs de Domingo" (que ficou bem próxima do rock progressivo) e "O Bom e Velho Rock and Roll" (esta, soando absurdamente pesada em comparação a sua versão original). Esta nova formação já está, segundo declarações do próprio Edgard, pensando em um novo disco de inéditas, e uma "prévia" do que pode vir por aí foi a nova "ABCD", um agitado blues com toques de rockabilly e letra "sacana", a qual, apresentada no meio do show, mostrou que o Ira! ainda tem um promissor futuro pela frente, algo que parecia impossível há alguns anos!

Alguns "lados B" da discografia do Ira! também marcaram presença neste "panorama da carreira" do grupo ("passando por praticamente todos os álbuns", segundo Nasi), como "Rubro Zorro" (retirada de um álbum que, como o cantor declarou, foi "conceitualmente, um divisor de águas" na carreira do grupo, o subestimado Psicoacústica, de 1988, e que, nesta turnê, foi apresentada com o palco totalmente iluminado por luzes em tons vermelhos, fazendo jus ao seu título) ou "15 Anos", mas a maioria do set list foi formado por canções bastante conhecidas como "Eu Quero Sempre Mais" (surpreendentemente para mim, a que mais levantou o pessoal, que, após a deixa do vocalista, levou sozinho e inteira a parte cantada pela baiana Pitty na versão do Acústico MTV, entoando novamente com força o nome do grupo ao final da canção) ou "Envelheço na Cidade" e "Núcleo Base", as duas faixas que encerraram a primeira parte do espetáculo, após quase uma hora e vinte minutos que levaram a plateia próxima ao êxtase!

Edgard e Nasi em Porto Alegre  (foto retirada da página do facebook da Opus Produções)

Era certo que o quinteto voltaria para um bis, mas acredito que ninguém esperava o que veio. Recebidos no seu retorno ao palco com o cântico de "ôô, o Ira! voltou", como se estivéssemos em um estádio de futebol, e após agradecer ao pessoal da equipe técnica e ao público presente, o quinteto começou a encore com a também conhecida "O Girassol" (com Edgard nos vocais principais, e que o guitarrista dedicou a seu pai, "gaúcho de Bagé"), outra que contou com a participação maciça da galera, seguindo depois com a mais "lado B" "Arrastão" (e um show particular de Edgard na guitarra, especialmente na funkeada parte final), a versão para "Train In Vain", do The Clash (intitulada "Pra Ficar Comigo") e a mais intimista "Prisão Nas Ruas" (que contou com um belo jogo de luzes), a qual Nasi lembrou ter tido a "estupenda participação" de Nico Nicolaiewsky, músico gaúcho falecido em fevereiro deste ano, e para quem o cantor pediu que público "fizesse um barulho" em homenagem. Era a senha para o vocalista lembrar que a banda já havia gravado outros músicos do Rio Grande do Sul como Júpiter Maçã e Frank Jorge, e, subvertendo o roteiro original, interpretar "o grande sucesso gaúcho do Ira!", "Bebendo Vinho", de Wander Wildner, outra que, como esperado, levou os presentes ao delírio, e foi emendada a uma acachapante versão de "Foxy Lady", de Jimi Hendrix (e como vocês acham que soou quando um dos melhores guitarristas do país resolveu interpretar um tema do melhor guitarrista da história? Chamar de sensacional é pouco!). Como o set list já havia ido para o espaço mesmo, o quinteto ainda tocou "Coração" antes de Nasi perguntar se queríamos ouvir mais uma, e, após a resposta positiva dos presentes ao auditório, declarar que a banda "tentaria bater o recorde de Bruce Springsteen de bis mais longo" e, finalmente, encerrar com "Nas Ruas", em pouco menos de duas horas que serviram como uma espécie de catarse coletiva a quem esteve no Araújo Vianna, e provou definitivamente que o Ira! está de volta, como Nasi declarou ao final!

Como disse no começo do texto, os ingressos se esgotaram várias semanas antes do show. Ainda no início do bis, Nasi disse que muita gente havia ficado de fora, sem ter a oportunidade de presenciar aquela apresentação, e que, por isso, uma nova data para o mesmo local já havia sido agendada para 25 de outubro, dando oportunidade aqueles que não conseguiram ingresso de presenciar uma data deste espetáculo, e, para aqueles que conseguiram estar presentes neste sábado inesquecível, de viver esta emoção outra vez! Certamente, estarei lá de novo, e recomendo a todos que o façam, pois o Ira! retornou de vez aos palcos, e com "fome de bola"!

"Ôôô, o Ira! voltou, o Ira! voltou, o Ira! volto-ou"

Set List e ingresso da apresentação

Set List:

1. Longe de Tudo
2. Flerte Fatal
3. É Assim Que Me Querem
4. Dias de Luta
5. Tarde Vazia
6. No Universo dos Seus Olhos
7. Gritos Na Multidão
8. ABCD
9. Tolices
10. Mudanças de Comportamento
11. Rubro Zorro
12. 15 Anos
13. Eu Quero Sempre Mais
14. Manhãs de Domingo
15. O Bom e Velho Rock and Roll
16. Envelheço na Cidade
17. Núcleo Base

Bis:

18. O Girassol
19. Arrastão
20. Pra Ficar Comigo
21. Prisão Nas Ruas
22. Bebendo Vinho
23. Foxy Lady
24. Coração
25. Nas Ruas

domingo, 17 de agosto de 2014

Box Set: King Crimson - The Road to Red [2013]



