segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Review Exclusivo: Jack Bruce (Porto Alegre, 26 de outubro de 2012)

Por Micael Machado


Mais uma lenda da música se apresentou em Porto Alegre nesta semana. Aos 69 anos de idade (e cinquenta de carreira), o escocês Jack Bruce veio pela primeira vez ao Brasil para shows em São Paulo e na capital gaúcha, passando  pela capital da Argentina entre as duas apresentações.

Mais conhecido por ter feito parte do Cream (o primeiro "super grupo" do rock, onde tocou ao lado de Eric Clapton e Ginger Baker, em um dos maiores "power trios" da história), Bruce também integrou, dentre outros, a Graham Bond Organisation, o West, Bruce & Laing (com os então ex-membros do Mountain Leslie West e Corky Laing) e o projeto de curta duração BBM (ao lado de Baker e do guitarrista Gary Moore), além de manter uma carreira solo meio inconstante desde 1969 e recentemente ter gravado um disco ao lado do grupo Spectrum Road. Considerado um dos melhores baixistas do mundo do rock (e um grande vocalista), Bruce há tempos adquiriu o status de "lenda" por seus serviços prestados à música, e foi com este pensamento que muitos foram ao belo Teatro do Bourbon Country na última sexta feira para lhe assistir.

Jack Bruce em Porto Alegre

Com apenas dez minutos de atraso, Bruce entrou no palco acompanhado dos competentíssimos Tony Remy (guitarra) e Frank Tontoh (bateria, que de tonto não tem nada!), para, como um legítimo power trio, interpretarem “First Time I Met The Blues”, de seus tempos ao lado de Bond (com Baker na bateria, inclusive!). Já com Paddy Milner (piano e teclados) e o trio de metais formado por Winston Rollins, Derek Nash e Paul Newton no palco, mandaram “Neighbor Neighbor”, lançada pela primeira vez no ao vivo Cities of the Heart, de 1994 (embora tenha sido gravada em 1978 para Jet Set Jewel, que só sairia em 2003). As duas músicas não era muito conhecidas da plateia (que não chegou a lotar o teatro, embora o mesmo estivesse bem cheio), que respondeu apenas respeitosamente a elas.

Mas aí Bruce e companhia emendaram "Politician", a primeira do Cream na noite. A casa veio abaixo, e os mais de sete minutos da canção apresentaram finalmente uma característica tão importante do trio britânico: os improvisos! Lá pelo meio da música, Bruce, Remy, Tontoh e Milner começaram a solar todos ao mesmo tempo, indo cada um para um lado e tentando um superar o outro, como nos bons tempos da swinging London dos anos 60! Pode acreditar, foi lindo de ver e ouvir (e, melhor ainda, isto se repetiria outras vezes ao longo da noite)!

Paddy Milner, Jack Bruce e Frank Tontoh


Outra da carreira solo de Bruce, "You Burned the Tables on Me", abaixou um pouco a poeira (embora o solo de Remy nesta canção mereça ser destacado), mas "Born Under a Bad Sign", outra que o Cream gravou (embora o original seja de Albert King), colocou o público de pé novamente. Bruce estava bastante comunicativo, falando frequentemente com o público, agradecendo bastante a presença de todos e aos músicos de sua banda (batizada de Big Blues Band). Mas, mais do que tudo, estava tocando e cantando como se o tempo não tivesse passado, e ele ainda fosse aquele rapaz que duelava com Clapton e Baker pelos palcos da América no Norte. Impressionante!


Bruce foi para o piano (com Milner ficando apenas no teclado), e abriu caminho para a entrada em cena de Nick Cohen, responsável por executar as linhas de baixo em "Tickets For Waterfall" e na emocionante "Theme For An Imaginary Western", do primeiro disco solo de Bruce (Songs for a Tailor, de 1969), mas mais conhecida pela interpretação do Mountain no essencial álbum Climbing!, de 1970. Foi um dos momentos mais belos do show, e abriu espaço para algo que poucos estavam esperando: uma sequência de clássicos do Cream, começando por "Spoonful" (cuja versão original é de Willie Dixon, e que trouxe Bruce de volta ao baixo), passando por uma "We're Going Wrong" ainda mais lenta e soturna que a original (e que para mim foi o ponto alto da noite), e culminando numa dobradinha de "Deserted Cities of the Heart" (apresentada com os dois baixistas no palco!) e "White Room", que não deixaram ninguém reclamar ao longo de sua longa duração. Fantástico é pouco!

