domingo, 27 de abril de 2014

Review Exclusivo: Focus (Porto Alegre, 18 de abril de 2014)


Por Micael Machado
Fotos por Mairon Machado *

Sexta-feira Santa. Para os cristãos, dia de meditação e reflexão sobre o sacrifício que Jesus Cristo fez pela humanidade. Para os fãs de rock progressivo do Rio Grande do Sul, dia de se dirigir ao excelente Teatro do CIEE, na capital gaúcha, para conferir a apresentação do grupo Focus, a melhor e mais importante banda do estilo já surgida na Holanda (que me perdoem os apreciadores do Golden Earring). Pela terceira vez em Porto Alegre (trazidos pela Abstratti Produtora), o quarteto atualmente formado por Thijs van Leer (teclados, flauta, vocalizações), Pierre van der Linden (bateria), Bobby Jacobs (baixo) e o novato Menno Gootjes (guitarra) vinha apresentar as músicas de seu mais recente disco, Focus X (um dos melhores lançamentos de 2012, na opinião deste que vos escreve), além daquelas composições clássicas acumuladas ao longo de quase quarenta e cinco anos de carreira. Este foi o sétimo de oito shows programados para a turnê brasileira deste ano, sendo que o grupo já vinha de outras apresentações na América do Sul, realizadas na Argentina e no Chile.

O grupo holandês Focus no Teatro do CIEE

Passados pouco mais de cinco minutos das dez horas da noite (horário estipulado para o início do espetáculo), as cortinas do teatro se abriram e a apresentação começou com "Focus I", do álbum de estreia, Focus Plays Focus (também conhecido como In and Out of Focus), onde van Leer fez uma mistura das versões instrumental e vocal deste clássico. Ao final, o quarteto emendou um pequeno trecho de “Anonymous”, do mesmo disco, e ali, com menos de cinco minutos de show, já ficava claro que a grande estrela da noite seria Pierre van der Linden, com sua técnica absurda e uma "mão esquerda" fenomenal. Nos pequenos solos entre frases desta canção, e em outros momentos de destaque ao longo da noite, o ex-baterista do Trace (presente na fase clássica do Focus nos anos 1970, e que retornou ao grupo em 2004) demonstrou que idade não é documento quando se tem um talento tão grande quanto o deste monstro das baquetas!

A animada "House Of The King" foi a primeira canção a agitar o pessoal em suas cadeiras, tendo seu ritmo acompanhado com palmas por parte do público. "Aya-Yuppie-Hippie-Yee", uma das poucas composições registradas já no século XXI escolhidas para integrar o set list (e que aqui recebeu diversos improvisos ao longo de sua duração, o que a tornou muito mais longa que a versão de estúdio), serviu para demonstrar que Menno Gootjes é digno de honrar as seis cordas do Focus, caso Focus X ainda não tenha convencido os fãs do grupo. Seu timbre e estilo são um pouco mais pesados que o dos guitarristas anteriores do conjunto (especialmente Jan Dumée e o inigualável Jan Akkerman, para muitos, até hoje, o único músico digno do posto), mas ele sabe muito bem colocar coração e melodia nas faixas onde isto se faz necessário, mostrando-se uma boa escolha para o posto. 

Menno Gootjes, Pierre van der Linden e Bobby Jacobs

A inesperada "Focus V" foi seguida pela clássica e variada "Eruption", que se estendeu por vinte e um minutos embasbacantes, onde todos os músicos tiveram oportunidade de demonstrar sua enorme técnica, e na qual van Leer pode, pela primeira vez na noite, fazer um solo mais longo em sua flauta (um momento sempre emocionante para qualquer fã de rock progressivo, especialmente pela forma peculiar de tocar deste gênio holandês, um dos poucos flautistas do "mundo do rock" facilmente reconhecível logo aos primeiros acordes), além de realizar uma brincadeira vocal com os espectadores, onde ele cantava um trecho e pedia para a audiência repetir, e que, é claro, terminou com Thijs cantando algumas frases no tradicional estilo yodel, característica que lhe acompanha há tempos. A apresentação então teve sequência com outro momento de empolgação para o público, a popular "Sylvia", um dos grandes hits da carreira dos holandeses, precedida por uma espécie de "improviso" por parte dos músicos que não foi nenhuma surpresa para quem acompanha as apresentações ao vivo do Focus nestes últimos anos (onde, felizmente, os holandeses costumam vir com frequência ao nosso país).

Chegava então a hora de "apresentar" o disco novo aos gaúchos, e "Birds Come Fly Over (Le Tango)" (onde a voz de Ivan Lins foi substituída por trechos instrumentais tocados por van Leer na escaleta) e "All Hens on Deck" (na qual Gootjes foi obrigado a tocar mais da metade da composição sem uma das cordas da guitarra, quebrada logo após o primeiro solo) foram dignas representantes de Focus XThijs então improvisou um solo de teclado enquanto Menno consertava a corda quebrada, e continuou com uma linda e longa versão para "La Cathedrale de Strasbourg", a qual, pessoalmente, achei inferior à apresentada no mesmo local em 2010. Esta foi emendada a outra composição do disco Hamburger Concerto (de 1974), a agitada "Harem Scarem", que também recebeu uma injeção de improvisos (inclusive um longo solo de baixo, onde Jacobs também se mostrou digno de ocupar o posto de baixista desta lendária instituição holandesa, algo que aqueles que não pararam no tempo e continuam acompanhando o Focus já sabem há tempos) que fez com que a faixa chegasse aos dez minutos de duração. Maravilhoso!

Thijs van Leer e Pierre van der Linden, os membros remanescentes dos anos 1970

Os músicos então se retiraram do palco, deixando apenas Thijs van Leer sob os holofotes, que nos presenteou com um longo solo de flauta, onde passeou pelo palco, cumprimentando os presentes sem, em nenhum momento, parar de tocar. Quem já viu alguma apresentação anterior do grupo sabia que, logo após, chegaria um dos ápices da noite, e a aguardada "Hocus Pocus" foi então iniciada pelo tecladista. Há tempos que van Leer não consegue mais alcançar os altíssimos agudos da versão de estúdio, deixado os mesmos para a guitarra e o público, mas isso não impediu ninguém de se divertir neste que é o clássico maior da discografia dos holandeses. Inesperadamente, não houve a tradicional apresentação dos músicos no último verso, e a canção acabou de forma até um pouco abrupta, com os músicos se reunindo no centro do palco para agradecer ao bom número de presentes que compareceram para lhes prestigiar.

A noite estava chegando ao final, mas, após pouco mais de uma hora e quarenta e cinco minutos, ainda houve tempo para um único bis, que se constituiu em uma linda versão de "Focus III", a qual, enfim, encerrou uma apresentação que, embora não tão marcante quanto as duas anteriores em Porto Alegre (pelo menos no meu entender), compensou plenamente quem decidiu adiar a saída para o feriadão visando escutar belas composições de rock progressivo em um local perfeitamente adaptado para tal. O objetivo destes foi, graças ao Focus, plenamente atingido, ainda mais para aqueles que se dispuseram a esperar alguns minutos depois do final do show, os quais tiveram a oportunidade de encontrar com os músicos para uma sessão de autógrafos no hall do teatro! Se for para nos prestigiar com mais músicas deste naipe, e com a simpatia de Van Leer e seus comparsas, que voltem logo ao Brasil, e à Porto Alegre, mais uma vez!