Por Micael Machado

Para os fãs da "fase elétrica" do King Crimson (o período entre 1972 e 1974, o qual compreende a trilogia composta pelos discos Larks' Tongues in Aspic, Starless And Bible Black e Red, quando a banda era composta pelo guitarrista Robert Fripp, que também operava o mellotron, o baixista e vocalista John Wetton, o baterista e percussionista Bill Bruford, o violinista David Cross, outro que também atacava as teclas do mellotron, e o percussionista e baterista Jamie Muir, que tocou apenas no primeiro disco da trilogia), havia no mercado poucas opções para ouvir gravações ao vivo e com qualidade que mostrassem o poder que tinha sobre um palco o quarteto resultante da saída de Jamie Muir ainda em 1973 (visto que bootlegs desta época rolam aos montes por aí nos sites da internet). Há o subestimado álbum USA (gravado em sua maioria a 28 de junho de 1974 em Asbury Park, New Jersey, e que conta com a participação do violinista Eddie Jobson em três faixas, em overdubs de estúdio adicionados posteriormente); o duplo The Night Watch, gravado em 1973 na Holanda; alguns poucos lançamentos do Collectors Club da banda (sempre difíceis de se adquirir); e o box set The Great Deceiver, com quatro CDs que traçam um belo paralelo do grupo ao vivo ao longo dos anos de 1973 e 1974, mas que virou uma grande raridade nos mercados da vida, sendo mais facilmente encontrada em sua versão com dois CDs duplos relançada em 1998, a qual que não possui o mesmo charme da edição original. Para suprir esta carência de material "live" de um dos melhores períodos de um dos mais importantes grupos do progressivo inglês, surgiu em 2013 o super box set The Road To Red, que reúne, ao longo de 21 CDs, um DVD e dois blu-rays (infelizmente, não há imagens nestas mídias), dezesseis apresentações do quarteto entre 28 de abril e primeiro de julho de 1974. A quantidade e qualidade do material apresentado aqui é tamanha que, confesso, minha vontade é analisar faixa a faixa de cada disco nesta resenha, mas, sabendo que o texto ficaria enorme e de difícil leitura, tentarei ser o mais sucinto possível em minha análise do pacote.

Mesmo com a grande qualidade técnica de seus integrantes, assim como ocorria a outros gigantes do estilo, o Rei Escarlate não era lá muito afeito a executar no palco grandes variações em relação às versões oficiais "de estúdio" de suas composições (as aspas se justificam porque muito do material dos três discos desta fase foi registrado ao vivo, com retoques de estúdio posteriores). Desta forma, com repertórios bastante parecidos entre os CDs (basicamente, quase todo Larks' Tongues In Aspic e umas poucas faixas de Starless And Bible Black, além da então inédita "Starless", que só viria a aparecer oficialmente em Red, com um arranjo e instrumentos diferentes), e sem que existam muitas diferenças consideráveis de execução entre elas, o que acaba atraindo mais a nossa atenção são os praticamente onipresentes improvisos registrados em cada CD. Ainda que apareçam quase sempre em pontos específicos (normalmente antes de "Exiles" ou "The Talking Drum"), todos são diferentes entre si, e mostram várias facetas da criatura chamada King Crimson à época. Variando entre dois a seis minutos de duração (com raras exceções), podem ser calmos e etéreos (como a maioria dos que antecedem "Exiles"), ou por vezes sombrios e assustadores (como alguns dos que vem antes de "... Drum"), porém são, quase sempre, muito interessantes de ouvir, ainda mais para aqueles não familiarizados com a sonoridade de palco desta encarnação do grupo.

John Wetton, Robert Fripp, David Cross e Bill Bruford retratados nas capas de quatro dos CDs do box set The Road To Red

Aqueles que já ouviram algum dos discos ao vivo citados lá no início, sabem que a qualidade do grupo nesta época era algo que beirava o absurdo. Com uma cozinha possante e extremamente entrosada (formada por dois dos melhores músicos que o rock progressivo já produziu em seus respectivos instrumentos), Fripp se dividindo entre guitarras, efeitos e mellotrons, e David Cross se repartindo entre seu violino e o mellotron (além de ocasionalmente encarar até mesmo a função de flautista), o grupo executa os temas selecionados com uma capacidade e habilidade acima da média, com aquele talento que os já convertidos à musicalidade do Rei Escarlate conhecem tão bem. Como disse, as versões não possuem grandes mudanças em relação às "oficiais" constantes nos álbuns regulares, porém, é sempre possível encontrar um solo diferente de violino ou guitarra aqui e ali, uma interpretação mais emocionante ou visceral de Wetton dentre uma versão e outra da mesma canção, ou até mesmo um trechinho que parece improvisado em meio a frases instrumentais com as quais já estamos acostumados há tempos. Ouvir cada show destes CDs é como desbravar um pouco a personalidade de um grupo estranho, incomum, mas que consegue cativar àqueles que deixarem os ouvidos abertos à sua sonoridade.

