domingo, 30 de dezembro de 2012

Discografias Comentadas: Morphine


Por Micael Machado


Se a guitarra é um dos principais elementos de um grupo de rock and roll, como caracterizar um trio que não usa o instrumento em suas composições? Surgido em 1989 na cidade de Michigan, na região metropolitana de Boston, nos EUA, o Morphine usava em suas músicas basicamente a voz e o baixo (com apenas duas cordas, e tocado com slide) de Mark Sandman (ex membro do Treat Her Right), os saxofones (barítono e tenor, por vezes tocados simultaneamente) de Dana Colley (ex-Three Colors) e a bateria econômica mas precisa de Jerome Deupree (depois substituído por Billy Conway). Ao longo de cinco álbuns e uma coletânea de sobras, o trio alcançou reconhecimento mundial, em uma trajetória tragicamente interrompida pela morte de Sandman em 1999. 

Com vocês, como Sandman anunciava nos shows do grupo, "Ladies and Gentlemen, from Boston, Massachusetts, we are Morphine, at your service"!

Good [1992]


A estreia do Morphine é um belo disco, indicando que o futuro da banda seria brilhante. Composições mais rápidas como "Claire", "Have A Lucky Day", "Test-Tube Baby/Shoot'm Down", "You Speak My Language" e "Do Not Go Quietly Unto Your Grave" contrastam com faixas mais jazzísticas, como "The Only One", "The Other Side", a balada "You Look Like Rain" e as duas partes de "I Know You". Dana Colley tem seu "momento solo" na vinheta "Lisa", e "The Saddest Song" aparece em uma versão bem diferente daquela interpretada ao vivo ao longo da carreira da banda, bem mais lenta e tendo a participação do saxofone em sua parte intermediária. A sensual faixa título completa o track list daquele que pode não ser o melhor disco da banda, mas já mostrava os caminhos que levariam ao topo. Cabe citar que o baterista Jerome Deupree teve de se afastar do grupo por um tempo devido a problemas de saúde, sendo substituído temporariamente por Billy Conway, que chegou a participar do disco nas faixas "You Speak My Language" e You Look Like Rain". Jerome voltaria a tempo da turnê, e participaria do segundo disco do Morphine.



Cure For Pain [1993] 

O último álbum com Jerome Deupree é considerado quase unanimemente como o melhor momento da banda, e com toda a razão. Após a calma (e curta) intro "Dawna", o CD já começa com aquela que talvez seja a música mais conhecida da carreira do Morphine, a sensacional "Buena", com seu envolvente ritmo de baixo e bateria, complementado pelo saxofone de Dana, e que ganhou um vídeo clipe, assim como a agitada "Thursday" e sua divertida letra. Billy Conway, que havia feito uma participação especial em Good, aparece de novo aqui, tocando bateria na faixa título (outro destaque) e em "Let's Take a Trip Together", onde a voz de Sandman aparece cheia de efeitos. "All Wrong", além de ser uma excelente composição, chama a atenção pelo uso do pedal wah-wah no solo de saxofone feito por Dana, e "In Spite of Me" é uma faixa diferente dentro do estilo do grupo, com um belo arranjo acústico baseado no uso de violões e do bandolim (tocado pelo músico convidado Jimmy Ryan), e sem a presença do sax. O ritmo quebrado de músicas como "A Head With Wings" (levada pelo riff do saxofone)  e "Sheila", junto da agitada "Mary Won't You Call My Name?", tornam estas composições contagiantes, contrastando com a calmaria de "I'm Free Now" e "Candy", talvez as faixas mais jazzísticas do álbum. A triste vinheta "Miles Davis' Funeral" (que tem o convidado Ken Winokur na percussão) encerra um excelente álbum, que deveria ser ouvido por todos os radicais que pensam que é necessário um solo distorcido de guitarra para que o rock and roll aconteça. Ledo engano!



Yes [1995]

Seria difícil manter o nível do álbum anterior, mas o Morphine conseguiu! O riff de saxofone que abre o álbum na faixa "Honey White" já é prova de que o grupo não iria deixar a peteca cair, e a música é uma paulada para rocker nenhum colocar defeito, tendo ganho um vídeo clipe. O álbum marcou a oficialização de Billy Conway como baterista da banda, e sua participação é bastante segura ao longo do álbum. "Radar" e "Sharks" se tornaram obrigatórias no repertório ao vivo da banda, e se destacam ao lado da lenta "Free Love" (com velocidade próxima da usada por bandas de doom metal) e da bela "All Your Way". "Whisper" traz o lado jazzístico do grupo para primeiro plano, sendo uma composição bastante sensual, assim como a faixa título e "Super Sex", em muito graças às linhas de sax e baixo. A tristonha "I Had My Chance", a bela e calma "Scratch" (e seu fantástico solo de sax) e a estranha "The Jury" fecham o track list do álbum, que se completa com a bela "Gone for Good", com sua triste letra e que, a exemplo de "In Spite of Me", do disco anterior, tem o uso de violão e a ausência do saxofone. Outro belo álbum!

Like Swimming [1997] 


Este disco é um pouco diferente de seus antecessores. Algumas músicas (como a faixa título, as jazzísticas "Empty Box" e "Hanging On A Curtain", ou as rápidas "Murder For The Money" e "Wishing Well") ainda guardam características dos primeiros registros, mas faixas como "Potion" e "Early To Bed" dão destaque a teclados em seu arranjo (estes a cargo de Sandman). Já a vinheta "Lilah" possui algumas melodias do oriente médio nas linhas do baixo, e a marcante "Eleven O'Clock" tem algumas passagens de guitarra elétrica e um clima meio psicodélico, características que não apareciam nos outros discos da banda. A terceira parte de "I Know You" é menos jazzística que as duas primeiras (presentes em Good), mas é bastante interessante também, e o desejo de Mark na jazzística "French Fries With Pepper" ("em nove de nove de noventa e nove eu espero estar sentado na varanda bebendo vinho tinto e cantando 'Oh, batatas fritas com pimenta'") infelizmente não se realizou. O disco encerra com "Swing It Low", que destaca a percussão de Billy e alguns arranjos de teclado, em uma melodia bastante sensual e agradável. Like Swimming é menos interessante em relação aos três primeiros, mas ainda assim bastante apreciável.