"Oy-ororôe-ororôe-ororôe-ororôe-ororôe-ororô-pó-pó"

Momento da apresentação do Focus no Teatro do CIEE

Set list:

1. Focus I / Anonymous (trecho)
2. House Of The King
3. Aya-Yuppie-Hippie-Yee
4. Focus V
5. Eruption
6. Sylvia
7. Birds Come Fly Over (Le Tango)
8. All Hens on Deck
9. La Cathedrale de Strasbourg
10. Harem Scarem 
11. Flute Solo
12. Hocus Pocus 

Bis

13. Focus III

* Com agradecimentos ao pessoal da Abstratti pela atenção e cadastramento para a apresentação!

Discografia Comentada: Hellfueled


Por Micael Machado

O álbum No More Tears, lançado em 1991 por Ozzy Osbourne, é considerado um dos melhores trabalhos da carreira solo do lendário cantor inglês, além de ter consolidado a reputação de Zakk Wylde como um dos grandes guitarristas dos anos 1990, e servir de influência para muitos aspirantes a músicos em todo o mundo.

Quatro destes rapazes com certeza são os garotos suecos que formaram, em 1998, o Below, que depois mudaria de nome para Firebug. Com a formação estabilizada em Andy Alkman (vocal), Jocke Lundgren (guitarra), Henke Lönn (baixo) e Kent Svensson (bateria), o grupo gravou algumas demos e mudou novamente de alcunha (para Hellfueled, com o qual ficariam conhecidos daí por diante) antes de assinar com a gravadora Black Lodge e lançar seu primeiro disco em 2004. Chamando a atenção dos fãs de metal por causa da incrível semelhança da voz de Andy com a do Madman, e pelo estilo de Lundgren ser muito influenciado por Wylde, o grupo alcançou grande repercussão em sua estreia, e construiu uma carreira bastante interessante desde então.

Confira agora uma análise dos quatro lançamentos dos garotos originários da cidade de Huskvarna!

Volume One [2004]

Se este fosse um álbum da carreira solo de Ozzy Osbourne, com certeza seria um de seus melhores trabalhos. A abertura (com a veloz "Let Me Out") já deixa isso claro, com a guitarra soando ao melhor estilo Zakk Wylde (cheia dos bends e vibratos característicos do americano) e os vocais muito semelhantes aos de Ozzy (além de um pouco de órgão Hammond na melodia para deixar tudo ainda melhor - instrumento que ficou a cargo do renomado Fredrik Nordstrom, que ficou responsável pela produção do trabalho e ainda executa um solo de guitarra em "Eternal"). Faixas como "Someone Lives Inside", a citada "Eternal(com um trecho mais "viajante" lá pelo meio), "Rock´N´Roll" (um pouco mais cadenciada), "Hunt Me Down" (e seu fantástico riff) ou "Mindbreaker" poderiam estar em qualquer disco do Madman pós-No More Tears, e certamente seriam apontadas como destaques de tais álbuns. "Live My Life" (cujo riff inicial lembra "Rat Salad"), "Midnight Lady" (que ganhou um interessante vídeo clipe) e boa parte de "Break Free", apesar de rápidas, soam mais ao estilo dos primeiros discos do Black Sabbath, sendo que a segunda ainda gerou um EP que contém duas faixas inéditas e exclusivas (intituladas "Endless Work" e "Big Fat Eight"). Não fosse pela voz, a pesada (apesar de mais calma) "Sunrise" seria a que menos lembraria as composições da carreira solo do famoso comedor de morcegos, e o track list se completa com "Second Deal", que possui um riff repetitivo e muito atraente. Muitos não dão tanta atenção a este disco, acusando-o de ser uma mera cópia dos trabalhos do Madman pós-Sabbath, mas eu afirmo que este é justamente o maior atrativo deste play. Ouça e confira você mesmo!

Born II Rock [2005] 


Após tocar em grandes festivais europeus e abrirem para o Europe na turnê de reunião deste ícone do rock sueco, era hora de lançar o segundo disco da carreira do Hellfueled. Como em time que está ganhando não se mexe, Born II Rock repete o produtor Fredrik Nordstrom, e vem na mesma pegada da estreia do quarteto, como fica claro em um de seus maiores destaques, a faixa de abertura "Can't Get Enough" (que tem a bateria a cargo do engenheiro e co-produtor Patrik J Sten, que já havia executado percussão e backing vocals no registro anterior, além das mesmas funções técnicas), ou em canções como "Look Out" (que parece saída dos discos gravados pelo Madman na década de 1980, além de ter recebido um clipe promocional), "Friend" (que possui um trecho acústico em seu arranjo, com um violão flamenco a cargo do músico convidado Emil Pernblad, e nova participação de Nordstrom no órgão Hammond) ou a veloz "Old" (que possui um trecho mais cadenciado lá pelo meio). O peso e o timbre das guitarras em "Regain Your Cromne "Make It Home" chegam a lembrar algumas coisas do Black Label Society, assim como o riff inicial da faixa título e partes de "Girls Girls" e "Angel". "On The Run" é uma das faixas mais velozes da carreira dos suecos, e o track list é completado pela também veloz "I Don't Care", onde a guitarra de Lundgren (assim como em quase todo o álbum) é o destaque, apesar de soar como se executada por Zakk Wylde. Born II Rock é a sequência natural de Volume One, e as acusações de que o Hellfueled era pouco mais que uma mera cópia da carreira solo de Ozzy Osbourne não diminuíram nem um pouco por causa deste registro, sendo que, a meu ver, isso não constitui nenhum problema!

Hellfueled: Jocke Lundgren, Henke Lönn, Andy Alkman e Kent Svensson

Memories In Black [2007]