Alguns poucos dos improvisos citados antes receberam nomes individuais, como se fossem novas composições, a exemplo de "Improv: Daniel Dust" e "Improv: Bartley Butsford", no CD 2, "Improv: Wilton Carpet", do disco 3, os quase doze minutos de "Improv: The Golden Walnut", no disco 11, os dez minutos de "Improv: Clueless And Slightly Slack", no CD 12, "Improv: Is There Life Out There?" e "Improv: It Is For You, But Not For Us" no disco 17, ou ainda "Improv: A Voyage To The Centre Of The Cosmos" no CD 18, sendo que todos eles já haviam aparecido antes no box The Great Deceiver. Ainda há, no disco 20, "Improv: Cerberus", gravado no Central Park, em New York, no dia primeiro de julho de 1974 (último concerto de David Cross com o grupo), e que faz parte do disco do Collectors Club dedicado a este show, e, ainda "Improv: Asbury Park" no disco 16, este que está incluído no track list de USA, bem como boa parte das demais faixas da apresentação registrada nesse CD. Além, é claro, de "Improv: Providence", presente neste box no CD 18, e que, depois de abreviado e modificado em estúdio, viria ser a faixa de abertura do lado B de Red. Uma curiosidade é a presença, apenas no CD 3, de uma redenção para a rara "Doctor Diamond", faixa que aparece em alguns bootlegs desta época, mas que nunca recebeu uma adequada versão "oficial" por parte da banda, estando presente, que eu saiba, apenas nos discos 15 e 29 do Collectors Club, ambos gravados na Alemanha em março de 1974.

A qualidade de áudio em geral é excelente, retirada de gravações profissionais feitas durante a turnê ou de registros gravados junto à mesa de som dos locais onde o grupo se apresentava (apenas um CD, o de número 20, foi retirado de um bootleg feito a partir da audiência), com pouquíssimas exceções, como o início e o final do show de Fort Worth a 6 de junho (presente no CD 5), onde foi utilizado o áudio de um bootleg gravado da audiência em partes de "Easy Money" e na totalidade de "21st Century Schizoid Man" (única música das encarnações anteriores da banda presente ao longo do box, aparecendo no set list de oito diferentes shows). Há também uma certa "falcatrua" no CD 6, onde foi inserido um trecho do áudio presente no CD 5 para completar uma falha em "The Talking Drum", em uma parte na qual a fita de gravação acabou no meio da canção. Mas a inserção foi tão bem feita que, se não tivesse sido creditada, duvido alguém perceber! Já em outros discos, como nos CDs 7 ("Starless", onde falta a parte central), 10 (onde não temos o início de "Easy Money") ou no CD 8 ("The Talking Drum", sem o final), as faixas aparecem incompletas mesmo, e não foi feito nenhum tipo de "conserto", como na situação anterior, sendo que diversas vezes a faixa de abertura ou encerramento de um CD também inicia ou termina lá pelo meio, em algo que acaba frustrando um pouco o ouvinte mais exigente.

O conteúdo do box set The Road To Red

O box se completa com diversos "mimos" que se provarão interessantíssimos para os fãs do grupo. Há duas litografias reproduzindo a capa e a contracapa de Red e de USA, uma reprodução do itinerário da banda em abril daquele 1974 (indicando quatorze apresentações em vinte dias), um texto da época promovendo o disco Red, outro sobre o álbum USA e a dissolução do conjunto, uma reprodução de um manuscrito (feito em um papel timbrado do Holiday Inn de Baltimore) da letra de "Starless" (ainda intitulada "Starless And Bible Black"), um envelope que reproduz a fita de gravação de Red, e que contém fotos individuais dos membros da banda, uma reprodução do cartaz de promoção do show de Asbury Park, e um número variado de set lists manuscritos das apresentações do grupo naquela turnê (já encontrei edições com um número que variava entre um e nove manuscritos). Completando o pacote, há um livreto de quarenta páginas com um texto atual (contando com as impressões dos membros da banda) sobre o King Crimson daquela época, um relato do produtor David Singleton sobre como foi reunir e restaurar as fitas de áudio que deram origem aos CDs, diversas fotos interessantíssimas (muitas delas inéditas) e o diário de turnê de Robert Fripp registrado ao longo da turnê de 1974, onde o guitarrista quase sempre aparece reclamando de alguma coisa, especialmente da vida na estrada, dos membros do grupo e de sua insatisfação com os concertos feitos pelo King Crimson (além de demonstrar praticamente desde o início da digressão sua vontade de acabar com aquela encarnação do Rei Escarlate, algo que efetivamente viria a fazer ainda antes do lançamento de Red). Curioso é que, após os registros de Fripp em algumas das apresentações, são apresentadas opiniões registradas na época atual de pessoas presentes aos mesmos (inclusive um então jovem Pat Mastelotto, que anos depois viria a se tornar baterista do grupo, em um certo período até mesmo atuando ao lado de Bruford), as quais enaltecem espetáculos que, em seus escritos, o guitarrista faz questão de criticar entusiasticamente, provando que o perfeccionismo (e a "chatice") do eterno líder do Rei Escarlate não é nenhuma lenda.

Mesmo que apenas seis dos 21 CDs ultrapassem os cinquenta minutos de duração, infelizmente The Road To Red não contempla todas as faixas do box The Great Deceiver, pois faltam as gravações dos shows de Glasgow em outubro de 1973, e de Zurique, na Suíça, em novembro do mesmo ano, e que estão presentes naquele lançamento. Também não aparece aqui a parte de vídeo da edição de quadragésimo aniversário da banda feita para Red lançada em 2009 (com uma apresentação do quarteto na TV francesa), assim como estão presentes, nesta nova caixa, apenas em um dos Blu-Rays as faixas bônus daquela versão (as "Trio Version" para "Red" e "Fallen Angel"), estando estas ausentes da versão com o mix de 2013 para o disco original presente no CD 21 e no DVD de áudio. Sendo assim, apesar da quantidade de material apresentado, essa caixa ainda não é a "edição definitiva" desta época do reinado do King Crimson, algo que é de certo modo frustrante devido à grande quantidade de espaço que sobra em certos discos (especialmente os CDs de número 8, com meros 37 minutos, e de número 19, com um minuto a menos e apenas três músicas), os quais poderiam ser melhor "acomodados" para incluir este material, algo que, certamente, seria valioso para o fãs do conjunto. Mas viva a regra do mercado, certo, Sr. Fripp? Venda a mesma coisa várias vezes ao seu público fiel (ainda que ligeiramente diferente para justificar a compra), mas não deixe de lucrar o máximo possível. The Road to Red justifica com sobras o pesado investimento a ser feito, e o que se tem aqui já está de excelente tamanho, mas, sem dúvidas, poderia ser ainda melhor.