B-Sides and Otherwise [1997]

Os "otherwise" ("de outro modo", em português) do título desta compilação referem-se a faixas gravadas para trilhas sonoras de filmes como "Get Shorty" ("O Nome do Jogo" no Brasil, de onde veio a agitada "Bo's Veranda") ou "Coisas para fazer em Denver quando você está morto" ("Things To Do In Denver When You're Dead", no original, para a qual o Morphine gravou a instrumental "Mile High", com toques de flamenco no violão, além do uso de um naipe de metais), além de participações nos tributos aos escritores Jack Kerouac (a própria "Kerouac", com letra recitada por Sandman) e Ernest Noyes Brookings ("Mail", outra com letra recitada), além de faixas extras lançadas apenas no Japão (a divertida "Pulled Over The Car", bônus do CD Yes) ou Austrália (a calma e jazzística "Virgin Bride", bônus de Like Swimming). Três dos lados B são ao vivo ("Have A Lucky Day", "All Wrong" e "I Know You-Part Two"), e nos demais os destaques ficam com a percussiva "My Brain" (e sua letra interessante) e a agitada "Shame". A instrumental "Sundayafternoonweightlessness" (uma das coisas mais próximas do jazz que o Morphine já registrou, e que lembra a fase inicial do King Crimson em certos momentos) e a experimental "Down Love's Tributaries" completam o track list de um disco que serve mais como curiosidade para os iniciados do que um CD essencial em sua coleção.


The Night [2000]


Era 03 de julho de 1999 e o Morphine estava no palco do festival "Nel Nome del Rock", na cidade de Palestrina, na Itália. Após anunciar a segunda música da noite, Mark caiu no palco, e todos acharam que era parte do show. Quando notou a preocupação e a aflição de seus colegas de banda, o público ficou preocupado, mas o vocalista já estava morto, vítima de um ataque cardíaco fulminante. The Night foi lançado como álbum póstumo em fevereiro do ano seguinte, visto que todas as mixagens finais já haviam sido aprovadas pelo falecido músico. Bastante diferente dos anteriores, com muito uso de violão, piano e instrumentos de sopro, aponta uma nova direção para o grupo, que infelizmente não pode segui-la. Em termos de arranjos, este é, sem dúvidas, o álbum mais rico da banda, com quase todas as faixas fugindo do esquema "baixo-sax-bateria" dos discos anteriores. Há a presença de teclados, pianos, violoncelos, violões, xilofones, naipes de metais, backing vocals, enfim, muitos instrumentos que não tiveram chance de aparecer nos discos anteriores. As composições também estão bem mais longas no geral, com algumas passando dos cinco minutos, algo raro na discografia do grupo. "Top Floor, Bottom Buzzer" (uma das que mais parece com as músicas dos primeiros discos) apresenta o consagrado John Medeski no órgão, e o clima jazzístico predomina em faixas como "So Many Ways" (que também lembra algumas das antigas composições), "Souvenir", a percussiva "The Way We Met" ou a faixa título. "Rope on Fire" mostra novamente algumas melodias do oriente médio em seu arranjo, algo que já havia aparecido na vinheta "Lilah", de Like Swimming, e "I'm Yours, You're Mine" tem alguns efeitos eletrônicos inexistentes em outros registros do grupo. A rápida "A Good Woman Is Hard to Find", apesar do naipe de matais e da presença de algumas linhas na guitarra elétrica, poderia estar presente em um dos primeiros discos, assim como a lentona "Slow Numbers". "Take Me With You" encerra este primeiro disco póstumo, apontando uma direção para o rock and roll que nenhuma banda ainda se atreveu a explorar desde então.


Billy Conway, Mark Sandman e Dana Colley ao vivo


Um CD ao vivo do grupo (chamado Bootleg Detroit) foi lançado em 2000, assim como a coletânea The Best of Morphine: 1992–1995, do mesmo ano. Em 2009, saiu o duplo At Your Service, com várias faixas inéditas, outras gravadas ao vivo, e versões alternativas de músicas já lançadas. Já a carreira de Mark Sandman (dentro e fora do Morphine) foi repassada no duplo Sandbox, lançado em 2004, que possui faixas solo, com o Hipnosonics (sua primeira banda), ao lado do Treat Her Right, e, claro, com o Morphine. A edição em formato de box set vem com um DVD e um atraente encarte.

Após a morte de Mark, Dana e Billy formaram a Orchestra Morphine (com diversos músicos amigos do falecido vocalista) e excursionaram executando basicamente as músicas de The Night em seu set list, além de alguns sucessos antigos. Os dois continuaram juntos no Twinemen, ao lado da cantora e guitarrista Laurie Sargent, e mais recentemente colocaram em prática o projeto Members of Morphine, com o baixista e vocalista Jeremy Lyons, que inclusive já tem um disco lançado. 

Orchestra Morphine, levando adiante o legado de Mark Sandman

O legado de Mark Sandman e do Morphine é eterno, e seu som é uma prova de que o melhor rock and roll pode dispensar o uso da guitarra elétrica. Confira você mesmo, e não fique preocupado se também acabar preso ao vício em Morphine!

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Re-Machined: A Tribute to Deep Purple's Machine Head [2012]


Por Micael Machado


Em comemoração aos quarenta anos do clássico álbum Machine Head, do grupo britânico Deep Purple, a revista Classic Rock levou a cabo este tributo ao disco, cuja ideia teve início lá em 2010. Começando por um contato com Lars Ulrich, baterista do Metallica, o pessoal da revista conseguiu reunir uma turma de peso dentro do cenário do rock mundial, para reverenciar este que é um dos mais importantes registros do estilo em todos os tempos.

Em nove faixas (dez na edição especial no formato fan pack lançada pela Classic Rock, a qual ainda conta com uma revista especial de 124 páginas  contando detalhes da gravação através de entrevistas da época e atuais com os envolvidos no processo, além de depoimentos dos músicos envolvidos no tributo), as sete canções do disco original (mais a faixa "When a Blind Man Cries", gravada nas mesmas sessões, mas que ficou de fora do track list e acabou como lado B do single "Never Before") são revisitadas com méritos por quase todos os convidados. 

A edição fan pack da Classic Rock

Quem fez as contas, notou que há uma faixa extra na edição "normal' lançada no mercado (e distribuída no Brasil pela gravadora ST2. Ela é justamente o maior clássico do disco, a conhecidíssima "Smoke On The Water", que aparece em duas versões, a primeira logo na abertura do CD, através da interpretação do magistral guitarrista Carlos Santana, tendo nos vocais o cantor da banda Papa Roach, Jacoby Shaddix. Esta versão já havia aparecido no álbum Guitar Heaven, lançado em 2010 por Santana, e não se constitui em uma novidade. Aqui, a segunda guitarra poderia ser um pouco menos rascante (além de estar muito mais alta que os demais instrumentos), e o toque percussivo latino sempre presente na obra do mexicano também marca presença. Um bom início, mas o melhor ainda virá.