Parece que as constantes acusações (nem um pouco infundadas) citadas na última linha do texto acima começaram a incomodar os membros do Hellfueled após o segundo disco. Ao menos, é esta a impressão que se tem após ouvir seu terceiro registro, onde o conjunto se afasta um pouco do estilo "Madman" de compor, pisa um pouco no freio e injeta muitas doses de melodias nas doze faixas do play (que novamente contou com Fredrik Nordström na produção). A abertura com "Rewinding Time" chega a ser até um pouco chocante, pois mesmo a característica voz de Andy soa diferente (um pouco mais grave), não parecendo mais uma simples imitação do estilo do ex-cantor do Black Sabbath. As linhas de guitarra também não parecem mais tão derivadas de Zakk Wylde (embora o peso ainda seja digno de um Black Label Society), e o órgão Hammond (desta vez a cargo do músico convidado Mattias Bladh, que também executa o instrumento em outras músicas do disco) tem uma presença marcante. A viajante e psicodélica "Again" (que novamente apresenta o engenheiro/co-produtor Patrik J Sten nos backing vocals), apesar de alguns trechos mais pesados no refrão, nem parece ter sido gravada pela mesma banda dos discos anteriores, assim como a pesada "Queen Of Fire" (bastante "arrastada" para os padrões dos suecos) ou a oitentista "Down" (e seu marcante refrão). Lembrando muito a primeira fase do Sabbath com Ozzy (apesar do vocal não apresentar tanta semelhança quanto antes), "Sky Walker" se encaixa muito bem sob o rótulo de stoner metal, estilo que também dá as caras em "Face Your Demon" (outra composição com destaque para o Hammond) e na excelente "Master Of Night", onde os vocais de Andy apresentam alguns efeitos bastante interessantes (confira uma versão ao vivo desta faixa aqui). É claro que alguns resquícios do passado ainda dão as caras no álbum, principalmente nos riffs de "Warzone", "Slow Down" ou da agitada "Search Goes On" (que poderiam facilmente estar em um disco do Black Label Society), assim como em partes da veloz "Right Now", que contém na letra a frase que dá título ao play, ou ainda em trechos de "Monster" (cuja condução é bem "marcada"), música que conta com o consagrado Snowy Shaw (Mercyful Fate, Dream Evil, Therion) nos backing vocals. Algumas edições, como a versão nacional (distribuída no país pela Hellion Records, assim como os registros anteriores), apresentam ainda duas faixas bônus, a agitada "Song For You" (que também tem uma pegada Stoner em seu arranjo) e "5 am", talvez a que mais se pareça com a carreira solo de Ozzy no disco (até a voz de Andy soa diferente das demais canções, aqui ficando mais próxima do registro do Madman). Um disco diferente dos anteriores, mas não menos interessante. (nota do redator: não consegui encontrar links adequados para as faixas deste álbum, mas você pode ouvir um pequeno trecho de cada canção aqui, se desejar)

Emission Of Sins  [2009] 


Apesar da troca de produtor (quem assume os botões agora é Rikard Löfgren), este disco continua do mesmo ponto onde o anterior parou. Se o vocal volta a apresentar muitas semelhanças com o do nosso amado comedor de morcegos (como na "quase" faixa título "A Remission Of My Sins", outra que parece saída da carreira solo do Madman, ou na marcante "Where Angels Die", que abre os trabalhos e se configura em um dos destaques do track list), Lundgren continua, em boa parte o tempo, se afastando da pecha de "cópia" de Zakk Wylde, acrescendo ainda mais melodia a suas linhas de guitarra, sem, no entanto, se esquecer do peso. São assim "Am I Blind", "Save Me" (que possui um belo refrão), "For My Family And Satan" (com uma linha vocal bem "viajante"), "Stone By Stone" (com um riff bem marcante) e "End Of The Road", talvez a mais melódica de todas, e que possui um dos melhores solos de guitarra deste registro. "In Anger" (que ganhou um vídeo clipe) tem um inegável apelo radiofônico, onde a voz de Andy apresenta uma mistura do estilo dos primeiros discos com o do registro anterior, dependendo do trecho da canção, enquanto "I Am The Crucifix" (outra que mereceu um clipe) possui um breve trecho de canto gregoriano em sua introdução e muito peso nos riffs (que voltam a remeter ao Black Label Society, assim como o começo de "Lost Forever", que depois ganha um tom mais melódico em seu arranjo), com o track list sendo encerrado pela instrumental "Moving On", onde o destaque vai todo para a guitarra de Jocke Lundgren. É interessante notar que algumas músicas possuem um vocal "narrado" e meio sombrio em certos trechos, mas, como este álbum não teve lançamento nacional e não consegui encontrar maiores informações a este respeito, não posso confirmar quem é o autor dos mesmos. Um disco no mínimo do nível do anterior, e que merecia mais reconhecimento por parte dos fãs do grupo.

Kent Svensson, Henke Lönn, Jocke Lundgren e Andy Alkman

Não encontrei nenhum registro que afirme que a banda tenha encerrado suas atividades, mas o certo é que o site do conjunto se encontra fora do ar, e a própria página oficial do Hellfueled no facebook já há algum tempo tem dedicado seu espaço ao Firegod Mountain, grupo que Andy Alkman e Jocke Lundgren integram desde 2012, e que se prepara para lançar seu primeiro registro (sendo que algumas faixas já estão disponíveis para audição no youtube). Resta saber se os dois principais destaques desta quarteto sueco vão se dedicar exclusivamente a esta nova empreitada daqui em diante, ou se ainda teremos chances de ver o Hellfueled no palco e nos estúdios em um momento futuro. Isso, só eles mesmos podem responder!

Cinco discos para conhecer: Matt Cameron


Por Micael Machado

Matthew David Cameron nasceu em San Diego, California, a 28 de novembro de 1962, e começou a tocar bateria muito cedo na infância, chegando a integrar uma banda de covers do Kiss quando tinha apenas treze anos. Em 1983, mudou-se para Seattle, onde passou a integrar o Skin Yard (ao lado do hoje famoso produtor Jack Endino), uma das primeiras bandas a executar uma sonoridade próxima ao que depois viria a ser chamado de grunge. Pouco após o lançamento do primeiro álbum do grupo, em 1987, saiu para juntar-se ao Soundgarden, onde permanece até hoje, o que não o impediu de realizar alguns trabalhos paralelos e até ser membro permanente de outro ícone da cena de Seattle.

Conheça agora cinco indicações para iniciar-se na arte e na musicalidade deste excelente baterista, Matt Cameron!

Soundgarden - Badmotorfinger [1991]

Podem haver outros discos do Soundgarden onde o desempenho de Cameron seja mais versátil ou influente, mas não vou me furtar de citar o meu álbum favorito do conjunto nesta matéria. Afinal, é aqui que se encontram clássicos do porte de "Rusty Cage", "Outshined", "Jesus Christ Pose" e "Searching with My Good Eye Closed" (as quais certamente estão nas listas de "favoritas" de qualquer fã do quarteto de Seattle), além da pesada "Slaves & Bulldozers", da quase punk "Face Pollution" e da marcada "Holy Water". A estreia do baixista Ben Shepherd trouxe uma sonoridade mais pesada e arrastada para o grupo, diferente do estilo menos direcionado e mais improvisado de seus primeiros registros. Neste disco, que ficou entre os 100 mais vendidos do ano de 1992, Matt Cameron é co-autor da citada "Jesus Christ Pose", de "New Damage" e de "Room a Thousand Years Wide" (primeira faixa gravada por Ben junto ao grupo), além de ter composto a agitada "Drawing Flies", uma das duas a apresentar trechos tocados ao saxofone no disco, junto com a anterior. Um dos melhores registros já lançados sob o rótulo do "grunge", e uma excelente porta de entrada para conhecer tanto o Soundgarden como a carreira de seu baterista!