A parte de trás do box set The Road To Red

"Just making easy money..."

(Nota: Como listar cada música de cada CD tomaria um espaço muito grande neste texto, sugiro que o caro leitor acesse aqui ou aqui para ter uma descrição mais precisa do conteúdo de cada disco. Boa viagem!).

domingo, 3 de agosto de 2014

Discografias Comentadas: Nando Reis


Por Micael Machado

José Fernando Gomes dos Reis nasceu em São Paulo a 12 de janeiro de 1963. Depois de fazer parte do grupo Os Camarões, que participou de alguns festivais estudantis da capital paulista no começo dos anos 1980 (e até chegou a gravar uma música, chamada “O Cheiro de Beterraba”, em um disco com os vencedores do Festival da Feira da Vila Madalena), passou a fazer parte dos Titãs, onde permaneceu por vinte anos (de 1982 a 2002) exercendo as funções de baixista, cantor e compositor. Iniciou carreira solo ainda de forma paralela ao grupo, optando depois por deixar sua banda de origem e seguir uma trilha própria. Seu trabalho como compositor é reconhecido no Brasil inteiro, tendo suas canções gravadas por nomes como Marisa Monte, Cássia Eller, Skank, Cidade Negra e Jota Quest, além de ter trabalhado ao lado do falecido cantor Wando, do "Tremendão" Erasmo Carlos e da dupla sertaneja Zezé Di Camargo & Luciano (tendo interpretado a música "O Lavrador" na trilha sonora oficial do filme biográfico "Dois Filhos de Francisco", ao lado da filha de Zezé Di Camargo, Wanessa Camargo).

Com sete álbuns de estúdio e quatro ao vivo em carreira solo, Nando é considerado um dos 10 maiores arrecadadores de direitos autorais no Brasil, de acordo com o ECAD, emplacou diversas músicas em trilhas sonoras de novelas, e possui uma legião de fãs em todo o país, os quais sempre lotam suas constantes apresentações pelos quatro cantos da nação! Confira agora nossa análise de sua discografia como artista solo!


12 de janeiro [1995]

Registrado durante uma "pausa" dos Titãs em 1994, o primeiro disco solo de Nando Reis leva no título a data de seu aniversário, e é mais um álbum de "música brasileira" do que de rock and roll visceral (o qual, aliás, não dá as caras em nenhum momento), vide "A Urca" (que parece uma composição setentista de Jorge Ben) e a acústica "Para Querer". "Bom Dia" é uma boa composição de abertura, onde Nando cita na letra diversas pessoas de sua família, e que já mostrava que a ideia era se afastar da sonoridade de sua banda principal, vide o uso prioritário do violão (instrumento que ele assumiu nas gravações, em detrimento do baixo que empunhava em sua banda principal) ao invés da guitarra, e a presença de um quarteto de cordas, que também vai se destacar em "O Seu Lado De Cá", composição bela e calma que vai no caminho quase totalmente oposto ao que os Titãs vinham fazendo então. Um outro exemplo disso é a excelente "Meu Aniversário", aqui bem menos pesada e sombria do que a versão registrada em demo para o disco Titanomaquia (e que acabaria sendo lançada oficialmente na compilação e-collection, da então banda do cantor). A "grudenta" "Me Diga" foi o grande hit do disco (e é seu maior destaque, ganhando até vídeo clipe), e outras faixas que também tiveram uma boa repercussão foram a agitada "Fiz O Que Pude" e "A Fila" (outra que ganhou vídeopremiado com o clipe de ouro da MTV na categoria MPB), que, por ser muito repetitiva, nunca me agradou muito (apesar do interessante refrão). Outro destaque é "E.C.T", que já havia sido registrada no terceiro disco de Cássia Eller, e é uma faixa agitada, com presença marcante da guitarra, apresentando ainda alguns toques de música regional do nordeste brasileiro e bastante percussão em seu arranjo. Estas características também surgem em "Foi Embora" e "Do Itaim Para O Candeal" (que possui um interessante solo de saxofone), e a faceta regional (desta vez do interior de São Paulo) também aparece na longa e trágica "A Menina E O Passarinho", que fica próxima do "sertanejo de raiz" (principalmente em sua primeira metade), mostrando que Nando não estava preocupado com rótulos para extravasar sua musicalidade. Não é seu melhor registro solo, mas caracterizou uma bela estreia.

Para Quando O Arco Íris Encontrar O Pote De Ouro [2000] 