A partir daí, o tributo segue a ordem do LP original, e a próxima faixa é a versão do Chickenfoot para "Highway Star", que abria a versão lançada em 1972. Registrada ao vivo, a banda parece estar se divertindo muito ao longo de sua execução, transformando a música em um dos destaques de Re-Machined. Muito disso graças ao enorme talento dos músicos do grupo, principalmente Joe Satriani, que substitui com sua guitarra todas as faixas de teclado da versão de estúdio, respeitando as linhas originais mas também colocando suas próprias características durante a execução (vale lembrar que Satriani chegou a tocar com o Purple na turnê do álbum The Battle Rages On, em 1994, sendo inclusive convidado para se tornar membro oficial do grupo, declinando do convite para seguir sua carreira solo). Excelente!

O reconhecido Glenn Hughes (ex-membro do próprio Purple, porém em outra fase) escolheu interpretar "Maybe I´m A Leo", música cujo ritmo "balançado" casou muito bem com seu estilo tradicional. Com Chad Smith (também do Chickenfoot e do Red Hot Chili Peppers) dando um show na bateria, e o relativamente desconhecido Luis Maldonado na guitarra (ele que gravou o álbum First Underground Nuclear Kitchen, lançado por Hughes em 2008), Hughes acerta em cheio na sua re-interpretação de uma das faixas menos lembradas de Machine Head, apesar de abusar do agudo aqui e ali. Mas um sujeito com seu talento não iria pisar na bola, e não foi desta vez que isso aconteceu.

O Black Label Society foi o convidado para "Pictures Of Home", particularmente a minha faixa favorita do disco original. A música ficou bem mais lenta que a versão de estúdio, e até um violão aparece no novo arranjo em algumas partes. Mais uma vez, a guitarra substitui as partes dos teclados, e, apesar do estilo de Zakk Wylde tocar ser completamente diferente do de Ritchie Blackmore (como prova seu solo nesta gravação), a faixa ficou bem legal, embora bastante diferente. Vale a audição.

Um aglomerado chamado Kings Of Chaos é o responsável por "Never Before". Reunindo o vocalista Joe Elliott (do Def Leppard), o guitarrista Steve Stevens (ex-músico das bandas de Billy Idol e Vince Neil), Duff McKagan e Matt Sorum (a cozinha do Guns and Roses e do Velvet Revolver) e o desconhecido tecladista Arlan Schierbaum (que tocou, dentre outros, com Richie Kotzen e Meredith Brooks), o "grupo" foi bastante fiel à versão original, sem grandes destaques individuais mesmo com músicos tão talentosos. Pessoalmente, gostaria de saber como uma banda com essa formação se sairia em um álbum próprio, pois são tantos backgrounds diferentes entre si que qualquer coisa poderia surgir da união desses músicos. Quem sabe um dia?

Detalhe do encarte de Re-Machined

O que seria o "lado B" de Machine Head inicia com a segunda versão para "Smoke On The Water", desta vez pelas mãos do grupo alternativo Flaming Lips. Esta faixa em particular só pode ser uma brincadeira da revista, pois não é possível que isso aqui seja sério. Os caras simplesmente assassinaram a música, usando equipamentos eletrônicos ao longo de toda a sua duração, e adicionando essa característica "estranha" à guitarra, que ganha um papel totalmente secundário em um dos maiores hinos onde o instrumento já esteve presente. E esse absurdo ainda conta com os vocais de Gibby Haynes, um cara a quem sempre respeitei por seu trabalho ao lado do Butthole Surfers e do Revolting Cocks. Totalmente dispensável, assim como o restante da discografia do conjunto.


Jimmy Barnes (quem?) foi o escolhido para gravar "Lazy". Segundo a Wikipedia, o sujeito é bastante reconhecido na Austrália, onde é ídolo e vende muitos discos. Eu nunca tinha ouvido falar dele, mas, pelo fato das guitarras terem sido gravadas por Joe Bonamassa (artista solo, também membro do Black Country Communion) e Brad Whitford (do Aerosmith), resolvi lhe dar um crédito. Com quase nove minutos, essa acabou sendo a maior faixa do álbum, sendo que a intro ficou muito boa, com os teclados também tocados pelo "famoso" Arlan Schierbaum, também presente na faixa do Kings Of Chaos. É claro que Bonamassa e Whitford não iriam deixar a peteca cair em um tributo de tal importância, e a cozinha segura bem a onda (ainda que o andamento esteja um pouco mais lento que a original). O entrosamento entre os guitarristas e Schierbaum é bastante interessante, e isso tudo pode ser avaliado ainda nos quatro minutos e meio iniciais, onde o tal Jimmy não dá sequer um pio, para, quando iniciar a cantar, revelar um timbre bem parecido com o de Ian Gillan, o que torna esta uma das melhores faixas do tributo. O solo de harmônica presente na versão de estúdio é substituído por um de guitarra, e os berros da parte final são feitos com competência por Barnes. Uma troca de solos entre guitarras e teclados encerra uma faixa muito boa, sendo um dos destaques do álbum.

Com apenas três minutos e meio, a versão do Iron Maiden para "Space Truckin'" (gravada durante as sessões para o disco A Matter of Life and Death, de 2006, mas nunca lançada oficialmente) ficou bem parecida com a original, sem que o grupo imponha seu estilo ao arranjo (a não ser pelo fato do baixo do chefão Steve Harris estar bem à frente dos demais instrumentos). O vocalista Bruce Dickinson está bem à vontade na faixa, e a banda exibe bem o seu talento, mas não acrescenta nada à ainda insuperável versão original. Trata-se de uma curiosidade, mas pouco mais do que isso.

Encerrando o disco, jamais imaginei o Metallica gravando algo como "When a Blind Man Cries". A banda respeitou o tristonho arranjo original, mas colocou algumas características próprias na sua versão, como o solo de Kirk Hammet na parte do meio. O vocal de James Hetfield está quase irreconhecível, mais agudo que o normal, e Robert Trujillo consegue encaixar alguma linhas de baixo bem interessantes ao longo da duração da faixa. Ficou uma cover bem atraente, com alguns acréscimos à original, porém sem descaracterizá-la. No que seria a parte final, o Metallica finalmente se revela, com Kirk executando um solo animal, e Lars Ulrich sentando o pau na bateria, ao mesmo tempo em que James canta de forma mais agressiva do que antes. Ao fugir da simples cópia do original, o grupo acabou criando a melhor parte da música, elevando-a a outro patamar. Excelente!

Contracapa do tributo

Ficou de fora da versão lançada à parte do fan pack a cover para "Highway Star" interpretada pela união dos já citados Glenn Hughes e Chad Smith com o mago das guitarras Steve Vai e o desconhecido tecladista Lauchlan Doley. Mesmo assim, o tributo ficou muito bom, embora sem conseguir superar a qualidade do álbum original, um dos maiores clássicos que o mundo do rock já ouviu. Se você curte a versão "quarentona", vale conferir esta "nova edição", mas não espere a re-invenção da roda. Afinal, ela já está aí há muito tempo!

"We all came out to Montreaux, on the Lake Geneva shoreline".

