domingo, 19 de maio de 2013

Somos Tão Jovens, o filme sobre Renato Russo


Por Micael Machado


Antes de existirem Renato Russo e a Legião Urbana, existiu Renato Manfredini Júnior, nascido carioca mas morador de Brasilia, professor de inglês, astrólogo, escritor e sonhador, dentre outras coisas. É dele que trata Somos Tão Jovens, filme dirigido por Antonio Carlos da Fontoura que estreou neste dia 03 de maio em todo o país, e que tem tudo para agradar aos fãs daquela que foi, ao menos para mim, a maior e melhor banda do rock brasileiro em todos os tempos.

Começando pela descoberta da epifisiólise de Renato (doença óssea que lhe deixaria de cama por meses, fazendo com que ele se apaixonasse perdidamente por música e literatura, além de aprender a tocar violão, e que poderia ter sido melhor explorada pelo roteiro, a meu ver), o filme acompanha a juventude do personagem, mostrando sua trajetória deste ponto até as vésperas da primeira viagem da Legião ao Rio de Janeiro, onde tocariam no Circo Voador, conseguiriam um contrato com a gravadora EMI e se tornariam um dos maiores fenômenos da música brasileira.


Os atores que interpretam os músicos do Aborto Elétrico e da Plebe Rude, as primeiras bandas punk de Brasília

Os conflitos existenciais e sexuais de Renato, seu sonho de ser reconhecido (seja como músico, seja como escritor, ou até mesmo como cineasta, como ele imagina em uma divertida auto-entrevista na banheira), os primeiros ensaios com o Aborto Elétrico (ao lado do baterista Fê Lemos, interpretado pelo ator Bruno Torres, e do guitarrista sul-africano Andre Pretorius, creditado no filme como Petrus, sei lá por quê, e interpretado por Sérgio Dalcia), a época da segunda formação do grupo, com Renato na guitarra e Flávio Lemos no baixo (o ator Daniel Passi), a fase como Trovador Solitário, e a formação da Legião Urbana ao lado de Marcelo Bonfá (Conrado Godoy), são retratados de uma forma que conseguirá (acredito eu) agradar mesmo àqueles que não conhecem com riqueza de detalhes a trajetória de Juninho, como sua família lhe tratava. Aos fanáticos pelo grupo (meu caso), então, pouco restará a criticar (talvez apenas duas ou três incongruências que só chatos perfeccionistas como eu perceberiam), e muitos serão os momentos emocionantes que surgirão na tela diante de nossos olhos.


Aninha (Laila Zaid) e Renato (Thiago Mendonça)

A interpretação de Thiago Mendonça (conhecido por ter representado o Luciano no filme "Dois Filhos de Francisco") no papel de Renato é impressionante. O ator parece ter "incorporado" o músico, de forma extremamente convincente (embora por vezes um tanto caricata), lembrando o ocorrido com Val Kilmer no filme sobre os The Doors dirigido por Oliver Stone. Tocando e cantando ele mesmo as partes que seriam originalmente de Júnior, Thiago consegue convencer totalmente a quem assiste à película, com um timbre por vezes bem próximo ao de Russo, especialmente mais ao final do filme. Além dele, também se destaca no elenco a atriz Laila Zaid, no papel de Aninha, personagem fictícia que representa algumas meninas importantes na vida de Renato (a amiga com quem ele perde a virgindade, a confidente que foi a única a quem ele teve coragem de confessar seus desejos homossexuais, aquela para quem ele compôs "Ainda É Cedo", dentre outras tantas), e serve como contraponto sentimental à fúria adolescente do personagem principal. Além disso, as músicas incidentais do filme são, em sua maioria, versões instrumentais de clássicos da Legião, arranjadas pelo tecladista e produtor Carlos Trilha, que colaborou com o grupo no final da carreira e com Renato Russo em seus dois discos solo.