Frank Tontoh teve então o seu momento solo, onde mostrou muita técnica e simpatia, inclusive fazendo algumas marcações típicas de uma escola de samba em sua bateria. Chamando a participação do público para fazer divertidos "heys!", o cara se mostrou uma figuraça, e chegou a dançar em seu banquinho, empolgado com a resposta da plateia. Tecnicamente, pode não ter sido o melhor drum solo que já assisti, mas acompanhar sua longa duração não foi nenhum sacrifício para este que vos escreve.

Jack Bruce and His Big Blues Band no palco

Após o momento de glória de Tontoh nos holofotes, o grupo retornou para, mais uma vez com dois baixos no palco, mandar "Sunshine Of Your Love", seguramente a música que a maioria do pessoal estava esperando, pois foi a que teve a maior ovação por parte da plateia (além de um magnifico solo de Bruce, onde tocou trechos de "Crossroads" em seu baixo e fez vários improvisos), encerrando o show com a empolgação e a energia nas alturas, com muitos abandonando seus lugares e indo agitar na frente do palco, além de gritarem o refrão em alto volume!

Pouco tempo de espera nos separou do bis, que iniciou com a calma "The Consul At Sunset" (que parecia desconhecida para a maioria), passou pela swingada "Never Tell Your Mother She's Out Of Tune" e encerrou com "Sitting On Top Of The World", mais uma gravada pelo Cream (baseada na versão de Howlin’ Wolf), que satisfez a todos os presentes depois de pouco menos de duas horas de um show que, com certeza, ficará na memória de todos os que tiveram a oportunidade de assisti-lo!

Jack Bruce deu uma aula de simpatia, canto (assumindo todas as partes vocais originalmente registradas por Clapton nas músicas do Cream) e baixo (com seu instrumento sem trastes em um volume altíssimo, como nos bons tempos) para todos nesta noite, acompanhada de música de excelente qualidade interpretada por músicos competentíssimos. O que mais se poderia pedir? Apenas que momentos como estes não demorem mais cinquenta anos para se repetir!

Visão geral do palco de Jack Bruce e sua banda

"I'm sitting on top of the world"

Set list:

01. First Time I Met The Blues
02. Neighbor Neighbor
03. Politician
04. You Burned the Tables on Me
05. Born Under a Bad Sign
06. Tickets For Waterfall
07. Theme For An Imaginary Western
08. Spoonful
09. We're Going Wrong
10. Deserted Cities of the Heart
11. White Room
12. Drum Solo 
13. Sunshine Of Your Love

Bis

14. The Consul At Sunset
15. Never Tell Your Mother She's Out Of Tune
16. Sitting On Top Of The World

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Review Exclusivo: Arnaldo Baptista (Porto Alegre, 21 de outubro de 2012)


Por Micael Machado


Imagine um sujeito que, antes de chegar à adolescência, já desenvolveu um talento natural para a música, tanto ao piano quanto ao baixo e ao violão. Junto ao irmão e à namorada, ele cria um dos melhores, mais importantes e influentes grupos musicais que o Brasil já conheceu, seja em que estilo de música for. Ele se casa com a namorada, e a banda faz um enorme sucesso, mas as drogas, as brigas e a fama fazem o casamento terminar e ela abandonar o grupo. Arrasado pela separação, também ele sai em carreira solo, gravando logo de cara um dos melhores, mais importantes e influentes discos do rock nacional. Decide então montar um novo grupo, que abandona depois de dois álbuns (não lançados à época), e que se transforma em um dos melhores, mais importantes e influentes grupos de hard rock cantado em português do país. Após outro registro solo, e cheio de problemas de saúde, é internado em um hospital, de onde tenta “ir embora” pulando pela janela do terceiro andar. O tombo não acaba com sua vida, mas o deixa em coma por um bom tempo, com sequelas que durarão o resto da vida, além de por pouco não o transformar em um vegetal. Com muita fisioterapia e apoio da nova companheira, ele vai se recuperando, grava um novo registro musical (que reflete com exatidão o estado de sua saúde à época), mais outro disco muito tempo depois, e embarca em um retorno do seu grupo original ao lado do irmão (a ex-namorada e esposa não quis participar), sendo aclamado por plateias da Europa e da América do Norte. Exausto pela rotina de viagens, e ainda não totalmente recuperado, abandona mais uma vez o grupo para se dedicar à pintura, mas decide mais uma vez rodar o Brasil com um espetáculo onde interpreta, sem a companhia de uma banda, canções de toda a sua carreira, músicas escritas por outras pessoas, mas que sempre gostou de ouvir, e outras inéditas que compôs ao longo dos últimos anos.