1. "Rusty Cage" 
2. "Outshined" 
3. "Slaves & Bulldozers" 
4. "Jesus Christ Pose" 
5. "Face Pollution" 
6. "Somewhere"
7. "Searching with My Good Eye Closed" 
8. "Room a Thousand Years Wide"
9. "Mind Riot"  
10. "Drawing Flies" 
11. "Holy Water"  
12. "New Damage" 

Temple of the Dog - Temple of the Dog [1991]  

O guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament eram membros do Mother Love Bone, grupo cujo vocalista, o carismático Andrew Wood, viria a falecer vítima de uma overdose. O vocalista do Soundgarden, Chris Cornell, que dividia um apartamento com Wood, tomou a decisão de gravar algumas de suas composições em tributo ao falecido amigo, chamando para a empreitada os citados ex-membros do antigo grupo do cantor, que estavam à época trabalhando em um novo projeto ao lado do guitarrista Mike McCready, também convidado a participar do álbum. Matt Cameron também se juntou à turma, visto que já tocava com Cornell no Soundgarden, e havia ajudado os outros três na gravação da demo instrumental de sua nova banda (a qual chegaria às mãos do surfista Eddie Vedder na distante San Diego, e acabaria por colocá-lo como vocalista da nova empreitada de Gossard e Ament). Tendo a maioria das composições a cargo de Cornell, o disco resultante desta união de colegas pesarosos acabou se tornando um clássico do então iniciante "grunge", ajudando a consolidar este estilo musical, associado sem muitos critérios à quase todas as bandas de Seattle surgidas no começo da década de 1990, além de marcar um dos melhores desempenhos vocais de Chris Cornell em toda a sua carreira. Vedder, recém chegado à chuvosa Seattle, participa de apenas uma música, "Hunger Strike", o maior destaque no track list, ao lado da tristonha "Say Hello 2 Heaven", da empolgante "Pushin Forward Back" e da longa e pesada "Reach Down". O restante das composições tem um ritmo mais lento e até depressivo, como não poderia deixar de ser visto a tragédia que levou à concepção do disco. Uma curiosidade é que a faixa "Times of Trouble" possui a mesma melodia de "Footsteps", um B-Side gravado pelo Pearl Jam, mas com letra e métricas vocais completamente diferentes. O Temple of the Dog é um dos projetos paralelos mais lembrados pelos fãs de música, e seu único disco acabou virando um item cultuado pelos fãs das bandas de Seattle, além de funcionar como uma espécie de pontapé inicial para a carreira do Pearl Jam, que conseguiria o sucesso já na sua estreia, lançada no mesmo ano!

1. "Say Hello 2 Heaven"
2. "Reach Down"
3. "Hunger Strike"
4. "Pushin Forward Back"
5. "Call Me a Dog"
6. "Times of Trouble"
7. "Wooden Jesus"
8. "Your Saviour"
9. "Four Walled World"
10. "All Night Thing"

 Geddy Lee - My Favorite Headache [2000]

Criado ao lado do guitarrista Ben Mink (que chegou a participar como convidado em algumas gravações do grupo Rush), o primeiro (e até agora único) álbum solo do vocalista, baixista e tecladista do trio canadense não trouxe uma sonoridade tão diferente assim de sua banda original (principalmente nos álbuns gravados após o ao vivo A Show Of Hands), até por manter a formação que executa as músicas em um formato de trio, completado (exceto em uma faixa, "Home on the Strange", onde as baquetas ficaram a cargo de Jeremy Taggart) pela excelente bateria de Cameron, que pode aqui mostrar um lado mais progressivo de sua técnica. Se os holofotes se voltam todos ao "dono da bola" Geddy, Matt, por sua vez, executa um trabalho seguro, sem querer copiar Neil Peart (o mestre das baquetas do grupo principal de Lee), mas mostrando bastante coesão e capacidade de variação de estilos. Confira a faixa título, "The Present Tense" (que não tem nada a ver com a faixa de mesmo nome gravada pelo Pearl Jam), "Working at Perfekt", "Moving to Bohemia" ou "Slipping" e veja como Matt consegue se adaptar perfeitamente a composições bem diferentes do estilo do Pearl Jam ou do Soundgarden. Agora, se você não gosta destas bandas, mas é fã de Rush, não deixe de conferir o disco inteiro, pois a capacidade criativa de Geddy estava elevada, e o álbum chega a ser melhor que muitos registros do consagrado trio canadense, sem soar "estranho" aos já cativos de sua sonoridade. Altamente recomendado!

1. "My Favorite Headache"
2. "The Present Tense"
3. "Window to the World"
4. "Working at Perfekt"
5. "Runaway Train"
6. "The Angels' Share"
7. "Moving to Bohemia"
8. "Home on the Strange"
9. "Slipping"
10. "Still"
11. "Grace to Grace"

Wellwater Conspiracy - The Scroll And Its Combinations [2001] 

O Wellwater Conspiracy talvez seja o projeto onde Cameron mais demonstrou seu lado "músico" na carreira. Atuando como compositor e vocalista principal, ele aparece nos discos do duo trocando instrumentos o tempo todo com seu colega John McBain (ex-guitarrista do Monster Magnet). Neste terceiro registro da dupla, Matt, além dos vocais e da bateria, ainda responde por guitarras e teclados em faixas como os covers garageiros das obscuras bandas Q65 ("I Got Nightmares", cuja melodia vocal lembra "Boris the Spider", do The Who) e Morgen ("Of Dreams"), esta última um dos destaques do track list, ao lado de "Felicity's Surprise(que poderia muito bem se passar por uma faixa do Pearl Jam, até porque conta com a voz do cantor do grupo, Eddie Vedder, aqui creditado como Wes C. Addle, por questões legais), a agitada "What Becomes Of The Clock" (que tem nos vocais o produtor Gerry Amandes) e "Tidepool Telegraph", que tem um pouco da psicodelia do antigo grupo de McBain misturado com algo de Queens of the Stone Age. O baixista do Soundgarden, Ben Shepherd (que era o vocalista original do Wellwater Conspiracy) participa da instrumental "Keppy's Lament", e o guitarrista Kim Thayil (também do Soundgarden) aparece em duas composições, a "estranha" balada "C, Myself and Eye", que tem algo do citado grupo de Seattle em seu arranjo, e "The Scroll", mais psicodélica. "Tick Tock 3 o'clock" (que me lembra o Pink Floyd de Sid Barrett) conta com várias participações especiais em instrumentos como saxofone, cello e viola (tocada pela esposa de Matt, April Cameron), e o track list é completado pela esquizofrênica "Now, Invisibly", com seu ritmo quebrado, e pela instrumental (e "estranha") "Brotherhood Of Electric". Um álbum que mostra um lado bastante diferente de Cameron, e que merece uma conferida.