Ainda como integrante dos Titãs, Nando registrou seu segundo álbum solo nos Estados Unidos, tendo na produção o "famoso" Jack Endino, que já havia trabalhado com o cantor no disco Titanomaquia, de sua banda principal. É um álbum superior ao de estreia, ainda que bem mais pop que aquele, onde os destaques são mais fáceis de apontar, e em maior número, sendo eles a tocante "Quem Vai Dizer Tchau", "Relicário" (que iria reaparecer ainda melhor em um dueto com Cássia Eller no disco acústico da cantora no ano seguinte), "All Star" (uma das preferidas dos fãs do cantor) e as agitadas "No Recreio(que também seria regravada por Eller, assim como a anterior) e "Dessa Vez", faixas que quase obrigatoriamente integram o repertório ao vivo de Nando até hoje. A faixa título tem presença marcante da guitara (a cargo de Walter Villaça) e do teclado (tocado pelo americano Alex Velley, ainda hoje na banda do cantor), sendo uma composição suingada e atraente, assim como "O Vento Noturno Do Verão", que tem como grande destaque o teclado, que dá um toque de soul music a uma faixa com características de música norte-americana. "Hey, Babe" é talvez a composição mais "roqueira" do álbum (contando com os backings de Cássia Eller e Rogério Flausino, do Jota Quest), em contraste com "Eles Sabem" (mais calma, com trechos conduzidos pela flauta do convidado Craig Flory) e "Nosso Amor", a que mais lembra o disco anterior, com toques de MPB em seu arranjo. A agitada e pop "Frases Mais Azuis" e a já citada "Dessa Vez" possuem a participação especial do guitarrista Peter Buck, do R.E.M., que toca bandolim na segunda e guitarra de doze cordas na primeira, e foi trazido pelo baterista Barrett Martin, responsável pelas baquetas neste registro (e creditado como Martin Barrett, não sei por quê), e que na época tocava com o grupo da cidade de Athens. Para Quando O Arco Íris Encontrar O Pote De Ouro é um disco que apontaria um caminho a ser seguido pelo cantor no futuro, e mostrava que sua carreira solo não seria apenas um passatempo.


Infernal... but there is still a full moon shining over Jalalabad [2001]

Após a gravação do disco A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, dos Titãs, Nando anunciou sua saída do grupo, dizendo-se abalado com as mortes dos amigos Marcelo Fromer (guitarrista da banda) e Cássia Eller. Mas, antes de oficializar a partida, registrou seu terceiro álbum solo, onde fez (ao vivo no estúdio, em apenas quatro dias de gravação) versões para músicas de sua autoria, mas que haviam ficado conhecidas por terem sido gravadas por outros artistas. Assim, do repertório de Cássia Eller vieram as regravações para "E.C.T." (com um arranjo mais roqueiro aqui do que a versão gravada no disco de estreia), a suingada faixa título "O Segundo Sol"; do Skank, Reis resgatou "Resposta" (tão bonita quanto a de Samuel Rosa e companhia, e com um interessante arranjo de slide guitar); do Cidade Negra, veio "Onde Você Mora?" (quase tão insuportável quanto a versão dos cariocas); e do Jota Quest, "A Minha Gratidão é Uma Pessoa" (que ficou menos "sacolejante" e "eletrônica" que a versão dos mineiros). Dos tempos ao lado dos Titãs, Nando trouxe "Eu E Ela" (que ganhou clipe, e ficou ainda mais melancólica aqui), "Sua Impossível Chance" (uma das poucas que não superou a original), "Cegos do Castelo" (sem muitas alterações em relação à versão presente no Acústico MTV dos paulistas) e "Marvin" (que recebeu uma guitarra cheia de efeitos de pedal wah-wah e um excelente arranjo de teclados). E ainda regravou três faixas de seu álbum de estreia, "Me Diga" (que ficou mais calma e ganhou muito com a presença do teclado), "A Fila" (com um arranjo bastante melhorado) e "Fiz O Que Pude" (bem mais pesada que a original), além de achar tempo para registrar uma interessante cover para "My Pledge of Love", de Joe Jeffrey. Este é meu álbum preferido em sua discografia, e, por reunir diversas músicas já conhecidas anteriormente, acaba soando como uma coletânea de seu trabalho como compositor, e não como um "disco de carreira" comum. Uma nota interessante é que este álbum reúne pela primeira vez os músicos que depois farão parte da primeira formação d'Os Infernais, a banda de apoio do cantor, com Alex Velley nos teclados e Barrett Martin na bateria (na maioria das faixas, sendo ambos remanescentes do disco anterior), Carlos Pontual na guitarra e Felipe Cambraia no baixo, além de outros músicos convidados.


A Letra A [2003] 

O primeiro disco de Nando Reis após sua partida dos Titãs traz o cantor acompanhado pelos Infernais pela primeira vez (estando na formação os quatro músicos citados acima), em um registro mais pop e calmo que o anterior. Algumas canções entraram para as preferidas dos fãs do músico, como a semi-balada "E Tudo Mais", a "bonitinha" "Dentro Do Mesmo Time" (primeiro single e clipe) e a maravilhosa "Luz Dos Olhos" (uma de minhas favoritas em sua carreira, e que também ganhou clipe), mas é difícil não citar dentre os destaques a bela "Mesmo Sozinho" (que havia sido registrada pelos Titãs no álbum A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, mas que aqui aparece ainda mais melancólica que a versão original), a "romântica" "De Mãos Dadas" e a faixa título. Estas duas contam novamente com a participação especial de Peter Buck na guitarra de doze cordas, sendo que na segunda ele é acompanhado por outro músico de apoio do R.E.M., o guitarrista Scott McCaughey, que ainda acrescenta trechos de guitarra na citada "Luz Dos Olhos", e de mandolim na interessante e agradável "Um Simples Abraço". "De Lhe Pra Te" tem um ritmo quebrado que soa estranho nas primeiras audições, mas depois se torna cativante, enquanto "Púrpura" parece uma sobra do primeiro disco. As baladas "Hoje Mesmo", "Tão Diferente" e "O Meu Posto" completam o track list sem lhe acrescentar maiores destaques, formando um registro de nuances mais melancólicas que o anterior, com um elevado número de faixas de teor "romântico", mas que nem por isso o torna menos recomendável que aquele. Durante a turnê de divulgação, mais precisamente nos dias 19, 20, e 21 de junho de 2004, foi gravado no Bar Opinião, em Porto Alegre (RS), o disco MTV ao Vivo, que trazia pela primeira vez Os Infernais creditados na capa (desta vez com João Viana na bateria), e seria lançado ainda naquele ano em CD e DVD. Ambos trazem as inéditas "Mantra", "Por Onde Andei" e "Quase Que Dezoito", além da participação da banda Ultramen na faixa "Pomar" (composta por Reis ainda nos tempos d'Os Camarões, em 1979), e o DVD ainda tem covers para "Sangue Latino", dos Secos & Molhados, e "Fogo e Paixão", de Wando. Este registro ainda marca a estreia do baterista Diogo Gameiro na citada "Quase Que Dezoito", ele que permanece no grupo desde então.