Este é um breve resumo da história de Arnaldo Dias Baptista, verdadeira lenda viva do rock nacional que veio a Porto Alegre com o seu “Sarau o Benedito?” neste domingo, 21 de outubro. Tocando no agradabilíssimo Teatro da UFRGS, o músico levou um grande público ao seu show (os 1500 lugares do local estavam praticamente tomados), não apenas pela beleza de suas composições, mas pelo privilégio de estar tão próximo a um dos maiores músicos que este país já produziu.

Mapa do palco, desenhado pelo próprio Arnaldo

Com vinte minutos de atraso em relação ao horário marcado, Arnaldo entrou no palco para, sozinho ao piano, abrir o show com "Cê Tá Pensando que Eu Sou Lóki?", do disco Lóki?, de 1974 (sua estreia solo). E sozinho ao piano ele continuou durante todo o show, como já havia sido amplamente divulgado que seria, e em uma situação que não é nada nova para ele (consta que Arnaldo já fazia isso durante a época progressiva dos Mutantes, quando não fazia mais parte do grupo - para quem não sabe, aquele do irmão e da namorada -, mas subia ao palco vestido de cowboy para dar uma "palhinha" no meio dos shows de seu irmão e dos colegas dele).

O fato de estar acompanhado apenas de seu instrumento revela a genialidade e as deficiências do artista Arnaldo Baptista. Genialidade pois, mesmo com todas as sequelas que ainda lhe restam de tudo o que viveu e sofreu, ainda consegue emocionar a plateia (que muitas vezes se dirigia a ele berrando "Gênio" com todo o pulmão) com seu talento ao piano, por vezes executando melodias bastante complicadas (como trechos de compositores clássicos), em outras sequências de canções infantis. Já as deficiências aparecem quando, por vezes, Arnaldo parece esquecer qual a próxima nota a tocar, segurando a melodia com uma mão enquanto a outra permanece suspensa no ar como que tentando adivinhar em que tecla deve cair. Mas isso acontece raras vezes, e é mais uma observação de um chato que parece apenas querer achar algo para criticar do que um problema real para quem assistia ao show.

Arnaldo Baptista

Sem se prender a estilos, Arnaldo intercalou rocks ("Blowin' In The Wind", de Bob Dylan, "Rocket Man", de Elton John, "Yesterday", dos Beatles, "Honky Tonk Women", dos Rolling Stones), gospels americanos (“Down by the Riverside”), música infantil ("Gatinho Cetim"), o tema do filme “A Pantera Cor-de-Rosa”, boleros ("Perfidia"), clássicos da dor de cotovelo ("A Casinha Pequenina", de Sílvio Caldas, de quem seu antigo grupo gravou "Chão de Estrelas") e da música regional brasileira (“Lampião de Gás”, gravada originalmente em 1958, por Inezita Barroso), músicas do cancioneiro francês, britânico ("My Bonnie"), e italiano ("Santa Lucia"), e apenas duas canções de sua época com o Mutantes ("Balada do Louco" e "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde que Eu Tenha o Rock and Roll", ambas de Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets, de 1972). 

De sua carreira solo, Arnaldo também escolheu poucas canções, com ênfase no citado Lóki? ("Uma Pessoa Só", "Não Estou nem Aí" e um trecho de "Será que Eu Vou Virar Bolor?" com letra alterada) e em Elo Perdido (de 1988, mas gravado em 1977 ao lado da Patrulha do Espaço, o tal "novo grupo que depois abandonou", e do qual tocou "Sunshine", "Trem" e "Sentado ao lado da Estrada"). Ainda houve espaço para "Jesus Volte Até a Terra" (versão em português para a sua "Jesus Come Back To Earth", e que foi lançada em Disco Voador, de 1987, gravado enquanto Arnaldo se recuperava de seu "acidente"), "Sanguinho Novo" (outra versão em português para uma música originalmente cantada em inglês, desta vez "Young Blood", de seu segundo disco, Singin' Alone, de 1982, assim como a interpretação original de "Jesus..."), e pelo menos duas de Let It Bed, de 2004 ("Woody Woodpecker-Everybody Thinks I'm Crazy" e "Nobody Knows"), além das inéditas "I Don't Care" e “Walking in the Sky” (que deverão estar em seu próximo disco, já batizado de Esphera), tudo isso acompanhado por projeções de suas obras no enorme telão localizado atrás do musico, criando uma apresentação mutante (não resisti ao trocadilho) a cada música interpretada. 