1. "Tidepool Telegraph"
2. "I Got Nightmares"
3. "C, Myself and Eye"
4. "Tick Tock 3 O'Clock"
5. "What Becomes of the Clock"
6. "Felicity's Surprise"
7. "Now, Invisibly"
8. "Of Dreams"
9. "Brotherhood of Electric"
10. "The Scroll"
11. "Keppy's Lament"  

 Pearl Jam - Riot Act [2002]

Apesar de meu álbum favorito do PJ com Cameron ser o de estreia do baterista no grupo (Binaural, de 2000), Riot Act é aquele que conta com a participação mais efetiva de Matt na carreira do quinteto, assumindo aqui grande parte dos backing vocals (função que exerceria cada vez mais nos discos e apresentações da banda nos anos futuros) e até algumas partes de guitarra ritmica, além de contribuir como compositor de três faixas ("Cropduster", "You Are" e "Get Right") e de ser co-autor de "Save You", uma das mais lembradas pelos fãs do grupo de Seattle neste registro, ao lado de "I Am Mine", "Love Boat Captain" e "Green Disease". Com uma sonoridade mais calma em muitas das composições, este não é um dos discos preferidos de muita gente, mas é um trabalho de bastante qualidade, chegando a ficar no primeiro lugar das paradas australianas e em segundo na Itália. Matt também sugeriu o produtor Adam Kasper, que já havia trabalhado com ele tanto no Soundgarden quanto no Wellwater Conspiracy, o que provou ser uma boa escolha para o álbum e para o grupo, tanto que ele produziria também o auto-intitulado registro de 2006 (o popular "disco do abacate"). Além disso, Riot Act é o primeiro registro do grupo a apresentar o tecladista Kenneth "Boom" Gaspar, o qual se mantém na formação até hoje!

1. "Can't Keep"
2. "Save You"
3. "Love Boat Captain"
4. "Cropduster"
5. "Ghost"
6. "I Am Mine"
7. "Thumbing My Way"
8. "You Are"
9. "Get Right"
10. "Green Disease"
11. "Help Help"
12. "Bu$hleaguer" 
13. "½ Full"
14. "Arc"
15. "All or None" 


Além das bandas e projetos citados, Matt Cameron ainda trabalhou com os grupos Tone Dogs e Harrybu McCage (dois projetos com sonoridades influenciadas pelo jazz, o que dá uma ideia da dimensão da musicalidade do baterista), além do "garageiro" Hater (onde atua ao lado do baixista Ben Shepherd). Ele ainda participou de gravações de muitos outros grupos, como Queens of the Stone Age (do qual chegou a ser baterista por um show), Smashing Pumplins (nas sessões para o álbum Adore, embora apenas "For Martha" conte com sua contribuição na seleção final escolhida para o track list), Prodigy, Tony Iommi, Peter Frampton e Chris Cornell, sempre como convidado, tendo também contribuído para a trilha sonora do filme "Homem Aranha", de 2002 (com Tobey Maguire no papel principal). Uma carreira impressionante, de um baterista com um talento maior ainda!

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Review Exclusivo: Inocentes (Porto Alegre, 14 de abril de 2014)


Por Micael Machado


Foi lá por 1987 ou 1988 que um amigo meu apareceu em Pedro Osório (cidade do interior do RS onde eu morava à época) com os vinis do EP Pânico em SP e do LP Adeus Carne, de uma banda de São Paulo chamada Inocentes. Eu, já conhecedor do punk rock através de audições de discos de bandas como Ramones, Dead Kennedys, Sex Pistols e outros, fui logo conferir aquelas preciosidades (à época, era muito difícil conseguir um vinil de banda nova, geralmente só se fosse emprestado de algum parente que morasse na capital). Foi amor à primeira "orelhada", e faixas como "Ele Disse Não", "Pátria Amada" e "Pânico em SP" entraram para a galeria de "clássicos" do meu repertório roqueiro. Depois viriam os discos Miséria e Fome e Inocentes (com os músicos nus na foto de capa, algo que sempre achei meio constrangedor), os últimos que acompanhei logo no lançamento. O grupo embarcou no mundo dos registros independentes, eu embarquei na audição de outros sons, e nossos caminhos se afastaram um pouco.

De lá para cá, muita coisa aconteceu: o grupo lançou mais alguns discos, na maior parte do tempo com Clemente (voz e guitarra) e Ronaldo (guitarra) à frente, hoje acompanhados por Nonô (bateria) e Anselmo (baixo). Clemente virou guitarrista e segundo vocalista da Plebe Rude (um dos mais importantes grupos do punk de Brasília, estando presente no início do movimento ao lado do Aborto Elétrico), e até se envolveu com a televisão, tendo sido diretor artístico do saudoso MuSiKaOs e apresentador do Estúdio Showlivre, além de ganhar o respeito de todos os envolvidos com o rock nacional pelo apoio a bandas tanto consagradas quanto do underground nos programas por onde passou. O próprio Inocentes ganhou uma enorme exposição (principalmente no Sudeste do país) com a faixa "Cala a Boca", do disco Embalado a Vácuo, de 1999, e continuou rodando constantemente pelos palcos do Brasil inteiro.

Menos os de Porto Alegre, que nunca haviam recebido um show da banda até esta segunda-feira, 14 de abril, quando o quarteto aportou no Opinião para participar do projeto Segunda Maluca, como parte da turnê de divulgação de seu novo disco, Sob Controle, lançado no final do ano passado. Com ingressos a preços bastante acessíveis, foi incompreensível o reduzido número de espectadores que se reuniram na melhor casa de shows da capital gaúcha para prestigiar uma verdadeira lenda do punk rock nacional, ainda mais que a abertura seria realizada por outro grupo lendário do estilo, o gaúcho Pupilas Dilatadas.

Pupilas Dilatadas no palco do Opinião

Completando trinta anos de estrada em 2014, este trio (hoje formado por Felipe Messa na guitarra e vocal, Rogério Bittencourt na bateria e Leonardo Duprates no baixo) entrou em cena pouco depois das 22:30h para, em pouco mais de trinta minutos, detonar um punk com traços de hardcore que empolgou os poucos aventureiros que já se encontravam no local. Misturando composições mais antigas (como "Porões e Garagens", "Psicose", " Maníaco Depressivo" e "Obsessão") com canções a serem lançadas em seu próximo registro (previsto para sair ainda no primeiro semestre deste ano), como "Noite Hardcore" e "Síria" (que tem Leonardo nos vocais principais em dueto com Felipe), o grupo deu o seu recado de forma competente, e ajudou a esquentar aqueles que enfrentaram a fria noite de outono gaúcho para conferir o som da banda.

Inocentes no Opinião

Passava das 23:30h quando a voz de um locutor soou no sistema de som, anunciando o início do show dos Inocentes. O grupo, que já estava posicionado no palco, começou sem enrolações, mandando a clássica "Rotina" logo de cara. A partir daí, foram pouco mais de setenta minutos de muito suor, pogo e diversão pelas dependências do Opinião. Misturados a músicas mais "recentes", como "A Cidade Não Para", "Desequilíbrio" (onde o baixo apresentou um pequeno problema, logo resolvido), e a própria "Cala a Boca" (onde Clemente, antes de tocar a canção, respondeu de forma bem divertida a um fã que berrava a todo pulmão o nome da música, usando a frase "seu mal educado, sou mais velho que você", como se o sujeito estivesse mesmo mandando o vocalista se calar) ou a covers como "Restos de Nada" (do grupo de mesmo nome, onde o vocalista foi baixista nos anos 1980), "Franzino Costela" (do Sex Noise) e a conhecida "São Paulo" (do 365), clássicos do porte de "Garotos do Subúrbio", "Miséria e Fome", "Expresso Oriente" e (principalmente) "Pátria Amada" (anunciada por Clemente como "uma música que Raul Seixas gravou quando eu tinha quinze anos", e onde a banda fingiu que se retiraria do palco logo depois da introdução, sendo então chamada de volta em coro pelo pessoal) e "Ele Disse Não" me fizeram voltar à adolescência, e ao meu velho quarto na casa dos meus pais, onde ouvia estas canções sempre que podia.