Nando Reis e os Infernais: Felipe Cambraia, Diogo Gameiro, Nando Reis, Carlos Pontual e Alex Velley

Sim e Não [2006]

O primeiro disco completo com o baterista Diogo Gameiro marcou mais dois hits na carreira de Nando Reis, os quais viraram obrigação em seus repertórios ao vivo: a agitada e pop "Sou Dela" (primeiro single e clipee a balada "N" (que sempre me lembrou as músicas do estilo gravadas por Skank ou Jota Quest - muitas delas compostas por Nando, diga-se de passagem). Aliás, as baladas são maioria neste registro, sendo a melhor delas aquela que o cantor dedicou a sua filha Zoé, e que se chama "Espatódea", nome de uma árvore cuja flor (vermelho-alaranjada) tem a mesma cor dos cabelos da homenageada, segundo declarações de Nando. Outras músicas que se encaixam na definição de "balada romântica" são "Pra Ela Voltar", "Como Se O Mar" e "Sim", mas, felizmente, o rock não ficou totalmente ausente, representado pela agitada "Monóico" (com letra que causou certa polêmica, tratando de sexo e do relacionamento de um casal, inclusive com algumas conotações homossexuais), os quase sete minutos da setentista "Caneco 70" (com destaque para o piano de Alex, e letra bastante pessoal, tratando de um relacionamento amoroso do músico), pela cadenciada "Santa Maria" (outra onde os teclados sobressaem, e que tem o solo de guitarra mais "feroz" do play) e por "Para Luzir O Dia", que tem um "quê" de "rock rural" dos anos 70, além de um belo arranjo de cordas, que também abrilhanta a balada (mais uma!) "Nos Seus Olhos", tornando estas duas canções destaques no track listA faixa de encerramento, "Ti Amo", consiste de Nando repetindo o nome da música sobre uma base repetitiva criada pelos violões e o teclado (a não ser por um breve trecho ao xilofone), e, bem ao final, há uma curta faixa escondida com clima de jam session, e que é melhor do que muitas das canções do repertório oficial do registro. Em 2007, foi lançado em CD e DVD Luau MTV, com o registro da apresentação de Nando no programa que lhe dá nome, gravada ao vivo na Praia Vermelha, em Ubatuba (São Paulo), o qual conta com Os Infernais (na mesma formação de Sim e Não) e diversos convidados especiais, como Andréa Martins (vocalista da banda Canto Dos Malditos Na Terra Do Nunca), Negra Li (na faixa "Negra Livre", composta por Nando para ela), Andreas Kisser (guitarrista do Sepultura) e Samuel Rosa (vocalista do Skank), além da percussionista Lan Lan, que tocava com Cássia Eller, e as vocalistas Micheline Cardoso e Juju Gomes. Este disco contém apenas uma faixa inédita, chamada “Tentei Fugir.

Drês [2009] 

Neste disco Nando Reis e os Infernais deixaram as baladas um pouco de lado, e a maioria das canções dá destaque às guitarras de Carlos Pontual, em faixas que chegam a soar até "pesadas" se comparadas com outras de registros anteriores, como a faixa título e "Mosaico Abstrato", dois "rockões" para ninguém botar defeito. "Hi, Dri" (que ganhou um clipe) mistura partes rápidas e outras com um ritmo quebrado, além de também ter um pouco de peso nas seis cordas, e "Driamante", apesar de mais pop, apresenta um belo solo de Pontual. "Livre Como Um Deus", mesmo sendo mais calma, tem um toque psicodélico trazido pela guitarra e os teclados, e um trecho mais pesado ao final ("pesado " em se tratando de Nando Reis, que fique bem claro), e a animada "Só Pra So", dedicada à Sophia Reis, filha do cantor, tem um pezinho nos anos 1970 por causa do timbre de órgão usado por Alex. "Mil Galáxias" e "Hoje Eu Te Pedi Em Casamento" são escancaradamente pops, alegres e ensolaradas, assim como também é pop "Pra Você Guardei O Amor", talvez o grande destaque do álbum (sendo outra faixa que mereceu clipe), e que conta apenas com o violão e a voz de Nando Reis, em dueto com a cantora Ana Cañas. Como parece que é obrigatório termos baldas românticas em discos do músico, elas aparecem na forma de "Baby, Eu Queria", "Ainda Não Passou" (escolhida como primeiro single e clipe, e que possui um belo arranjo de cordas, ganhando no final ares de soul music graças à presença de metais), e "Conta", que possui uma letra tocante dedicada à mãe do cantor (já falecida). Drês é um dos melhores discos da carreira solo de Nando Reis, mas, talvez devido a este teor mais "roqueiro", acabou não emplacando muitas canções nem junto aos seus fãs, nem no repertório das apresentações ao vivo, o que é uma pena! Durante os encores de suas apresentações à época, Nando apresentava o que chamava de "Bailão do Ruivão", onde interpretava covers para artistas de gêneros diversos, preferencialmente fugindo do "gênero" rock and roll. A convite da MTV, esta "brincadeira" acabou virando um CD e DVD ao vivo também chamado Bailão do Ruivão, gravado no Carioca Club, em São Paulo, e lançado em 2010, e que conta com a participação da dupla Zezé di Camargo e Luciano e da Banda Calypso, em um registro "estranho" na carreira do cantor, visto não contar com composições suas e fugir muito do estilo de seus álbuns anteriores.