Uma das projeções do telão

Apesar de ter um repertório e partituras apoiados em seu piano, a escolha das músicas parecia decidida por Arnaldo ali, na hora, de acordo com sua vontade. As curtas canções (muitas com menos de dois minutos, algumas não chegando sequer a sessenta segundos), iam se sucedendo com breves intervalos (nos quais o músico agradecia à plateia de um jeito tímido e envergonhado, chegando a dizer que "não merecia tanto", quando na verdade merece muito mais), o que fez com que, seguramente, perto de quarenta músicas (ou trechos) tenham sido interpretados nos sessenta minutos de espetáculo, o que tornou apurar um set list exato uma tarefa quase impossível.

Após uma senhora da produção entrar no palco e falar qualquer coisa ao pé do ouvido de Arnaldo, tudo se encerrou com "Corta Jaca" (presente em Singin' Alone e Elo Perdido), mas o pessoal não arredou pé do local até o músico voltar, interpretando novamente "Cê Tá Pensando que Eu Sou Lóki?", para então deixar o palco de vez, de certa forma frustrando quem queria mais um pouco de sua genialidade.

A bela iluminação do palco de Arnaldo baptista

Pode não ter sido tecnicamente perfeito (e não foi), mas foi uma celebração a um dos maiores artistas que este país já viu surgir, e que, miraculosamente, para nossa sorte ainda é capaz de atos belos e emocionantes como este show. Neste sentido, como qualquer um que esteve presente há de concordar, foi maravilhoso!

"Eu não tô nem aí prá morte, eu quero mais é decolar toda manhã..."

Nota: se por acaso você tiver o set list apresentado, deixe para nós nos comentários! Agradecemos!

domingo, 21 de outubro de 2012

Review Exclusivo: Linkin Park (Porto Alegre, 12 de outubro de 2012)



Por Micael Machado
Fotos por Micael Machado e Raquel Alvarez

O grupo norte-americano Linkin Park encerou sua turnê brasileira (que também passou por São Paulo e Rio de Janeiro, com dois shows) na capital gaúcha neste feriado de Nossa Senhora Aparecida. Inicialmente marcado para o dia 11, no estádio do Zequinha, o concerto acabou transferido para o dia 12, no Gigantinho, em uma troca que foi prejudicial para muitos: perderam aqueles  que queriam viajar no feriadão, os que queriam ouvir o som com uma boa qualidade (o ginásio do S. C. Internacional é reconhecido localmente por sua péssima acústica), a produtora do evento, que, ao fixar preços absurdos para os ingressos (os mais caros chegavam a R$400 reais), deixou de vender uma quantidade bem maior, e a própria banda, que perdeu a oportunidade de se apresentar para no mínimo vinte e cinco mil pessoas, número que poderia ter sido atingido se o local original tivesse sido mantido e os preços fossem menos salgados.

Eu curto o Linkin Park desde que ouvi pela primeira vez seu primeiro álbum (Hybrid Theory, de 2000), e, apesar de considerar que a qualidade de seus discos vem decaindo gradativamente (chegando ao ápice negativo no recente Living Things, deste ano), não deixo de acompanhar os lançamentos do grupo, embora acredite que as melhores canções da banda estejam em seus registros mais antigos. Com o anúncio da turnê e a divulgação dos prováveis set lists, não me empolguei muito, devido ao grande número de músicas do novo álbum escolhidas para o show. Mas, após assistir pela internet ao show de São Paulo (que foi transmitido ao vivo pelo canal Multishow), meu ânimo para o concerto mudou, pois o espetáculo na capital paulista foi muito bom. Lembro de comentar que, se fosse igual em Porto Alegre, já estava de excelente tamanho, embora tudo indicasse que o repertório seria diferente.