Track List:

1. "Smoke on the Water"
2. "Highway Star" (Live)
3. "Maybe I'm a Leo"
4. "Pictures of Home"
5. "Never Before"
6. "Smoke on the Water"
7. "Lazy"
8. "Space Truckin'"
9. "When a Blind Man Cries"

Classic Rock Magazine Fan Pack Bonus Track:
10. "Highway Star"

sábado, 22 de dezembro de 2012

DVD: Lynyrd Skynyrd - Live From The Heartland [2008]


Por Micael Machado

Lyve from Steel Town é um CD/DVD ao vivo lançado pelo Lynyrd Skynrd em 1998, sendo o registro do show de 15 de julho de 1997 na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, na turnê do disco Twenty, lançado no mesmo ano. Pois em 2008, a gravadora Allegro resolveu compilar meros cinquenta e cinco minutos deste DVD em um outro chamado Live From The Heartland, pura picaretagem que a gravadora Radar Records lança agora no mercado nacional, ao invés de optar pelo lançamento do vídeo original. Sacanagem é pouco para esta atitude!

Esta "versão compilada" tem apenas nove músicas (contra as dezessete do original), sendo que destas pelo menos seis são clássicos da carreira do Lynyrd, e as outras três provém do citado Twenty, perfazendo a trinca de abertura do mesmo ("Travelin' Man", faixa que tem seu registro de estúdio no disco de 1997, já estava presente no essencial disco ao vivo One More from the Road, de 1976). O curto tempo de duração deste DVD seria criticável mesmo que a versão original (que tem mais de uma hora e meia) não estivesse disponível. Mas a escolha das músicas (que deixou de fora "Saturday Night Special" e "Gimme Three Steps", por exemplo), também merece suas críticas, pois nem todas as escolhidas representam o melhor do DVD original, que dirá da carreira do grupo sulista. Além disso, assistir a uma apresentação de menos de uma hora de uma banda desta qualidade é decepcionante demais, pois a sensação de que ficou faltando algo é o que nos resta após passarmos pela experiência.

Versão "original" importada de Live From The Heartland

Mas este não é o pior aspecto deste lançamento. A imagem do mesmo é simplesmente ridícula, ficando distorcida na tela, além de muito escura e sem nitidez durante toda a duração do espetáculo. Há ainda uma gritante falha de edição logo no começo, onde a canção "We Ain't Much Different" é grafada como "We Ain't Much Differend" no vídeo, com o "d" no lugar do "t". O som (apesar de não contar com os atuais recursos tecnológicos de outros DVDs) está muio bem captado, com todos os instrumentos sendo ouvidos com nitidez (com destaque para o piano de Billy Powell e as três guitarras comandadas por Gary Rossington, Hughie Thomasson e Rickey Medlocke, que em nenhum momento soam emboladas, e fazem frases e complementam umas às outras de um modo que muita banda enorme - tipo o Iron Maiden, por exemplo - deveria aprender a executar). Mas as imagens quase não se deixam assistir, devido à sua baixa qualidade. Além disso, a própria performance da banda (complementada pelo vocalista Johnny Van Zant, o baixista Leon Wilkeson, o baterista Owen Hale e as backing vocalists Dale Krantz Rossington e Carol Chase) não empolga muito, sendo bastante burocrática na maior parte do tempo, sem a empolgação característica de seus concertos (e encarar Van Zant com uma ridícula faixa preta na cabeça ao invés de seu tradicional chapéu é complicado, e involuntariamente hilário).

Lyve from Steel Town, a verdadeira origem deste DVD

Se você é muito fã do Lynyrd Skynrd, e conseguir perdoar a péssima qualidade das imagens, dá para encarar a experiência de assistir a este DVD sem maiores traumas, até porque é sempre um prazer ouvir a citada "Travelin' Man" (onde, assim como ocorre em Twenty, há um dueto virtual entre Johnny e seu irmão Ronnie Van Zant, vocalista original do grupo, falecido no terrível acidente aéreo que a banda sofreu em 1977, e que aparece nas imagens do telão cantando algumas estrofes), a tocante "Simple Man" e as clássicas "Sweet Home Alabama" e "Free Bird" (durante a qual são mostradas no telão imagens do grupo original, com o saudoso guitarrista Steve Gaines, morto no mesmo acidente aéreo citado anteriormente). Mas, se você não tiver muito conhecimento da obra dos sulistas, existem outras opções melhores por aí, como o próprio Lyve from Steel Townorigem desta verdadeira picaretagem. A escolha é sua.

O Lynyrd Skynrd no palco de Pittsburgh

Track List:

1. "We Ain't Much Different"
2. "What's Your Name?"
3. "Voodoo Lake"
4. "That Smell"
5. "Bring It On"
6. "Simple Man"
7. "Sweet Home Alabama"
8. "Travelin' Man"
9. "Free Bird"

Ian Gillan & Tony Iommi: Who Cares [2012]


Por Micael Machado

O projeto Who Cares surgiu depois de uma visita de Ian Gillan (vocalista do Deep Purple) e Tony Iommi (guitarrista do Black Sabbath) à cidade de Gyumri, na Armenia, local destruído por um terremoto em 1988, e para o qual os dois músicos e diversos outros artistas gravaram singles e um disco beneficente no mesmo ano (chamado The Earthquake Album), como parte do projeto Rock Aid Armenia, tentando arrecadar fundos para a reconstrução da cidade. Ao visitarem o local em 2011, os músicos ficaram sabendo de uma escola de música local que precisava de reparos urgentes, e resolveram unir forças e gravar um single exclusivo para arrecadar fundos à tal escola. Com a ajuda de músicos como o saudoso Jon Lord (teclados, ex-Deep PUrple), Mikko Lindström (guitarras, HIM), Jason Newsted (baixo, ex-Metallica) e Nicko McBrain (bateria, Iron Maiden), lançaram no mesmo ano o aclamado single Out of My Mind / Holy Water, com duas músicas inéditas que fizeram a festa dos fãs dos artistas envolvidos. No meio deste ano, os dois músicos anunciaram o lançamento do primeiro álbum completo do projeto, deixando o mundo da música com água na boca pela expectativa do que viria pela frente.

Frustrando a expectativa geral, Gillan e Iommi decidiram não gravar um álbum juntos, mas fazer um "catado" de faixas de suas carreiras que estavam esquecidas em alguma gaveta por aí, ou que não haviam sido muito trabalhadas quando de seu lançamento. Assim, o disco duplo Ian Gillan & Tony Iommi: Who Cares veio ao mundo no segundo semestre de 2012,  e, embora não seja um trabalho em conjunto da dupla, fica longe de desagradar quem o ouve.