Sei [2012]

Após a gravadora Universal decidir não renovar o contrato do cantor, Nando decidiu seguir carreira como músico independente, juntou os Infernais (agora com Walter Villaça, que participou do segundo disco solo do músico, novamente nas guitarras no lugar de Carlos Pontual) e se mandou para Seattle para registrar seu novo álbum, tendo outra vez Jack Endino na produção. Apesar da pegada roqueira de faixas como "Ternura & Afeto", "Praça da Árvore" (esta com um pé e meio no pop) e as curtas "Sem Arrefecer (com destaque para os teclados "psicodélicos") e "Eu & A Bispa" (cuja letra tanto pode ser uma indireta à Igreja Universal quanto à sua antiga gravadora), Sei é mais um disco dominado por baladas, sendo as melhores a faixa título (levada ao violão, com um belo arranjo de teclados), a mais melancólica "Pra Quem Não Vem" (com participação da cantora Marisa Monte, ex-namorada de Nando) e "Persxpectativa". Não tenho nada contra arranjos de metais (bem ao contrário), mas os presentes nas baladas "Coração Vago" e "Luz Antiga" (que já havia sido gravada por Ana Cañas no disco Hein?) não ajudaram as composições, levando-as a soar como algo de Wando ou outro cantor do estilo, efeito que também ocorre em "Declaração De Amor" (nesta mais por causa dos teclados), o que não agrada muito a meus ouvidos. "Pré - Sal" (apesar dos mais de sete minutos e da letra quilométrica), "O Que Eu Só Vejo Em Você" (com citação na letra à canção "Tempos Modernos", de Lulu Santos) e "Zerø Muitø" são aquele tipo de pop direcionado para as rádios que Nando Reis é especialista em compor. "Back in Vânia" lembra Novos Baianos (apesar de confessamente ser "inspirada" por "Back In Bahia", de Gilberto Gil), e é mais uma faixa de letra bastante pessoal, ficando mais "roqueira" perto do final, e a faixa de encerramento, "Lamento Realengo", possui uma pegada reggae (misturada a uma sonoridade africana graças à percussão) bastante rara na carreira solo do cantor.


Nando Reis e os Infernais na gravação de Sei Como Foi em BH

Em setembro de 2013, Nando e a banda (acrescidos do trio de metais norte-americano "The Freakboy Horns", que já havia participado do CD Sei) registraram o disco Sei Como Foi em BH, o qual foi lançado em DVD (e que traz como bônus um CD gravado em estúdio, com repertório diferente do vídeo). Este, assim como Sei, é vendido por Nando Reis no próprio site do cantor (onde quem define o preço do mais recente disco de inéditas é o próprio visitante do site, que pode ouvir o álbum na íntegra, de graça, através dele, sendo que o valor a ser pago é atualizado toda semana com média nos valores sugeridos por quem acessou o site) ou nas "lojinhas" itinerantes montadas nas apresentações de Nando Reis e os Infernais, as quais continuam ocorrendo frequentemente pelos quatro cantos do país, sem previsão de parar tão cedo! Você pode torcer o nariz para o lado mais "popular" das canções deste compositor, mas é inegável o seu talento e sua capacidade de cativar um público que gosta de diversos estilos musicais, e atrair muitas pessoas a assistir seus shows e ouvir seus registros! Que mais deles venham por aí, mantendo sempre a qualidade do que Nando Reis já fez em sua carreira, seja ao lado dos Titãs, seja com os Infernais!

sábado, 2 de agosto de 2014

Review Exclusivo: Os Replicantes (Porto Alegre, 18 de julho de 2014)


Por Micael Machado

Apesar de já fazer oito anos que Júlia Barth assumiu os vocais d'Os Replicantes, eu ainda não havia conferido ao vivo o grupo com sua "nova" vocalista à frente. A oportunidade veio no recente dia 18 de julho, quando esta legendária agremiação do punk rock gaúcho se apresentou no Teatro do Sesc, em Porto Alegre, na última de três noites em comemoração ao dia mundial do rock (e que teve, a saber, apresentações da Rosa Tattooada no dia 16 e da Tequila Baby no dia 17).

Com os tradicionais quinze minutos de atraso em relação à hora marcada, os fundadores Cláudio Heinz (guitarras e backing vocals) e Heron Heinz (baixo e backing vocals), além do baterista Cléber Andrade (na banda desde 1989), entraram no palco para iniciar a apresentação. Júlia foi a última a surgir, e saudou o público (presente em bom número, quase lotando as dependências do teatro) com um "Boa noite a todos, é um prazer estar aqui, e vamos nos divertir!". Era a senha para uma noite de muito punk rock, abertos pela clássica "Hippie Punk Rajneesh", e que se estenderia por setenta e cinco minutos de muita intensidade musical.