Reação em Cadeia

Por volta das 21 horas, o Reação em Cadeia subiu ao palco para fazer a abertura da noite. Bastante conhecidos no estado gaúcho, e acostumados com grandes públicos (pois são presença constante no festival Planeta Atlântida, que ocorre todos os verões no litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina), iniciaram sua apresentação com "Inferno", uma de suas canções mais conhecidas, com o vocalista/guitarrista/galã Jonathan Corrêa arrancando suspiros das (muitas) meninas presentes, e colocando o público na sua mão logo de início. Mas, após mais duas ou três músicas, o ânimo da galera foi caindo, com muita gente sentando para esperar pelo show principal. O som estava surpreendentemente com uma boa qualidade, e todos os instrumentos se faziam ouvir com perfeição, em algo raro de se presenciar neste ginásio.

A mistura de nu metal com emocore (com ênfase no último) que o grupo pratica nunca me agradou muito, e, para mim, o grande momento foi quando interpretaram "Plush", do Stone Temple Pilots, após Jonathan declarar que era um prazer e uma honra estarem abrindo para o Linkin Park, do qual gostavam muito, e que fazia parte da mesma geração do Reação em Cadeia, sendo a noite uma celebração desta geração do começo dos anos 2000 (achei meio viajante essa frase, mas, tudo bem). Encerrando os cinquenta minutos a que tiveram direito, "Me Odeie" levantou novamente o pessoal, e a banda deixou o palco agradecendo muito à educação e ao respeito do público, e dizendo que o pessoal havia se comportado "como se estivesse no primeiro mundo", significando sei eu lá o quê!

Enquanto a equipe técnica preparava o palco para a atração principal, alguém tentou colocar no teclado de Mike Shinoda uma bandeira do Brasil com o símbolo do Internacional no meio, e nossa ridícula rivalidade grenal deu as caras mais uma vez, com muita gente vaiando os roadies da banda, que rapidamente trocaram a bandeira por outra do Rio Grande do Sul, desta vez para aplausos de todos, que começaram a gritar um "ah, eu sou gaúcho" e a cantar o hino riograndense em uma demonstração bairrista que soou meio constrangedora naquele momento.


Linkin Park no palco do Gigantinho

Após muita enrolação (o comentário geral era de que teria acontecido algum problema com o voo que trouxe o grupo ao RS), pouco antes das 23 horas o Linkin Park adentrou o palco para iniciar o seu show. A intro "Tinfoil" me fez pensar que o repertório escolhido seria o mesmo apresentado em São Paulo, e "Faint", a música de abertura, me confirmou este fato, fazendo com que eu me alegrasse imensamente e causando muita expectativa de que assistiria a um show memorável!

O que veio a se confirmar nos pouco mais de noventa minutos que se seguiram. Chester Bennington (vocais), Mike Shinoda (vocais, guitarra e  teclados), Brad Delson (guitarra), Dave "Phoenix" Farrell (baixo), Joe "Mr." Hahn (DJ, samplers) e Rob Bourdon (bateria) têm muita experiência com públicos grandes (e as 12 mil pessoas - no mínimo - que encheram o Gigantinho são um público bem expressivo para uma cidade como Porto Alegre), e não deixaram a peteca cair um momento sequer. Com a qualidade do som ainda melhor do que a do Reação em Cadeia, emendaram com "Papercut" e "Given Up", com a empolgação da galera indo lá em cima, e a banda parecendo se divertir bastante com a excelente receptividade do público gaúcho, que entoava as letras quase em uníssono. Mesmo canções do disco novo, como "In My Remains" ou "Lost In The Echo", que não me agradam muito em suas versões de estúdio, acabaram soando muito melhores ao vivo, graças ao peso que ganharam em seus arranjos live, muitas vezes com duas guitarras onde no álbum quase não se escuta nenhuma.