Single de estreia do projeto Who Cares

Apenas três faixas não contam com os vocais de Gillan: a surpreendente "Anno Mundi", originalmente lançada em TYR (de 1990, um dos álbuns menos lembrados do Black Sabbath, e que conta com Tony Martin nos microfones), a qual ganha uma segunda chance aqui, e duas sobras do álbum Fused, lançado em 2005 por Iommi ao lado do vocalista e baixista Glenn Hughes: a pesada e lentona "Slip Away" (com mais um grande riff do mago da guitarra, em um material bem ao estilo do Sabbath) e a mais agitada "Let It Down Easy" (com uma bela performance de Hughes, em uma excelente composição). Fica difícil explicar porque estas duas músicas ficaram de fora daquele álbum, pois o certo é que não fariam feio no track list final. Vá saber as razões do guitarrista!


Nas outras quinze faixas, além das duas já presentes no single de 2011, temos apenas duas colaborações efetivas entre Gillan e Iommi: a excelente "Zero The Hero" (originalmente lançada no álbum Born Again, do Black Sabbath) e "Trashed", originalmente do mesmo álbum, mas aqui na versão do álbum Gillan's Inn, de 2006. 

De resto, muita coisa da careira solo do cantor, como "Don't Hold Me Back" (de Toolbox, álbum lançado em 1991) ou "Can't Believe You Wanna Leave Me" (de Accidentally on Purpose, gravado ao lado do baixista Roger Glover, também do Purple, em 1988), além de participações do vocalista em álbuns de outros artistas, como "Get Away" (da colaboração de Gillan com o grego Michalis Rakintzis presente no álbum Etsi M' Aresei, de 1993) ou "Can I Get a Witness", retirada do álbum Raving with Ian Gillan & The Javelins, do grupo The Javelins, lançado em 2000 pelo selo Purple Records. Há ainda duas faixas lançadas apenas em lados B de compactos, a quase AOR "Hole In My Vest" (do single Nothing But the Best) e "She Think It's a Crime", música que lembra alguns dos piores momentos do Deep Purple, e que apareceu na versão limitada do single One Eye to Morocco.


Tony Iommi e Ian Gillan

Ainda há espaço para as inéditas "Easy Come, Easy Go" (rockão gravado em 1994 ao lado da banda Repo Depo) e "No Laughing In Heaven", uma faixa com letra divertida e ritmo contagiante prevista para o álbum Garth Rockett and the Moonshiners (onde o tal Garth era nada mais nada menos que o próprio Gillan), gravado ao vivo em 1989, mas só lançado (também pelo selo Purple Recors) em 2000, além de uma versão "voz-harmônica-e-violão" gravada ao vivo para a Absolute Radio da clássica "When a Blind Man Cries" (originalmente um B-Side do disco Machine Head, do Deep Purple), aqui com o guitarrista Steve Morris ao violão (ou Steve Morse, visto as notas do encarte citarem os dois músicos).

Completam o pacote a versão para "Smoke On The Water" presente no disco Live at the Royal Albert Hall, do Deep Purple (de 2000, e que tem a presença do também saudoso Ronnie James Dio nos vocais, ao lado de Gillan) e a melhor de todas as novidades, uma jam do Deep Purple com mais de dez minutos chamada "Dick Pimple", registrada durante as sessões de gravação de Purpendicular (1996). Esta é apenas uma brincadeira de estúdio registrada pelos músicos, mas, aqueles que conhecem o poder de improviso e a criatividade do Púrpura Profundo, sabem que não vão se decepcionar com este material. Arrisco até a dizer que esta faixa despretensiosa é melhor que qualquer coisa que o Deep Purple gravou desde então, superando fácil álbuns inteiros como Abandon ou Bananas. Confira você mesmo!

Contracapa co CD

Enfim, Ian Gillan & Tony Iommi: Who Cares é sem dúvidas um catado de raridades e faixas de menor importância nas carreiras de Ian Gillan e Tony Iommi. Mas, reunidas em um mesmo álbum, acabam perfazendo um disco surpreendente, e que ainda tem todo o caráter beneficente por trás (os músicos juram que todo o dinheiro arrecadado vai direto para a escola citada lá no começo). O encarte conta com esclarecedoras liner notes escritas por Gillan ou Iommi (nunca os dois juntos), e a distribuição nacional se dá através do selo Hellion Records. Se tiver a oportunidade de ouvir, não desperdice, pois não irá se arrepender.

Track List:

CD 1:

1. "Out of My Mind"
2. "Zero The Hero"
3. "Trashed"
4. "Get Away"
5. "Slip Away"
6. "Don't Hold Me Back"
7. "She Think It's a Crime"
8. "Easy Come, Easy Go"
9. "Smoke on the Water"

CD 2:

1. "Holy Water"
2. "Anno Mundi"
3. "Let It Down Easy"
4. "Hole In My Vest"
5. "Can't Believe You Wanna Leave Me"
6. "Can I Get a Witness"
7. "No Laughing In Heaven"
8. "When a Blind Man Cries"
9. "Dick Pimple" 

domingo, 16 de dezembro de 2012

Monster Magnet - Powertrip [1998]


Por Micael Machado


Talvez a música mais conhecida do Monster Magnet seja "Negasonic Teenage Warhead", registrada no seu terceiro disco, Dopes to Infinity, de 1995. Graças à veiculação de seu clipe na MTV, esta canção levou o álbum a se tornar o lançamento mais vendido da banda até então, e fez com que o nome do grupo obtivesse um destaque mundial até então inédito em sua história.

Como manter o sucesso obtido com Dopes deve ter sido uma dúvida que assolou o vocalista e guitarrista Dave Wyndorf e seus asseclas Ed Mundell (guitarras), Joe Calandra (baixo) e Jon Kleiman (bateria) quando foram gravar seu próximo álbum. A resposta, que viria a ser este Powertrip (que ainda teve algumas linhas de guitarras gravadas por Philip Caivano, John Flannery e Matt Hyde, também co-produtor ao lado de Wyndorf, além da participação do baterista Scott Garrett em alguns trechos), foi fazer um disco ainda melhor que aquele, e que manteve o nome do grupo em evidência, conseguindo ainda mais sucesso que o registro anterior, e obtendo disco de ouro nos EUA em 1999.

Foto do encarte de Powertrip

A grande diferença do Monster Magnet para seus colegas de estilo (o Stoner Rock, ou Stoner Metal, como queiram) é que, ao invés de apenas reciclar os riffs que Tony Iommi criou para o Black Sabbath nos anos 70, o grupo de New Jersey busca inspiração também na psicodelia da costa oeste americana dos anos 60 (como em "Baby Götterdämmerung", que a todo momento parece que vai explodir em um riff furioso, o que nunca acontece), no space rock de grupos como o britânico Hawkwind (vide "3rd Eye Landslide" ou a própria cover de "Brainstorm", registrada em Superjudge, de 1993, segundo lançamento do Monstro Magnético), e até no grunge (vide "19 Witches", que lembra a versão do Nirvana para "Love Buzz", originalmente gravada pelo Shocking Blue).