Quase todos os fatos importantes da trajetória do adolescente Renato Manfredini Júnior são retratados com bastante fidelidade, pelo menos de acordo com o que foi informado no excelente livro "Renato Russo: O filho da Revolução", do jornalista Carlos Marcelo Carvalho, que serviu de base para o roteiro do filme. Senti falta de uma menção à presença da Plebe Rude (citada com destaque em determinados momentos da película) quando da primeira apresentação da Legião em um festival na cidade de Patos de Minas (com Eduardo Paraná na guitarra e Paulo Paulista nos teclados), que acabou com todos os músicos presos pelos militares que governavam o país na época, outro acontecimento que não é citado (curioso o fato de que Philippe Seabra, cantor e guitarrista da Plebe, representa o prefeito da cidade nesta parte). A ausência de uma citação à passagem de Ico Ouro Preto pelo grupo (ele aparece apenas como guitarrista do Aborto Elétrico pós-Renato, algo que realmente aconteceu) e a falta da famosa frase "faz barulhinho que tá bom" dita por Renato para Dado Villa-Lobos (interpretado por seu filho Nicolau) quando da execução de "Ainda É Cedo" no primeiro show deste com a banda (um momento importante do filme) também me marcaram, assim como o fato de Júnior ter atuado como ator, jornalista e radialista ainda antes do Aborto Elétrico também passar longe do roteiro.


Thiago representando a fase Trovador Solitário de Renato Russo

Mas, como disse, estes são aspectos que só pessoas tão fanáticas pelo cantor quanto eu lamentariam, e não impedem que o filme seja muito bem feito, tratando o "mito" Renato Russo com dignidade, e o "ser humano" Renato Manfredini Júnior com respeito e até uma certa dose de devoção, algo que seus colegas da "tchurma" de Brasília sempre lhe dedicaram. Recomendo fortemente a todos aqueles interessados em algum nível pela trajetória daquele que considero o maior poeta da língua portuguesa da minha geração, e, aos fãs da Legião, digo que é, simplesmente, obrigatório!

Força Sempre!

Somos Tão Jovens!

Review Exclusivo: Andre Matos (Porto Alegre, 03 de maio de 2013)

Por Micael Machado
Fotos por Brenda Waltemann


Pouco menos de um ano depois de se apresentar com o Viper no Teatro do Ciee, o maestro, tecladista e cantor Andre Matos voltou ao mesmo local nesta sexta feira, desta vez para um show ao lado de sua banda solo, como parte da turnê de divulgação de seu mais recente disco, Turn Of The Lights (2012), em um espetáculo que prometia a execução na íntegra do álbum Angels Cry, que marcou a estreia da ex-banda do vocalista, o Angra, em comemoração aos vinte anos de seu lançamento, ocorrido em 1993. Com os ingressos esgotados há semanas, a expectativa era grande para mais uma apresentação deste ícone do metal nacional em Porto Alegre!

Graças à "eficiência" do transporte público da capital gaúcha (que me fez esperar cinquenta minutos por um ônibus que me levasse até próximo ao local do show), perdi grande parte da apresentação da King of Bones, competente banda paulista responsável pelo show de abertura, que abria a turnê de divulgação de sua estreia com o álbum We Are The Law. Do pouco que ouvi, percebi um hard rock bastante pesado, mas não rápido o suficiente para ser caracterizado como heavy metal. Me soou como um meio termo entre o som setentista de um Mountain ou um Buffalo e o peso mais lento de um Metallica fase Black Album. Destaco a excelente "Broken Dreams" e o cover para "Perry Mason", de Ozzy Osbourne (onde o guitarrista Rene Matela teve de lidar com a quebra de uma corda, que ficou pendurada no braço durante quase toda a música), que fechou a apresentação do grupo com boa resposta por parte dos presentes ao teatro!