Detalhe do show do Linkin Park

Mike Shinoda passou muito tempo ao teclado (que ficou adornado com a bandeira do RS o tempo todo), mas seus raps agradaram muito a todos, assim como as vocalizações e a incrível presença de palco de Chester (que até se arriscou na guitarra durante "Iridescent", apresentada em um belo medley junto às "baladas" "Leave Out All The Rest" e "Shadow Of The Day"). Phoenix passeava pelo palco todo, e Brad ficou por várias vezes meio "escondido" perto dos teclados de Mr. Hahn ou dos de Mike (além dele mesmo tocar uma espécie de "teclado sem teclas" em "Lies Greed Misery" e percussão em "The Catalyst"), e ainda teve de enfrentar alguns problemas com o som de sua guitarra no começo de "Somewhere I Belong", chegando a deixar o palco por instantes para trocar de instrumento. Rob é muito competente em sua bateria, e Mr. Hahn é uma figuraça, lidando com seus samplers, vinis e equipamentos eletrônicos como uma criança dividida entre vários brinquedos diferentes.

Detalhe de um dos impressionantes vídeos exibidos no telão

Os vídeos de animação exibidos no telão, especialmente durante as músicas de Living Things, são de uma qualidade impressionante, e efeitos como a pirotecnia de "Burn it Down" atraíram a atenção de todos. Mas o maior atrativo do grupo está na qualidade de suas músicas, e canções como "Numb" e "What I´ve Done" não deixaram ninguém parado, além de serem cantadas por praticamente todos os presentes. O final da apresentação com "One Step Closer" não desagradou a ninguém, até porque todos sabiam que logo eles voltariam para um pouco mais.

A citada "Burn it Down", do disco novo, abriu o bis sendo bem melhor recebida do que eu esperava, mas a loucura foi geral com os primeiros acordes de "In The End", música que apresentou o Linkin Park para muita gente (eu inclusive), e que ainda é minha favorita na discografia do grupo. Assim como nos outros shows da turnê brasileira, "Bleed It Out" veio mesclada a "Sabotage", dos Beastie Boys (em uma bela homenagem a Adam Yauch, membro deste lendário grupo novaiorquino que faleceu este ano), e encerrou o espetáculo de forma quase catártica, deixando a todos com um sorriso enorme de satisfação estampado no rosto, com o grupo permanecendo no palco por longos minutos agradecendo à plateia (muito elogiada por Shinoda, que disse ser o público brasileiro um dos mais altos e barulhentos do mundo), sendo que a única coisa de que se pode reclamar é da curta duração do espetáculo,  que poderia tranquilamente ser aumentada em pelo menos meia hora, tal a quantidade de canções "obrigatórias" que não foram tocadas.


Linkin Park

Mas não há problemas, pois o que se viu (e ouviu) já serve para marcar este como um dos melhores espetáculos do ano até aqui. Que o Linkin Park não demore a voltar, e que possamos outra vez encarar este showzaço com toda a emoção e felicidade que ele merece. Que seja em breve!

When my time comes, keep me in your memory, and leave out all the rest...

Final da apresentação do grupo norte americano

Set list:

1. Intro/Tinfoil
2. Faint
3. Papercut
4. Given Up
5. With You
6. Somewhere I Belong
7. In My Remains
8. New Divide
9. Victimized
10. Points Of Authority
11. Lies Greed Misery
12. Waiting For The End
13. Breaking The Habit
14. Medley: Leave Out All The Rest/Shadow Of The Day/Iridescent
15. The Catalyst
16. Lost The Echo
17. Numb
18. What I've Done
19. One Step Closer

Bis

20. Burn It Down
21. In The End
22. Bleed It Out

sábado, 6 de outubro de 2012

Review Exclusivo: Planet Hemp (Porto Alegre, 29 de setembro de 2012)


Por Micael Machado


Foi em 1998. O Gigantinho recebia um evento para homenagear três bandas praticamente novatas, que estavam no topo do rock nacional naquele momento. Pela ordem de entrada, Charlie Brown Jr., Raimundos e Planet Hemp se apresentariam para um estádio com um excelente público, em uma celebração à "segunda geração" do famoso BRock da década de 1980. Os dois primeiros grupos fizeram apresentações muito boas, mas, na hora do Planet subir ao palco, um sujeito anunciou que a banda "havia sofrido um acidente no Rio de Janeiro, e não havia  conseguido chegar a Porto Alegre". Diante das vaias do pessoal, ele bradou que "quem não gostasse tentasse recuperar o dinheiro do ingresso na justiça", e encerrou a noite de forma melancólica!