Momento da apresentação dos Inocentes

Antes de "Intolerância", Clemente vocifera que "existe um câncer corrompendo a sociedade, chamado neonazismo", e grita em alto e bom som: "foda-se o neonazismo!". Já em "Não Acordem A Cidade", Nonô saiu de sua bateria e veio à frente do palco, onde ficou tocando percussão no braço da guitarra de Ronaldo por um bom tempo. Estas foram poucas das atrações "extra-musicais" do show, mais focado na execução com garra e "sangue nos olhos" de músicas marcantes e extremamente importantes para o punk rock nacional, com o evidente carisma de Clemente contagiando a todos, e os incansáveis Ronaldo e Anselmo sempre se movimentando muito pelo palco, com Nonô segurando tudo lá atrás na base da porrada nas peles e pratos (com a sonoridade geral sendo de excelente qualidade, como é praxe no Opinião)!

Nonô tocando percussão na guitarra!

A mais que clássica "Pânico em SP" encerrou a primeira parte da apresentação, e, a partir daí, foi só festa no opinião, com o grupo interpretando dois covers do Clash para terminar de vez com a noite ("Should I Stay Or Should I Go" e "I Fought The Law"). Mas o pessoal não queria que eles fossem embora, então voltaram para tocar "Blitzkrieg Bop", dos Ramones, e "Ace Of Spades", do Motörhead (com Clemente sofrendo para imitar o timbre de Lemmy Kilmister), encerrando, aí sim, uma apresentação muito mais do que "agradável", para citar a expressão que o locutor utilizou ao introduzir o grupo e também ao encerrar a festa!

Foi uma noite para ficar na memória, em especial porque tive a oportunidade de encontrar os músicos no camarim, e agradecer pessoalmente por tantos anos de boa música e dedicação à causa do bom e velho punk rock. Que não demorem mais trinta anos para voltar à cidade, pois aqueles de nós (os "poucos e maus", como fomos chamados por Clemente à certa altura do show) que comparecemos ao local não merecemos esperar mais tanto tempo por uma noite como esta! Salve, salve-se quem puder!


Este que vos escreve com Clemente (acima) e os demais membros dos Inocentes (abaixo)

Set List:

1. Rotina
2. A Cidade Não Para
3. Garotos do Subúrbio
4. Desequilíbrio
5. Restos de Nada
6. Ele Disse Não
7. Medo De Morrer
8. 4 Segundos
9. São Paulo
10. Miséria e Fome
11. Intolerância
12. Expresso Oriente
13. Não Acordem A Cidade
14. Franzino Costela
15. Cala a Boca 
16. Pátria Amada
17. Pânico em SP
18. Should I Stay Or Should I Go
19. I Fought The Law

Bis:

20. Blitzkrieg Bop
21. Ace Of Spades

sábado, 12 de abril de 2014

Neil Young - A Autobiografia [2012]


Por Micael Machado

Apesar do título, esta não é a autobiografia de Neil Percival Young, mas sim um apanhado de memórias acumuladas pelo bardo canadense ao longo de seus (à época) 65 anos muito bem vividos, a julgar pelo que ele conta. Escrito (durante mais ou menos um mês, sem interrupções, pelo menos do que se apreende da leitura) um pouco em sua fazenda no norte do estado da California, e outro tanto durante uma estadia em sua casa no Havaí, o livro traz Neil relembrando fatos de sua jornada nesta existência (sem nenhuma ordem cronológica específica), bem como muitas reflexões sobre suas crenças pessoais, medos e incertezas, tudo narrado de uma forma bastante informal e descontraída, o que faz com que, raramente, tenhamos vontade de largar a leitura no meio.

Ao longo das páginas, Young vai narrando o processo de criação e/ou gravação de certas canções ou álbuns de sua carreira (não todos, infelizmente), sem se aprofundar muito no lado "técnico" da coisa, mas sempre enfatizando o lado "humano" dos que participaram das sessões, e de como eles o ajudaram a "montar" seu legado musical. Há muitas referências às suas primeiras bandas (os Squires e os Mynah Birds, ainda no Canadá, e a Buffalo Springfield, ja nos EUA), e alguns detalhes sobre os grupos que lhe acompanharam ao longo dos mais de cinquenta discos que lançou em carreira solo (e também daqueles que ficaram engavetados), enfatizando, claro, a Crazy Horse, sua banda de apoio mais constante.

Há também muito do Young esposo e pai de família, suas dúvidas e incertezas neste papel, e do amor que ele sente pela família que criou, especialmente por seus filhos homens, Zeke (que sofre de de paralisia cerebral) e Ben Young (que nasceu tetraplégico e depende constantemente de terceiros para sobreviver). Os medos e aflições do compositor também aparecem nas páginas do livro, especialmente depois de ele ter enfrentado a possibilidade de morrer por pelo menos três vezes, sendo salvo pela providência de conseguir contar com bons médicos sempre que precisou (sendo que sua esposa Pegi também sobreviveu a uma delicada operação cerebral ao longo do caminho).

Vista de duas das páginas do livro

No decorrer do texto, Neil fala de muitos dos músicos que cruzaram seu caminho, e recorda com carinho aqueles que não estão mais neste plano, especialmente o guitarrista original da Crazy Horse, Danny Whitten, e o multi-instrumentista Ben Keith, braço direito do cantor por quase quarenta anos. Há também trechos tocantes dedicados a produtores, empresários, amigos e empregados que também partiram da vida do canadense, seja por circunstâncias da estreada, seja permanentemente.

Ainda constam no livro alguns trechos que eu, pessoalmente, achei mais entediantes, como aqueles onde Neil divaga sobre sua paixão pelos trens em miniatura, seus (muitos) carros (especialmente o Lincvolt, um Lincoln Continental 1959 adaptado para funcionar com um motor elétrico), e sua obstinação em conseguir uma boa qualidade sonora para suas gravações, especialmente nos muitos capítulos e parágrafos que dedica ao Puretone (nome depois alterado para Pono), um sistema de reprodução de arquivos digitais que, garante o cantor, tem uma capacidade sonora muitas vezes superior à do CD ou à do mp3. Ao final do livro, Neil ainda tentava um financiamento para colocar o projeto deste sistema em prática, algo que ainda esperamos acontecer enquanto escrevo este texto.

Algumas vezes ao longo das linhas escritas, Young reclama de uma espécie de "bloqueio criativo" que ele sentia para compor (o qual ele creditava ao fato de ter parado simultaneamente de beber e de fumar maconha), e de que este foi um dos motivos que o levaram a escrever esta obra. Se foi mesmo por isso, o tal bloqueio gerou um belo texto (embora o mesmo possa decepcionar quem espere uma biografia nos moldes mais tradicionais, especialmente porque muitos assuntos interessantes de sua carreira sequer são mencionados), e a escrita do livro parece ter ajudado Neil, que pouco depois de seu lançamento gravaria não um, mais dois álbuns ao lado da Crazy Horse: Americana (só de covers do cancioneiro norte-americano) e o duplo Psychedelic Phill (que eu considerei um dos melhores trabalhos daquele ano). 