A banda King of Bones no palco do Teatro do Ciee

Pouco mais de meia hora e as luzes se apagaram, com os músicos da atração principal entrando no palco ao som da introdução instrumental (que era a mesma música executada durante o ritual de fertilidade pagão do qual o personagem de Tom Cruise participa no filme "De Olhos Bem Fechados"), exceto o vocalista, que entrou em cena em cima da hora de cantar os primeiros versos de "Liberty", primeira faixa do disco novo, e que também abriu esta apresentação! Com o público na mão desde o início, Andre deu o seu "Boa Noite" a Porto Alegre e continuou com "I Will Return" (única do disco Mentalize a ser apresentada) e "Course of Life", também do Turn Of The Lights, demonstrando sua conhecida e impressionante capacidade vocal e sua excelente performance de palco!

Após esta, o cantor se dirigiu ao público pela primeira vez, agradecendo a presença de todos e ao fato de os ingressos estarem esgotados já há um bom tempo, deu uma indireta a quem disse que 'não tem público para bandas nacionais no Brasil" e que "o público do Sul é uma merda" (sem citar nomes, sendo que todos ali sabiam a quem ele se referia), lembrou o show com o Viper no mesmo teatro no ano passado (que vai ter imagens em um futuro DVD, assim como o show desta noite, segundo ele prometeu) e a tragédia ocorrida em Santa Maria no início do ano, dizendo que naquele local todos estavam em total segurança, a não ser por causa dele mesmo, que uma vez quase colocou fogo em um teatro (ainda na época do Viper, como imortalizado no DVD 20 years), e esbanjou carisma e simpatia com o público, praticamente no único momento em que ficou um tempo maior sem cantar.


Andre Matos

A apresentação continuou com "Rio", que representou o álbum Time to Be Free, de 2007 (sua estreia solo) e chegou à já clássica "Fairy Tale" (de Ritual, disco de estreia do Shaman, outra ex-banda de Andre), que foi cantada em coro por todo os presentes, e que demorou a iniciar devido a um problema com a gravação do coral que serve de introdução à canção, gerando um divertido momento onde Andre disse "Galera, falhou o playback", e pediu para o guitarrista Hugo Mariutti cantar essa parte, causando risos em boa parte do pessoal (aliás, cabe citar que o uso constante de playbacks com corais e teclados foi meio frustrante ao longo do show, mas é algo compreensível devido às características "épicas" de certas faixas da carreira do cantor). Mais uma faixa nova, "Stop!", abriu caminho para "Lisbon", do terceiro disco do Angra, Fireworks, e que simplesmente enlouqueceu o pessoal, que cantava sua letra a plenos pulmões! 


Um curto solo do competente baterista Rodrigo Silveira antecedeu a também nova "On Your Own" (minha favorita no disco mais recente), e abriu caminho para o encerramento da primeira parte da apresentação com uma versão de quinze minutos para a clássica "Living For The Night", da primeira banda de Andre! Na parte mais lenta do início, o cantor entregou o microfone a um rapaz na primeira fila, pedindo para ele passar à pessoa ao seu lado logo depois, e assim o instrumento foi percorrendo a fileira da frente até parar nas mãos de uma menina (já lá pelos versos "I have no other life..."), que realmente cantou muito bem, merecendo palmas do próprio Andre. Durante esta canção, após a primeira parte instrumental, o vocalista declarou que "ela nunca deveria sair do repertório, pois é um dos clássicos do metal nacional", e que, em um teatro como aquele, "o som é simplesmente perfeito", permitindo que ocorra "tudo que a gente deseja, que é passar o melhor da gente aqui em cima do palco para vocês". Matos também apresentou os músicos de sua banda, que são, além dos citados Rodrigo e Hugo (bem mais solto do que no show do ano passado, diga-se de passagem, agitando muito e comandando a galera em certos momentos, apesar de sempre manter um ar meio tímido e fechadão durante a apresentação), o baixista Bruno Ladislau e o guitarrista André Hernandes, anunciado como "aquele que foi e sempre será um membro da primeira formação do Angra".