Assim, "Space Lord" (que ganhou vídeo clipe, e em estúdio tem seu refrão cantado como "Space Lord Mother Mother", ao invés do "Space Lord Motherfucker" que Wyndorf berra ao vivo) "Your Lies Become You" são quase acústicas, e "Goliath and the Vampires" é baseada em gritos de terror e efeitos viajantes (e meio assustadores) de guitarra, ao invés de riffs pesados e poderosos, sendo que "Temple of Your Dreams" tem um ritmo balançado que Iommy nunca sequer sonhou em usar.

Joe CalandraJon Kleiman, Ed Mundell e Dave Wyndorf (sentado)

Claro que o peso a la Sabbath também está presente, e faixas como "Tractor", "Atomic Clock", o ritmo quebrado de "Bummer" e a abertura com "Crop Circle" (um dos destaques do álbum, ao lado dos da contagiante faixa título e seu hilário refrão e de "See You in Hell", com um contagiante teclado a la The Doors - estas duas ganharam vídeos de divulgação) deixam isso bem claro. Mas, mesmo nessas, há variações que não as tornam repetitivas, nem meras cópias das músicas do quarteto de Birmingham.

Os problemas com drogas de Wyndorf acabaram diminuindo as chances de um destaque maior para o grupo nos anos futuros, e foram responsáveis por lançamentos com menor brilho do que Powertrip ou Dopes to Infinity na história do Monster Magnet. Mesmo assim, a banda sempre se manteve no pódio do Stoner Rock mundial, em muito por saber fugir do lugar comum de seus colegas de estilo na hora de compor suas músicas, como prova este excelente álbum, que, dentre as faixas bônus lançadas em países como o Japão, contava com um cover para "Kick out the Jams", do MC5, outra influência incomum para uma banda Stoner. Se você curte este tipo de música, pode conferir sem medo.

"I'm never gonna work another day in my life. The gods told me to relax, they said I'm gonna be fixed up right".

Track List:

1. "Crop Circle"
2. "Powertrip"
3. "Space Lord"
4. "Temple of Your Dreams"
5. "Bummer"
6. "Baby Götterdämmerung"
7. "19 Witches"
8. "3rd Eye Landslide"
9. "See You in Hell"
10. "Tractor"
11. "Atomic Clock"
12. "Goliath and the Vampires"
13. "Your Lies Become You"


Review Exclusivo: Nightwish (Porto Alegre, 09 de dezembro de 2012)



Por Micael Machado


Quando comprei meu ingresso para este show, Anette Olzon ainda era a vocalista do Nightwish. Por desentendimentos com o líder Tuomas Holopainen (até hoje ainda não explicados de forma convincente), a sueca acabou demitida do quinteto no final de setembro deste ano (após reclamar publicamente da decisão do grupo de substituí-la em um show ao qual não pode estar presente após passar mal e ser hospitalizada, ocasião em que a banda tocou com os vocais feitos pelas duas backing vocals do Kamelot, que estava em turnê com os finlandeses na época), sendo chamada às pressas para seu lugar a ex-vocalista do After Forever (e atual líder do Revamp) Floor Jansen.

Sem nunca ter sido completamente aceita pelos fãs, Anette se foi deixando poucas saudades, e a chegada de Floor foi extremamente saudada pela legião de seguidores dos finlandeses. A vocalista holandesa tem um longo passado ligado ao heavy metal, além de talento, beleza e carisma para fazer com que o quinteto (completado pelo citado Tuomas nos teclados, Emppu Vuorinen na guitarra, Marco Hietala no baixo e vocais e Jukka Nevalainen na bateria) possa voltar a ter a relevância dos tempos em que contava com a diva Tarja Turunen nos vocais, ela que foi a vocalista original do Nightwish, e por quem seus fãs ainda suspiram de saudades. Pois foi com esta convicção e com Floor Jansen à frente que o grupo veio pela quinta vez à Porto Alegre, sendo a quarta apresentação dos finlandeses no Bar Opinião, um dos melhores locais de shows da capital gaúcha.


Save Our Souls fazendo a abertura da noite

Devido à longa fila na entrada do bar, perdi um pouco do início do show da Save Our Souls, que em pouco mais de meia hora fez uma excelente apresentação, mesclando o gothic  metal guiado pelos teclados a um som mais agressivo graças ao peso da guitarra, sempre com qualidade e com grande destaque para os vocais de Melissa Ironn (também tecladista), muito bem amparada por Marlon Lago na guitarra, Jackson Harvelle no baixo e Andrêss Fontanella na bateria. As músicas do grupo conquistaram a plateia (até porque casavam muito bem com o som da banda principal), especialmente quando executaram covers para canções do After Forever e do Megadeth. Após a apresentação, tive a oportunidade de conversar com a vocalista Melissa, que se mostrou extremamente simpática e atenciosa. Um grupo a ser notado, que já tem um EP lançado na praça, e se prepara para gravar o primeiro full lenght no ano que vem. Desejo todo o sucesso para eles, pois talento possuem de sobra!

Iniciando pouco mais de meia hora depois do horário previsto, o Nightwish deu o pontapé inicial à turnê brasileira de divulgação de Imaginaerum, seu controverso álbum lançado ano passado, às nove e trinta da noite. Pelo menos ao que se viu (e ouviu) nesta noite, os fãs da banda não terão do que reclamar do fato de Floor Jansen estar na posição de vocalista do grupo, pois, já na primeira canção da noite, "Storytime" (precedida pela longa introdução instrumental "Crimson Tide"), ficava clara a diferença entre a vocalista anterior e a nova dona do microfone do quinteto (que não se restringia apenas às escolhas de figurino das duas). Se Anette sempre foi cercada de desconfianças por causa de seu alcance vocal (especialmente ao vivo), Floor exibiu uma garganta poderosa e afinada, e uma voz que quase (e eu disse "quase") pode ser comparada à da vocalista original do conjunto.