Capa e contracapa do livro

Que a estrada seja ainda longa para o bardo, e que ela traga mais textos de sua lauda, complementando os aspectos que este deixou de fora! Aguardemos!

terça-feira, 8 de abril de 2014

Review Exclusivo: Guns And Roses (Porto Alegre, 03 de abril de 2014)


Por Micael Machado

Desde a primeira vez em que ouvi "Sweet Child O'Mine" no rádio, foram quase vinte e cinco anos de espera até poder estar presente em um show com Axl Rose sobre o palco. Tudo bem que tive uma outra oportunidade em 2010, mas, naquela data, por uma infeliz "birra" entre promotores locais (ao que se comenta até hoje), havia uma apresentação do Dream Theater em outro local da cidade, e optei por prestigiar John Petrucci e companhia, naquela que viria a ser a última turnê do baterista Mike Portnoy com o grupo. Em muito por causa disso, não me arrependo de minha decisão, mas até a última quinta feira, três de abril (data em que o grupo realizou a sétima apresentação brasileira de sua atual turnê sul-americana) o fato de eu, conscientemente, ter abdicado de assistir a uma apresentação do Guns And Roses ainda me doía na consciência.

Sou um fã do grupo há muito tempo, como coloquei acima. A primeira camiseta de uma banda de rock que eu tive estampava a famosa cruz com as caveiras dos integrantes originais, em arte que foi uma espécie de "logo" do grupo por um bom tempo. Foi por causa do Guns que acabei ouvindo mais grupos de heavy metal e hard rock, e foi por causa disto, tenho certeza, que estou aqui hoje escrevendo estas linhas. Não fosse pela música de Axl e seus colegas, e eu poderia muito bem estar ouvindo o pop inofensivo de FM que eu curtia quando tinha meus treze ou quatorze anos! Deus me livre! Já havia assistido a um show de Duff McKagan em Porto alegre, e ouvido uma apresentação de Slash na mesma cidade (pois assistir à mesma foi quase impossível, como relatei aqui). Visto que Izzy Stradlin dificilmente algum dia virá de novo para estes lados (ele tocou apenas na primeira apresentação do grupo no Brasil, no Rock In Rio de 1991), e Gilby Clarke, Steven Adler e Matt Sorum nunca foram assim tão importantes para mim, da formação "clássica" faltava apenas o chefão Axl para eu conferir "in loco". Tendo a seu lado três guitarristas (Richard Fortus, Bumblefoot e DJ Ashba, este o membro mais recente da trupe, estando no grupo desde 2009) e dois tecladistas (Chris Pitman e Dizzy Reed, único que chegou a participar da famosa turnê de promoção aos dois discos Use Your Illusionque durou de 1991 a 1993, e que está no Guns desde então), além do baixista Tommy Stinson e do baterista Frank Ferrer, o vocalista repetia a mesma formação que tocou na cidade há quase quatro anos, desmentindo um pouco a pecha de "banda de aluguel" que muitos aplicam ao Guns And Roses atual.

O problema é que, desta vez, o local escolhido para o espetáculo foi o longínquo, inapropriado e inadequado pavilhão da Fiergs, uma das piores opções existentes na capital gaúcha para um evento deste porte. Se em 2010 a apresentação foi no estacionamento da Federação das Indústrias do RS, desta vez o grande publico presente (quase quinze mil pessoas) teve de ficar em um local fechado que é pouco mais que um galpão, não tendo o mesmo sido projetado para este tipo de concerto. Muito por causa disto, fiquei duas horas retido no congestionamento tentando chegar ao local, e mais uma hora em pé na (lenta e aparentemente interminável) fila tentando entrar no pavilhão (havia apenas uma fila para todos os setores, com o pessoal sendo conduzido aos seus locais apenas depois da revista). Quando consegui finalmente me juntar às muitas pessoas que já estavam localizadas na pista, já perto das 21h (horário indicado para início da apresentação), a banda de abertura (a gaúcha Gunport, que, ao que soube, tocou vários clássicos do hard rock e do heavy metal para esquentar o pessoal, além de músicas próprias) estava terminando seu show, e muitas outras pessoas ainda aguardavam lá fora por uma chance de adentrar o pavilhão. Do ponto onde acabei ficando, no começo da pista "comum", a visão do palco era dificultada por uma estrutura montada para a mesa de som bem na divisa entre a pista VIP e a "dos pobres", pelos próprios pilares da estrutura do local, e até por banheiros químicos colocados no meio da pista VIP (!), para que quem lá estivesse não precisasse sair do local e ir aos toaletes colocados no fundo da pista comum (e dane-se quem quisesse ver algo). Realmente, este não era o melhor local para este espetáculo...

O Guns And Roses no palco do Fiergs, em Porto Alegre

Para dar tempo de todos os que estavam na longa fila chegarem às pistas (suponho eu), a apresentação acabou atrasando em quase uma hora e meia, e, perto das 10:30h, os telões se acenderam e o octeto entrou em cena, após uma intro instrumental, com "Chinese Democracy", faixa título do polêmico disco de 2008, a qual soou muito melhor ao vivo, mas não provocou muita comoção no pessoal, que preferiu pular, berrar ou filmar/fotografar o "evento" do que curtir o som. Já nesta faixa, deu para notar que não teríamos as pirotecnias de outros shows da turnê, acredito eu que por questões de segurança devido ao fato da apresentação ocorrer em um lugar fechado (em mais um prejuízo proporcionado a nós pela produção do evento, ao escolher este recinto), e que os dois telões laterais e os vários no fundo do palco mereceriam tanta atenção quanto o que ocorria sobre o palco, este de difícil visualização, em muito devido à sua baixa estatura - a coisa melhorava bastante quando Axl ou um dos outros músicos subia nos retornos, mas, se eles ficassem no "chão", era muito difícil vê-los. A festa começou mesmo, pelo menos para a maioria do público, quando DJ Ashba puxou o primeiro riff de "Welcome To The Jungle", que foi cantada quase em uníssono pelo enlouquecido público, que ainda recebeu na sequência as clássicas "It’s So Easy" e "Mr. Brownstone" para não deixar a adrenalina baixar.

A partir daí, foram muitos os pontos altos. Quase todos os que estavam lá hão de citar "Sweet Child O’ Mine" (a que mais levantou o publico e que teve a letra mais cantada, ou berrada no caso) como o melhor momento, mas, para mim, nada superou "Estranged", uma de minhas favoritas na discografia do grupo, interpretada à perfeição, emocionante o tempo todo, especialmente no solo ao piano de Dizzy, o qual alguns babacas preferiram não escutar para ficar batendo papo animadamente (por quê será que algumas pessoas acham que música/partes mais lentas/emotivas são sinônimo de "licença para papear" e não precisam ser escutadas?). Nem mesmo "Rocket Queen", minha faixa preferida do Guns, conseguiu me animar mais do que a faixa registrada no "disco azul" dos Use Your Illusion, e até manjada "November Rain", que por muito tempo eu considerava que já havia "enchido o saco", foi outra que me tocou bastante, bem como a inesperada "Don’t Cry" (outra onde o público soltou a voz com vontade) e a clássica "Patience" esta uma das melhores baladas do grupo.