Após o final da música, as luzes se acenderam e deram lugar a trechos de música clássica, com muita gente aproveitando para ir ao banheiro ou ao bar do teatro. Ainda com as luzes acesas, a intro "Unfinished Allegro" começou a tocar no PA, surpreendendo a muitos, e marcando o início de um momento memorável, com a execução na íntegra daquele que é, ao menos para mim, um dos melhores álbuns de heavy metal já lançados por uma banda brasileira, só ficando atrás de Chaos AD, do Sepultura, e Theatre of Fate, do Viper! A trinca inicial, com as clássicas "Carry on", "Time" e "Angels Cry" foi simplesmente perfeita, e, se faltaram os memoráveis backing vocals das mesmas, a performance da banda de Andre compensou com sobras qualquer decepção, ficando o mais próximo possível dos arranjos originais, sem descaracterizar nenhuma das faixas ao longo desta segunda parte, em uma decisão bastante acertada por parte dos músicos.


Hugo Mariutti e Andre Matos


A linda "Stand Away" deu uma baixada na adrenalina do pessoal, e foi seguida pelo baião mais pesado de todos os tempos, a também marcante "Never Understand", que voltou a incendiar os presentes. Ao final desta, tivemos um solo de André Hernandes, onde o músico esbanjou talento e competência nas seis cordas de sua guitarra. Hernandes chamou Hugo ao palco e, quando pensei que teríamos um dos clássicos "duelos" de guitarra, Mariutti surpreendeu a todos executando os riffs iniciais de "Black Magic", do Slayer, em uma clara (apesar de não citada) homenagem a Jeff Hanneman, falecido no dia anterior. O público reagiu muito bem, e Hugo ainda executou mais algumas passagens da música, acompanhado por Hernandes, em um momento que ficará marcado na mente de todos e que serviu de forma excelente a seu propósito! Um barulho de ventania começou então a tocar no sistema de PA, anunciando a aguardada "Wuthering Heights", onde Andre Matos deu um show de interpretação, em uma canção dificílima, mas que parecia fácil devido a seu enorme talento, calando completamente alguns detratores que garantem que sua voz já não é mais a mesma! Bullshit! A música teve acompanhamento de boa parte dos presentes em seu refrão final, com Andre apenas assistindo e deixando o público levar sozinho esta parte, para delírio do pessoal!


A pesada "Streets of Tomorrow" foi precedida por outra homenagem a Hanneman, na forma dos riffs iniciais de "Dead Skin Mask", também executados por Hugo, e as excelentes (porém nem tão lembradas) "Evil Warning" e "Lasting Child" encerraram a apresentação, com Andre agradecendo novamente aos presentes, e os músicos saindo rapidamente do palco, para voltarem um a um e cumprimentarem as pessoas presentes na primeira fileira, ao som de um instrumental com a melodia de "Fairy Tale", e fazendo o tradicional cumprimento de despedida de todos os artistas em todos os shows, indo à frente do palco e reverenciando o público! Era o final de mais uma noite inesquecível para os fãs de metal de Porto Alegre, que puderam conferir de perto um dos maiores talentos do estilo já surgidos no país, em mais uma iniciativa acertada da produtora Abstratti! Agora, é aguardar pela próxima, mantendo na memória as cenas desta noite especial!

Visão geral do palco


"Angels crying / Can't take no more


Angels dying / Capture their fall"


Set List:


Primeira parte:

1. Intro
2. Liberty
3. I Will Return
4. Course of Life
5. Rio
6. Fairy Tale
7. Stop!
8. Lisbon
9. Drum Solo
10. On Your Own
11. Living for the Night

Segunda parte - Angels Cry:

1. Unfinished Allegro
2. Carry on
3. Time
4. Angels Cry
5. Stand Away
6. Never Understand
7. Guitar Solo
8.Wuthering Heights
9. Streets of Tomorrow
10. Evil Warning
11. Lasting Child