Nightwish no bar Opinião

A holandesa trouxe uma nova luz a músicas que eram apenas aceitáveis na voz da antiga vocalista, e que com a nova cantora ganharam contornos próximos a clássicos, embora ainda recentes, e tudo por causa de seu enorme talento ao microfone. Apesar do restante da banda ter se portado de forma quase perfeita ao vivo (com Marco e Emppu se movimentando pelo palco bem mais do que em outros shows a que estive presente, e Jukka batendo forte como sempre - aliás, cabe citar que o big boss Tuomas parecia mais alegre desta vez do que nos outros concertos a que assisti), a noite era toda de Floor. Ela possui talento, beleza, carisma, charme e sex appeal para trazer de volta uma característica que o Nightwish possuía com Tarja, mas havia perdido com Anette: quando a vocalista do conjunto está em cena, fica difícil olhar para outra coisa que não seja ela (e olha que, várias vezes, durante alguns solos mais longos, Floor se recolheu aos camarins para um descanso). Além disso, a holandesa é uma headbanger de verdade, e, quando ela se abaixava e "batia cabeça" alucinadamente (o que ocorreu muitas vezes ao longo da noite, com seu longo cabelo completando um espetáculo fascinante), dava para perceber que era algo sincero, feito por puro instinto e paixão pela música, e não uma encenação forçada e ensaiada, como muitas vezes parecia quando Tarja fazia o mesmo (Anette nunca se arriscou a tanto).

A presença do multi-instrumentista Troy Donockley foi outro ponto de destaque na noite. Com sua gaita de foles e suas flautas, o músico abrilhantou canções como "I Want My Tears Back" e a balada "The Crow, The Owl And The Dove", além de "Last Of The Wilds", momento instrumental de praxe nos shows da banda, que existe para que a vocalista, seja ela quem for, possa ter uma folga e um descanso. O "momento acústico" que a banda vinha interpretando em seus shows pelos EUA e Europa não esteve presente aqui, e "Nemo", um dos maiores sucessos da carreira dos finlandeses, foi interpretada com ainda mais peso que a versão de estúdio, com o arranjo enriquecido pelos instrumentos de Troy. Brilhante!


Nightwish com o músico convidado Troy Donockley

O convidado deixou o palco antes da maior surpresa da noite, a execução da aplaudidíssima "Wishmaster" (primeiro sucesso da banda, presente no álbum de mesmo nome, de 2000, ainda com Tarja nos vocais). Essa canção não estava presente nos set lists anteriores dos shows com Floor, e foi interpretada com perfeição pela banda (com grande óbvio destaque para a vocalista, que conseguiu alcançar todas as notas gravadas pela cantora original), para delírio e emoção do grande público que lotava o Opinião. Aliás, as músicas da "era Tarja" eram melhor recebidas que as da segunda fase, e, ao contrário do que ocorria com Anette, se adaptaram muito bem à poderosa garganta de Floor. Assim, canções como "Ever Dream" ou o cover para "Over The Hills And Far Away" (original de Gary Moore, que também não vinha sendo executado regularmente pela banda) levaram muitos ao delírio, e tiraram lágrimas dos olhos de diversas das muitas garotas presentes ao show.

A longa e épica "Ghost Love Score" não soava tão bem há anos, e encaminhou o encerramento da apresentação com a sequência final de Imaginaerum, com a dobradinha "Song of Myself" e "Last Ride of the Day", seguidas da outro "Imaginaerum", que ficou tocando no sistema de som até as luzes da casa acenderem, indicando o final da apresentação e frustrando quem esperava por um bis que não veio, depois de pouco mais de noventa minutos de uma apresentação memorável!


Nightwish no palco do Opinião

Floor Jansen se mostrou a cantora ideal para a banda, e, embora seu futuro ao lado dos finlandeses seja incerto, sua permanência no quinteto parece ser a decisão correta a tomar. O entrosamento entre todos foi perfeito (nem parece que faz pouco mais de dois meses que a holandesa se juntou ao grupo), e a cantora tem tudo para recuperar a abalada credibilidade do Nightwish. Se o chefão Tuomas permitir, é claro!

Fica aqui um agradecimento especial ao pessoal responsável pela segurança e pela iluminação do show, que me permitiram ficar em um local onde tive excelente visualização do palco por inteiro, algo que seria difícil em outra posição, devido à lotação do bar. Thanks, guys!

"My love, it lies so deep, ever dream of me"


Final da apresentação

Setlist:


1. Crimson Tide (intro)
2. Storytime
3. Dark Chest Of Wonders
4. Wish I Had An Angel
5. Amaranth
6. Scaretale
7. I Want My Tears Back
8. The Crow, The Owl And The Dove
9. Nemo
10. Last Of The Wilds
11. Wishmaster
12. Ever Dream
13. Over The Hills And Far Away
14. Ghost Love Score
15. Song Of Myself
16. Last Ride Of Day
17. Imaginaerum (outro)

domingo, 2 de dezembro de 2012

Discografias Comentadas: Garotos Podres


Por Micael Machado


Formado em 1982 na cidade de Mauá, que é uma das cidades que compõem a região do Grande ABC em São Paulo, o Garotos Podres conseguiu, ao longo destes trinta anos, o status de uma das maiores e mais importantes bandas de punk rock do Brasil. Com seu núcleo girando em torno do vocalista Mao, do guitarrista Mauro e do baixista Sukata (tendo por muitos anos Português na bateria), em apenas cinco discos de estúdio lançados (mais dois ao vivo, uma coletânea e um split), a banda marcou seu nome na história da música no país com suas canções empolgantes e letras ácidas, com letras críticas e inteligentes, e toques de um humor mordaz em muitas oportunidades. 

Confira agora as obras deste importante e histórico grupo paulistano!

Mais Podres do que Nunca [1985]

Onze músicas em pouco mais de vinte minutos foram o suficiente para criar um dos maiores clássicos do punk rock nacional. O que era para ser uma simples fita demo acabou sendo lançado em vinil pelo selo Rocker, e se tornou um dos pilares do movimento no Brasil, chegando à marca de 50.000 cópias vendidas, um recorde de vendagem de discos independentes na época do lançamento. Músicas como "Vou Fazer Cocô", "Anarquia Oi", "Eu Não Sei o que Quero" e "Papai-Noel Velho Batuta" são cultuadas até hoje pelos fãs do estilo, e com toda a razão. As letras com críticas inteligentes e bem definidas ao sistema capitalista, ao governo e ao modo de vida da época (não pior que o de hoje) continuam atuais mesmo passados quase trinta anos. A faixa "Johnny" teve sua execução pública proibida pela censura na época, e as músicas "Papai-Noel Filho da Puta" e "Maldita Polícia" tiveram letras e títulos alterados pela banda para evitar o mesmo destino (a primeira virou a citada "Papai-Noel Velho Batuta", e a segunda saiu como "Maldita Preguiça"). Em 1987, o selo Lup-Som fez uma nova versão, com uma capa diferente e o nome de Pisando na M..., e as futuras edições em CD trouxeram uma faixa bônus chamada "Meu Bem". O grupo também participou com duas faixas deste disco para a pioneira coletânea Ataque Sonoro, lançada no mesmo ano pelo selo Ataque Frontal. Mais Podres do que Nunca é um disco essencial, e lançado logo na estreia do grupo!