Axl Rose ao piano em "November Rain"

Claro que hits do porte de "Live and Let Die", "You Could Be Mine", "Knockin’ On Heaven’s Door", "Nightrain" e a inesperada "Used to Love Her" (tocada pela primeira vez durante esta turnê brasileira) fizeram o pessoal vibrar muito, mas algumas músicas do disco mais recente (especialmente a sequência "Catcher in the Rye" e "Shackler's Revenge") foram completamente ignoradas pelo pessoal, bem como a cover para "Nice Boys" (presente no disco Lies, de 1988) e vários dos bons momentos solos dos músicos "coadjuvantes": Dizzy com um belo número ao piano, Richard Fortus com um lento blues instrumental que remeteu ao Led Zeppelin, Bumblefoot e DJ Ashba com uma lindíssima versão instrumental para "Baby, I'm Gonna Leave You", que ficou imortalizada na versão registrada no primeiro disco do mesmo Led, Tommy Stinson no baixo e vocais da cover para "Holidays in the Sun", dos Sex Pistols (que ficou com uma cara e atitude bem punk, como deveria ser) e, novamente, Bumblefoot, com um tema de sua autoria ("Abnormal", onde pode soltar a voz com vontade) e o famoso "Tema da Vitória" associado ao inesquecível Ayrton Senna, como já havia feito em outros shows desta excursão, em um dos poucos "momentos solos" que foi muito bem recebido pela multidão. 

Estes muitos trechos onde Axl aproveitava para se ausentar do palco podem ser o segredo para a boa performance do vocalista durante o show. Todas as resenhas que li durante anos falando que a voz do cantor estava arruinada para sempre foram plenamente desmentidas nesta noite. Claro que não é mais a mesma coisa de vinte anos atrás, mas, justiça seja feita, o gorducho Axl não fez feio em nenhum momento, sabendo dosar seu arsenal quando necessário, mas soltando alguns gritos e agudos impressionantes quando tinha oportunidade (mesmo mais ao final do show), sem deixar, é claro, de trocar de jaquetas e chapéus por pelo menos umas três vezes ao longo da noite, além de só retirar os óculos escuros no final do bis. A mesma qualidade pode ser atribuída aos músicos que acompanham o vocalista nesta "nova" versão do Guns. Todos talentosíssimos, mantiveram os arranjos originais das canções durante quase todo o espetáculo, e não deram nenhum motivo para reclamação durante praticamente toda a apresentação, mesmo quando precisaram parar e reiniciar "Better" após poucos acordes, visto que Axl alegou que não conseguia ouvir sua voz no retorno por algum problema técnico (o cantor, que se dirigiu pouco à audiência durante toda a noite, também deu uma bronca em um segurança a certa altura, acredito que por causa de algum mau trato a alguém da plateia, e ajudou um membro da equipe técnica a distribuir copos de água àqueles presentes nas primeiras fileiras - aliás, o preço de qualquer coisa era abusivo dentro do pavilhão, com uma garrafa de água sem gás chegando a dez reais, e, com o calor do local, muita gente começou a passar mal e desmaiar em algumas partes das pistas comum e VIP, segundo relatos que li, pois não presenciei pessoalmente ninguém caindo, só gente sentando ou se queixando de tontura e indisposição, como eu próprio durante o bis). Algumas resenhas que li reclamaram muito da qualidade do som, que teria oscilado bastante, e o pessoal que ficou lá no "fundão" da pista comum disse que era muito difícil ouvir o show de onde estavam. Não sei se é emoção de fã ou se sou meio surdo mesmo, mas, no ponto onde eu estava, o som chegava bem audível, e não notei as tais oscilações...


Momentos da apresentação do Guns And Roses em Porto Alegre

Voltando ao relato do show, após o tradicional "vai e volta" ocorrido depois do final de "Nightrain", Ashba e Bumblefoot fizeram um pequeno número acústico, seguido pela citada "Patience", e o bis continuou com a também quase ignorada cover para a fantástica "The Seeker", do The Who (onde Axl mostrou que pode ser, sim, um bom cantor, mas não chega nem a segurar o microfone de um Roger Daltrey), e tudo acabou, como esperado, com a clássica "Paradise City" e uma longa chuva de papel picado (de cor vermelha) sobre o palco e a audiência (da pista VIP, claro!), em uma grande festa para quem ainda tinha forças para pular e vibrar após quase três horas de show! A banda segue agora para apresentações na Argentina, Paraguai e Bolívia, e volta ao país para datas em Recife e Fortaleza. Para estes shows, quem estará nas quatro cordas será o icônico Duff McKagan, visto que Tommy Stinson tem alguns compromissos com o retorno de sua banda de origem, o Replacements. Que excelente notícia para quem irá a estes concertos, e que baita inveja de minha parte!

Quanto à apresentação de Porto Alegre, tudo bem que não foi o Guns And Roses que eu aprendi a idolatrar na adolescência, soando mais como uma competente banda cover daquele que já foi o maior grupo do mundo (onde, nos quesitos técnicos, talvez o músico mais "fraco" seja o próprio vocalista, vejam vocês), mas as músicas e as melodias que estes oito sujeitos nos ofereceram até próximo da uma e meia da manhã do dia quatro de abril eram fiéis àquelas clássicas canções que eu ouvia no meu quarto lá no interior do Rio Grande do Sul tantos anos atrás. Pode ter muita gente que não gostou, mas, para o desespero das viúvas da "formação clássica" do grupo - como eu -, achei a apresentação, para usar uma palavra já surrada, "memorável"! O show do ano na cidade, e olha que estamos apenas iniciando abril!

A "chuva" de papel picado em "Paradise City"

Set List:*

1. Intro: True Detective theme music
2. Chinese Democracy 
3. Welcome to the Jungle 
4. It's So Easy 
5. Mr. Brownstone 
6. Estranged 
7. Rocket Queen 
8. Better 
9. Used to Love Her 
10. Nice Boys 
11. Richard Fortus Guitar Solo 
12. Live and Let Die 
13. This I Love 
14. Holidays in the Sun 
15. Dizzy Reed Piano Solo 
16. You Could Be Mine 
17. DJ Ashba Guitar Solo 
18. Sweet Child O' Mine 
19. Jam ("Baby, I'm Gonna Leave You" Instrumental)
20. November Rain 
21. Abnormal 
22. Bumblefoot Guitar Solo ("Tema da Vitória")
23. Don't Cry 
24. Catcher in the Rye 
25. Shackler's Revenge 
26. Knockin' on Heaven's Door 
27. Nightrain 

Bis: 

28. Jam Acústica
29. Patience 
30. The Seeker 
31. Paradise City 


O final da apresentação, em imagem de um dos telões

(* Nota: esta não é a relação de músicas oficial, mas acredito que está bem próxima da que realmente foi executada. Caso você saiba de algum erro ou de algo a ser alterado, por favor, deixe nos comentários)