Os Replicantes no palco do Teatro do Sesc

O que não faltam na carreira d'Os Replicantes são clássicos do punk nacional. Boa parte deles foi cunhada ainda quando Wander Wildner (hoje em carreira solo) comandava o microfone do grupo (em especial os editados nos LPs O Futuro É Vortex, de 1986, e Histórias de Sexo & Violência, do ano seguinte), e alguns outros na fase em que o ex-baterista Carlos Gerbase (também reconhecido cineasta) substituiu o dissidente Wander e passou a ser o vocalista da banda. À medida que a apresentação desta noite progredia, o experiente quarteto (que completou trinta anos de estrada em 2013) ia interpretando algumas destas marcantes canções, como "Nicotina", "Ele Quer Ser Punk", "Prá Ver Se Eu Conseguia", "Papel de Mau" (que dá nome ao terceiro disco, de 1989), "O Futuro É Vortex" e até a surpreendente (para mim) "África do Sul", que eu nunca havia assistido ao vivo com os cantores anteriores. Mas as canções do (até agora) único disco com os vocais de Júlia, Os Replicantes 2010, também não foram esquecidas, e apareceram na forma de "Rock Star", "Solo É Prá Minhoca", "Alguém Explica?" e "Sai Daqui", equilibrando muito bem as diversas fases pelas quais o grupo passou. Também houve espaço para a canção "O Inverno Está Chegando", lançada como single digital pelo quarteto em 2013 na sua página do soundcloud, a qual foi bem recebida pela galera que assistia ao show.

Como a configuração do local conta com confortáveis poltronas para o público, tanto Júlia quanto Heron fizeram menção ao fato do pessoal estar "sentado e comportadinho" em diferentes ocasiões ao longo do show. Mas bastaram os primeiros acordes do hino "Surfista Calhorda" para a situação se alterar completamente, com todos se levantando e cantando a letra inteira (mesmo aqueles que até ali haviam ficado calados), e com alguns até arriscando uns passos de pogo pelos corredores do local e à frente do palco! Ao final da perfeita execução desta que talvez seja a música mais conhecida da carreira do quarteto, a empolgação foi enorme, e foi preciso que Júlia pedisse ao pessoal para lembrarmos que estávamos em um teatro e voltarmos a nossos lugares para que a apresentação tivesse continuidade.

Momento da apresentação d'Os Replicantes

Júlia Barth, aliás, que foi, a meu ver, a grande estrela da noite. Com Cléber meio "escondido" no fundo do palco, e os irmãos Cláudio e Heron mais paradões em seus cantos (apesar de mandarem muito bem em seus respectivos instrumentos), as atenções se voltavam para a cantora, que, se fora do palco tem um jeito meigo e até meio frágil, se transforma quando em frente ao microfone, com uma poderosa voz em tons rasgados (a qual, infelizmente, ficou um pouco baixa em muitos momentos, prejudicando que o pessoal entendesse as letras que ela entoava) e um magnetismo pessoal que atrai todos os olhares para si, além de dançar e agitar muito em todos os momentos em que não está cantando. Achei curioso o fato de ela encarar numa boa cantar letras bastante "machistas" como as de "A Vida Começa Aos 30", "Motel da Esquina" ou "Eu Quero É Mucra", sem se importar com alguma questão "feminista" que o fato pudesse gerar. Houve, sim, canções como a citada "Papel de Mau" ou "Só Mais Uma Chance (Pin Up)" onde ela fez algumas alterações na letra para adequá-las à sua condição de cantora, mas, no geral, as músicas foram interpretadas com suas letras originais, as quais foram escritas para os antigos cantores (homens) do grupo.

Duas músicas de Os Replicantes 2010"De Sul A Norte" e "Maria Lacerda" (o grande hit deste lançamento), encaminharam o final da apresentação, que encerrou com "Festa Punk", outro hino que levantou o pessoal (e até animou alguns a cantar o seu refrão no microfone que Júlia oferecia à plateia), e cujo título traduziu bem o que havia sido a noite até ali. Como a galera não queria deixar a banda sair do palco, Júlia perguntou se ainda havia tempo para uma saideira, e, com a resposta positiva da produção do evento, os insistentes pedidos pela também clássica "Astronauta" determinaram qual seria a canção do bis (substituindo a planejada "Sandina", conforme o set list oficial). O quarteto ainda emendou "A Verdadeira Corrida Espacial" na "finaleira", terminando de vez com uma noite quase perfeita, que só não foi melhor por deixar um grande gosto de "quero mais" no público presente, pois o tempo disponibilizado ao grupo foi muito pouco para representar com justiça toda a sua vencedora trajetória na estrada do punk rock!

Os Replicantes em ação

Após a apresentação, os quatro ainda retornaram ao palco para atender quem queria um autógrafo, uma foto ou apenas um abraço e um rápido bate papo, demonstrando uma humildade e simpatia enormes, coisa que, infelizmente, não se encontra em muitos grupos com bem menos da metade da história e importância desta verdadeira lenda punk. Um final mais do que adequado para uma noite memorável!

"Não tem refrão nem verso forte, tem é muito punk rock pra tocar de sul a norte..."

Set List e ingresso do show

Set List:

1. Hippie Punk Rajneesh
2. Rock Star
3. Ele Quer Ser Punk
4. A Vida Começa Aos 30
5. Solo É Prá Minhoca
6. O Futuro É Vortex
7. Nicotina
8. Alguém Explica?
9. África do Sul
10. Papel de Mau
11. Sai Daqui
12. Surfista Calhorda
13. O Inverno Está Chegando
14. Motel da Esquina
15. Desculpa Meu Amor
16. Só Mais Uma Chance (Pin Up)
17. Eu Quero É Mucra
18. Prá Ver Se Eu Conseguia
19. De Sul A Norte
20. Maria Lacerda
21. Festa Punk

Bis:

22. Astronauta
23. A Verdadeira Corrida Espacial