Pior que Antes [1988]

Apesar do título, tudo melhorou neste segundo disco dos paulistanos (agora pela gravadora Continental): a produção, as letras (sempre críticas e conscientes) e até mesmo as composições, que conseguiram superar as quase perfeitas músicas do disco anterior. "Eu Não Gosto do Governo", "Proletários", "Suburbio Operario", a divertida "Batman" (cuja letra mais uma vez foi censurada), "Garoto Podre" e "Escolas" (violenta crítica ao sistema educacional brasileiro, ainda válida mesmo nos dias de hoje) ajudam a formar um dos melhores discos de punk rock que já ouvi na vida, sem dever nada às bandas "gringas" do estilo. Estas e as quatro faixas restantes despejam as acusações de Mao ao governo, ao sistema de trabalho no Brasil (que escraviza o trabalhador ao invés de lhe dar condições dignas de vida - a letra de "Caminhando Para o Nada" acusa: "Você entrega o seu tempo, seu orgulho, seu sentimento, sua força de trabalho, tudo em troca de salário"), à educação nas escolas e na própria família (vide a letra de "Não Questione"), aos "piratas do século XX que querem nos saquear" (como cita a letra de "Yankees Go Home") e até a religião (na citada "Não Questione"). Revolta inteligente e contundente + punk rock básico mas muito bem tocado e arranjado = clássico absoluto! Sem discussões!


Canções para Ninar [1993]

A curta (e furiosa) "Oi Tudo Bem?" abre aquele que, para mim, é o último grande disco do Garotos Podres, desta vez lançado pelo selo Radical Records. "Fernandinho Veadinho" (que, segundo a letra, é uma história fictícia, mas trata do ex-presidente Fernando Collor, usando a tradicional crítica ácida de Mao, e que rendeu ameaça de processo ao grupo), "Saddam Hussein Is Rock ´N´ Roll", a divertida "Verme", "Mordomia" e "Rock de Subúrbio" (que ganhou um clipeo primeiro da bandacaberiam em qualquer um dos discos anteriores, além de terem uma produção ainda melhor. A excelente "Aos Fuzilados da C.S.N." traz toques de ska, estilo que antes estava distante da proposta do grupo, e trata da morte de trabalhadoras nesta usina durante uma greve em 1988, em um confronto ocorrido entre funcionários do local e a polícia. "Censura Idiota" e "Surfista de Pinico" completam um excelente disco, embora um pouco abaixo dos dois primeiros. O álbum ainda gerou um EP chamado Mordomia EP, editado na França pelo selo One by One (com a faixa título e "Aos Fuzilados da C.S.N"), além de ter sido em sua turnê que o grupo gravou seu primeiro disco ao vivo oficial, Rock de Subúrbio - Live, lançado originalmente em 1995 pelo selo português Fast'n'Loud.

Com a Corda Toda [1997]

Depois de quatro anos sem um novo lançamento, o grupo soltou pela Paradoxx Music este que é, para mim, o registro mais fraco de sua carreira, além de marcar a despedida do baterista Português. Os toques Ska e a divertida letra de "O Mundo Não Para De Girar!" são os melhores momentos do álbum, ao lado da hilária "Boris Yeltsin", cantada em um "russo que não existe" por Mao. Pela primeira vez, o Garotos Podres registrava covers em seus discos, gravando logo duas de uma só vez: a excelente "Skinhead Girl", da banda jamaicana de reggae Symarip, e a infantil "Expulsos do Bar", da banda de punk rock portuguesa Mata-Ratos (outra música com muita influência de ska). Com a Corda Toda ainda possui quatro regravações para músicas dos dois primeiros discos, além de mais toques de Ska em "Apresento Mi Amigo!" e "O Que Eu Vou Ser Quando Crescer?" (com uma das melhores letras do álbum, ao lado de "Zé Ninguém"), e da pior música da carreira dos paulistanos, a infantil e ridícula "Mancha", que, apesar de uma letra de causar vergonha aos fãs dos discos anteriores (e que em nada lembra as críticas inteligentíssimas presentes nestes), virou presença obrigatória nos shows. Pouco mais de trinta e cinco minutos que trazem alguma diversão, mas bem menos do que antes. No mesmo ano, o selo português Fast'n'Loud lançou Arriba! Arriba!, interessante compilação com músicas de estúdio já lançadas antes, duas músicas registradas ao vivo em São Paulo e três faixas gravadas ao vivo na Alemanha durante uma turnê de 1995. Em 2001 saiu Live In Riosegundo álbum ao vivo do Garotos Podres, editado pela própria banda e gravado no bar Ballroom (que, como diz o nome do play, fica no Rio de Janeiro) em outubro de 2000, o qual é o primeiro trabalho com o baterista "Capitão Caverna" Nunes.

Garotozil De Podrezepam [2003]

Produzido de forma totalmente independente e distribuído pela própria banda, o mais recente disco de estúdio do Garotos Podres superou em todos os aspectos o fraco registro anterior. Desde o título, passando por músicas como "Serviço Militar", "Ditador" e a versão para "A Internacional" (famoso hino internacionalista escrita em 1871 por Eugène Pottier, membro da Comuna de Paris, o primeiro governo operário da história), e chegando à retomada das letras críticas e inteligentes na maioria das canções (vide, além das citadas, "O Ocidente é Um Acidente" e "Ainda Vamos Tocar Bossa-Nova"), o álbum representa uma retomada de rumo para o grupo, de volta a seu lugar no pódio do punk rock nacional. "Agente Secreto", "Sou Um Fracasso-Maníaco", "Tô De Saco Cheio" e "Nasci Pra Ser Selvagem" (versão para "Born To Be Wild", do Steppenwolf) trazem mais uma vez elementos de ska à música da banda, e o grupo ainda registrou uma cover para "O Adventista", que é uma versão para  "I Believe", do Buzzcocks, escrita e gravada originalmente pelo saudoso Camisa de Vênus. A única bola fora do disco (mais liricamente do que em termos musicais) é a ridícula e infantil "Vomitaram No Trem", que seguia na cola do "sucesso" de "A Mancha" (do disco anterior), e também se tornou obrigatória no repertório dos shows (vá entender!).


Mauro, Mao, Sukata e Capitão Caverna

Em 2006, saiu pelo selo Anticorpos o disco Garotos Podres & Albert Fish Split, com cinco músicas dos paulistanos (três ao vivo gravadas no Festival Demo Sul em 2003) e sete dos portugueses, além de vídeos das duas bandas. Em 2008, Mauro deixou o grupo, sendo substituído por Cacá, e em 2010 Mao superou um sério problema de saúde. O Garotos Podres continua na estrada, infelizmente sem previsão de lançar um novo disco (um DVD foi gravado em 2011 em show especial no Hangar 110 em São Paulo, mas ainda permanece inédito), mas sendo sempre garantia de um show energético e divertido ! Oi, Oi, Oi!