O grupo se separou não muito depois disso (mas a tempo de lançar um dos melhores discos ao vivo gravados por uma banda brasileira nos últimos vinte anos), e Marcelo D2, um dos cantores, virou "músico respeitado" por fãs de samba, rock, hip hop, MPB, patricinhas e até nossas mães, além de figurinha fácil na mídia nacional, chegando ainda a fazer participação como ator em um especial da Rede Globo. O outro cantor, B-Negão, montou o Seletores de Frequência e manteve o respeito no underground, e dos instrumentistas Formigão (baixo), Rafael (guitarra) e Pedrinho (bateria), pouco ou nada se ouviu falar. O grupo só tocaria junto mais uma vez, em 2010, em uma festa em comemoração aos vinte anos de Brasil da emissora MTV. Aquela oportunidade não concretizada em 1998 seria a única que eu teria de assistir ao vivo um dos mais inovadores grupos do rock nacional do final do século passado, e eu já havia me conformado com isso há muitos anos.

Até que, em meados deste ano, Marcelo D2 anunciou "um show de volta do Planet no RJ". O que era para ser um evento único logo virou uma turnê, e a segunda data anunciada foi justamente para Porto Alegre, no excelente Pepsi On Stage! Surpreso, alegre e animadaço, comprei meu ingresso logo na primeira semana de vendas, e fiquei na expectativa de que a banda não "furasse" comigo pela segunda vez.


Da Guedes

Marcado para iniciar as 23 horas, faltavam dez minutos para a meia noite quando a Da Guedes, lenda do rap e do hip hop porto-alegrense, subiu ao palco para fazer a abertura da noite. O hip hop é um dos estilos da sonoridade do Planet Hemp, mas não é o único, e um show de quarenta minutos do estilo realmente é algo que não me agrada muito. O público aceitou-os muito bem, inclusive com muita gente cantando as letras junto ao grupo, mas, para mim, só não foi mais insuportável porque os caras realmente têm talento em seu estilo. Além disso, a música "Peleia", que a rádio Ipanema FM divulgou muito no começo dos anos 2000, é uma excelente composição, e outros hits como "Bem Nessa", "Dr. Destino" e o cover para "Esse é o meu Compromisso", da Ultramen, foram ovacionados pela galera. Eu não gostei, mas fui a minoria.

Planet Hemp no palco do Pepsi On Stage


Antes da data do show, a mídia anunciava que o hoje clássico primeiro disco do Planet, Usuário (de 1995), seria tocado na íntegra, mas eu queria mesmo era ouvir as versões presentes em MTV Ao Vivo (de 2001), o tal disco ao vivo citado acima. Quando, já a uma da manhã, um vídeo com Gil Brother (o "away de Petrópolis") defendendo a legalização da maconha iniciou no telão, a expectativa para o que viria foi grande. Um segundo vídeo, com uma atriz interpretando uma aeromoça e dando "instruções para sobreviver ao show" ("respeite quem está ao seu lado no show", "passe o beck, não enrole", "cantem junto", etc.), ainda seria exibido antes de Formigão, Rafael e Pedrinho surgirem interpretando "Não Compre Plante", faixa de abertura do disco de estreia. Assim como no disco ao vivo, a canção teve executada apenas a sua introdução instrumental, sendo emendada a "Legalize Já", e levando todos à loucura com a presença no palco de D2 e B-Negão.


Planet Hemp na área!

A sequência com "Dig Dig Dig (Hempa)" mostrou que o disco não seria executado na íntegra, ou pelo menos não na mesma ordem da gravação. Na verdade, o Planet, de forma muito interessante, tocou as músicas (quase) em ordem cronológica, dividindo o show em três "atos", um para cada disco de estúdio de grupo. Assim, no primeiro ato, foram interpretadas as músicas de Usuário, com destaque maior para "Fazendo a Cabeça", "Futuro do País" (com muito peso) e a surpreendente "Bala Perdida". O foco ficou nas músicas mais hardcore, e o pessoal abriu enormes rodas de pogo no meio do Pepsi. Impressionante!

O "segundo ato" trouxe as músicas de Os Cães Ladram mas a Caravana não Para, de 1997. Este é um disco mais focado no hip hop, tendo até alguns toques de samba, como "Hip Hop Rio" e "Nega do Cabelo Duro" nos lembraram. Mas hits como "Zerovinteum", "Queimando Tudo" e "Quem Tem Seda?" (do terceiro disco, mas curiosamente executada neste ato, assim como "Gorilla Grip") fizeram a galera cantar e dançar ainda mais que as músicas do primeiro ato, além do hardcore ter tido espaço com "Seus Amigos" e "100% Hardcore", onde D2 se jogou na plateia, levando alguns bons minutos para conseguir voltar ao palco. Ainda teve tempo para um curtíssimo solo do porto-alegrense Pedrinho antes de "Adoled (The Ocean)", outra que cativou a todos.

O show continuava, e chegávamos ao terceiro ato, com as músicas de A Invasão do Sagaz Homem Fumaça, de 2000. "Ex-quadrilha da Fumaça" e "Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga" iniciaram os trabalhos, sendo seguidas por mais três músicas do mesmo disco, além de "A Culpa É de Quem?", de  Usuário. "Samba Makossa" foi uma bela homenagem a Chico Science (como eles já fazem há tempos), e "Mantenha o Respeito" (de quem todos sentiram falta no primeiro ato) encerrou a noite em alto estilo.



A homenagem a Chico Science no telão

A imagem da banda sempre foi muito focada em D2 e B-Negão, mas é injusto não citar os demais membros. Formigão é, ao lado de Champignon (do Charlie Brown Jr.), o melhor baixista nacional de sua geração. Rafael faz misérias com sua guitarra, transformando o pedal de efeitos em uma usina contagiante de sons. E Pedrinho (que há tempos substituiu Bacalhau, o baterista original), apesar de ser o mais discreto de todos, desce o braço com vontade nas peles e pratos, além de saber tocar "no sapatinho" quando necessário. Os dois vocalistas são a imagem do Planet, e, como homens de frente, executam muito bem suas funções, com o público nas mãos o tempo todo (embora por vezes o microfone de ambos tenha ficado muito baixo, prejudicando a audição das vozes, assim como ocorreu às vezes com a guitarra de Rafael). Além disso, foi muito legal ver os dois se abraçando por várias vezes durante o show, mostrando que as rusgas do passado estão definitivamente esquecidas.

Ao final de "Mantenha o Respeito", o grupo permaneceu no palco sob os pedidos de "mais um, mais um" do pessoal. D2 disse que não tinham programado mais nada, "eram vinte e sete músicas e só, pessoal" (na verdade, foram vinte e seis), e "só se tocarmos tudo de novo" disse, se jogando ao chão ao ouvir o uníssono "yeah" do pessoal, fingindo estar muito cansado (algo que acredito que estava mesmo, pois já havia declarado que "não dá para tocar só hardcore o tempo todo não" antes de "Stab"). Como Rafael havia "ido ao banheiro", como ele disse, tocaram diversos trechos de músicas já executadas antes apenas com baixo, bateria e os beat-boxes executados por B-Negão. Com a volta do guitarrista, repetiram "Mary Jane" e "Dig Dig Dig (Hempa)", encerrando de vez uma noite memorável para o público gaúcho.


Planet Hemp

Se o Planet Hemp passar por sua cidade nesta turnê, não perca a oportunidade de assisti-los. A satisfação será garantida!

"Represento o hip hop, o pesadelo do pop, não tá ligado na missão? Foda-se!"


Set list:

Primeiro ato: o usuário e a luta pela legalização da maconha

1. Intro (Não Compre Plante)
2. Legalize já  
3. Dig Dig Dig (Hempa)
4. Planet Hemp 
5. Fazendo a Cabeça
6. Futuro do País
7. Phunky Buddha
8. Mary Jane
9. Bala Perdida

Segundo ato: os cães ladram mas a caravana não para

10. Zerovinteum
11. Queimando Tudo
12. Quem Tem Seda?
13. Gorilla Grip
14. Seus Amigos
15. Nega do Cabelo Duro
16. Hip Hop Rio
17. Adoled (The Ocean)
18. 100% Hardcore

Terceiro ato: a invasão do sagaz homem fumaça

19. Ex-quadrilha da Fumaça
20. Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga
21. Stab
22. Contexto
23. Procedência C.D.
24. A Culpa É de Quem?
25. Samba Makossa
26. Mantenha o Respeito

Bis

27. Trechos de diversas músicas
28. Mary Jane
29. Dig Dig Dig (Hempa)